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Processo n.º 141/10
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 1 a 4), para a conferência prevista no
n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pelo Relator junto da 3ª
Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 25 de Novembro de 2009 (fls.
49-bis), nos termos do qual foi decidida a não admissão de recurso de
constitucionalidade, para efeitos de apreciação de interpretação normativa
extraída dos artigos 400º, n.º 1, alínea f) e 405º, n.º 4, ambos do Código de
Processo Penal [CPP].
O despacho reclamado recusou a admissão do recurso interposto ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na inexistência de
qualquer desaplicação de norma por parte da decisão sumária proferida, pelo
mesmo Relator, em 21 de Outubro de 2009 (fls. 46 a 49), bem como o recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento
na subsistência, à data da sua interposição, de um meio processual de impugnação
da decisão recorrida equiparável a recurso ordinário (cfr. artigo 70º, n.º 2, da
LTC).
2. Em estrito cumprimento do requerido pelo recorrente, o recurso
vem instruído com diversas peças processuais, mas dele não consta – por não ter
sido requerido – o requerimento de interposição para o presente Tribunal. De
qualquer modo, quer do despacho reclamado, quer da reclamação dele deduzida
podem extrair-se todos os elementos necessários à boa decisão da causa, razão
pela qual não se ordenou a notificação do tribunal recorrido para efeitos de
junção aos autos de quaisquer outras peças processuais.
3. Assim sendo, são estes os termos da reclamação:
«(…)
II
O douto despacho de que ora se reclama, fundamenta a não admissibilidade do
recurso do recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, no previsto no artigo
70º no. 2 da LTC, ou seja, na impossibilidade de recurso de decisões quando não
hajam sido esgotados os meios ordinários para impugnação da decisão
desfavorável.
A este propósito, considera o recorrente que o recurso tempestivamente
interposto deveria ter sido admitido, ao abrigo da alínea b) do artigo 70°, da
LTC, uma vez que se verificam cumulativamente os pressupostos legalmente
exigidos, isto é, de a decisão recorrida ter aplicado norma arguida
inconstitucional durante o processo; que tenha sido o recorrente a suscitar essa
inconstitucionalidade durante o processo (artigo 280°, nº. 4 da CRP e artigo
72°. N°. 2, da LTC); direito ao recurso.
A interpretação efectuada pelo tribunal recorrido do artigo 70, nº 2 é
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32°, nº 1 e 7, bem como no
nº 20, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
A melhor interpretação da norma referida, seria a de que seria sempre admissível
recurso para o Tribunal Constitucional, em todos os casos em que ao recorrente
tivesse nega provimento ao seu recurso, mesmo que sumariamente.
Conclusões;
1. O tribunal “a quo” não admitiu o recurso do recorrente por despacho proferido
em 25/11/2009.
2. Entendeu o Tribunal que face ao teor do artigo 70º, nº. 2 da LTC, tal recurso
não é admissível.
3. A interpretação efectuada pelo tribunal “a quo” de que a redacção dada a este
nº. 2 do artigo 70º, da LTC é no sentido de que o legislador só permite recurso
para o TC depois de esgotados os meios ordinários de impugnação da decisão pelo
recorrente, é em nosso entender inconstitucional por violação do disposto no
artigo 32°, nºs 1 e 7, e 20, nº. 1 da CRP.
4. Inconstitucionalidade que se vem arguir para todos os efeitos.
5. No caso em apreço, deveria o tribunal “a quo” a este propósito, considerar
que o recorrente tempestivamente recorreu e, ao abrigo da alínea b) do artigo
70º, da LTC, uma vez que se verificam cumulativamente legalmente exigidos, isto
é, de a decisão recorrida ter aplicado norma arguida inconstitucional durante o
processo; que tenha sido o recorrente a suscitar essa inconstitucionalidade
durante o processo (artigo 280°, nº. 4 da CRP e artigo 72°. N°. 2, da LTC);
direito ao recurso.
6. A melhor interpretação da norma referida, seria a de que seria sempre
admissível recurso para o Tribunal Constitucional, em todos os casos em que ao
recorrente tivesse sido negado provimento ao seu recurso, mesmo que
sumariamente.
7. Assim, o recurso é admissível, ao abrigo alínea b) do artigo 70º, da LTC,
artigo 280°, nº 4 da CRP e artigo 72°. Nº 2, da LTC); direito ao recurso.» (fls.
2 a 4)
4. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no
sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
«1. Da certidão que instruiu a presente reclamação, não consta
cópia de elementos importantes, como do parecer do Ministério Público no Supremo
Tribunal de Justiça, da resposta do recorrente a esse parecer e do requerimento
de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
2. Apesar dessa limitação e com base nos elementos existentes,
tomaremos posição sobre se a reclamação deve, ou não, ser indeferida.
3. Por Decisão Sumária proferida no Supremo Tribunal de Justiça,
foi rejeitado o recurso que o recorrente havia interposto do acórdão da
Relação, que concedeu parcial provimento ao recurso que aquele havia interposto
da decisão da 1ª Instância.
4. O recorrente interpôs recurso dessa Decisão para o Tribunal
Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do
artigo 400º, nº 1, alínea j) e 405º, nº 4, ambas do CPP.
5. O recurso foi interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1
do artigo 70º da LTC.
6. Quanto ao interposto ao abrigo da alínea a), é óbvio que pela
leitura da Decisão Sumária, não consta que aí tivesse sido recusada a aplicação
de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
7. Quanto ao interposto ao abrigo da alínea b), um dos requisitos
de admissibilidade consiste no esgotamento dos recursos ordinários que, no caso,
caberiam.
8. Ora, tendo a Decisão Sumária sido proferida no abrigo do nº 6
do artigo 417º do CPP, dessa decisão cabia reclamação para a conferência (nº 8
do artigo 417º), reclamação essa que é equiparável a recurso ordinário (artigo
70º, nº 3, da LTC).
9. Esta possibilidade abrangia, naturalmente, quer a questão de
inadmissibilidade do recurso (artigo 400º, nº 1, alínea f), do CPP), quer a
questão da decisão do tribunal superior (no caso do Senhor Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça que havia deferido a anterior reclamação), não ser
definitiva (artigo 405º, nº 4, do CPP).
10. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.» (fls. 52 e 53)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
5. Antes de mais, importa confirmar integralmente o teor do despacho ora alvo de
reclamação.
Em primeiro lugar, quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea
a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, afigura-se evidente que a decisão sumária
proferida, em 21 de Outubro de 2009 (fls. 46 a 49), não procedeu à desaplicação
de qualquer norma jurídica, pelo que o recurso assim interposto mais não podia
do que ser liminarmente rejeitado. Aliás, decerto disso ciente, o ora reclamante
nem sequer impugnou o despacho reclamado quanto à questão relativa à não
admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC.
Em segundo lugar, quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apresenta-se como igualmente incontroverso que
a decisão sumária que foi alvo de recurso para o Tribunal Constitucional ainda
era passível de reclamação para a conferência, nos termos dos n.ºs 6 e 8 do
artigo 417º do CPP. Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 70º da LTC, “são
equiparadas a recursos ordinários (…) as reclamações dos despachos dos juízes
relatores para a conferência”, pelo que, por força do n.º 2 do mesmo preceito
legal, ainda não seria admissível interpor recurso para o Tribunal
Constitucional por ainda subsistir um meio processual de impugnação da decisão
recorrida, equiparável a recurso ordinário.
Como tal, improcedem os argumentos esgrimidos pelo reclamante com
vista à obtenção da decisão reclamada.
6. Mas, sendo assim, impõe-se apreciar a afirmação do reclamante
segundo a qual a própria norma que fundamentou o despacho de rejeição – e que
fundamenta, agora, o presente acórdão – padece de inconstitucionalidade por
violar o seu direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 20º, n.º 1, da
CRP) e, em particular, as suas garantias de defesa (artigo 32º, n.ºs 1 e 7, da
CRP). Sucede, porém, que não lhe assiste qualquer razão.
A solução legislativa adoptada pelo n.º 2 do artigo 70º da LTC, no sentido de
apenas permitir a interposição de recursos relativos a decisão – cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma aplicada foi previamente invocada
pelos recorrentes – ainda seja susceptível de “recurso ordinário” (nos precisos
termos resultantes do n.º 3 do artigo 70º da LTC) insere-se plenamente no
sistema de fiscalização de constitucionalidade concebido pelo legislador
constituinte. Com efeito, conforme explica Cardoso da Costa (“A jurisdição
constitucional em Portugal”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso
Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e seguintes):
«(…) quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade
(…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe
o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do
processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição
constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de
revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo o qual
todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional
das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que
considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs –
und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente (…), e com o
reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio,
tradicional e característico do direito constitucional português, do “acesso”
directo dos tribunais à Constituição (…).»
Com efeito, o mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 70º da LTC não
visa restringir, de modo algum, o acesso dos recorrentes ao Tribunal
Constitucional, mas antes almeja assegurar que os próprios tribunais comuns
possam exercer plenamente a sua função de garantes da Constituição Portuguesa.
Deste modo, os recorrentes não ficam privados de qualquer garantia de
fiscalização de questões de inconstitucionalidade normativa, na medida em que
todo e qualquer tribunal português é guardião da defesa dos valores, princípios
e comandos constitucionais, estando, aliás, constitucionalmente legitimado para
proceder à desaplicação de normas infra-constitucionais que coloquem em causa
aquele bloco de constitucionalidade (artigo 204º da CRP).
Por outro lado, nenhum recorrente fica impedido de ver determinada questão de
inconstitucionalidade normativa apreciada pelo Tribunal Constitucional, desde
que cumpridos os respectivos pressupostos de interposição, nos quais se inclui –
nos recursos com fundamento na al. b) do nº 1 do artigo 70º LTC – o esgotamento
de todos os meios processuais que as diversas leis processuais lhes concedem, de
modo a que sejam – em primeiro lugar – os tribunais comuns a conhecer de
quaisquer questões relacionadas com alegadas inconstitucionalidades normativas.
Se tais mecanismos não gerarem uma decisão que seja favorável aos recorrentes,
gozam estes do direito a interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a
final.
Ao contrário do que parece sugerir o recorrente, de nenhum preceito da
Constituição Portuguesa resulta um direito ilimitado de acesso ao Tribunal
Constitucional
Em suma, não subsiste qualquer fundamento que justifique o
julgamento de inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 2 do artigo 70º da
LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente a
reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo reclamante em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º
do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Abril de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão