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Processo n.º 687/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. S.A. deduziu reclamação perante o Tribunal Tributário de Lisboa do despacho
do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa, datado de 30 de Outubro de 2008, que
lhe indeferiu pedido de declaração de prescrição de dívida de IRC relativa ao
exercício de 1993.
O Tribunal Tributário de Lisboa considerou não verificada a prescrição e negou
provimento à reclamação, por considerar, atento o disposto no artigo 5º, n.º 5,
do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que o prazo de prescrição aplicável,
tendo tido início em 1 de Janeiro de 1994 (começo do ano civil seguinte aquele
em que se verificou o facto tributário), se encontrou suspenso desde 25 de
Agosto de 1997 (data do despacho que deferiu o pedido de adesão às condições de
pagamento previstas naquele diploma) até 12 de Setembro de 2006 (data do
despacho de exclusão desse regime).
Dessa decisão, a reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da
interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido, por violação dos
princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da
boa fé e da segurança jurídica.
Por acórdão de 3 de Junho de 2009, o Supremo Tribunal Administrativo negou
provimento ao recurso, considerando não verificado o alegado vício de
inconstitucionalidade, com os seguintes fundamentos:
Alega ainda a recorrente que o entendimento adoptado pelo tribunal “a quo” e
pela jurisprudência deste Tribunal, que aqui também se adopta, no sentido de que
só o despacho de exclusão do regime previsto no Decreto-Lei n.º 124/96 determina
a cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição, viola os princípios
constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa fé e da
segurança jurídica, pois que, segundo esse entendimento, o prazo prescricional
poderia ficar indefinidamente (no limite, para sempre) suspenso, na dependência
de um acto puramente discricionário da administração fiscal (o despacho de
exclusão), que esta praticaria (ou não) quando muito bem entendesse (…) fazendo
recair indevida e injustificadamente sobre o contribuinte (e, no limite,
indefinidamente, como já evidenciámos as consequências da inércia da
Administração (n.º 4 das suas alegações de recurso, a fls. 110 a 112 dos autos e
respectiva conclusão 15 supra transcrita).
A recorrente não aponta com clareza as razões pelas quais os princípios
constitucionais da legalidade, proporcionalidade, boa fé e segurança jurídica
são violados pela interpretação do n.º 5 do artigo 5.º Decreto-Lei n.º 124/96
adoptada, não mais dizendo quanto à questão que o transcrito no parágrafo
anterior.
Ora, o que alega não convence este Tribunal de que a interpretação adoptada
viole qualquer daqueles princípios, pois que, como se disse, entende-se que é
essa a interpretação do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96 que melhor
se adequa ao espírito do diploma - que consagra medidas excepcionais de
recuperação de créditos das quais frequentemente são devedores empresas em
situação económica difícil, pelo que dificilmente se compatibilizaria com o
rigor da exclusão automática por incumprimento integral e pontual de uma única
prestação, antes fazendo sentido distinguir as situações de incumprimento
simples das de incumprimento prolongado - e a que representa o justo equilíbrio
entre o interesse do devedor (que vê suspensa a execução) e o do credor (que vê
suspenso o decurso do prazo de prescrição).
Também não colhe a argumentação da recorrente de que, em virtude da
interpretação adoptada, o prazo prescricional poderia ficar indefinidamente (no
limite, para sempre) suspenso, e na dependência de um acto puramente
discricionário da administração fiscal (o despacho de exclusão), que esta
praticaria (ou não) quando muito bem entendesse (…), pois que despacho de
exclusão do regime é um acto vinculado, e não discricionário, tendo o
contribuinte ao seu dispor o meio processual da intimação para um comportamento
que poderia usar para compelir a Administração tributária a excluí-lo do regime,
verificando-se os pressupostos dessa exclusão e a omissão ilegal da
Administração tributária em a determinar, se nisso tivesse interesse.
Conclui-se, pois, no sentido de que a interpretação propugnada não viola os
citados princípios constitucionais.
A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 5º, n.º 5, do
Decreto-Lei n° 124/96, de 10 de Agosto, quando interpretada no sentido de que só
com a prolação do despacho de exclusão do regime previsto naquele diploma se dá
a cessação do efeito suspensivo do prazo prescricional.
Tendo o processo prosseguido, a recorrente apresentou alegações, em que concluiu
do seguinte modo:
a) Pretende-se que se aprecie a constitucionalidade da norma que a decisão
recorrida extraiu do Decreto-Lei n° 124/96, de 10 de Agosto, especificamente do
seu artigo 5°, n° 5, quando interpretada no sentido de que só com a prolação do
despacho de exclusão do regime previsto naquele mesmo Decreto-Lei se dá a
cessação do efeito suspensivo do prazo prescricional.
b) Entende-se que a interpretação normativa do referido preceito por que optou a
decisão recorrida, é insustentável com os princípios da legalidade, da
proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, decorrentes,
designadamente, do artigo 266° da Constituição
c) As razões que justificam o instituto da prescrição das dívidas fiscais são,
também, razões constitucionais, ligadas ao facto de se entender que a partir de
um determinado período de tempo considerado razoável de que a Administração
fiscal dispõe para cobrar as dívidas deixa de ser constitucionalmente aceitável
que, por inércia da própria Administração Fiscal, pudesse permanecer sobre o
contribuinte, indefinidamente, uma ameaça de execução do seu património.
d) O mecanismo da suspensão do prazo prescricional justifica-se, em geral e, no
caso que motivou a presente suspensão, por nesse período de tempo (em que vigora
a suspensão), se entender que as razões para o não avanço do processo tendente à
cobrança da dívida ou são imputáveis ao contribuinte ou a dívida não é exigível.
e) As razões que justificam — até de um ponto de vista constitucional,
insiste-se — a possibilidade de suspensão do prazo prescricional desaparecem a
partir do momento em que a dívida se torna exigível, cabendo a partir daí à
Administração Fiscal desencadear os actos necessários à sua cobrança efectiva,
não sendo legítimo que faça recair sobre o contribuinte as consequências da sua
inércia.
f) Esse inadmissível efeito de transferência de riscos e responsabilidades da
Administração para o contribuinte seria levado ao limite, através da
interpretação de que só com um novo acto da Administração tributária (o despacho
de exclusão) cessaria a suspensão do prazo de prescrição, porque, como já se
evidenciou, se trataria de um acto que a Administração poderia praticar apenas
se e quanto quisesse (sem qualquer dependência de tempo).
g) Em suma: na interpretação daqueles preceitos por que optou a decisão
recorrida o prazo prescricional poderia ficar indefinidamente (no limite, para
sempre) suspenso na dependência de um acto puramente discricionário da
administração fiscal (o despacho de exclusão), que esta praticaria (ou não)
quando muito bem entendesse.
h) Esta interpretação normativa é não apenas profundamente injusta mas, também
por isso mesmo, absolutamente insustentável do ponto de vista da sua
compatibilidade com a Constituição, designadamente com os princípios enunciados
no seu artigo 266°, fazendo recair indevida e injustificadamente sobre o
contribuinte (e, no limite, indefinidamente, como já evidenciámos) as
consequências da inércia da Administração.
i) Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se
como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam
um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas
juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança
dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.
j) A possibilidade de transferir para a Administração fiscal a possibilidade de
determinar quando pretende fazer interromper o prazo de prescrição, determinando
ela própria o momento em que produz o despacho de exclusão, cria ao cidadão o
mais profundo sentimento de insegurança e desconfiança jurídica.
k) O entendimento do Supremo Tribunal Administrativo de que só com a prolação do
despacho de exclusão se dá a cessação do efeito suspensivo do prazo
prescricional, é contrário aos princípios constitucionais a que está vinculada a
Administração Pública em geral e a Administração Tributária em particular, da
legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica,
decorrentes, designadamente, do artigo 266° da Constituição.
1) A prescrição, que emerge exactamente como consequência da inércia do credor
(Administração Fiscal), via-se suspensa exactamente por essa mesma inércia.
Aquilo que é causa de prescrição na interpretação que agora é posta em causa é
afinal causa de suspensão da prescrição, o que não fará sentido e é contra os
princípios constitucionais a que está vinculada a Administração Pública em geral
e a Administração Tributária em particular, da legalidade, da proporcionalidade,
da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, decorrentes, designadamente, do
artigo 266° da Constituição.
Não houve contra-alegações.
Cabe apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos elementos dos autos decorre a seguinte factualidade relevante:
a) Em 30 de Outubro de 1998, foi instaurado contra a A. S.A. um processo
executivo por dívida de IRC referente ao exercício de 1993, na importância de
11.384.919$00;
b) Abrangendo essa dívida, foi requerido pela interessada, em 5 de Fevereiro de
1997, a adesão às condições de pagamento previstas no Decreto-Lei n.º 124/96, de
10 de Agosto;
c) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa, de 25 de Agosto
seguinte, foi deferido o pedido de adesão e autorizado o pagamento das dívidas
fiscais em 150 prestações mensais e iguais com início em Setembro de 1997;
d) A recorrente procedeu ao pagamento de 70 prestações, a última das quais em
Novembro de 2002;
e) Vindo a ser excluída do regime de pagamento diferido de dívidas por despacho
do Subdirector-Geral dos Impostos, de 12 de Setembro de 2006;
f) a recorrente formulou um pedido de declaração de prescrição da dívida
exequenda em de 14 de Outubro de 2008;
g) O qual foi indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 30 de
Outubro seguinte, que igualmente ordenou o prosseguimento do processo executivo.
À luz desta factualidade, que foi dada como assente pelas instâncias, questiona
a recorrente a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido no sentido de que
a suspensão do prazo de prescrição da dívida, resultante do disposto no artigo
5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, apenas cessou com a prolação do despacho
da Administração Tributária que determinou a exclusão do regime de diferimento
do pagamento de dívidas, reputando-a como inconstitucional por violação dos
princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da
segurança jurídica, a que a Administração se encontra vinculada por força do
artigo 266° da Constituição.
É esta a questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso e que
cabe dilucidar.
O Decreto-Lei n.º 124/96 pretendeu, como se explicita no respectivo preâmbulo,
instituir um conjunto de remédios extraordinários para regularização das dívidas
fiscais e à segurança social, resultantes de situações de incumprimento
acumuladas, implementando dois grandes grupos de medidas: por um lado,
relativamente à generalidade dos devedores foi previsto um regime geral de
pagamento em prestações mensais iguais, até um máximo de 150, com redução, nos
casos normais, de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa média de juros
praticada na colocação da dívida pública interna; por outro lado,
estabeleceu-se, em desenvolvimento do regime jurídico definido pelo artigo 59.º
da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, e concretizando também a previsão do n.º 2
do artigo 55.º da mesma lei, em relação aos casos que envolvam processos
especiais de recuperação de empresas ou contratos de consolidação financeira e
reestruturação empresarial, um regime extraordinário de mobilização de activos e
de recuperação de créditos.
Ao caso em análise interessa o regime prestacional, a que a recorrente aderiu, e
que se encontra regulado nos artigos 4º e seguintes do Decreto-Lei n.º 124/96 e,
especialmente, no seu artigo 5º, que, sob a epígrafe «Diferimento do pagamento
dos créditos», dispõe o seguinte:
1 - O diferimento do pagamento dos créditos, incluindo os créditos por juros
vencidos e vincendos, assumirá a forma de pagamento em prestações mensais
iguais, no máximo de 150.
2 - O número de prestações concedido para o pagamento dependerá de:
a) Capacidade financeira do devedor;
b) Montante da dívida, não podendo cada prestação ter valor inferior a metade do
salário mínimo nacional mais elevado;
c) Risco financeiro envolvido;
d) Circunstâncias determinantes da origem das dívidas.
3 - O pagamento de cada prestação será efectuado até ao final do mês a que diga
respeito.
4 - Quando, por motivo não imputável ao devedor, o pagamento não tenha sido
efectuado no prazo previsto no número anterior, poderá ser requerida a relevação
do atraso, desde que o pagamento se efectue nos primeiros cinco dias úteis do
mês seguinte.
5 - O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento
em prestações.
Deve começar por dizer-se que os princípios constitucionais que a recorrente
invoca, por referência ao artigo 266º da Constituição, são, como logo se
depreende do contexto verbal do preceito, princípios da actividade
administrativa material, e, portanto, critérios gerais a que os órgãos e agentes
administrativos se encontram subordinados quando actuem no exercício das suas
funções. Trata-se, por isso, de princípios que regem a Administração Pública em
sentido funcional e, como tal, encontram concretização, no plano do direito
ordinário, em disposições específicas do Código de Procedimento Administrativo,
como sejam os seus artigos 3º, 5º e 6º (por todos, Freitas do Amaral, Curso de
Direito Administrativo, vol II, Coimbra, 2001, págs. 31 e segs.; Sérvulo
Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, 1982, pás. 227 e
segs.).
O que aqui está em causa não é, porém, uma qualquer actuação administrativa a
que possa imputar-se a violação de qualquer dos indicados princípios
fundamentais – para cujo conhecimento o Tribunal Constitucional não seria, de
resto, o competente -, mas unicamente uma questão de constitucionalidade
normativa e, por conseguinte, de eventual desconformidade com a Constituição da
interpretação que o tribunal recorrido, na resolução judicial do caso concreto,
tenha adoptado em relação a um determinado dispositivo legal.
Nestes termos, a arguição da recorrente apenas poderá, quando muito, ser
reconduzida a uma possível violação do princípio da segurança jurídica enquanto
projecção do Estado de Direito ínsito no artigo 2º da Constituição e do
princípio da proporcionalidade enquanto princípio material inerente aos direitos
liberdades e garantias, com consagração expressa no artigo 18º da Constituição.
Como tem sido já afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado
de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da
confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse
sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação
estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao
poder judicial e, especialmente, ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma
especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições
jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados
de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional,
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2,
2000, pág. 625).
Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à
manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os
particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente
contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as
expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro
ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja
indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas,
geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não
possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do
desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes
da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263).
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade, como pressuposto material da
restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, impõe que a solução
normativa se revele como idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, se
mostre necessária por não ser viável ou exigível que esses fins sejam obtidos
por meios menos onerosos para os direitos dos cidadãos, e se apresente ainda
como uma medida razoável, e, por isso mesmo, não excessiva ou desproporcionada
(Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª
edição, Coimbra, págs. 392-393).
Revertendo ao caso concreto, o que se verifica é que a recorrente aderiu ao
regime de diferimento do pagamento de dívidas fiscais previsto no Decreto-Lei
n.º 124/96, comprometendo-se a efectuar o pagamento da dívida em causa, relativa
ao ano de 1993, em 150 prestações mensais, com início em Setembro de 1997. A
recorrente procedeu apenas ao pagamento de 70 dessas prestações, a última das
quais em Novembro de 2002 e veio a ser excluída do regime de pagamento diferido
de dívidas por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, de 12 de Setembro de
2006.
Nos termos previstos no artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, «o prazo de
prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em
prestações», pelo que o tribunal recorrido formulou o entendimento de que a
suspensão do prazo prescricional, por efeito da adesão ao regime de
regularização de dívidas, só cessou com a efectiva exclusão do interessado do
regime de pagamento em prestações, e não – como pretende a recorrente – a partir
do momento em que a dívida se tornou exigível por incumprimento de uma das
prestações devidas.
A interpretação seguida pelo tribunal recorrido insere-se numa corrente
jurisprudencial segundo a qual o prazo de prescrição das dívidas tributárias se
suspende durante o período de pagamento em prestações, entendendo-se como tal o
período de pagamento que foi concedido ao contribuinte para proceder à
regularização das dívidas, e não aquele durante o qual efectivamente satisfez as
prestações mensais que integravam o plano de pagamentos. Nesse entendimento, a
não exclusão automática do regime de regularização de dívidas por efeito do
simples incumprimento de uma das prestações devidas, decorre desde logo da
previsão constante do n.º 4 do artigo 5.º do citado diploma legal, que
estabelece a possibilidade da relevação do atraso, desde que por motivo não
imputável ao devedor. E enquadra-se ainda na prática administrativa adoptada na
sequência do Despacho 18/97-XII do Secretário de Estado da Administração Fiscal,
de 14 de Março de 2007, que aprovou as grandes orientações para o acompanhamento
do plano de regularização de dívidas fiscais, de acordo com o qual,
relativamente aos aderentes em situação de incumprimento prolongado
(contribuintes com mais de seis meses de atraso), a Administração Tributária não
exclui automaticamente do regime os contribuintes logo que deixem de pagar as
primeiras prestações, antes procura que eles mantenham essa adesão, aceitando
que eles adiram a planos de regularização autónomos das quantias em dívida ou
ofereçam bens em pagamento.
Como se explicita no acórdão o STA de 16 de Janeiro de 2008 (Processo n.º
416/07), que seguiu idêntica orientação, «só depois de notificados para
regularizarem a sua situação faltosa, e no caso de não o fazerem, os
contribuintes são então excluídos do regime de adesão e passam a ser tratados
como não aderentes, com a consequente perda dos benefícios que até aí mantinham,
o que significa que só pelo despacho de exclusão os contribuintes perdem
efectivamente os benefícios de terem aderido ao plano de regularização das
dívidas fiscais ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, um dos quais é
necessariamente a suspensão dos processos de execução, deixando de se justificar
a partir daí, por isso, a suspensão do prazo de prescrição que até aí se
impunha» (no mesmo sentido, os acórdãos do STA de 28 de Março de 2007, Processo
n.º 587/05), de 31 de Janeiro de 2008, Processo n.º 278/07, de 25 de Junho de
2008, nos Processos n.ºs 386/08 e 446/08, de 7 de Janeiro de 2009, Processo n.º
569/08, de 2 de Abril de 2009, Processo n.º 425/08).
Pretende a recorrente que uma tal interpretação normativa da referida disposição
do artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96 viola o princípio da protecção da
confiança na medida em que torna a duração do prazo prescricional dependente de
um acto discricionário da Administração, que poderá fixar, quando assim entender
conveniente, o momento em que cessa a suspensão.
A arguição mostra-se ser improcedente.
O prazo de prescrição dos impostos periódicos foi fixado pelo artigo 48º, n.º 1,
da Lei Geral Tributária em oito anos a contar do termo do ano em que ocorreu o
facto tributário e o diferimento do pagamento das dívidas fiscais, por efeito da
adesão ao regime definido no Decreto-Lei n.º 124/96, pode atingir 150 prestações
mensais, que corresponde a uma dilação temporal de doze anos e meio.
Assim sendo, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de
pagamento em prestações, como determina o citado artigo 5º, n.º 5, desse diploma
é uma necessária decorrência do próprio regime legal de regularização de
dívidas, pois que, de outro modo, a adesão dos contribuintes devedores ao plano
faseado de pagamento implicaria inevitavelmente a própria extinção da dívida
remanescente, caso se mantivesse em curso o prazo prescricional.
Por outro lado, o acesso a qualquer das medidas excepcionais previstas no
diploma envolve, por parte do devedor, um compromisso expresso de cumprimento
futuro das suas obrigações tributárias, e as dívidas abrangidas pelo regime de
regularização só se tornam exigíveis quando deixe de ser efectuado o pagamento
integral e pontual das prestações nele previstas ou sejam revogadas as
autorizações concedidas para o pagamento diferido, caso em que os montantes
exigíveis serão determinados de acordo com o valor e com os prazos de pagamento
a que o devedor estava obrigado (artigo 3º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alíneas a)
e b), e n.º 3).
O deferimento do requerimento implica, por sua vez, a suspensão dos processos de
execução fiscal em curso, bem como de novos processos que se tornem necessários
para garantir a o valor da dívida (artigo 14º, n.º 10).
Em todo este condicionalismo, a recorrente, tendo aderido ao regime de
regularização de dívidas fiscais através do pagamento em 150 prestações mensais,
não poderia invocar qualquer expectativa legítima relativamente à possibilidade
de o prazo prescricional entretanto suspenso vir a ser retomado sempre que
deixasse de cumprir pontualmente qualquer das prestações a que se obrigou. O que
seria de esperar era que a recorrente, tal como se comprometeu, viesse a
proceder ao pagamento atempado de todas as prestações abrangidas pelo plano de
regularização, e era nesse compromisso que assentava a relação estabelecida
entre o devedor e a Administração, assim se compreendendo que esta tivesse vindo
a introduzir mecanismos administrativos de flexibilização do regime legal, de
modo a permitir, em benefício dos contribuintes faltosos, a relevação dos
atrasos nos pagamentos periódicos para evitar, no imediato, a consequência mais
gravosa de cobrança coerciva das dívidas através do reatamento dos processos de
execução fiscal.
Em qualquer caso, era plenamente justificável que a posição jurídica do
contribuinte que tenha aderido ao regime de diferimento do pagamento de dívidas
apenas viesse a ser alterada após a verificação, pelos serviços, da respectiva
situação tributária e mediante a prática de um acto revogatório da autorização
concedida para a aplicação desse regime, com base na constatação da efectiva
impossibilidade de o interessado regularizar a sua situação pelas formas de
pagamento excepcionalmente admitidas na lei.
Neste plano, deve dizer-se que acto que exclui o devedor do regime de pagamento
diferido não é, de nenhum modo, um acto de exercício discricionário já que ele
tem de ter sempre como fundamento o incumprimento, por parte do devedor, das
obrigações a que se sujeitou, pelo que é um acto vinculado quanto ao conteúdo e
pressupostos.
Além de que a não exclusão do devedor do regime de regularização de dívidas tem
como necessária consequência, enquanto essa situação se mantiver, a
impossibilidade de virem a prosseguir contra este os processos de execução
fiscal que se encontram suspensos por efeito da sua adesão a esse regime.
Estando a Administração impedida de assegurar a cobrança coerciva das dívidas
fiscais, por virtude do prolongamento da aplicação do procedimento previsto no
Decreto-Lei n.º 124/96, não é possível imputar à inércia administrativa a
impossibilidade de realização efectiva do direito.
E não há, nestes termos, qualquer afectação de expectativas que possam
encontrar-se abrangidas pelo princípio da protecção da confiança, porquanto a
recorrente não pode razoavelmente contar com a cessação do efeito suspensivo da
prescrição antes de ter sido formalmente liberado do regime legal a que tinha
aderido e quando, por virtude dele, estava ainda a coberto de qualquer mecanismo
de cobrança forçada.
Por todas as razões já expostas, a interpretação normativa adoptada pelo
tribunal recorrido não representa também qualquer violação do princípio da
proporcionalidade.
Mesmo entendendo o instituto da prescrição das dívidas tributárias como uma
garantia dos contribuintes, como vem sendo aceite pela doutrina (Benjamim Silva
Rodrigues, “A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do
Direito Tributário, Lisboa, 1999, págs. 261 e segs.; Casalta Nabais, Direito
Fiscal, 5ª edição, Coimbra, pág. 347), não pode deixar de concluir-se que a
suspensão do prazo da prescrição é, no circunstancialismo do caso, uma medida
necessária e idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, dado que a
solução normativa contrária traria inevitavelmente a extinção, pelo decurso do
tempo, dos créditos fiscais e a consequente impraticabilidade do regime legal,
que tem em vista a compatibilização dos interesses financeiros do Estado. Nem se
trata, no caso, de um condicionamento desproporcionado ou excessivo quando é
certo que, como se deixou esclarecido, o efeito suspensivo deriva de um acto
voluntário do contribuinte, que, no seu próprio interesse, se sujeita à
aplicação de um regime mais favorável de pagamento faseado das dívidas fiscais,
e tem como contrapartida a atribuição do benefício de suspensão dos processos de
execução que tenham sido instaurados pela mesmas dívidas fiscais.
Deste modo, contrariamente ao que vem alegado, não ocorre qualquer violação dos
princípios constitucionais invocados, e, por conseguinte, não há motivo para
alterar o julgado.
III. Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 14 de Abril de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão