Imprimir acórdão
Processo n.º 358/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(….) 2. O presente recurso vem interposto do despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação deduzida pelos assistentes A. e B. contra o despacho do Relator no Tribunal da Relação de Coimbra que, por seu turno, não admitiu o recurso, por aqueles interposto para o STJ, do despacho que, confirmando o decidido em 1.ª instância, rejeitou o requerimento de abertura de instrução.
3. Pretendem os recorrentes a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 400.°, n.º 1, alienas c), do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretado no sentido de que «este recurso é inadmissível, por não se tratar de uma decisão final».
Independentemente da eventual falta de normatividade da apontada “interpretação”, o certo é que o tribunal recorrido não aplicou a norma do artigo 400.°, n.º 1, alínea c), do CPP com a interpretação que os recorrentes reputam inconstitucional.
É certo que o despacho recorrido considerou que o recurso, interposto para o STJ, pelos aqui recorrentes, do despacho que “rejeitara o requerimento de abertura de instrução”, não era admissível. Mas decidiu assim por considerar que era irrecorrível uma decisão da segunda instância, confirmativa do decidido em primeira instância que, tendo rejeitado o requerimento de abertura de instrução, não conheceu do objecto do processo. Ou seja, em suma, por estar em causa uma decisão, proferida, em recurso, pelas relações, que não conhece, a final, do objecto do processo (artigo 400.°, n.º 1, alínea c), do CPP)
Por isso, não integra a ratio decidendi do despacho recorrido a questão da “inadmissibilidade do recurso” por “não se tratar de uma decisão final”.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«Vêm, A. e B., notificados da decisão sumária n.° 288/2010, requerer acórdão, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Os recorrentes arguiram a inconstitucionalidade do art.° 400.°/1/c CPP, por contrariar o art.° 20.° CRP, na interpretação que lhe foi dado pelas instâncias, de cobrir a irrecorribilidade do despacho de rejeição liminar da instrução, considerado como mera decisão intercalar.
2. Naturalmente que os recorrentes visam a inconstitucionalidade do artigo apenas nesta leitura abrangente, defendendo que deve ser exceptuado do campo normativo de negação recursiva e que o inciso propõe, justamente, o despacho de rejeição da instrução: ficaria inviabilizado, assim, o direito de os particulares discutirem a submissão da causa a julgamento, que o art.° 20.° CRP consagra como garantia fundamental e o art.° 32.° aflora, com toda a clareza, no seu n.° 4.
3. Mas o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator decidiu não conhecer do objecto do recurso, por mor de não ter sido esta a disposição aplicada, tendo convocado, antes, o motivo da irrecorribilidade em tratar-se de decisão de segunda instância confirmativa do que foi decidido em primeira instância.
4. E acrescentou, gravado em itálico: «uma decisão, proferida em recurso, pelas Relações, que não conhece, a final, do objecto do processo».
5. Continuou, insistindo: «por isso, não integra a ratio decidendi do despacho recorrido a questão da “inadmissibilidade do recurso” por “não se tratar de uma decisão final”».
6. Por conseguinte, é manifesto o empastelamento, ou a contradição, da decisão sumária.
7. Na verdade, nem o STJ, nem a Relação, recusaram o despacho por dupla conforme, mas por se tratar de despacho intercalar de que não cabe recurso de 2.° grau.
8. E é justamente este problema de inconstitucionalidade que os recorrentes põem: não é proporcional a restrição ao recurso com um tão amplo entendimento do que seja um despacho intercalar, principalmente quando esse despacho intercalar coarcta definitivamente o direito constitucional de fazer reexaminar o feito indicativo criminal, com vista a submeter o caso a julgamento público.
9. Não procedem, pois, as razões da decisão sumária e deve ser conhecido do objecto do recurso. (…)»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes:
«(…)1º
A recorrente pretende ver apreciada a questão da inconstitucionalidade do artigo 400.º n.º1, alínea c) do CPP, no sentido de “que este recurso é inadmissível, por não se tratar de uma decisão final”.
2º
Em primeiro lugar dizer “este recurso” sem explicitar de que recurso se trata, retira o carácter de generalidade abstracção que qualquer norma ou interpretação normativa, necessariamente detém.
3.º
Está em causa a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de um Acórdão da Relação que negara provimento ao recurso interposto da decisão do Senhor Juiz de Instrução Criminal que rejeitara o requerimento de abertura da instrução apresentado pelos assistentes.
4º
Na decisão recorrida – proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e que indeferiu a reclamação do despacho que, na Relação, não admitiu o recurso – entendeu-se que aquela decisão era irrecorrível por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP, uma vez que Acórdão da Relação não conhecera do objecto do processo, tecendo considerações sobre o que se entende por “objecto do processo”.
5º
Assim, a questão colocada pelo recorrente de se estar ou não perante uma decisão final, está totalmente ausente da dimensão normativa efectivamente aplicada.
6º
É certo que, eventualmente, os recorrentes, perante o teor do despacho que na Relação não admitiu o recurso, poderiam ter posto em causa um entendimento que considerasse que uma decisão que não conhecesse do objecto do processo equivalia a uma decisão não final; mas não o fizeram, sendo certo também que, como atrás se disse, não foi esse o entendimento adoptado pela decisão recorrida.
7.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso com fundamento no facto de o tribunal recorrido não ter adoptado a interpretação que os recorrentes reputam inconstitucional.
Na presente reclamação, os reclamantes tecem várias considerações sobre o teor da decisão sumária reclamada, revelando falta de compreensão do respectivo fundamento. No que aqui interessa, insistem que arguiram a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), «na interpretação que lhe foi dado pelas instâncias, de cobrir a irrecorribilidade do despacho de rejeição liminar da instrução, considerado como mera decisão intercalar».
Em primeiro lugar, esta dimensão da norma não corresponde à que os reclamantes apresentaram no requerimento de interposição do recurso, no qual se limitaram a afirmar que pretendiam a apreciação daquela norma quando interpretada no sentido de que «este recurso é inadmissível, por se tratar de uma decisão final», sem especificar de que recurso se tratava. Como é sabido, o requerimento de interposição do recurso é o momento próprio para a fixação do objecto do recurso, não podendo ser modificado posteriormente, salvo situações de restrição do mesmo. Pelo que não poderia atender-se à nova dimensão da norma, agora apresentada na presente reclamação.
Em segundo lugar, a presente reclamação em nada abala o fundamento da decisão sumária reclamada. Como aí se refere, a decisão recorrida fundamentou-se na norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por entender que estava em causa a irrecorribilidade de uma «decisão, proferida, em recurso, pelas relações, que não conhece, a final, do objecto do processo». Ora esta dimensão normativa, que foi a efectivamente aplicada, não corresponde à questão colocada pelos reclamantes, que se prendia com a inadmissibilidade do recurso “por se tratar de uma decisão final” ou, na nova formulação adoptada na presente reclamação, com a sua natureza de “decisão intercalar”. Ou seja, como salienta o Ministério Público na sua resposta, a questão colocada pelos reclamantes «de se estar ou não perante uma decisão final, está totalmente ausente da dimensão normativa efectivamente aplicada».
É, por isso, de manter a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.