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Processo n.º 631/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., Lda., e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte teor:
«(….) 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., Lda., e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), nos seguintes termos:
«A., Lda., Rcte. nos autos em tópico, inconformado com os Acórdãos proferidos (em 20/05/2010 e em 08/07/2 10), vem deles interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70.°, n.º 1, b) da Lei n° 28/82 de 15/Nov., para declaração da inconstitucionalidade do art.º 113.°, n.º 1, b) e n.º 2 do CPP.
Assim, por estar em tempo e ter legitimidade, requer a admissão do presente recurso com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.»
2. Verificando-se que não estão reunidos os pressupostos exigidos para o conhecimento do objecto do recurso, cumpre proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Na verdade, constata-se que a recorrente não suscitou adequadamente uma questão de constitucionalidade normativa junto do tribunal recorrido.
Na conclusão 8ª da motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 113 dos autos), a recorrente limitou-se a invocar a inconstitucionalidade das «disposições legais citadas» (ou seja, de todas as disposições que anteriormente referiu), «quando interpretadas de modo diferente do enunciado». O que significa que a recorrente não enunciou, com um mínimo de precisão, qual a norma ou interpretação normativa que reputa inconstitucional, incumprindo, assim, o ónus que lhe é imposto pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
E no próprio requerimento de interposição do presente recurso – que, de todo o modo, já não seria o momento atempado para sustentar uma questão de constitucionalidade – a recorrente continua a não enunciar qual o critério normativo, adoptado na decisão recorrida, que considera inconstitucional.
Note-se, ainda, que o acórdão recorrido apreciou a questão de saber se «a decisão em causa [decisão do tribunal da primeira instância] é inconstitucional». Precisamente porque não fora suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, o acórdão recorrido mais não fez do que decidir sobre a eventual violação de normas constitucionais por parte da decisão recorrida.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso. (…)»
2. Notificada da decisão, a recorrente apresentou requerimento pedindo a “aclaração” desta decisão sumária, nos seguintes termos:
«A., Lda., Rcte. nos autos em tópico, notificado da Decisão Sumária proferida, vem requerer a respectiva aclaração, atentos os fundamentos seguintes:
1. No requerimento de interposição de recurso a Rcte. alegou que o fazia ao abrigo do art. 70.°, n.º1, b) da Lei n.º 28/82 de 15/Nov., limitando-se a citar essa norma;
2. Segundo a mesma, a Rcte. deveria identificar também em que momento, durante o processo, foi a inconstitucionalidade da norma suscitada;
3. Nos termos conjugados dos n.ºs 2 e 5 do art.º 75.°-A da mesma Lei n.º 28/82, se “o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias”;
4. A Decisão proferida parte do pressuposto, erróneo, de que durante o processo não foi suscitada a inconstitucionalidade das normas invocadas e não fica claro se da mesma decorre um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso;
5. A verdade é que a Rcte. suscitou, desde logo nas alegações (ponto II, que aqui se dá por integralmente reproduzido ‘brevitatis causa”) e na 8.ª conclusão do recurso interposto da decisão que rejeitou liminarmente a impugnação apresentada, e depois no ponto 7. do requerimento apresentado em 23.11.2008, em que toma posição acerca dos documentos de fls. 72 a 75, em que expressamente consigna o seguinte:
“8.ª - As disposições legais citadas, quando interpretadas de modo diferente do enunciado, não asseguram os direitos de defesa, de audiência e de recurso constitucionalmente consagrados, nem garantem o acesso aos tribunais para defesa efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos do arguido, assim se violando o disposto nos art.ºs 32.°, n.º 1 e 10, e 20.°, nº. 1 da CRepP”;
E no ponto 7. do aludido requerimento escreveu:
“Quando interpretado nos termos em que esse tribunal o faz, o art. 113.º, n.º1, b) do CPP é inconstitucional, na medida em que priva o arguido de uma tutela efectiva dos seus direitos e restringe os respectivos direitos, assim se ofendendo o disposto nos art.ºs 20.º e 32.° da CRepP”
6. Significa isto que a Rcte. expressamente suscitou em dois momentos processuais que as disposições legais citadas, quando interpretadas de modo diferente do enunciado nas suas alegações, não asseguram os direitos de defesa, de audiência e de recurso constitucionalmente consagrados, nem garantem o acesso aos tribunais para defesa efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, assim se violando o disposto nos art.ºs 32.°, nº. 1 e 10, e 20.°, n.º 1 da CRepP inconstitucionalidade do art.º 113.°, n.º 1, b) do CPP.
Em face do exposto, vem requerer a V. Ex.ª. se digne aclarar se a Decisão proferida encerra um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso e, em caso afirmativo, considerar os presentes esclarecimentos incorporados no mesmo requerimento e assim admitindo o recurso interposto. (…)»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes:
«1.º
A Decisão Sumária nº 424/2010 é perfeitamente clara e insusceptível de dúvida sobre o que nela se decidiu.
2.º
Aliás, a reclamante não identifica qualquer “obscuridade” ou “ambiguidade”, como o exige o artigo 609º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
3.º
A dúvida que ela transmite sobre se a Decisão encerra um convite ao aperfeiçoamento do requerimento, não tem qualquer sentido.
4.º
Na verdade, destinando-se o convite ao aperfeiçoamento a dar a possibilidade ao recorrente de suprir deficiências formais do requerimento de interposição do recurso (artigo 75º-A, nº 5, da LTC), pela Decisão Sumária não se conheceu do objecto do recurso porque se entendeu que, durante processo, a recorrente não suscitara uma questão de inconstitucionalidade normativa.
5.º
Quando ali se refere que no requerimento de interposição do recurso não vinha enunciada uma questão de inconstitucionalidade que se reportasse a norma ou interposição normativa, também se diz “que de todo o modo, já não seria o momento atempado para sustentar uma questão de constitucionalidade”, ou seja, o determinante para não se conhecer ao recurso foi a ausência do pressuposto consistente na suscitação prévia de uma questão que pudesse constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade e não qualquer deficiência formal de que enfermasse o requerimento de interposição do recurso.
6.º
O pedido de aclaração formulado traduz, substancialmente, uma discordância com o decidido, adiantando a recorrente as razões porque entende que suscitou correctamente a questão.
7.º
Deste modo, como é entendimento jurisprudencial reiterado (vd. Acórdãos nºs 431/2008 e 222/2009) – nada obsta e tudo aconselha a que este Tribunal possa a qualificar os incidentes pós - decisórios suscitados, como reclamação para a conferência “transformando” em tal meio impugnatório requerimentos deduzidos perante o relator, particularmente quando os mesmos contêm inidóneos pedidos de aclaração de decisões perfeitamente claras e insusceptíveis de dúvida objectiva.
8.º
Ora, na “reclamação”, a recorrente afirma que suscitou a questão, transcrevendo, para demonstrar tal afirmação, parte do que disse na motivação do recurso para a Relação.
9.º
Essas afirmações foram expressamente consideradas na Decisão Sumária e foi precisamente porque se entendeu que elas não traduziam a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, que não se conheceu do objecto do recurso.
10.º
Assim, se se considerar o requerimento de fls. 200 a 202 como um pedido de aclaração, deverá o mesmo ser indeferido e se se entender que tal requerimento consubstancia uma reclamação para a conferência, deverá ela ser indeferida.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Como bem salienta o representante do Ministério Público na sua resposta, o requerimento sub judicio, apesar de apelidado de “pedido de aclaração”, consubstancia uma autêntica reclamação, para a conferência, da decisão sumária acima transcrita (cfr. artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
De facto, a reclamante não aponta qualquer ambiguidade ou obscuridade à decisão reclamada, sendo de entendimento cristalino que a referida decisão não encerra (nem poderia) um qualquer convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso. As dúvidas que a reclamante possa ter a tal respeito podem ser integralmente satisfeitas pela simples leitura do disposto nos artigos 75.º-A e 78.º-A da LTC e da seguinte passagem da decisão reclamada:
«(…) no próprio requerimento de interposição do presente recurso – que, de todo o modo, já não seria o momento atempado para sustentar uma questão de constitucionalidade – a recorrente continua a não enunciar qual o critério normativo, adoptado na decisão recorrida, que considera inconstitucional.»
O que, na verdade, a reclamante vem invocar é a sua discordância com os fundamentos da decisão de não conhecimento do objecto do recurso, alegando para o efeito que, contrariamente ao aí decidido, a questão de constitucionalidade foi suscitada perante o tribunal recorrido.
Sem qualquer razão, porém.
Pelas razões que já constam da decisão reclamada, confirmadas, aliás, pelas transcrições que a reclamante efectua na presente reclamação, é manifesto que durante o processo a reclamante não identificou uma qualquer norma ou interpretação normativa, para depois a pôr em confronto com a Constituição.
Para o efeito não basta invocar que uma “dada” interpretação, alegadamente acolhida pelo tribunal recorrido, é inconstitucional. Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado, incumbe à parte identificar com precisão o sentido da norma que considera inconstitucional e que pretende submeter a julgamento, de modo a que o Tribunal a possa enunciar na sua decisão, assim permitindo, caso a venha a julgar inconstitucional, que os destinatários saibam qual o sentido da norma que não pode ser utilizado por ser incompatível com a Constituição.
É, por isso, de manter a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir o presente pedido de aclaração e de reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.