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Processo n.º 429/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
«1. Por acórdão de 26 de Abril de 2010, o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento a recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, de decisão de 1.ª instância que revogou, ao abrigo do artigo 56.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido aplicada, por incumprimento das condições impostas.
O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
“A., com os demais elementos de identificação constantes dos autos do processo crime à margem referenciados, porque não se conforma com o Douto Acórdão proferido por este Venerando Tribunal,
- dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) no n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis n.ºs 143/85, de 26 de Novembro, 85/89 de 7 de Setembro e 13-A/98 de 26 de Fevereiro, para apreciação da
- inconstitucionalidade material decorrente da aplicação do artigo 56.º do Código Penal, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos artigos 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, questões estas de inconstitucionalidade que o arguido suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal.”
2. O presente recurso não pode prosseguir.
Efectivamente, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional só pode ter por objecto a apreciação de constitucionalidade das normas aplicadas pela decisão recorrida. Normas essas cuja conformidade a regras ou princípios constitucionais o interessado tenha questionado, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Resulta da Constituição (artigo 280.º) e da Lei do Tribunal Constitucional (artigo 70.º) e constitui entendimento constante da jurisprudência do Tribunal Constitucional que não lhe cabe apreciar questões de constitucionalidade que incidam directamente sobre as concretas decisões judiciais, em si mesmo consideradas.
Ora, o recorrente pretende ver apreciada uma questão que suscitou nos seguintes termos:
“(…)
Da Inconstitucionalidade invocada:
1. Pelas expostas razões e reafirmando as elevadas qualidades de inteligência, cultura jurídica, sensatez e suficiente experiência da vida, da Mma. Juiz a quo, a limitação resultante da incontornável subjectividade da justiça,
2. impõe-nos a conclusão que se lamenta dum desrespeito da concordância prática dos valores em causa, valores imperativamente atendíveis por nenhuma sanção poder ser aplicada afora da teleologia especifica imanente do Direito Penal,
3. convergente com a regeneração pessoal e social do recorrente, o que afectou a ponderação de meio e fim ínsita no principio da proporcionalidade.
4. Ora tal não foi respeitado desequilibrando-se desrazoávelmente o principio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre a conduta e a consequente revogação da suspensão,
5. que um outro igualmente ponderoso da igualdade de todos perante a lei também impõe,
6. pela circunstância decorrente da personalidade do recorrente e do justificativo racional que esta oferecia para as condutas imputadas.
7. São os inputs referidos por Max Weber que não inquinam pela compreensão que merecem mas afectam pela injustiça que possibilitam é contra esta que se protesta, nesta vertente da violação dos aludidos princípios jurídico-constitucionais da proporcionalidade e da igualdade de todos perante a lei.
Conclusões:
[ … ]
8. Pelas expostas razões e reafirmando as elevadas qualidades de inteligência, cultura jurídica, sensatez e suficiente experiência da vida, da Mma. Juiz a quo, a limitação resultante da incontornável subjectividade da justiça,
9. impõe-nos a conclusão que se lamenta dum desrespeito da concordância prática dos valores em causa, valores imperativamente atendíveis por nenhuma sanção poder ser aplicada afora da teleologia especifica imanente do Direito Penal,
10. convergente com a regeneração pessoal e social do recorrente, o que afectou a ponderação de meio e fim ínsita no principio da proporcionalidade.
11. Ora tal não foi respeitado desequilibrando-se desrazoávelmente o principio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre a conduta e a consequente revogação da suspensão,
12. que um outro igualmente ponderoso da igualdade de todos perante a lei também impõe,
13. pela circunstância decorrente da personalidade do recorrente e do justificativo racional que esta oferecia para as condutas imputadas.
14. São os inpunts referidos por Max Weber que não inquinam pela compreensão que merecem mas afectam pela injustiça que possibilitam é contra esta que se protesta, nesta vertente da violação dos aludidos princípios jurídico-constitucionais da proporcionalidade e da igualdade de todos perante a lei.
15. A jusante, díspar interpretação redunda em deficiente aplicação com violação do artigo 56.º, do Código Penal, bem como a violação do estatuído nos artigos 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.”
É manifesto que a questão assim recortada não respeita à conformidade entre o artigo 56.º do Código Penal a normas e princípios constitucionais, a um critério abstracto ou a uma dimensão normativa susceptível de generalização que se pretendesse chamar o tribunal a recusar, no exercício da competência conferida pelo artigo 204.º da Constituição. O que se quis foi chamar o tribunal superior a censurar a ponderação efectuada pelo juiz nas circunstâncias do caso concreto, por ter não ter observado o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre a conduta e a consequente revogação da suspensão. E é essa mesma questão, no plano da aplicação concreta do artigo 56.º (o critério judicial e não o critério normativo) que agora se pretende deferir ao Tribunal Constitucional.
Daqui decorre que, seja por não ter sido cumprido o ónus de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa (n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional), seja por não ter o recurso objecto idóneo ao recurso de fiscalização de constitucionalidade [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional], não pode conhecer-se do objecto do recurso.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, em 7 unidades de conta de taxa de justiça.»
2. O recorrente reclama desta decisão, afirmando que “discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar cumprido o ónus de suscitar a inconstitucionalidade de normas ou de interpretações normativas “durante o processo”, conforme se depreende da motivação e conclusões constantes do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, ao colocar a questão de modo processualmente adequada e em termos de este estar obrigado a dela conhecer, na interpretação e aplicação normativa do artigo 56.º, do CPV, constante do douto acórdão precedente”.
3. O Ministério Público responde que a reclamação improcede, devendo confirmar-se a decisão reclamada porque:
“(…)
5º
Ora, nada se crê de apontar a esta posição.
Com efeito, por um lado, no modo como o ora reclamante suscitou a questão de constitucionalidade - objecto de apreciação pela Decisão sumária impugnada -, não há apresentação de nenhuma constitucionalidade normativa, para além de uma referência genérica aos arts. 13º e 18º da Constituição, o que é manifestamente insuficiente para fundamentar um recurso de constitucionalidade.
Ora, na presente reclamação, o interessado nada acrescenta à anterior argumentação, limitando-se a dizer que cumpriu os requisitos necessários, embora não explique como.
6º
Por outro lado, também não rebate minimamente o argumento do Ilustre Relator – podendo fazê-lo – de que a questão de constitucionalidade tem, sobretudo, a ver com a decisão concreta considerada, e não propriamente com uma pretensa (e indevida) não conformação do art. 56º do Código Penal com princípios constitucionais.
7º
Julga-se, pelos motivos invocados, que o ora reclamante nada aduz que possa abalar o bem fundado da Decisão sumária 308/10, que quis impugnar.
Nessa medida, tal reclamação não poderá deixar de ser indeferida, por se mostrar totalmente improcedente.”
4. O recorrente pretende que “sobre a matéria da decisão sumária recaia acórdão”, por considerar essa decisão impeditiva do conhecimento da violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade. Mas limita-se a afirmar a sua discordância, sem um esforço argumentativo susceptível de convencer de que essa decisão errou, seja porque a representação processual nela assumida não corresponde à realidade dos autos, seja por errada interpretação ou aplicação do regime jurídico do recurso de constitucionalidade.
Ora, como na decisão reclamada se demonstra – e a transcrição das correspondentes peças processuais é eloquente –, o recorrente não só não suscitou, podendo e devendo fazê-lo, qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como a apreciação que pretende do Tribunal Constitucional respeita à violação dos preceitos constitucionais invocados pela decisão concreta considerada e não a uma pretensa não conformação do artigo 56.º do Código Penal com normas ou princípios constitucionais.
Assim, só resta confirmar a decisão pelo essencial dos seus fundamentos.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar a reclamação improcedente e condenar o recorrente nas custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça
Lisboa, 22 de Setembro de 2010.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.