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Processo n.º 28/10
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., arguido sujeito a
obrigação de permanência na habitação, e recorridos o Ministério Público e B., a
Relatora proferiu decisão sumária com a seguinte fundamentação:
«2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 2567), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição
de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta
do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
- Quanto à 1ª interpretação normativa
3. Ciente de que, em regra, a lei processual constitucional impõe aos
recorrentes um ónus de prévia suscitação das questões de inconstitucionalidade
alvo de recurso para este Tribunal (artigo 72º, n.º 2, da LTC), o recorrente
reconhece nunca ter suscitado qualquer incidente de inconstitucionalidade,
relativamente, à 1ª interpretação normativa, mas alega que a aplicação daquela
constituiu decisão-surpresa. Deste modo, invoca em seu benefício jurisprudência
do Tribunal Constitucional que admite, excepcionalmente, a dispensa do ónus de
prévia suscitação da inconstitucionalidade, quando a norma (ou interpretação
normativa) aplicada pelo tribunal recorrida assume um carácter insólito,
surpreendente ou inesperado.
Vejamos então se, atenta a configuração da questão concretamente em apreço nos
autos, se justifica dispensar o recorrente do cumprimento do ónus de prévia
suscitação.
Com efeito, a jurisprudência consolidada neste Tribunal apenas admite tal
dispensa quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja
objectivamente imprevisível ou insólita. Assim, ver, a título de exemplo:
i) Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal
Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como
se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um
sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a
oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;
ii) Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também
tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação
sofre restrições 'em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado
não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final'. É o que acontece
também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da
aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível
ao recorrente que contasse com ela.
Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos
casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como
'decisão-surpresa', de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão
proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;
A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou interpretação
normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do preenchimento de um grau
reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma
antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio
controvertido, devendo precaver-se contra a adopção de soluções que, ainda que
minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis face à
letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação de norma
ou interpretação normativa contrária à Constituição da República – sendo esta
possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será admissível a
dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade. Neste sentido, ver:
i) Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado
até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de
interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as
inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão”;
ii) Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de recair
sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades
interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face
delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de
definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso –
acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a
interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos,
certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em
que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação
«prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».
Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá
de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita
e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também)
com ela”.
No caso ora em apreço, não procede, porém, o argumento de que o recorrente não
poderia ter antecipado, segundo um critério objectivo, a não aplicação da
redacção do n.º 2 do artigo 420º do CPP, por força da sua revogação pela Lei n.º
48/2007, de 29 de Agosto, e da aplicação do artigo 5º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do
CPP. Com efeito, bastaria que o recorrente tivesse antecipado a possibilidade de
aplicação da nova redacção da lei processual, por força da aplicação à sua
situação processual da Lei n.º 48/2007, para que ficasse onerado a suscitar
aquela inconstitucionalidade. Isto por ser por demais evidente que a nova
redacção da lei processual penal, dispensava a unanimidade dos membros da
conferência para efeito de rejeição do recurso, conforme sucedera, até então,
por força do n.º 2 do artigo 420º do CPP, na redacção anterior à Lei n.º
48/2007.
Ora, após notificado do parecer do Ministério Público – que propunha,
precisamente, a aplicação da redacção conferida pela Lei n.º 48/2007 (ainda que
a propósito de outra interpretação normativa) –, o próprio recorrente dedicou um
capítulo (cfr. § I. do requerimento de resposta, entre fls. 2486 a 2496) à
discussão sobre a admissibilidade da interpretação favorável à aplicação da lei
nova, sem que tivesse dedicado qualquer linha à colocação do problema relativo à
maioria necessária à rejeição do recurso. Como é bom de ver, ao saber que o seu
recurso pode ser alvo de rejeição, ao abrigo do artigo 420º do CPP, o recorrente
teria de antecipar as várias possibilidade de votação pela conferência: i)
admissão por unanimidade; ii) admissão por maioria (com eventual voto de
desempate); iii) rejeição por unanimidade; iv) rejeição por maioria (com
eventual voto de desempate).
Sendo evidente que o recorrente dispunha das condições para antecipar, de modo
objectivo, a possibilidade de aplicação da lei nova – inclusive, relativamente à
maioria de rejeição do recurso –, ser-lhe-ia exigível, naquela altura, a
invocação, “ad cautelam”, da inconstitucionalidade da 1ª interpretação normativa
que constitui objecto do presente recurso. Tendo invocado a
inconstitucionalidade de outras interpretações normativas, decorrente da
aplicação da lei nova, ser-lhe-ia objectivamente exigível que tivesse suscitado
aquela questão de inconstitucionalidade. Não o tendo feito então, não pode agora
o Tribunal Constitucional dela conhecer, por força do n.º 2 do artigo 72º, da
LTC.
- Quanto à 2ª interpretação normativa
4. A segunda questão de inconstitucionalidade diz respeito a saber se é
constitucional a interpretação segundo a qual a “dupla conforme” exigível pela
alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPC pode ser interpretada no sentido de
nela se incluir uma decisão do Tribunal da Relação que apenas condenou o
recorrente a uma pena de prisão de 8 anos quando o tribunal de 1ª instância o
havia condenado a uma pena de prisão de 9 anos. De acordo com o recorrente,
admitir que tal condenação “in melius”, por parte da Relação, pudesse equivaler
a uma confirmação da condenação anterior constituiria uma ofensa aos artigos
18º, n.ºs 1, 2 e 3, 20º, n.º 1 e 29º, todos da CRP.
Vejamos, se assim, é.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, por diversas
vezes, sobre a dimensão normativa questionada nos presentes autos, ainda que a
propósito da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, na redacção
anterior à Lei n.º 48/2007. Contudo, quanto à questão da “dupla conforme”, a
nova redacção da lei processual não altera, em nada, aquelas conclusões.
Desde logo, em 03 de Janeiro de 2006 (cfr. Ac. n.º 2/2006, disponível in
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), este Tribunal confirmou decisão
sumária que havia concluído pela não inconstitucionalidade “da norma do artigo
400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de
que é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão
condenatório proferido, em recurso, pelas Relações, que confirmem (mesmo que
parcialmente, desde que in melius) decisão da 1.ª instância, quando o limite
máximo da moldura penal dos crimes, individualmente considerados, por que o
arguido foi condenado não ultrapasse 8 anos de prisão”.
Nesse mesmo ano e mês, através do Ac. n.º 32/2006, de 11 de Janeiro (disponível
in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional viria
a reforçar a ideia de que não se reveste de inconstitucionalidade a
interpretação que considera verificada a “dupla conforme” nos casos em que um
Tribunal da Relação reitera a condenação pela prática de determinado crime, mas
decida diminuir a medida concreta da pena a aplicar. Assim, veja-se:
«O objecto do presente recurso, conforme a delimitação efectuada pelo recorrente
(supra, 4.), é constituído pela norma do preceito acabado de transcrever,
interpretado no sentido de que “o acórdão proferido em recurso pelas relações
confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos provados e a
qualificação jurídica, não obstante alterar a medida concreta das penas
parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância”.
Considerando, todavia, que no caso dos autos – como salienta o Ministério
Público nas contra-alegações (cfr. fls. 643-644) – “a Relação [se limitou] a
graduar a medida concreta da pena, em termos mais favoráveis ao arguido,
reduzindo (sem alterar a fundamentação essencial da condenação) tais penas, por
outorgar maior relevo ao quadro de circunstâncias atenuantes”, a interpretação
normativa a apreciar no presente recurso carece de uma delimitação suplementar,
a fim de coincidir com o sentido exacto adoptado pelo tribunal recorrido (cfr. o
artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Mais propriamente, o objecto do presente recurso deverá ser entendido como
constituído pelo artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal,
interpretado no sentido de que o acórdão proferido em recurso pelas relações
confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos provados e a
qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas
parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Será tal interpretação normativa inconstitucional por violação do artigo 32º,
n.º 1, da Constituição, como pretende o recorrente-
7.
(…)
Partindo, portanto, do pressuposto de que o artigo 32º, n.º 1, da Constituição,
quando estabelece que “o processo criminal assegura todas as garantias de
defesa, incluindo o recurso”, não consagra a garantia de um triplo grau de
jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que tem de
perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não admitir o
recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação mantém os
factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida
concreta das penas parcelares e unitária (esta última para sete anos), revogando
parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Dito de outro modo: a questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente
não pode ser resolvida com a mera invocação da garantia de um terceiro grau de
jurisdição, pois que, não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os
casos, tal resolução exige necessariamente a ponderação da razoabilidade,
arbitrariedade ou desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, no
caso concreto.
Ora, realizando tal ponderação, dir-se-á que não é constitucionalmente
censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se
“qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1ª
instância, o acórdão da Relação que – sem qualquer alteração ou convolação dos
fundamentos essenciais ou substanciais – se limite, em mera «redução
quantitativa», a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido,
reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância, por diversa
reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes”.
E dir-se-á também que não é desrazoável tratar do mesmo modo os casos em que a
Relação, aplicando pena não superior a oito anos, confirma totalmente a decisão
da 1.ª instância, e os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a
oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.
Como sublinha o Ministério Público nas contra-alegações:
“[…]
Seria, aliás, numa perspectiva teleológica ou funcional, aberrante que o arguido
pudesse aceder ao Supremo para rediscutir, v.g., uma possível atenuação da pena
de 5 anos de prisão que a Relação lhe aplicou, reduzindo a que lhe fora cominada
na 1ª instância – estando-lhe, todavia, vedado tal acesso se a Relação
[certamente por lapso, refere-se «se o Supremo»] se tivesse limitado a manter,
integral e estritamente, a sentença que o havia condenado, por exemplo, na pena
de 7 anos de prisão. Na verdade, tal solução legislativa, a existir, careceria
provavelmente de suporte material adequado, originando uma evidente e
inquestionável disfuncionalidade, traduzida em vedar injustificadamente o
acesso, em via de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça ao arguido que tivesse
sido condenado pelas instâncias em pena mais gravosa – permitindo tal acesso num
caso de «redução quantitativa» de tal pena privativa da liberdade, realizada em
seu benefício na 2ª instância.
[…].”.
Não procedem, assim, as razões invocadas pelo recorrente quanto à questão de
inconstitucionalidade apreciada.»
Em sentido idêntico, pronunciou-se o Ac. 20/07, de 17 de Janeiro (disponível in
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que confirmou decisão sumária que
considerou que a interpretação segundo a qual se dá por preenchida a “dupla
conforme” vertida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP quando a decisão
da relação se limite a graduar a medida concreta da pena em termos mais
favoráveis ao arguido não padece de qualquer inconstitucionalidade:
«No caso dos autos o acórdão da Relação condenou o recorrente pela prática dos
mesmos crimes com que aquele foi sentenciado na 1ª instância com alterações
pontuais da matéria de facto que considerou irrelevantes para o enquadramento
jurídico-penal e limitou-se a graduar a medida concreta da pena em termos mais
favoráveis ao arguido, reduzindo as penas parcelares aplicadas a cada um desses
crimes e a pena única, sem alterar a fundamentação essencial da condenação, por
concluir que apenas se impunha efectuar algum ajuste “no que concerne à fixação
do quantum das penas ...”
E, foi neste contexto que o aresto recorrido entendeu aplicável ao caso a norma
em apreço, considerando que a circunstância de ter havido uma redução de penas
não afasta a dupla conforme que o artigo 400º, nº1, alínea f) do Código de
Processo Penal, consagra, não sendo, pois, admissível o recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça.
Deste modo o objecto do recurso deverá ser delimitado à norma da alínea f) do
nº1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que
não é recorrível o acórdão da relação (proferido em recurso em processo por
crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos) que,
mantendo a qualificação jurídico-penal dos factos, reduz a medida concreta das
penas parcelares e unitária em que o arguido foi condenado em 1ª instância.
(…)
Ora a menor certeza na aplicação do direito ao caso que possa imputar-se à
inexistência de uma rígida 'dupla conforme' nas instâncias não tem
constitucionalmente que ser superada pelo acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os casos, tal resolução exige
necessariamente a ponderação da razoabilidade, arbitrariedade ou
desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, na hipótese normativa
considerada. E, repete-se, não é constitucionalmente censurável que a exclusão
do terceiro grau de jurisdição resulte de se “qualificar como confirmatório da
decisão condenatória, proferida em 1ª instância, o acórdão da Relação que – sem
qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se
limite, em mera «redução quantitativa», a atenuar a medida concreta da pena
aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância,
por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes. Não é
desrazoável, quer reservar a possibilidade de recurso para Supremo para os casos
mais graves em função da medida da pena quer, num sistema assim concebido,
tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a
oito anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância e os casos em que a
Relação, aplicando pena não superior a oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª
instância.»
A fundamentação expressa nos supra referidos acórdãos é integralmente
transponível para a questão a apreciar, relativamente à 2ª interpretação
normativa.
Assim sendo, torna-se legalmente admissível a prolação de decisão sumária, ao
abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A, da LTC, na medida em que a questão normativa a
decidir se encontra amplamente debatida (e decidida) em jurisprudência anterior
deste Tribunal, pelo que a questão se pode qualificar de “simples”.
Consequentemente, não se julga inconstitucional a 2ª interpretação normativa,
mediante mera remissão para a fundamentação constante dos Acórdãos n.º 32/2006 e
n.º 20/2007.
- Quanto à 3ª interpretação normativa
5. Mais uma vez, a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta questão
normativa é ampla, tendo este já tido oportunidade de apreciar, em especial, a
nova redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP (cfr., a título de
exemplo, Acórdão n.º 263/09, de 26 de Maio, n.º 551/09, de 27 de Outubro, e Ac.
645/09, de 15 de Dezembro, todos disponíveis in
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Em todos esses acórdãos, este
Tribunal reafirmou a ideia de que o artigo 32º, n.º 1, da CRP não concede aos
arguidos qualquer direito a um “terceiro grau de jurisdição”, mesmo quando um
acesso a tal grau, anteriormente admissível, fosse vedado por força da entrada
em vigor de nova norma processual penal.
A título de exemplo, considerou-se no Acórdão n.º 263/09:
«5. A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, alterou a redacção da alínea f) do n.º 1
do artigo 400.º do Código do Processo Penal, a qual dispõe agora que: “1. Não é
admissível recurso: (…) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso,
pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão
não superior a 8 anos”, situação que, para além do mais, não prejudica – ao
contrário que podia suceder em casos anteriormente apreciados pelo Tribunal – a
determinação prévia do direito ao recurso e das condições do respectivo
exercício pelo arguido, uma vez que não o condiciona ao comportamento de outros
sujeitos processuais, nomeadamente ao comportamento do Ministério Público, pois
a admissibilidade do recurso é agora aferida objectivamente, em função da pena
concretamente aplicada ao caso.
A razão de ser desta norma continua a ser a necessidade de limitar a intervenção
do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade.
Assim, não obstante a interpretação normativa em questão no presente recurso não
coincidir exactamente com nenhuma das que foi objecto dos acórdãos supra
referidos nada impede que as razões aduzidas nestes arestos, designadamente no
Acórdão n.º 189/01, sejam transponíveis para o caso.
Na verdade, é no confronto da norma com as garantias de defesa do arguido em
processo penal, designadamente o direito ao recurso, e com garantia de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efectiva, que a questão de
inconstitucionalidade se coloca. E a solução decorre, uma vez mais, dos limites
com que a Constituição vincula o legislador ordinário em matéria de processo
penal, e do reconhecimento de que, nesta área, lhe conferiu liberdade de
conformação, não impondo o estabelecimento de um triplo grau de jurisdição.
A restrição ao recurso é, em suma, constitucionalmente admissível, desde que não
se configure como desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.
No entanto, a interpretação normativa sindicada apresenta-se como “racionalmente
justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o STJ com a resolução de
questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso
concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o
direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a
pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto
à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).
Aderindo à fundamentação dos mencionados acórdãos, haverá que concluir no
sentido de que a interpretação normativa sindicada não viola as garantias de
defesa do arguido em processo criminal, incluindo o direito ao recurso, nem o
direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
6. Sucede, porém, que na interpretação normativa sub judice está em causa a
aplicação da lei processual penal no tempo, tendo-se entendido ser aplicável a
norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na
redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, aos processos em que a sentença
condenatória de 1.ª instância tenha sido proferida depois da entrada em vigor
daquela lei, não obstante ser mais restritiva, quanto à admissibilidade de
recurso, do que a lei vigente no momento em que o processo se iniciou, o que
confronta a norma com o princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º da
Constituição.
Na verdade, na interpretação normativa sindicada, a inadmissibilidade de recurso
de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem
decisão da 1.ª instância e condenem em pena de prisão não superior a 8 anos,
decorre de se aplicar a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo
400º do Código de Processo Penal nos processos iniciados anteriormente à
vigência da Lei n.º 48/2007, em que a sentença de 1ª instância foi proferida
após a entrada em vigor dessa lei.
Deve entender-se o critério fixado no aludido artigo 29º da Constituição, quanto
à aplicação da lei de processo penal no tempo, em sintonia com o que se dispõe
no artigo 5º do Código de Processo Penal: a lei nova não se aplica aos processos
iniciados anteriormente à sua vigência, quando possa resultar, dessa aplicação,
uma limitação dos direitos de defesa do arguido. Todavia, o Tribunal também tem
entendido, como já se fez notar, que a garantia consagrada no n.º 1 do artigo
32º da Constituição, quanto ao recurso, não implica, obrigatoriamente, um duplo
grau de recurso, designadamente perante acórdãos condenatórios proferidos em
recurso pelas relações, confirmativos de decisão da 1ª instância na qual o
arguido foi condenado em pena de prisão não superior a 8 anos.
Deste modo, do aludido artigo 29º da Constituição não é possível retirar uma
proibição absoluta de aplicação imediata de lei 'nova', em matéria de recursos
em processo penal, da qual resulte a referida limitação, impedindo o acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça de recursos de acórdãos condenatórios proferidos
pelas relações nas aludidas circunstâncias.
É certo que o aludido princípio constitucional proíbe que da aplicação da lei
nova possa resultar uma inesperada e imprevisível alteração do regime de
recursos, em processos pendentes, que afecte o exercício do direito de defesa do
arguido; mas o certo é que o momento relevante para o exercício do direito de
defesa do arguido, designadamente no que respeita à estratégia processual a
adoptar, coincide com a prolação da sentença condenatória em primeira instância
e a sua notificação ao arguido, pois só então se estabilizam os elementos
essenciais a atender no exercício do aludido direito de defesa. Mostra-se, por
isso, preservado, no essencial, o exercício do direito de defesa do arguido
quanto à oportunidade da estratégia processual a adoptar.
Não pode, por isso, afirmar-se que, a norma constitui uma desproporcionada
limitação das garantias de defesa do arguido, restringindo de forma inadmissível
o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça.»
Na mesma linha, o Acórdão n.º 551/09 reforçou ainda que:
«8. Porém, o problema colocado não é exactamente este, mas o de saber se é
constitucionalmente admissível suprimir, mediante a aplicação da lei nova a
processos pendentes, um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que era
consentido pela lei vigente no momento em que o processo foi instaurado.
O artigo 5.º do Código de Processo Penal institui a regra de que a lei
processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos
realizados na vigência da lei anterior (tempus regit actum). Com duas excepções
(n.º 2 do artigo 5.º). A lei processual penal não se aplica aos processos
iniciados anteriormente à sua entrada em vigor quando da sua aplicabilidade
imediata possa resultar: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação
processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; b)
quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
O Tribunal tem admitido que a questão de constitucionalidade dos regimes de
aplicação da lei processual penal no tempo pode e deve ser vista à luz do
princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido constante
do nº 4 do artigo 29º da nossa Lei Fundamental. Segundo esta jurisprudência, o
domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva,
antes deverá ser alargado até ao ponto de serem colocadas sob a sua protecção
certas situações em que esteja em causa uma norma processual penal de natureza
material. A projecção dessas normas no processo e na responsabilização penal do
arguido não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio
princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida.
(…)
São estes os princípios que se reafirmam e a que importa submeter a norma em
apreciação.
Essa norma elege como critério de determinação da lei aplicável em matéria de
admissibilidade de recurso de acórdão das relações para o Supremo o momento em
que tenha sido proferida a sentença de 1ª instância que seja confirmada pelo
acórdão de que se pretende recorrer. Foi este, aliás, o critério adoptado no
acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça,
publicado no Diário da República, I Série, de 19 de Março de 2009, embora
aplicado a uma situação inversa daquela que agora está em consideração (a
decisão de 1ª instância era anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007).
Este critério não pode ser censurado por abrir a porta aos riscos que levam a
estender as consequências do princípio constitucional da legalidade penal a
certas normas de processo penal respeitantes à situação processual do arguido.
Na verdade, só com a sentença fica definida a resposta judicial à pretensão
punitiva do Estado. O direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que
lhe forem desfavoráveis que passa a integrar o estatuto do arguido (alínea i) do
n.º 1 do artigo 61.º do CPP) só se define perante uma concreta decisão que lhe
seja desfavorável. É perante o conteúdo desta que se fixam os elementos
determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o exercício do
direito de recorrer, os pressupostos e o âmbito possível do recurso. Até aí o
direito de recorrer, o âmbito do recurso e a sua extensão possível na hierarquia
dos tribunais constituem uma mera potencialidade no estatuto do sujeito
processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos. Perante essa
situação de incógnita – para o arguido, para os restantes sujeitos processuais,
para o poder legislativo –, não se verificam as razões que levam a proibir
soluções legislativas que comportem o risco de um possível arbítrio ou excesso
do poder estatal, diminuindo o legislador (ou gerando objectivamente a suspeita
de diminuir), de forma direccionada e intencional, o nível de protecção da
liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos em processos
concretos já iniciados.
Por outro lado, a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória
como factor de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o
Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, também na perspectiva de
que o arguido é livre de escolher e adequar a sua estratégia processual aos
meios legais existentes no momento em que exerce determinado direito. Só perante
a sentença o arguido saberá se dela discorda e em que termos pode ou lhe convém
atacá-la. Se a lei vigente nesse momento lhe permitir levar o recurso até ao
Supremo Tribunal, é legítimo que opte por reservar a discussão de algum aspecto
da questão ou a apresentação de determinados argumentos para a fase de recurso
perante o Supremo. Ora, a fixação da extensão admissível dos recursos de acordo
com a lei vigente no momento da sentença de 1ª instância preserva integralmente
essa liberdade e a tutela da confiança no seu exercício, que a escolha da lei
vigente em momento posterior, designadamente o do acórdão da relação, poderia
vulnerar.
Mas só isso pode reclamar-se em nome da preservação dos direitos de defesa, não
sendo legítimo que o arguido confie em que o sistema de recursos vigente no
momento em que o processo é instaurado se mantenha inalterado. Não se concebe a
existência de estratégia processual que venha a ser comprometida pela alteração
do regime de recursos antes de ter sido proferida a decisão que se pretende
atacar, porque só perante esta surge, em concreto, o interesse em recorrer e se
define o seu âmbito possível.»
Perante esta jurisprudência consolidada, importa apenas referir que este
Tribunal não cura de aferir qual a interpretação normativa infra-constitucional
mais adequada, face às regras gerais da hermenêutica jurídica, mas apenas de
aferir se uma concreta interpretação normativa acolhida pelo tribunal recorrido
é passível de um juízo de inconstitucional. Serve isto para esclarecer que o
Tribunal Constitucional não se pretende intrometer na discussão sobre o Direito
infra-constitucional aplicável – sendo de notar a existência de divergência no
seio da própria conferência que compõe o tribunal recorrido –, apenas lhe
cabendo verificar se a interpretação acolhida pela decisão recorrida (artigo
79º-C, da LTC) padece ou não de inconstitucionalidade.
Assim, ainda que não vedando portas a interpretação infra-constitucional em
sentido divergente, o que pode este Tribunal afirmar é que a 3ª interpretação
normativa acolhida pela decisão recorrida não padece de qualquer
inconstitucionalidade, conforme melhor e amplamente demonstrada pelos excertos
de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, já supra referidas.
Como tal, ao abrigo dos poderes conferidos pelo n.º 1 do artigo 78º-A da LTC,
profere-se juízo sumário de não inconstitucionalidade da 3ª interpretação
normativa, com remissão para os fundamentos vertidos nos Acórdãos n.º 263/09 e
n.º 551/09, em função da simplicidade da questão a resolver.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
i) Não conhecer do objecto do presente recurso, quanto
à “norma extraída do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, em conjugação
com o artigo 420.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007
de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido da aplicação imediata da nova
lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência e,
desse modo, tornar legalmente admissível uma deliberação de rejeição de recurso
pelo S.T.J. sem a unanimidade de votos, como era exigível pela versão anterior
do n.º 2 do mesmo artigo 42º do C.P.P., o que constitui lei desfavorável
relativamente à redacção anterior”;
ii) Não julgar inconstitucional a “norma extraída do
disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) e no art. 432.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.,
tal como foi aplicada no Acórdão recorrido, no sentido ou interpretação em que
se entendeu por confirmativo um acórdão proferido pela Relação, cuja subida ao
S.T.J. fora admitida pelo mesmo Tribunal, que aplica uma pena de oito anos de
prisão quando a decisão de 1ª instância condena em nove anos de prisão, assim,
se impedindo, por um lado, o conhecimento de arguição de nulidade do acórdão da
Relação, e, por outro, o conhecimento do recurso propriamente dito, pelo
S.T.J.”, mediante remissão para os fundamentos constantes dos Acórdãos n.º
263/09 e n.º 551/09.
iii) Não julgar inconstitucional a “norma extraída do
disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) e no art. 432.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.,
tal como foi aplicada no Acórdão recorrido, no sentido ou interpretação em que
se entendeu por confirmativo um acórdão proferido pela Relação, cuja subida ao
S.T.J. fora admitida pelo mesmo Tribunal, que aplica uma pena de oito anos de
prisão quando a decisão de 1ª instância condena em nove anos de prisão, assim,
se impedindo, por um lado, o conhecimento de arguição de nulidade do acórdão da
Relação, e, por outro, o conhecimento do recurso propriamente dito, pelo
S.T.J.”, mediante remissão para os fundamentos constantes dos Acórdãos n.º
32/2006 e n.º 20/2007.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.»
2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio requerer a correcção
de erro material (fls. 2593 a 2599) e, simultaneamente, reclamar (fls. 2600 a
2642), nos termos que de seguida se sintetizam:
i) A identificação, pela decisão sumária, da 3ª interpretação
normativa padece de lapso de escrita, na medida em que se repete a transcrição
da 2ª interpretação normativa, identificada a fls. 2560 do requerimento de
interposição de recurso, quando se deveria ter transcrito a interpretação
normativa que consta de fls. 2562 do mesmo requerimento. Assim sendo, é
requerida, em requerimento autónomo, a rectificação da decisão sumária pelo
Relator.
ii) Do referido lapso de escrita, retira o reclamante a
consequência de que tal inexactidão prejudicou o conhecimento do mérito da
decisão sumária, quanto à aludida 3ª interpretação normativa, por (alegadamente)
não terem sido ponderadas questões relativas à proibição da aplicação
retroactiva de normas processuais penais, ao princípio da protecção da confiança
e ao princípio da igualdade;
iii) “Ad cautelam”, por admitir a possibilidade de convolação
daquele requerimento autónomo em reclamação, o recorrente acaba por apresentar
reclamação, ainda que a título meramente, subsidiário;
iv) Quanto à 1ª interpretação normativa, o reclamante alega que
não estava onerado com o dever de antecipação de um “pressuposto processual ou
factual” – em concreto, as várias possibilidades de votação por parte dos
membros da conferência do tribunal recorrido – só lhe sendo exigível que
antecipasse a “dimensão normativa a aplicar pelo Tribunal” (fls. 2601). Mais
invocou que, atentas as concretas circunstâncias da tramitação processual, não
poderia ter suscitado a inconstitucionalidade antes da notificação do acórdão de
conferência recorrido, visto que só nesse momento tomou conhecimento do sentido
da votação, entretanto, ocorrida;
v) Quanto à 2ª interpretação normativa, o reclamante discordou
que a questão tratada pela decisão sumária fosse qualificada como simples, em
função da existência de jurisprudência prévia e consolidada no Tribunal
Constitucional, já que não haveria correspondência entre a jurisprudência citada
na decisão reclamada (Acórdãos n.º 32/2006 e n.º 20/2007) e a referida questão
normativa. A razão da (alegada) falta de correspondência assentaria na
circunstância de os recorrentes, naqueloutros processos, terem invocado como
violados preceitos constitucionais (v.g., artigos 13º, 18º, 20º, n.º 1, 27º, n.º
1, 32º, n.ºs 1 e 2; 202º, 203º, 204º, 205º e 282º, todos da CRP) distintos dos
invocados, nos presentes autos, pelo ora reclamante (v.g., artigos 18º, n.ºs 1 e
2, 20º, n.º 1 e 29º, todos da CRP);
vi) Mais alega, quanto àquela interpretação normativa que: a)
mesmo que haja redução da pena concretamente aplicável, com benefício do
arguido, sempre se estará perante um distinta decisão, que inviabilizaria a
aplicação do regime da “dupla conforme”; que b) nem sempre a redução da pena
concretamente aplicável corresponde a um benefício para o arguido; c) a mesma
seria inconstitucional por, tratando-se de uma norma processual material,
atentar contra a proibição da aplicação retroactiva;
vii) Quanto à 3ª interpretação normativa, mais uma vez, o
reclamante entende não haver similitude entre a jurisprudência consolidada
citada pela decisão sumária (Acórdãos n.º 263/2009, n.º 551/2009 e n.º 645/2009)
e a questão em apreço nos presentes autos, por força da invocação de distintos
preceitos constitucionais pelos recorrentes de uns e outros processos.
Especificamente, o reclamante alega que o facto de ter invocado a violação de
preceitos não anteriormente apreciados pelo Tribunal Constitucional (v.g.,
artigos 2º, 13º, 18º, nº 3, e 20º, n.º 5, todos da CRP).
3. Após notificação, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta:
«1º
Pela Decisão Sumária de fls. 2573 a 2589, não se conheceu de uma questão de
inconstitucionalidade e, quanto às outras duas, com base na jurisprudência
anterior do Tribunal, elas foram consideradas simples, tendo sido negado
provimento ao recurso.
2º
Na reclamação agora apresentada o recorrente vem dizer que houve um lapso na
identificação da terceira questão.
3.º
Na Decisão Sumária identificaram-se as três questões da constitucionalidade, por
transcrição de parte pertinente do requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade.
4.º
Ora, vendo essa terceira questão (“terceira interpretação”), como consta da
Decisão, constata-se que ela é precisamente igual, ipsis verbis, à identificada
como a “2.ª interpretação”.
5.º
Assim, recorrendo novamente, ao teor do requerimento de interposição do recurso
para este Tribunal, cremos que a interpretação em causa – a “3.ª interpretação”
– será a seguinte:
“norma extraída do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1,
alínea f) do Código de Processo Penal na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de
Agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do
mesmo Código e do n.º 4 do art.º 2.º do Código Penal, no sentido em que foram
interpretados no Acórdão recorrido, isto é, que em processos iniciados
anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007 não é admissível recurso de acórdãos
condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirmem decisão de 1.ª
instância proferida após a entrada em vigor da referida lei e apliquem pena de
prisão não superior a 8 anos, quando por aplicação do regime vigente à data da
instauração do processo, esse recurso seria admissível”.
6.º
Reconhecendo-se que ocorreu um lapso, isso não significa que o sentido da
decisão deva ser alterado.
7.º
Na verdade, a questão da constitucionalidade da terceira questão, fora
considerada simples, atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre
a matéria.
8.º
Parece-nos evidente que a conclusão terá de ser a mesma, atendendo à “nova”
interpretação.
9.º
Aliás, o próprio recorrente, na reclamação, mais do que no lapso, visto em si
mesmo, insiste, sobretudo, na indicação de diferentes parâmetros para aferir a
inconstitucionalidade, para além do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, isto é,
os artigos 2.º, 13.º, 18.º, nºs.1 e 2, 20.º, n.º 1 e 29.º, nº 4, também da
Constituição.
10.º
O que se disse na Decisão Sumária é integralmente válido agora, sendo até de
registar que, por exemplo, nos processos em que foram proferidos os Acórdãos
n.ºs 263/2009 e 551/2009, referidos na Decisão Sumária, também já vinha invocada
a violação daqueles princípios que, naturalmente, foram tidos em consideração
para, a final, ser proferido o juízo de não inconstitucionalidade.
11.º
Quanto ao não conhecimento do recurso no que respeita à primeira questão de
constitucionalidade - relacionada com o art.º 420.º do CPP – parece-nos
evidente que o recorrente não estava dispensado do ónus de suscitação prévia.
12.º
Ao afirmado na Decisão Sumária, que a reclamação não abala minimamente, apenas
acrescentaríamos que o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, no que
respeita à recorribilidade da decisão da Relação, pronunciou-se no sentido da
aplicação dos preceitos pertinentes, na versão saída da Lei n.º 48/2007,
acrescentando o seguinte:
(…)
O presente recurso deverá seguir a tramitação do Código de Processo Penal de
1987, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29.08 (…)
13.º
Como se vê, a aplicação da lei na nova redacção, à tramitação do recurso, e não
exclusivamente, à recorribilidade da decisão, foi expressamente referida pelo
Ministério Público, tendo, pois, o recorrente, disposto de plena oportunidade de
suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 420.º do CPP, na
longa resposta que apresentou.
14.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação»
4. Igualmente notificada da reclamação deduzida, a recorrida B. deixou esgotar o
prazo sem que viesse aos autos apresentar qualquer resposta.
5. Na sequência do requerimento autónomo para rectificação de erro material, a
Relatora proferiu, em 04 de Março de 2010, o seguinte despacho:
«1. Através de requerimento autónomo entregue em 04 de Fevereiro de 2010, veio o
recorrente invocar e requerer a correcção de lapso de escrita, por a decisão
sumária, proferida em 19 de Janeiro de 2010, reproduzir o texto da 2ª
interpretação normativa (extraída de fls. 2560 do requerimento de interposição
de recurso) enquanto texto da 3ª interpretação normativa (extraída de fls. 2562
do já citado requerimento).
2. Com efeito, nos termos do artigo 78º-B da LTC e do artigo 667º, n.º 1, do
CPC, aplicável ex vi artigo 69º da LTC, cabe ao Relator junto do Tribunal
Constitucional rectificar erros materiais constantes de decisões ou despachos
por si proferidos, designadamente, aqueles que resultem de lapsos de escrita.
Ora, da mera leitura da decisão sumária resulta que houve um manifesto lapso de
escrita, na medida em que, quer a fls. 2574, quer a fls. 2588, se reproduz como
3ª interpretação normativa o teor da 2ª interpretação normativa, tal como
extraída do requerimento de interposição de interposição de recurso (fls. 2560).
Porém, conforme resulta da fundamentação constante de fls. 2582 a 2587, a
decisão sumária analisa, detalhadamente, a questão de inconstitucionalidade
identificada pelo recorrente a fls. 2562.
Da fundamentação ali expressa resulta que são invocados fundamentos distintos
dos utilizados para resolver a questão suscitada pela 2ª interpretação
normativa, pelo que a sua transcrição, por manifesto lapso de escrita, não
invalida que a decisão sumária se tenha pronunciado, de modo efectivo, sobre a
3ª interpretação normativa, tal como supra citada.
3. Deste modo, determina-se que a rectificação daquele erro material, por lapso
de escrita, substituindo-se as transcrições da 3ª interpretação normativa,
constantes de fls. 2574 e de fls. 2588, pela transcrição do texto da
interpretação normativa formulada pelo recorrente, a fls. 1562, a saber:
“norma extraída do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b) e no art. 400.º n.º 1,
al. f) do Código de Processo Penal na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de
Agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º n.º 1 e n.º 2 alínea a) do
mesmo Código e do nº 4 do art. 2º do Código Penal, no sentido em que foram
interpretados no Acórdão recorrido, isto é, que em processos iniciados
anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007 não é admissível recurso de acórdãos
condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirmem decisão de 1.ª
instância proferida após a entrada em vigor da referida lei e apliquem pena de
prisão não superior a 8 anos, quando por aplicação do regime vigente à data da
instauração do processo esse recurso seria admissível”.
Quanto ao mais, mantém-se integralmente o teor e sentido da decisão sumária,
remetendo-se para posterior apreciação, em conferência, da reclamação
autonomamente apresentada através do requerimento de fls. 2600 a 2642.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.» (fls. 2650 e 2651)
6. Após ter sido notificado do referido despacho, o reclamante veio,
em 11 de Março de 2010, apresentar requerimento, nos termos do qual declarou que
“não prescinde do seu direito a manter ou modificar – no prazo regra – a
reclamação que, por cautela, apresentou” (fls. 2662). Dentro do referido prazo,
o reclamante limitou-se a introduzir algumas alterações no estilo discursivo da
reclamação, que não influem, em nada, na configuração dos argumentos esgrimidos
originariamente em 04 de Fevereiro de 2010. Disso é bem ilustrativa a
circunstância de as fls. 2671 a 2691 corresponderem, integral e textualmente, às
fls. 2605 a 2626.
Dignas de nota – ainda que consistindo somente numa mera
reformulação frásica do texto originário – são apenas as seguintes conclusões
ora apresentadas:
«1. (…)
5. Como já foi decidido pelo TC “tão só à luz da tramitação normal
do processo em causa e das oportunidades de intervenção nele consentidas aos
recorrentes” se há-de analisar da possibilidade de cumprimento do requisito da
suscitação prévia.
6. O recorrente, por não ser notificado do resultado da votação, não
dispôs de oportunidade processual para levantar a questão da
inconstitucionalidade antes de ser proferida esta (2ª fase) decisão.
7. O recorrente não teve oportunidade de intervir entre a votação do
projecto do Acórdão em conferência e decisão posterior de aplicação da redacção
actual do nº 2 do art. 420º do CPP» (fls. 2692 e 2693).
7. Atenta a integral correspondência entre a reclamação
originariamente deduzida em 04 de Março de 2010 (fls. 2600 a 2642) e a
argumentação agora reproduzida por requerimento apresentado em 19 de Março de
2010 (fls. 2664 a 2708), não subsiste qualquer imposição legal de notificação
dos recorridos, na medida em que aqueles já tiveram oportunidade processual de
se pronunciar sobre os termos da reclamação.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. Para além do requerimento autónomo de rectificação do erro material, o
recorrente deduziu, à cautela, em 04 de Fevereiro de 2010, reclamação da decisão
sumária, para o caso de a mesma não vir a ser reformada pela Relatora, quanto à
sua substância, em função da rectificação do lapso de escrita. Ora, na medida em
que o despacho proferido pela Relatora mantém integralmente a fundamentação
expressa na decisão sumária, limitando-se a rectificar o referido lapso de
escrita, sempre importaria agora tomar conhecimento da referida reclamação,
deduzida a título subsidiário. Mesmo que assim não fosse, o reclamante veio
confirmar a reclamação então deduzida, através de requerimento apresentado em 19
de Março de 2010, que se limita – com ligeiras alterações do estilo discursivo,
relativamente à 1ª interpretação normativa – a reproduzir a reclamação
originariamente apresentada.
Como tal, passar-se-á a conhecer do objecto da reclamação apresentada.
Invertendo a ordem de conhecimento das interpretações normativas apreciadas pela
decisão reclamada, importa começar por notar que, efectivamente, a rectificação
do lapso de escrita, mediante correcta identificação da 3ª interpretação
normativa alvo de apreciação pela decisão ora reclamada, não influi em nada na
apreciação a fazer quanto à adequação do juízo de não inconstitucionalidade
relativo à “norma extraída do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b) e no art.
400.º n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal na redacção da Lei n.º 48/2007
de 29 de Agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º n.º 1 e n.º 2 alínea
a) do mesmo Código e do nº 4 do art. 2º do Código Penal, no sentido em que foram
interpretados no Acórdão recorrido, isto é, que em processos iniciados
anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007 não é admissível recurso de acórdãos
condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirmem decisão de 1.ª
instância proferida após a entrada em vigor da referida lei e apliquem pena de
prisão não superior a 8 anos, quando por aplicação do regime vigente à data da
instauração do processo esse recurso seria admissível”.
Em boa verdade, a decisão reclamada apreciou, de modo desenvolvido e
fundamentado, a especificidade desta questão, tendo aliás julgado não
inconstitucional aquela interpretação normativa por remissão para os Acórdãos
n.º 32/206 e n.º 20/2007. O facto de, por mero lapso de escrita, ter havido
coincidência no teor das transcrições relativas à 2ª e 3ª interpretações
normativas, não invalida que a fundamentação desta última tenha sido distinta da
primeira daquelas, que, aliás, foi alicerçada em jurisprudência diferenciada (in
casu, Acórdãos n.º 263/09 e n.º 551/09).
Torna-se assim evidente que o lapso de escrita não influenciou em nada o
conhecimento do mérito da questão, visto que a decisão reclamada apreciou, com
fundamentação autónoma e adequada, a questão efectiva de inconstitucionalidade
convocada a juízo pela 3ª interpretação normativa.
Posto isto, importa notar que as particularidades que enformam os casos
concretos apreciados pelos acórdãos-fundamento da decisão sumária não afectam,
em nada, a similitude das questões normativas naquelas apreciadas e a questão de
inconstitucionalidade que decorre da 3ª interpretação normativa. Mais acresce
não ser verdade que a invocação da violação de determinados preceitos
constitucionais pelo recorrente não tenha sido alvo de apreciação por aquela
jurisprudência. Conforme nota a decisão reclamada, aquela jurisprudência não se
limitou a aferir da compatibilidade daquela interpretação normativa com o
direito de recurso do arguido (artigo 32º, n.º 1, da CRP), tendo igualmente
apreciado o problema a aplicação retroactiva de lei restritiva de direito
fundamental, in casu, de norma processual materialmente penal. Assim, ver os
excertos (já citado pela decisão sumária) dos acórdãos-fundamento:
«Deste modo, do aludido artigo 29º da Constituição não é possível retirar uma
proibição absoluta de aplicação imediata de lei 'nova', em matéria de recursos
em processo penal, da qual resulte a referida limitação, impedindo o acesso ao
Supremo Tribunal de Justiça de recursos de acórdãos condenatórios proferidos
pelas relações nas aludidas circunstâncias.
É certo que o aludido princípio constitucional proíbe que da aplicação da lei
nova possa resultar uma inesperada e imprevisível alteração do regime de
recursos, em processos pendentes, que afecte o exercício do direito de defesa do
arguido; mas o certo é que o momento relevante para o exercício do direito de
defesa do arguido, designadamente no que respeita à estratégia processual a
adoptar, coincide com a prolação da sentença condenatória em primeira instância
e a sua notificação ao arguido, pois só então se estabilizam os elementos
essenciais a atender no exercício do aludido direito de defesa. Mostra-se, por
isso, preservado, no essencial, o exercício do direito de defesa do arguido
quanto à oportunidade da estratégia processual a adoptar.» (Acórdão n.º 263/09);
«o Tribunal tem admitido que a questão de constitucionalidade dos regimes de
aplicação da lei processual penal no tempo pode e deve ser vista à luz do
princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido constante
do nº 4 do artigo 29º da nossa Lei Fundamental. Segundo esta jurisprudência, o
domínio deste princípio não se restringe à aplicação da lei penal substantiva,
antes deverá ser alargado até ao ponto de serem colocadas sob a sua protecção
certas situações em que esteja em causa uma norma processual penal de natureza
material. A projecção dessas normas no processo e na responsabilização penal do
arguido não pode deixar de ter-se por intimamente conexionada com o próprio
princípio da legalidade e, consequentemente, com a garantia por ele conferida.
(…)
Este critério não pode ser censurado por abrir a porta aos riscos que levam a
estender as consequências do princípio constitucional da legalidade penal a
certas normas de processo penal respeitantes à situação processual do arguido.
Na verdade, só com a sentença fica definida a resposta judicial à pretensão
punitiva do Estado. O direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que
lhe forem desfavoráveis que passa a integrar o estatuto do arguido (alínea i) do
n.º 1 do artigo 61.º do CPP) só se define perante uma concreta decisão que lhe
seja desfavorável. É perante o conteúdo desta que se fixam os elementos
determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o exercício do
direito de recorrer, os pressupostos e o âmbito possível do recurso. Até aí o
direito de recorrer, o âmbito do recurso e a sua extensão possível na hierarquia
dos tribunais constituem uma mera potencialidade no estatuto do sujeito
processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos. Perante essa
situação de incógnita – para o arguido, para os restantes sujeitos processuais,
para o poder legislativo –, não se verificam as razões que levam a proibir
soluções legislativas que comportem o risco de um possível arbítrio ou excesso
do poder estatal, diminuindo o legislador (ou gerando objectivamente a suspeita
de diminuir), de forma direccionada e intencional, o nível de protecção da
liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos em processos
concretos já iniciados.» (Acórdão n.º 551/09)
Ora, a circunstância de os recorrentes que deram causa aos processos nos quais
foram proferidos aqueles arestos não terem invocado determinados preceitos
constitucionais como fundamento de inconstitucionalidade não invalida que o
Tribunal Constitucional deles tenha conhecido, já que, por força do artigo 79º-C
da LTC, este Tribunal goza de plena liberdade quanto aos fundamentos de
inconstitucionalidade a adoptar para efeitos de tomada de decisão. Ao considerar
a questão da aplicação retroactiva de normas a recursos em processos-crime
pendentes, o Tribunal Constitucional já ponderou os problemas suscitados pelo
princípio da confiança, pelo princípio da igualdade e pelo princípio da
proibição da restrição retroactiva de direitos fundamentais.
Improcede, portanto, a reclamação do reclamante quanto à 3ª
interpretação normativa.
9. E o mesmo se diga quanto à 2ª interpretação normativa, já que a circunstância
de terem sido invocados preceitos constitucionais distintos dos invocados pelos
recorrentes nos processos que deram lugar aos Acórdãos n.º 32/2006 e n.º 20/2007
não invalida a sua similitude com a questão de constitucionalidade apreciada
pela decisão reclamada.
Quanto aos demais argumentos esgrimidos, aqueles limitam-se a interpretar o
conceito de “dupla conforme” numa perspectiva de Direito infra-constitucional,
nunca colocando em causa a constitucionalidade de interpretação distinta
daquela, ou seja, da interpretação acolhida, por maioria, pela conferência que
proferiu a decisão recorrida.
É de manter a decisão reclamada por remissão para a fundamentação mais
desenvolvida pelos Acórdãos n.º 32/2006 e 20/2007.
Em especial, não procede o argumento relativo à proibição da retroactividade de
normas restritivas de direitos fundamentais, em especial de normas processuais
materialmente penais, na medida em que, por exclusiva opção do recorrente, a 2ª
interpretação normativa não foi configurada, em sede de requerimento de
interposição de recurso – que cristaliza o objecto do presente recurso –, por
relação com um problema de aplicação retroactiva de lei. Tal questão apenas foi
colocada a propósito da 3ª interpretação normativa e não da 2ª interpretação
normativa, pelo que também nunca seria de apreciar por este Tribunal.
9. Por último, quanto à 1ª questão normativa, a reclamação não consegue abalar,
de modo algum, a fundamentação constante da decisão reclamada. O facto de o
recorrente só ter tido conhecimento do sentido da votação em momento posterior
ao da tomada definitiva da decisão por parte do tribunal recorrido não obsta ao
dever de prévia suscitação da questão. A antecipação do sentido de voto dos
membros da conferência não é susceptível de ser reconduzido a uma mera
antecipação de facto jurídico que constituiu “pressuposto processual” do
provimento do recurso. Pelo contrário, nesse caso, trata-se precisamente do
dever de antecipação do critério normativo que define o modo como a votação
ocorrida em conferência influenciará a tomada de decisão. O recorrente estará,
assim, sempre onerado com o dever de antecipação do critério normativo que
formata a tomada de decisão.
E foi isso, precisamente, que o ora reclamante não fez. Teria sido antes da
votação em conferência, no tribunal recorrido, ou seja, no momento em que o
recurso foi interposto, que a questão de constitucionalidade deveria ter sido
colocada, o que não sucedeu. Aliás, conforme frisado pelo Ministério Público, em
sede de resposta a esta reclamação, o parecer daquele, junto do Supremo Tribunal
de Justiça, mencionou expressamente que:
«O presente recurso deverá seguir a tramitação do Código de Processo Penal de
1987, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29.08 (…)»
Em síntese, não subsiste qualquer fundamento para reformar a decisão
reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Abril de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão