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Processo n.º 179/2010
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de despachos proferidos nos presentes autos pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, através de requerimento por ele subscrito.
Por determinação de despacho do Relator proferido em 20 de Abril de 2010 foi notificado para constituir advogado sob pena de ser julgado extinto o recurso.
O recorrente veio requerer a suspensão da instância de forma a aguardar decisão a proferir em processo em que havia sido suscitada questão idêntica pendente neste Tribunal, o que foi indeferido por despacho do Relator proferido em 18 de Maio de 2010.
O recorrente veio requerer que se reconhecesse a nulidade da decisão da Ordem dos Advogados de suspensão da sua inscrição, o que foi indeferido por despacho do Relator proferido em 8 de Junho de 2010.
Na mesma data foi proferido despacho pelo Relator julgando extinto o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por falta de constituição de advogado pelo recorrente no prazo que lhe havia sido fixado.
O recorrente apresentou reclamação para a conferência destes despachos nos seguintes termos:
3) Sendo esta, consabidamente, uma multum vexata quaestio, praticar-se-á aqui a profiláctica pedagogia de recapitular, apenas, «a matéria dada», para desenvolver um pouco, quantum satis, só os novos afloramentos desta gesta. Assim,
A. Como todos muito bem sabemos, a deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário na Ordem dos Advogados é nula ipso jure (a “incompatibilidade” para tanto invocada é inexistente na lei e o órgão intestino da dita ordem profissional pública que tal deliberou carece radicalmente de competência para o efeito), pelo que, desde logo pelo Relator (mercê das atribuições, designadamente para «julgar [sic: não para “omitir pronúncia ou declarar-se incompetente para julgar”] os incidentes suscitados», que o n.º 1 do artigo 78º-B da Lei do Tribunal Constitucional lhe comete), pode, e, porque requerido, deve reconhecer formalmente essa nulidade, na exacta medida em que é esse, conforme faz constar do seu portal na ‘Net, «um verdadeiro Tribunal» no plano, inclusiva e indeclinavelmente, do n.º 2 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo: «qualquer tribunal»; sim, o Supremo Tribunal de Justiça há já mais de 14 anos, catorze, que, no acórdão de 16-01-1996 exarado no Proc. n.º 88025, deixou perfeitamente claro que qualquer outro tribunal que não os administrativos territorial e hierarquicamente competentes só não pode é declarar erga omnes a nulidade invocada, em via incidental não há por que não o poder, ou seja: não reconhecendo incidentalmente a nulidade do acto administrativo aqui sindicado, esse Alto Tribunal viola, recte: aplica sob uma dimensão hermenêutica inconstitucional, por violação da garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, a citada norma jusprocedimental administrativa;
B. Como todos muito bem sabemos, a controvertida deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário tem a sua eficácia suspensa desde 2001, por acórdão do Tribunal Central Administrativo (Sul), e, por sinal, tanto sabemos todos isto muitíssimo bem que ainda bastante recentemente, no Proc. n.º 39/09 desta mesma Secção, o mandado da ordem para este «constituir mandatário» ficou no tinteiro justamente por tratar-se de recurso interposto nos trâmites do processo do foro administrativo em que peticionado é o decretamento da nulidade daquela aberração pseudojurídica, recurso esse que só poderia ter sido instaurado e, ou, prosseguir seus termos na constância daquela suspensão, aliás recurso que continua pendendo termos, porquanto o recurso nele interposto em 23 de Abril do ano transacto para o Pleno da Secção Administrativa do Supremo Tribunal Administrativo (do qual o Acórdão n.º 211/2009 lavrado no supramencionado processo constitucional dá pública conta), tanto quanto o próprio Recorrente sabe, não foi ainda julgado, ou seja: perseverando na concessão a esse acto administrativo nado-morto de algum sopro ainda de eficácia, esse Alto Tribunal viola, recte: aplica sob uma dimensão hermenêutica inconstitucional, por violação da garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, a norma do n.º 2 do artigo 79.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, preceituando que «a suspensão subsiste até ao trânsito em julgado da decisão do recurso contencioso»;
C. Como é geralmente sabido, o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da competente declaração de nulidade, todavia, como todos muito bem sabemos também, no caso da malfadada resolução impugnanda tal nulidade foi já oportunamente declarada, em via incidental, no Proc. n.º 474/09 do Tribunal Central Administrativo Norte, conforme o Relator dos presentes autos atesta no seu Despacho de 18 de Maio transacto, pretendendo porém que a «decisão proferida nesse processo apenas tem força de caso julgado nesse mesmo processo (caso julgado formal)», asserção que contudo não é, como todos igualmente muito bem sabemos, juridicamente verdadeira. Na verdade, se há já, positivamente, uma declaração de nulidade do acto em questão e a mesma é conhecida do relator dum processo constitucional, entre cujos princípios rectores avulta o da instrução, é o próprio juiz constitucional quem tem o dever de oficio de extrair da declaração de nulidade os devidos efeitos legais e processuais, sob pena de ofensa voluntária, inter alia, ao princípio outrossim constitucional do processo equitativo e, not the least, do comando constitucional estatuindo que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos..., o que, vendo bem, por sinal até não é pacífico seja o caso do advogado português, vianês, aqui e agora recorrendo, se calhar é só, como mais uns dez milhões de semelhantes seus, um cidadanão (e, de resto, era o que mais faltava vir agora um Relator da nova fornada armar-se em comandante de castelo e ter a veleidade de começar a dizer que sim, sim-senhor, vislumbrou no caso uma nulidade do tamanho dum palácio, ainda algum lhe punha a alcunha de “Vislumbrador” e podia mesmo ser o princípio duma grande inimizade. Portanto, nada de altas cavalarias que não levam a nada!).
III. Conclusão
4) O de resto douto Despacho reclamado é nulo, basicamente, por ofensa às garantias constitucionais de acesso ao direito e à tutela judicial efectiva e ao processo equitativo e, outrossim, ao próprio princípio constitucional da justiça, que sendo imperativo para a Administração Pública o deve ser a fortiori para a administração da justiça pública. Consequentemente,
5) fazendo no caso, como lhe cumpre, sã e inteira justiça, esse Tribunal supremo, reconhecendo a nulidade de pleno direito ou, no mínimo, a ineficácia actual da deliberação de suspensão da inscrição do legítimo advogado signatário, revogará o Despacho sob reclamação, com todos os devidos e legais efeitos processuais e legais.”
Fundamentação
O Tribunal Constitucional no exercício da sua actividade de fiscalização sucessiva concreta de constitucionalidade apenas efectua um juízo de verificação de constitucionalidade relativamente a normas aplicadas nesse processo.
Exigindo-se que nesses recursos para o Tribunal Constitucional as partes estejam representadas por advogados (artigo 83.º, n.º 1, da LTC), deve o Tribunal verificar a existência dessa representação.
Contudo, revelando-se que o recorrente tem a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa por deliberação de órgão desta entidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, atentas as suas competências, mesmo que incidentalmente, apreciar a validade dessa deliberação, podendo apenas constatar se a eficácia da mesma foi objecto de alguma decisão judicial com força de caso julgado material.
Não se revelando demonstrada a existência duma decisão com essa força, não pode o Tribunal Constitucional deixar de atender à situação do recorrente constante da informação prestada pela Ordem dos Advogados e, em consequência, considerar que este não está dispensado de constituir mandatário.
Esta posição não ofende a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º, da C.R.P., uma vez que a exigência de representação por advogado nos recursos perante o Tribunal Constitucional, é um simples condicionamento àquele acesso, assim como a circunstância deste Tribunal não ter competência para declarar a nulidade da deliberação da Ordem dos Advogados não impede a pessoa afectada de a impugnar nos tribunais competentes, estando garantida a defesa judicial dos seus interesses.
Atento o exposto revelam-se acertadas as decisões de não reconhecimento da nulidade da deliberação da Ordem dos Advogados e de extinção do recurso interposto, por falta de constituição de mandatário no prazo determinado, devendo ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a Reclamação apresentada pelo Recorrente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de Outubro de 2010.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.