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Processo n.º 400/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária, na qual decidiu não julgar inconstitucional uma das normas objecto do recurso e, na parte restante, decidiu não conhecer do mesmo, pelos fundamentos seguintes:
«(….) 4. Sem prejuízo da eventual falta de normatividade de algumas das nove questões colocadas pelo recorrente, o certo é que a constitucionalidade das normas indicadas nos pontos 4.1., 4.2., 4.3., 4.4., 4.5., 4.6., 4.8. e 4.9. do requerimento supra transcrito não foram suscitadas no decurso do processo, perante o tribunal recorrido.
Não o foram, designadamente, na motivação do recurso, e respectivas conclusões, apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora, onde o recorrente suscitou uma única questão de constitucionalidade referente à norma resultante da conjugação dos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), e 292.º, ambos do Código Penal, na parte respeitante à “proibição de conduzir veículos com motor”. Ou seja, o recorrente apenas suscitou junto do tribunal recorrido a questão que, embora em termos algo diferentes, refere no ponto 4.7. do citado requerimento, como resulta claro dos parágrafos 12 e seguintes da motivação do recurso e das respectivas conclusões 6.e 8. É certo que, nessa peça processual, o recorrente faz outras alusões à Constituição, mas apenas para imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão, em si mesma, e não para suscitar uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa (cfr., por exemplo, a conclusão 4. da referida motivação de recurso).
Pelo que apenas daquela questão poderá o Tribunal conhecer, não podendo o recurso ser admitido quanto às demais questões, por falta de suscitação das mesmas perante o tribunal recorrido (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5. No que respeita à questão identificada no ponto 4.7. do requerimento, deve a mesma ser delimitada em função da dimensão que efectivamente foi questionada pelo recorrente no decurso do processo, pois só essa pode ser apreciada no presente recurso. Verifica-se que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), e 292.º, do Código Penal, na medida em que determinam, de forma “automática”, “uma sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor”. Alega o recorrente que esse “automatismo” viola o princípio do “não automatismo das sanções acessórias que impliquem perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (artigo 30.º, n.º 4, da Constituição); o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de “necessidade” ou proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição); o princípio da plenitude das garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição); e o princípio da fundamentação expressa (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).
A norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, estabelece a condenação na proibição de conduzir veículo com motor por um período fixado entre três meses e três anos para quem for punido, nomeadamente, por crime, previsto no artigo 292.º do Código Penal, de condução de veículo em estado de embriaguez.
Norma idêntica, contida no antecedente artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, foi julgada não inconstitucional pelo Acórdão n.º 291/95, cuja fundamentação pode ser resumida nos seguintes termos:
«I - Só à perda de direitos como efeito automático da pena se refere o nº 4 do artigo 30º da Constituição. Na verdade, não é constitucionalmente proibido que à condenação por certos crimes se sigam, necessariamente, certas consequências. O que se veda é que uma certa condenação penal produza automaticamente, por mero efeito da Lei, a perda de qualquer um daqueles direitos; já não que a sentença condenatória possa decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa, feita casuisticamente pelo Juiz.
II - A medida de inibição da faculdade de conduzir não se apresenta como estranha ou desarticulada relativamente à conduta geradora da responsabilidade criminal. Com efeito, entre o facto gerador dessa responsabilidade e a sanção de inibição é óbvia a conexão, em termos de se poder afirmar que é por ter violado de forma intensa os seus deveres enquanto condutor que o agente é privado temporariamente da faculdade legal de conduzir.
III - Não se verifica violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das sanções criminais pela circunstância de a medida abstracta da sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir - seis meses e cinco anos - ser a mesma, independentemente de se tratar de um comportamento doloso ou meramente culposo, já que tal não impede o julgador de, atendendo às circunstâncias do caso e ao grau de culpa do agente, fixar diferentemente a respectiva pena, consoante se mostre confrontado com uma conduta dolosa ou simplesmente negligente.
IV - É irrelevante que os limites mínimo e máximo abstractamente previstos para a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir sejam desconformes ou mesmo superiores (no caso de negligência) aos limites estabelecidos para a pena de prisão ( prisão até um ano ou até seis meses, consoante o facto seja imputável a título de dolo ou de negligência).»
Posteriormente, o Acórdão n.º 53/97 julgou não inconstitucional a norma do artigo 12.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 124/90, igualmente relativa à inibição de faculdade de conduzir, com os fundamentos assim resumidos:
«I - Independentemente da questão da adequada qualificação doutrinal da inibição da faculdade de conduzir, e não obstante o legislador a designar como sanção acessória, é da análise da sua conformação legal que há-de resultar uma eventual caracterização daquela sanção como efeito automático da pena, em contradição com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
II - A circunstância de ter sempre de ser aplicada, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta última.
III - Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais.
IV - É verdade que o que está em causa no presente recurso é a aplicação da medida de inibição da faculdade de conduzir num caso de recusa a exame de pesquisa de álcool por condutor que contribuiu para acidente de viação e não num caso de condução de veículo sob a influência do álcool. Trata-se, contudo, de uma conduta que revela um grau de perigosidade relativamente aos valores de segurança rodoviária que justifica, igualmente, a medida de inibição da faculdade de conduzir. Com efeito, não só inviabiliza o controlo pelas autoridades policiais das condições em que os condutores (que deram origem a acidentes) se encontram, impossibilitando a detecção e neutralização dos comportamentos perigosos e situações de perigo e inviabilizando a realização da disciplina rodoviária, como ainda revela o perigo de uma condução não submetida às regras de segurança rodoviária no futuro.
V - Há, pois, uma conexão suficiente entre o facto perpetrado e a inibição fundamentada na natureza do ilícito: a violação intensa dos deveres do condutor e o perigo para a segurança rodoviária daí derivado associam-se adequadamente à privação temporária da faculdade de conduzir.»
Mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 149/01 e 79/09 vieram julgar não inconstitucional a norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, remetendo para a fundamentação do citado Acórdão n.º 53/97.
A argumentação expendida nos arestos citados, com a qual concordamos, é aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, pelo que também aqui se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que estabelece a condenação na proibição de conduzir veículo com motor por um período fixado entre três meses e três anos para quem for punido, nomeadamente, por crime, previsto no artigo 292.º do Código Penal, de condução de veículo em estado de embriaguez. Reiterando a fundamentação, designadamente, do Acórdão n.º 291/95, conclui-se que a norma em causa não viola o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, nem o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de “necessidade” ou proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
Pode concluir-se, assim, que, quanto aos parâmetros constitucionais supra referidos, a questão a decidir é simples, “por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal”, pelo que há fundamento para emissão de uma decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Resta dizer que é manifestamente infundada a invocação dos princípios da plenitude das garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) e da fundamentação expressa (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição), como parâmetros para a aferição da constitucionalidade desta norma, uma vez que ela é insusceptível, por si só, de contender com as garantias de defesa em processo crime ou com o dever de fundamentação das decisões judiciais.
6. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso na parte respeitante às questões identificadas nos pontos 4.1., 4.2., 4.3., 4.4., 4.5., 4.6., 4.8. e 4.9. do requerimento acima transcrito;
b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), e 292.º, do Código Penal, que condena na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido por crime de condução de veículo em estado de embriaguez. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio apresentar “pedido de aclaração e de reclamação”, nos seguintes termos:
«(…) PEDIDO DE ACLARAÇÃO E RECLAMAÇÃO DE DECISÃO SUMÁRIA N.° 339/2010
A., tendo sido notificado da DECISAO SUMARIA N.° 339/2010, proferida pelo Mm.° Juiz-Conselheiro Doutor JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, e não se conformando com a mesma, VEM, ao abrigo do disposto nos artigos 75.° e 78.°-A, n.ºs 3 e 4, da Lei do Tribunal Constitucional, da mesma APRESENTAR PEDIDO DE ACLARAÇÃO E RECLAMAÇÃO, PARA A CONFERENCIA, POR A CONSIDERAR, ressalvado o devido e muito respeito que nos merece o Juiz-Conselheiro Relator CONTRADITORIA e INCONSTITUCIONAL, COM OS FUNDAMENTOS QUE SE PASSAM A EXPOR:
I - DA ILEGAL REDUÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO FACE ÀS QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE OPORTUNA E TEMPESTIVAMENTE SUSCITADAS, DE FORMA ADEQUADA, JUNTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RECORRIDO - ARTIGO 72.°, N.° 2, DA LTC.
A presente decisão, contrariando a LTC e o superior dever de julgar, veio apenas a conhecer um dos pontos (4.7.) dos nove [(4.1.; 4.2.; 4.3.; 4.4.; 4.5.; 4.6.; 4.7.; 4.8.; 4.9.)] que lhe competiria visto que, contrariamente ao que alega o distinto Juiz-Conselheiro Relator, todos os pontos foram alvo de correcta e atempada suscitação junto do Tribunal da Relação de Évora. De facto, na Decisão Sumária sob sindicação refere-se:
«4. Sem prejuízo da eventual falta de normatividade de algumas das nove questões colocadas pelo recorrente, o certo é que a constitucionalidade das normas indicadas nos pontos 4.1., 4.2., 4.3., 4.4., 4.5., 4.6., 4.8. e 4.9. do requerimento supra transcrito não foram suscitadas no decurso do processo, perante o tribunal recorrido.
Não o foram, designadamente, na motivação do recurso, e respectivas conclusões, apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora, onde o recorrente suscitou uma única questão de constitucionalidade referente à norma resultante da conjugação dos artigos 69.º, n.° 1, alínea a), e 292.°, ambos do Código Penal, na parte respeitante “proibição de conhecer veículos a motor”. Ou seja, o recorrente apenas suscitou junto do tribunal recorrido a questão que, embora em termo algo diferentes, no ponto 4.7. do citado requerimento, como resulta claro dos parágrafos 12 e seguintes da motivação do recurso e das respectivas conclusões 6 e 8. É certo que, nessa peça processual, o recorrente faz outras alusões à Constituição, mas apenas para imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão, em si mesma, e não para suscitar uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa (cfr., por exemplo, a conclusão 4, da referida motivação de recurso).
Pelo que apenas daquela questão poderá o Tribunal conhecer, não podendo o recurso ser admitido quanto às demais questões, por falta de suscitação das mesmas perante o tribunal recorrido (artigo 72.°, n.° 2, da LTC) »
Ora, sempre com a ressalva do mérito, haverá que constatar que, neste processo, não só as diversas questões da inconstitucionalidade foram invocadas de «modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida» (o Tribunal da Relação de Évora) — como, aliás, disso teve consciência o Juiz-Relator ao referir «E certo que, nessa peça processual, o recorrente faz outras alusões à Constituição...» — como, outrossim, o foram em quantidade superior à que ficou reduzida a presente decisão sumária com a limitação do objecto do presente processo de constitucionalidade ao ponto 4.7.
Para esclarecer e justificar que o Tribunal Constitucional deveria ter conhecido, à luz do artigo 72.°, n.° 2, da LTC, de todas as questões colocadas, tem de se analisar, por um lado, o recurso (Motivação: alegações e conclusões) apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora recorrido; e, por outro lado, o que se deve entender pela expressão «SUSCITAÇÃO DE» «MODO PROCESSUALMENTE ADEQUADO PERANTE O TRIBUNAL QUE PROFERIU A DECISÃO RECORRIDA».
A - QUANDO ÀS QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SUSCITADAS E QUE DEVERIAM GLOBALMENTE INTEGRAR O OBJECTO DO PRESENTE RECURSO
Algumas das questões de constitucionalidade levantadas junto do Tribunal Constitucional, por via de requerimento e após aperfeiçoamento, são uma concretização das conclusões, implícitas ou expressas, efectuadas, junto do Tribunal da Relação de Évora. Na verdade, sem prejuízo da demais motivação, há que referir que aí se formularam as seguintes conclusões:
«1 - O Mm.° juiz a quo, ao condenar o arguido, pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, numa pena de quarenta e cinco dias de multa à razão diária de dez euros e a uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, fê-lo a partir de uma insuficiente e errónea avaliação e qualificação da matéria de facto dada como provado já que a mesma era insuficiente para a verificação do crime de condução de veículo em estado de embriaguez [ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas] (artigo 292.º CP 2007) [artigo 410.º, n.° 2, alínea a) e c) CPP 20087].
2 - A conclusão de que o arguido conduzia o veículo 18-74-RA com uma TAS de 1,38 g/l, sem que se explicite como se chegou a tal taxa, nomeadamente referindo a marca do aparelho, o grau de fiabilidade do mesmo, a menção da aplicação ou não dos critérios de correcção constantes da Portaria n.° 1556/2007, de 10 de Dezembro.
3 - A não certificação que o “alcoolímetro”, que se encontrava em utilização pela autoridade autuante, se encontrava em bom estado de conservação e foi submetido a ensaios onde incorreu em erros que não excederam os erros máximos admissíveis da verificação periódica, contende com os artigos 9.° a 10º da Portaria 1556/2007 que estabelece o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
4 - Não constando da sentença prova do arguido ter sido advertido de que tinha direito à não incriminação ou à contraprova, tal exame/perícia por alcoolímetro contendeu com a liberdade pessoal do arguido, devendo considerar-se nula por força do artigo 32.º, n.° 2 e 8 CRP’, bem como dos artigos 126.0. n.° 1 e 4 CPP 2007.
5 - A aplicação da margem de erro levaria ao desconto de, pelo menos 0,50 g/l, aos 1,38 g/l.
6 - Verifica-se a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 292.º CP conjugado com o artigo 69.º CP’, ao entender-se que a sanção acessória de “proibição de conduzir veículos com motor” é automática.
7 - Não se verifica o pressuposto formal e pressuposto material da aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
8 - A punição num crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.º CP), não pode acarretar automaticamente, a aplicação da proibição de conduzir veículos com motor, sob pena de violação do princípio da proibição dos efeitos automáticos da pena criminal (artigo 30.º, n.° 4 CRP e artigo 65.º CP).
9 -Tomando em linha de conta os factos 1.º a 6.º, não encontramos circunstâncias de facto ou relativas à personalidade do agente que nos indiciem que a sua condução se revela especialmente censurável, tanto mais que igualmente se refere que o arguido não tinha “antecedentes estradais” e era socialmente bem reputado.
10 - Errónea determinação judicial da medida concreta da pena aplicada, com violação dos critérios dos artigos 40.º, 70.º, 71.º do código penal.
11 - o Mm.° Juiz a quo fez uma errónea interpretação dos fins das penas, dado que a pena concreta é justificada da seguinte forma: «Tudo ponderado entendo ser de fixar a pena em 80 dias de multa à razão diária de 7€ e, atenta a circunstância de o arguido necessitar da carta de condução e ser primário, na sanção acessória de proibição de conduzir por um período não inferior a quatro meses e meio».
13 - A condenação final é contraditória já que referem-se circunstâncias a favor do arguido mas que são valoradas contra o mesmo. De facto, o arguido não tem antecedentes, está bem inserido socialmente, tem gente a depender dele e necessita da carta de condução, é primário.
14 - Não operatividade e validade da confissão para a comprovação da verificação dos factos para efeitos do cometimento do crime do artigo 292.º CP’, dado que se trata de uma prova mista de exame e perícia (juízo pericial), 151.°e 163.º, 171.º CPP 2007 que implica, sob pena de nulidade, 126.º, n.ºs 1 e 3 CPP 2007, um juízo técnico cientifico, mediatizado por aparelho, previamente aprovado, homologado.
15 - O arguido agiu num condicionalismo típico de um direito/estado de necessidade (desculpante), dos artigos 34.° e 35.º, n.° 2, do CP, de tal modo que os factos que lhe foram imputados deixaram de ser ilícitos, não devendo, por isso, ser aplicada qualquer punição, mas, pelo contrário, absolver-se o mesmo dos factos que se consideram “justificados” face à situação de emergência em que actuou e tomando em linha de conta que não lhe era exigível outro comportamento, atento o circunstancialismo fáctico em que actuou (adiantado da hora — 02h11, receio de assalto, receio de destruição do seu património comercial, receio de desaparecimento de postos de trabalho dos seus colaboradores por incêndio do estabelecimento comercial)».
Só que, o Mm.º Relator ignorou que, na motivação de recurso, deu-se concretização e aprofundamento a tais conclusões em termos mais amplos, tendo-se aí argumentado e desenvolvimento tais princípios de forma explicativa, tomando como exemplo o ponto 15 da motivação (vide toda a motivação apresentada junto do tribunal Relação de Évora):
15 - Verifica-se a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 292.º CP conjugado com o artigo 69.º CP, ao entender-se que a sanção acessória de “proibição de conduzir veículos com motor” é automática, assim se violando os princípios gerais de aplicação das penas acessórias do artigo 65º CP, o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de necessidade ou proibição de excesso (artigo 18.º, n.° 2 CRP) e o princípio constitucional do não automatismo das sanções acessórias que impliquem perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (artigo 30.º, n.º 4 CRP):
Outro exemplo: (parte da motivação):
30 - O artigo 292.º (Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas,) CP 2007, entendido enquanto “crime de perigo abstracto” e não como “crime de perigo abstracto-concreto”, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da culpa (artigos 1.º, 2.°, 18.°, n.°2, 25.°, 26.°e 27.°CRP 1976 e artigo 40.°CP), do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.° 2 CRP), do princípio da ofensividade, do princípio da necessidade ou carência de criminalização “avançada” incompatível com a ideia de Estado de Direito Democrático.
Outro exemplo: (parte da motivação):
32 - O artigo 69.º do CP é manifestamente inconstitucional, sempre que, ao arrepio do disposto no artigo 283.º, n.° 3 do CPP, 358.º, n.ºs 1 e 3 e 379.°, n.°1, alínea b) se entende desnecessária — como foi o caso —, em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, a sua não indicação na acusação ou pronúncia, e, mau grado isso, se propugna a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir aí prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do CPP, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, assim incorrendo a (ambas as) sentença(s) em nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 379.° do CPP, ao que acresce um ilegal e censurável desrespeito do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.° 7/2008 [Processo n.° 4449/07 —3.ª Secção, Diário da República, 1.ª Série-A, N.°146, de 30 de Julho de 2008], assim se violando o princípio da igualdade e uniformidade subjacentes ao direito de acesso ao direito e a julgamento justo e equitativo em situações materialmente coincidentes no âmbito de vigência da mesma legislação (artigos 13. °, 20.°e 202.°CRP 1976).
Outro exemplo: (parte da motivação).
“ .”. Inconstitucionalidade do artigo 344.°, n.° 2 do CPP quando interpretado no sentido de valer como «confissão integral e sem reservas» a simples aposição de um X num quadrado, sem que tenha sido o arguido esclarecido do sentido e alcance de tal aposição, nomeadamente do direito ao silêncio ou a calar o corpo que lhe assiste, em sede de garantias de defesa, e face ao princípio da plenitude das garantias de defesa, assim ficando, de igual modo, violados o princípio da lealdade, objectividade e legalidade da actuação da acusação (MP), introduzindo-se um insuportável encurtamento das garantias de defesa do arguido (artigos 26.º, 32.º, n.°s 1, 5 e 8 C’RP1976).
Outro exemplo: (parte da motivação):
37 - A inadmissibilidade de recurso, para o STJ, por força do disposto nos artigos 400.º, n.°1, alínea e) e 432.°, n.°1, alínea b), a contrario, do CPP, é manifestamente inconstitucional, à luz do “direito ao recurso” e “acesso ao direito e aos tribunais”, constante dos artigos 20.°, 32.°, n.° 1 e 202.° CRP 1976, visto que configura uma desproporcionada e inconstitucional limitação das garantias de defesa do arguido.
Face a isto, entende-se que às conclusões, constantes do processo junto do Tribunal da Relação de Évora, está subjacente, para efeitos do disposto no artigo 72.°, n.° 2, e face aos aprofundamentos (do tema) doutrinários e jurisprudenciais que se citam infra, um modo de suscitação adequado à pretensão de admissão de tais questões à sindicância constitucional
Na verdade, o que se peticiona, no ponto 4.1., não pode deixar de se entender estar subjacente às referências constantes das conclusões 1 e 9, já que se dá a entender que não só o arguido não tinha antecedentes como a sua condução não colocou, em concreto, qualquer perigo para a vida ou património de terceiros, assim estando implícito o juízo de crítica constitucional ao carácter abstracto do crime que, por isso, impede a prova concreta da ausência de perigo. Protecção criminal avançada que atenta contra o princípio da culpa e da não instrumentalização da pessoa humana, à luz do princípio da dignidade. Tudo isso consta da motivação de recurso, pelo que o ponto 4.1. deveria ser alvo de análise.
Quanto ao ponto 4.2., ele é abundantemente referenciado na motivação do recurso e está implícito — senão expresso! — nas conclusões 2 a 3, do recurso apresentado junto do Tribunal recorrido.
Quanto ao ponto 4.3. ele encontra-se abundantemente referenciado na motivação e nas conclusões 2, 4 e 5.
O mesmo se diga para os pontos 4.4., 4.5., 4.6., 4.8. e 4.9., já que, respectivamente, aparecem concretizados em toda a motivação do recurso apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora e, nas conclusões 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13, 14 e 15.
B - QUANDO AO SIGNIFICADO A ATRIBUIR À EXPRESSÃO «SUSCITAÇÃO DE» «MODO PROCESSUALMENTE ADEQUADO PERANTE O TRIBUNAL QUE PRO FERIU A DECISÃO RECORRIDA».
SOBRE ESTE ASPECTO, AFIGURA-SE-NOS OPORTUNO CITAR B. SILVA RODRIGUES, em obra inédita e em fase de edição gentilmente cedida pelo autor -, EM QUE REFERE O SEGUINTE:
4. A suscitação da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade de modo processualmente adequado perante — o tribunal a quo
17. A questão que se pretende abordar é a de saber se o recorrente pode, no requerimento de interposição de recurso, perante o Tribunal Constitucional. invocar a violação de normas ou princípios diversos daqueles que invocou durante o processo junto do tribunal a quo. Se isso for possível, isso significará que a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade a que aludem os artigos 70.°, n.° 1, alíneas b) e f) e artigo 72.°, n.° 2, da LOTC, não constitui o objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, por a obrigação de suscitação (modo processualmente adequado), durante o processo, dever ser entendida como um mero pressuposto processual deste recurso. Dito de outro jeito, o objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou da ilegalidade, previsto nos artigos 70.°, n.° 1, alíneas b) e f), e artigo 72.°, n.° 2, da LOTC, é exclusivamente composto pela norma — ou interpretação normativa — alegadamente inconstitucional ou ilegal, ou integrará também as normas ou princípios constitucionais ou legais cuja violação o recorrente invocou durante o processo- O problema pode desdobrar-se em outras duas preocupações. A primeira é a de saber se, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade ou ilegalidade (sobretudo nas alíneas b) e f) do n.° 1, do artigo 70.°, e 72.°, n.° 2, da LOTC), o objecto do recurso, interposto para o Tribunal Constitucional, coincide (ou não) com a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada durante o processo. A segunda preocupação, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, é a de saber se a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade terá necessariamente de integrar uma referência, por parte do recorrente, à(s) norma(s) ou princípio(s) constitucional(ais) ou legal(ais) violado(s), mesmo não se exigindo que o recorrente tenha afirmado, de forma expressa, que tal norma é inconstitucional ou ilegal, sob pena de, por força do disposto nos artigos 75.°-A. n.° 1 e 2, 72.°. n.º 2, e 79.°-C, da LOTC, se concluir que a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido. De facto, numa formulação em tudo semelhante à do artigo 51.°, n.° 5, da LOTC, vigente em matéria de fiscalização abstracta, o artigo 79.°-C, da LOTC, veio esclarecer que «O Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada». Todavia, convém esclarecer que este problema se coloca em moldes distintos nesta última modalidade de fiscalização — concreta — do que na fiscalização abstracta da constitucionalidade, visto que não constitui pressuposto processual destes últimos processos que o recorrente proceda à suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Isto significa que o problema da identificação do seu objecto se coloca de forma autónoma relativamente ao problema do objecto do recurso de fiscalização concreta típicos das alíneas b) e f), do n.° 1, do artigo 70.°, da LOTC.
22. Todavia, nem tais alíneas, nem o disposto no artigo 72.°, n.° 2, da LOTC, parecem formular a exigência da indicação expressa, durante o processo, de um concreto fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade. O cumprimento do ónus constante dos artigos 70.°, n.° 1, alíneas b) e f), e 72.°, n.° 2, da LOTC, não exige a expressa afirmação por parte do recorrente, durante o processo, de que certa norma é inconstitucional ou ilegal, pelo que não seria de lhe impor a indicação de um específico preceito do texto constitucional ou legal considerado violado ou a designação correcta do princípio constitucional ou ilegal infringido. Bastaria, para efeitos do cumprimento do ónus de suscitação dos artigos 70.°, n.° 1, alíneas b) e f), e artigo 72.°, n.° 2, da LOTC, que o recorrente produzisse afirmações das quais se pudesse deduzir que o mesmo imputa a inconstitucionalidade ou a ilegalidade a certa norma, daí que se tornaria igualmente suficiente, para efeitos desse cumprimento, que o fundamento da inconstitucionalidade ou da ilegalidade da norma tivesse sido apresentado ao tribunal recorrido de medo perceptível, isto é, que decorresse ou se deduzisse da produção (no requerimento) de certo tipo de afirmações pelo recorrente. Contrariando, de algum modo, este entendimento, os Acórdãos n.°s 269/946, de 23 de Março, e 538/2000, de 12 de Dezembro, vieram firmar o entendimento de que o recorrente deve indicar, no decurso do processo, qual é a norma ou o princípio constitucional ou legal violado. O que, levado à letra, implicaria considerar não suscitada a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade sempre que o recorrente não tivesse identificado, de forma explícita e expressa, durante o processo, o preceito constitucional ou legal que indica no requerimento de interposição do recurso perante o TC ou sempre que o recorrente tivesse designado, de forma imprecisa, o princípio constitucional violado.
«O Tribunal só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de norma cuja aplicação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada».
Em bom rigor, parece mesmo só a propósito dos fundamentos de ilegalidade se exige alguma concretização pelo recorrente, devendo o mesmo invocar, durante o processo, a violação de lei com valor reforçado, estatuto de região autónoma ou de lei geral da República. Todavia, mesmo nesses casos, nem sequer se impõe ao recorrente, de forma expressa, a invocação da violação de uma específica norma de qualquer dos diplomas.
Nesse sentido, sobre a desnecessidade dessa exigência, já se pronunciara o Acórdão do TC n.° 105/90, de 29 de Março, relatado pelo Conselheiro BRAVO SERRA, em substituição do originário relator J. M. CARDOSO DA COSTA.
24. Parece que se pode defender a tese de que não é de exigir uma correspondência perfeita entre a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade submetida à apreciação do tribunal recorrido e a colocada, mediante requerimento, junto do TC. O único ponto comum às duas questões é a norma a apreciar, ou seja, a norma a propósito da qual se colocou e agora coloca uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
25. Face ao que se referiu, como responder às situações em que o recorrente invoca no requerimento de interposição do recurso perante o TC, pela primeira vez, a violação de certas normas ou princípios. Trata-se daquelas situações em que não era possível, face ao alegado perante o tribunal recorrido, deduzir da violação de outras normas ou princípios, nem era possível ao tribunal recorrido aperceber-se dessa outra questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade deficientemente colocada e, noutros casos, esse tribunal resolveu questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade diversa da que lhe foi concretamente colocada.
26. Se é certo que o artigo 75.°-A, n.° 2, da LOTC, ao determinar que, nos casos de interposição de recurso ao abrigo das alíneas b) ou 1, do n.° 1, do artigo 70.°, da LOTC, se deve indicar, no respectivo requerimento de interposição, a norma, princípio constitucional ou legal que se considera violado, parece viabilizar a tese de que, nesses casos, esta norma ou este princípio integram o objecto do recurso. Este entendimento é de afastar, pois não pode daí concluir-se que “a norma ou o princípio constitucional ou legal que se considera violado” corresponde necessariamente à norma ou ao princípio constitucional ou legal que se considerou violado no decorrer do processo e que, desse modo, tal preceito teria por finalidade a delimitação do objecto do processo: a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada. A ser assim, tornar-se-ia incompreensível a exigência do artigo 75.°- A, n.° 2, da LOTC, e a sua extensão, por exemplo, aos recursos interpostos ao abrigo da alínea 1), do n.° 1, do artigo 70.°, da LOTC (artigo 75.°-A, n.° 4, da LOTC), onde não vigora o ónus da suscitação.
27. Deve ter-se por boa doutrina aquela que entende que a imposição da indicação da norma ou do princípio constitucional ou legal que se considera violado, no próprio requerimento de interposição de recurso previsto nas alíneas b) ou f),, do n.° 1, do artigo 70.°, da LOTC, não visa delimitar o objecto de um tal recurso. De facto, tal exigência prende-se com a possibilidade conferida ao tribunal recorrido de não admitir esse recurso por manifesta falta de fundamento (artigo 76.°, n.° 2, parte final da LOTC) e com o facto de, nos demais recursos, a norma ou princípio constitucional ou legal violado aparecer referido na própria decisão recorrida ou em decisão anterior do TC ou da Comissão Constitucional, encontrando-se por isso, no momento da interposição do recurso para o TC, necessariamente identificada a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade a apreciar por este Tribunal.
28. Sob pena de uma radical despromoção da protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, deve entender-se que a invocação, no requerimento de interposição do recurso para o TC, da violação de norma ou princípio constitucional ou legal diverso do indicado durante o processo não tem como consequência o não conhecimento, nessa parte, do objecto do recurso, visto que a lei não prevê, como requisito processual de tal recurso, a identidade dessa norma ou princípio. Daí que propugnemos a tese de que, nos recursos previstos nas alíneas b) e 3,, do n.° 1, do artigo 70.° LOTC, o recorrente pode invocar, no respectivo requerimento de interposição do recurso junto do TC, a violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles que foram invocados durante o processo, sem que isso obste, por parte do TC, ao conhecimento do objecto do recurso, na parte respeitante à norma ou princípio constitucional ou legal anteriormente não identificado e “suscitado” apropriadamente junto do tribunal recorrido. ».
CONCLUI-SE, INTERCALARMENTE, NESTE PONTO, QUE:
O que nos leva a concluir que todas as questões (4.1. a 4.9.), foram, perante o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, em sede de motivação, alegações e conclusões, devidamente suscitadas, de forma processualmente adequada e atempada, pelo que não poderiam ter deixado de ter sido alvo de uma análise crítica e jurídico-hermenêuticamente empenhada.
Na decisão Sumária, sob escrutínio, o M.mo Juiz-Conselheiro Relator, em vez de efectuar uma autónoma, crítica e empenhada análise da questão optou por desenterrar jurisprudência, relativamente a «norma idêntica, contida no antecedente artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 124/90, de 14 de Abril...», constante do Acórdão n.° 291/95 [COM QUINZE ANOS JÁ!]; do Acórdão n.° 53/97 [COM TREZE ANOS JA!]; do Acórdão n.° 149/2001 [COM NOVE ANOS JÁ] e do Acórdão n.° 79/09 [COM UM ANO], tendo-se, no entanto, optado por recuperar os pontos I, II, III e IV do Acórdão n.° 291/95 e pontos I, II, III, IV e V do Acórdão n,° 52/97, referiu-se, com interesse para a sua colocação em “crise”, o seguinte:
«A argumentação expendida nos arestos citados, com a qual concordamos, é aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, pelo que também aqui se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 69. ° n.° 1, alínea a), do Código Penal, que estabelece a condenação na proibição de conduzir veículo com motor por um período fixado entre três meses e três anos para quem for punido, nomeadamente, por um crime, previsto no artigo 292.º do Código Penal, de condução de veículo em estado de embriaguez. Reiterando a fundamentação, designadamente, do Acórdão n.° 291/95, conclui-se que a norma em causa não viola o disposto no artigo 30. °. n.° 4, da Constituição, nem o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de “necessidade” ou proibição do excesso (artigo 18.º, n.° 2, da Constituição).
Ora, ao ter aderido aos fundamentos do Acórdão n.º 291/95, a Decisão Sumária padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, visto que não se encontrava devidamente fundamentada e lavar em erro acerca do problema de fundo.
Há que retorquir o seguinte:
1.º A questão colocada, junto do TC, pelo recorrente em nada tem de idêntico, em termos fácticos, com a que presidiu aqueloutra jurisprudência que, agora, se desentranhou e entranha na fundamentação da Decisão Sumária sob escrutínio;
2.° No caso do artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal, há, por mero efeito da Lei, a perda um direito do arguido (liberdade de condução), não tendo a sentença condenatória decretado essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa, feita, adequada e casuisticamente, pelo Juiz.
3.° A medida de inibição da faculdade de conduzir apresenta-se como estranha ou desarticulada relativamente à conduta geradora da responsabilidade criminal, visto que, entre o facto gerador dessa responsabilidade e a sanção de inibição não é óbvia a conexão, em termos de se poder afirmar que é por ter violado de forma intensa os seus deveres enquanto condutor que o agente é privado temporariamente da faculdade legal de conduzir.
4.° Verifica-se a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das sanções criminais pela circunstância de a medida abstracta da sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir ser a mesma, independentemente de se tratar de um comportamento doloso ou meramente culposo, já que tal impede o julgador de, atendendo às circunstâncias do caso e ao grau de culpa do agente, fixar diferentemente a respectiva pena, consoante se mostre confrontado com uma conduta dolosa ou simplesmente negligente.
5º E relevante que os limites mínimos e máximos abstractamente previstos para a sanção inibitória da faculdade de conduzir sejam desconformes ou mesmo superiores (no caso de negligência) aos limites estabelecidos para a pena de prisão (prisão até um anos ou até seis meses, consoante o facto seja imputável a título de dolo ou de negligência).
II- DA INCONSTITUCIONALIDADE DE USO DA FACULDADE ÍNSITA NO ARTIGO 78.°-A, DA LTC, NO PRESENTE PLEITO
O entendimento de que, no presente caso, estávamos perante uma questão «simples», para efeitos do disposto no artigo 78.°-A, da LTC, afigura-se ilegal e inconstitucional, já que representa um encurtamento das garantias recursórias constitucionais, pois ignora a factualidade concreta e identifica decisões jurisprudenciais adoptadas sobre casos da vida distintos.
PELO EXPOSTO, PUGNA-SE PELA REVOGAÇÃO DA DECISÃO SUMÁRIA ,ADMITINDO-SE TODAS AS QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE,ATEMPADA E PROCESSUALMENTE SUSCITAS, PARA EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 72.°,N.° 2, DA LTC, E PROCEDENDO-SE À SUA INTEGRAL ANÁLISE POR AS MESMAS INTEGRAREM O “OBJECTO DO RECURSO”, VISTO QUE, JUNTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, TODAS AS QUESTÕES FORAM SUSCITADAS EM SEDE DE MOTIVAÇÃO, ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES.
MAIS. DEVE CONSIDERAR-SE INCONSTITUCIONAL A INTERPRETAÇÃO DADA À NORMA DO ARTIGO 78.°-A, N.° 1, DA LTC, AO CONSIDERAR QUE O PRESENTE PLEITO SE ENCONTRA ADENTRADO DENTRO DO CONCEITO DE QUESTÃO “SIMPLES” QUANDO, NA VERDADE, NEM A QUESTÃO ERA SÓ UMA.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes:
«1º
O requerimento de fls 220 a 228 é apresentado como um “ pedido de aclaração e reclamação para a conferência”.
2º
Nesse requerimento não se enuncia qualquer obscuridade ou ambiguidade que possa afectar a decisão reclamada, como é exigido pelo artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
3.º
Assim, entendemos que tal requerimento deverá ser considerado uma reclamação para a conferência, da Decisão Sumária n.º 339/2010.
4º
Na Decisão Sumária referida, “sem prejuízo da eventual falta de normatividade de algumas das nove questões colocadas pelo recorrente” no requerimento apresentado na sequência do convite feito ao abrigo do artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, não se conheceu das questões ali identificadas em 4.1., 4.2., 4.3., 4.4., 4.5., 4.6., 4.8. e 4.9. porque não tinham sido suscitadas durante o processo.
5º
O momento processualmente adequado para suscitar as questões era a motivação do recurso interposto para a Relação de Évora.
6º
Na reclamação, o recorrente afirma que suscitou as questões, não podendo levar-se em consideração apenas o que ele tinha sido dito nas conclusões da motivação - como supostamente havia sido feito na Decisão Sumária -, mas também o que constava do texto dessa motivação.
7º
Para demonstrar que essa correcta suscitação havia ocorrido, transcreve parte do que diz ter afirmado no texto de motivação.
8º
Ora, vendo essas transcrições, constata-se que não têm correspondência naquela peça processual
9º
Inclusivamente, na parte final, refere-se uma inconstitucionalidade relacionada com a não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 400º, nº 1 alínea a) e 432º, nº 1, alínea b) do CPP); questão que nunca foi mencionada nos autos, sendo-lhe completamente estranha.
11º
Assim, nada de novo se dizendo, deve manter-se, nesta parte, a Decisão Sumária.
12º
Quanto à parte que conheceu do objecto do recurso e que lhe negou provimento, na Decisão Sumária entendeu-se – com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria – que configurando-se a inibição de conduzir como uma parte de uma pena compósita - “como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse” – e podendo ser graduada, nunca poderia considerar-se como “efeito automática” da condenação pelo crime previsto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal, não sendo violado, portanto, o nº 4 do artigo 30º da Constituição.
13º
Ora, na reclamação, não se adiantam quaisquer novos argumentos que possam abalar o bem fundado daquele entendimento.
14º
Por tudo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O presente pedido de “aclaração e reclamação” consubstancia, na verdade, uma reclamação para a conferência, uma vez que nele não se aponta qualquer obscuridade ou ambiguidade da decisão reclamada.
No que respeita à decisão de não conhecimento parcial do objecto do recurso, a extensa reclamação apresentada em nada abala os respectivos fundamentos.
Cumpre salientar que, surpreendentemente, o reclamante, a pretexto de fazer uma transcrição dos pontos “15”, “30”, “32” ou “37” da motivação do recurso apresentado junto do tribunal recorrido, veio introduzir novas alegações que não se encontram em parte alguma dessa peça processual, tal como a mesma consta dos presentes autos (cfr. fls. 92 e 95 dos autos).
Em tais pontos, na formulação com que integram o referido recurso, é notório que o reclamante não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Conclui-se, assim, que o ora reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa nas alegações do recurso que apresentou junto do Tribunal da Relação de Évora, com excepção da identificada no ponto 4.7. do requerimento de recurso e que foi apreciada na decisão reclamada.
Deve por isso manter-se a decisão reclamada na parte em que decidiu não conhecer parcialmente do objecto do recurso.
Por último, a presente reclamação pugna pela “inconstitucionalidade” da interpretação que a decisão sumária deu à norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, «ao considerar que o presente pleito se encontra adentrado dentro do conceito de questão “simples” quando, na verdade, nem a questão era só uma». Com esta afirmação, parece querer afirmar-se que a decisão sumária não podia ter-se baseado, como fez, em anteriores acórdãos do Tribunal Constitucional, na medida em que as questões nestes decididos seriam distintas da que aqui estava em causa.
Mais uma vez falece razão ao reclamante.
As diferenças “fácticas” que o reclamante alega existirem entre os casos de que emergiram os recursos de constitucionalidade decididos naqueles acórdãos e o presente processo, ainda que se confirmassem, não relevam no plano normativo em que se situa o objecto do recurso de constitucionalidade e as próprias competências do Tribunal Constitucional.
A questão apreciada na decisão sumária (ponto 4.7. do requerimento de recurso) é a da inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), e 292.º, do Código Penal, na medida em que determinam, de forma “automática”, “uma sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor”, por alegada violação do princípio do “não automatismo das sanções acessórias que impliquem perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (artigo 30.º, n.º 4, da Constituição); do princípio da proporcionalidade, na sua vertente de “necessidade” ou proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição); do princípio da plenitude das garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição); e do princípio da fundamentação expressa (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição)
A decisão sumária julgou não inconstitucional a citada interpretação normativa, fundamentando-se, por remissão, nos Acórdãos n.ºs 291/95, 53/97, 149/01 e 79/09, todos igualmente no sentido da não inconstitucionalidade. Os dois primeiros arestos versaram sobre norma idêntica que, à data, se encontrava vertida no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 124/90, enquanto que os dois últimos se debruçaram sobre o mesmo preceito legal (artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que remete para o artigo 292.º do mesmo Código) de que se extrai a interpretação normativa aqui em causa. Independentemente dos preceitos legais em causa, a norma apreciada em todos estes acórdãos foi sempre a mesma, ou seja, a norma que estabelece uma sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir associada à prática de certos crimes, sendo que, em todos eles a sanção acessória é sempre aplicada, ainda que pelo mínimo, desde que seja aplicada a pena principal, configurando-se como uma “parte de uma pena compósita” (nas palavras do citado Acórdão 53/97).
A jurisprudência citada na decisão sumária reclamada, à qual se adere, é assim inteiramente aplicável ao caso em apreço, não tendo a presente reclamação trazido qualquer elemento novo que obrigasse à sua reponderação.
Deve, por isso, manter-se na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.