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Processo n.º 604/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é reclamante A. e são reclamados o Ministério Público e B., vem o primeiro reclamar, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 19 de Julho de 2010 que não admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. O ora reclamante foi condenado, por sentença de 5 de Março de 2010, na pena de suspensão da execução da pena de prisão. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o mesmo não foi admitido, por despacho de 22 de Abril de 2010, com fundamento em extemporaneidade. Notificado desta decisão, o então recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando a não aplicação aos autos da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro.
Por despacho de 11 de Junho de 2010, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu a reclamação, nestes termos:
«Por força do disposto no art. 411º, nº 1, al. b), é de 20 dias o prazo para a interposição do recurso contado a partir do depósito da sentença na secretaria, aplicando-se à contagem deste prazo, por força do art. 104º, o regime previsto no art. 144º do Código de Processo Civil. Apenas se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada esse prazo é elevado para 30 dias, conforme expressa previsão do nº 4 do art. 411º.
Decorre da motivação do recurso interposto que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto que se teve como assente (a validade ou eficácia dessa impugnação constitui questão distinta), pelo que o prazo para a interposição do recurso era de 30 dias.
A sentença foi depositada em 5 de Março de 2010, iniciando-se nessa data a contagem do prazo de 30 dias.
Nos termos previstos no art. 145º, nº 5, do CPC, o acto podia ainda ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o imediato pagamento da correspondente multa.
Sustenta o reclamante a sua pretensão no facto de o Mº Juiz ter aplicado a Lei nº 112/2009 de 16/9 e mais concretamente considerado que a contagem do prazo para a interposição do recurso corre em férias, no caso durante as férias judiciais da Páscoa de 28 de Março a 5 de Abril de 2010 inclusive, o que não deveria ter feito por força do disposto no nº 4 do art.º 2º do CP.
Vejamos:
A referida Lei 112/2009 de 16 de Setembro entrou em vigor 30 dias após a sua publicação. Por força do art.º 28º, nº 2 deste diploma, e como estamos perante um crime de violência doméstica aplica-se o regime do nº 2 do art.º 103º do CPP, ou seja os prazos não se suspendem no período de férias.
Mas defende o reclamante que os presentes autos iniciaram-se no ano de 2008, portanto, anteriormente à entrada em vigor da Lei 112/09, pelo que não é aplicável.
Afigura-se-nos que não lhe assistirá razão.
Na verdade tem sido entendimento jurisprudencial do STJ o de que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão (…).
Tudo se prende com o momento em que recorrente, tem direito a recorrer.
Como sabemos direito ao recurso, abstractamente considerado, integra-se nos direitos de defesa cuja consagração constitucional está plasmada no nº 1 do art.º 32.º da Constituição. Mas o direito de recorrer de certa e determinada decisão, ou o exercício em concreto do direito ao recurso só existe depois de tal decisão estar lavrada. Só perante esta se pode aferir da legitimidade e interesse relevante em recorrer. Daí que tem sido considerado, não só que a lei aplicável em matéria de recursos é a lei vigente à data da decisão recorrida, mas também que é esta lei que rege a própria questão da admissibilidade do recurso.
Se a decisão é proferida no domínio da lei antiga, ou melhor antes da entrada em vigor da lei 112/2009 que não o considerava como processo urgente, não se aplicará a lei nova. Mas se a decisão é proferida já no domínio da lei nova aplicar-se-á esta, mesmo que o processo já venha do tempo da lei antiga.
A agravação da situação processual do arguido terá de resultar da negação de um direito, com a lei nova, que a lei velha supostamente previa, e de que o arguido já fosse titular. Ora, no domínio da lei velha, o, ora reclamante, nunca poderia ser titular de um direito a interpor o recurso que interpôs, pela simples razão de não estar realizada a situação fáctica de que dependia o exercido desse direito.
Deste modo o reclamante poderia recorrer, sem multa, no prazo de 30 dias corridos, a contar a partir de 5 de Março de 2010, acrescido de mais 3 dias úteis, até 7 de Abril de 2010.Tendo o requerimento de interposição dado entrada no dia 16 de Abril de 2010 é extemporâneo».
3. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:
«A., reclamante nos autos à margem indicados, tendo sido devidamente notificado da decisão singular que concluiu pela inadmissibilidade do recurso, não se conformando com a mesma, dela vem interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao abrigo da alínea f) do nº 1 do art 70º da Lei nº 28/82 de 15/11 por aplicação ilegal e inconstitucional da Lei nº 112/2009 de 16/09 por se verificar aplicada ao caso em apreço com efeitos retroactivos.
Mostram-se assim violadas as seguintes normas constitucionais e legais:
- Artºs 3º nº 3 e 18º nº 3 ambos da C.R.P.;
- Artº 5º do C. P. P.;
-Artº 2º do C.P.
Para tanto, requer a Vª Exª se digne admiti-lo nos termos e efeitos melhor consignados nos artigos 76º e segs. da supra citada Lei.
O presente recurso é interposto ao abrigo dos artºs 69º e segs. da Lei nº 28/82 de 15/11».
4. O recurso não foi admitido, pelo despacho agora reclamado, com o seguinte fundamento:
«Nos termos do artº 70º, nº 1, al. f) da L.T.C. não se admite o recurso uma vez que a decisão de que se pretende recorrer não está prevista em nenhuma situação das alíneas c) d e e) do referido normativo».
5. Na presente reclamação, o arguido sustenta o seguinte:
«1.- Vem a presente reclamação interposta, do, aliás, douto despacho que não admitiu o recurso da decisão proferida nos autos com o fundamento de que a decisão de que se pretende recorrer não está prevista em nenhuma situação das alíneas c), d) e e) do artº 70º da LTC.
Com efeito,
2.- No nosso modestíssimo entendimento, trata-se no caso concreto de aferir do momento da aplicação da lei no tempo, no que ao processo crime diz respeito e que é o caso.
(…)
9.- Salvo melhor entendimento e na nossa modestíssima opinião, mostra-se previsto no nº 1 alínea f) do artº 70º da LTC uma vez que a interposição do recurso em apreço pretende que o Tribunal Constitucional aprecie da inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da aplicação retroactiva da Lei nº 112/2009 de 16/09 a factos praticados no ano de 2008 e que determinaram a instauração do processo iniciado em 2008 - norma essa (Lei nº 112/2009) – cuja ilegalidade na sua aplicação ao caso em apreço, foi suscitada durante o processo, designadamente na motivação da Reclamação do despacho que rejeitou o recurso por extemporâneo.
- Em conclusão -
a) Mostra-se ilegal e inconstitucional a aplicação da Lei nº 112/2009 de 16/09 a um processo, como o do caso em apreço a factos praticados mais de um ano antes (2008).
b) Tal ilegalidade foi suscitada durante o processo.
c) É ilegal por inconstitucionalidade a aplicação das leis, com efeitos retroactivos.
Pelo que,
d) No nosso modestíssimo entendimento, julgamos estar previsto no artº 70º, nº 1, al. f) da LTC a decisão que se pretende recorrer, devendo ser admitido o recurso oportunamente interposto – Como se Requer.
e) O requerente/reclamante, não foi convidado a prestar quaisquer indicação dos elementos que eventualmente não tivesse indicado no seu requerimento conforme dispõe o nº 5 do artº 75ºA da LTC».
6. Os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou pelo indeferimento da presente reclamação, sustentando o seguinte:
«7. Na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC estabelece-se que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que “apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)”.
8. Ora, face ao estabelecido naquelas três alíneas, parece-nos evidente que na decisão recorrida não se aplicou qualquer norma cuja ilegalidade tenha sido suscitada.
9. Poderíamos pensar que a invocação daquela alínea f) se devia a um lapso do reclamante, pretendendo ele recorrer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º.
10. No entanto, como na reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso, ele insiste, exclusivamente, na invocação daquela alínea f), a ideia de que se trataria de um lapso tem de ser afastada.
(…)
10. Face ao que fica dito, parece-nos que não faria qualquer sentido notificar o reclamante nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da LTC, como, por aquele, vem sugerido».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho reclamado não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, porque “a decisão de que se pretende recorrer não está prevista em nenhuma situação das alíneas c) d) e e) do referido normativo”.
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto é a aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja legalidade é questionada pelo recorrente, por referência aos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do artigo 70.º da LTC.
Ora, no caso, é manifesto que o Tribunal da Relação de Coimbra não aplicou norma constante de acto legislativo cuja legalidade seja questionável com fundamento em violação de lei com valor reforçado, norma constante de diploma regional cuja legalidade seja questionável por violação de estatuto de região autónoma ou de lei geral da lei geral da República, nem tão-pouco norma emanada de órgão de soberania cuja legalidade seja questionável por violação do estatuto de uma região autónoma. O tribunal recorrido aplicou, como razão de decidir, normas constantes do Código de Processo Penal e da Lei n.º 112/09, de 16 de Setembro, para apreciar e decidir a questão da tempestividade do recurso interposto.
A circunstância de não se poder dar como verificado um dos requisitos do recurso de legalidade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, justifica que o reclamante não tenha sido convidado a prestar elementos, eventualmente em falta, do artigo 75.º-A desta lei. O convite previsto no n.º 5 desta disposição legal “apenas é admissível quando o vício de que enferma o requerimento é susceptível de sanação, por deficiência do próprio requerimento e não por falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso” (Acórdão n.º 344/99, disponível em www.tribunalconstitucinal.pt).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.