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Processo n.º 1001/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão
sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrida a Massa Insolvente de
“B., Lda.”, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b)
da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido, em
conferência, pela 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 03 de Novembro de
2009 (fls. 234 a 239), para que seja apreciada a “inconstitucionalidade do
entendimento que o Tribunal recorrido retira do disposto no regime constante do
art. 121.º, n.º 1, alínea i) do C.I.R.E., ao determinar enquanto incondicional e
inilidível a resolução do acto de pagamento de suprimentos em momento inferior a
um (1) ano ao do início do processo da insolvência” (fls. 245).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 248), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator verificar que alguns deles não foram preenchidos, pode proferir
decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A
da LTC.
3. O Tribunal Constitucional apenas dispõe de poderes para sindicar a eventual
inconstitucionalidade de normas (ou interpretações normativas) que tenham sido
efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, conforme decorre do artigo
79º-C da LTC.
Importa notar que a decisão recorrida proferida nos presentes autos não se
refere, em momento algum, à natureza inilidível do acto de resolução adoptado ao
abrigo da alínea i) do n.º 1 do artigo 121º do CIRE. Pelo contrário, o acórdão
proferido pela 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça reafirma a inexistência
de qualquer impedimento oposto à ora recorrente quanto à impugnação da decisão
de resolução dos suprimentos a favor da massa falida, remetendo para o teor do
acórdão proferido, em conferência, pela 3ª Secção do Tribunal da Relação do
Porto. Nessa sede, já havia sido expressamente afirmado que:
«6)
(…)
Em primeiro lugar, em nenhum passo da sentença recorrida se afirma
que a apelante não tinha o direito de impugnar o acto de resolução, mas, e de
forma clara, que não lhe assiste o direito que pretende fazer valer – de que
inexiste fundamento para a resolução ou de que inexiste causa obstativa da
resolução.
(…)
Nada se decidiu sem que a parte pudesse argumentar sobre a sua
pretensão e a pretensão da parte contrária. Por outro lado, nenhum benefício
processual se concedeu a uma das partes que se tenha negado à outra.
(…)
A recorrente, do que se entende da sua peça alegatória, acha a
ofensa aos ditos princípios no facto da decisão de mérito ter ocorrido no
saneador, ou como se expressa, negando “à A. recorrente o direito a ver
sindicado em audiência de julgamento o valor das suas alegações”. Esta posição
labora em confusão sobre o conteúdo material de vários dos princípios chamados á
colação pelo recorrente – contraditório, igualdade, acesso aos tribunais e à
justiça – quando o que poderá, eventualmente, acontecer (não sendo esse o nosso
entendimento) é a negação (injusta) de provimento a uma pretensão substancial
ou, por outras palavras, o não reconhecimento do direito invocado, por se
entender que existia fundamento para a resolução dos actos da insolvente
comunicada pelo administrador da insolvência.” (fls. 156 e 157)
Daqui decorre que este entendimento, para o qual remete a decisão recorrida,
nunca afirmou que a resolução do acto de pagamento de suprimentos, ao abrigo da
alínea i) do n.º 1 do artigo 121º do CIRE era inilidível. Pelo contrário,
afirmou expressamente que o recorrente gozou, efectivamente, do direito a
instaurar acção com vista à impugnação da decisão de resolução, ao abrigo do
artigo 125º do CIRE.
Assim, torna-se evidente que a decisão ora recorrida não aplicou efectivamente a
interpretação normativa reputada de inconstitucional pela recorrente, pelo que,
por força do artigo 79º-C da LTC, encontra-se este Tribunal impedido de tomar
conhecimento do objecto do presente recurso.
4. Para além disso, por se tratar de um recurso do tipo previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º, da LTC, o recorrente fica especialmente onerado, perante a
instância recorrida, com a prévia e adequada suscitação da questão de
inconstitucionalidade normativa que pretenda vir, posteriormente, a ser
apreciada pelo Tribunal Constitucional (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
Ora, apesar de afirmar o contrário no requerimento de interposição de recurso
(cfr. § IX., a fls. 246), a recorrente não suscitou, de modo processualmente
adequado, a questão da inconstitucionalidade, na precisa dimensão normativa que
pretende ver agora apreciada por este Tribunal. Ou seja, em momento algum
colocou a recorrente em causa a inconstitucionalidade de uma interpretação
normativa da alínea i) do n.º 1 do artigo 121º, do CIRE, que determinasse
“enquanto incondicional e inilidível a resolução do acto de pagamento de
suprimentos em momento inferior a um (1) ano ao do início do processo da
insolvência, ou seja, sendo o carácter inilidível de tal resolução autorizada
pelo art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil”.
Ao invés, das suas conclusões do recurso de revista podem retirar-se os
seguintes excertos:
“Décimo quinto: A decisão recorrida violou, neste particular, o disposto no
art.º 234.º, n.º 1 do CSComerciais, nos art.ºs 121.º, n.º 2 com remissão ao n.º
1, alínea i) do mesmo normativo e 125.º, estes do C.I.R.R (…).
Décimo sexto: A decisão recorrida versa sobre matéria eivada de
inconstitucionalidade (…).
Décimo oitavo: O regime constante do art.º 121.º, n.º 1, alínea i) do C.I.R.E.,
ao determinar enquanto incondicional a resolução do acto de pagamento de
suprimentos em momento inferior a um (1) ano ao do início do processo de
insolvência viola, em termos desproporcionados o princípio do contraditório,
ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo art.º 20.º da
CRPortuguesa.” (fls. 159).
Assim, pode concluir-se que: i) por um lado, a recorrente começou por atacar a
própria decisão recorrida, imputando a inconstitucionalidade à própria decisão
jurisdicional e não a uma precisa norma jurídica (ou respectiva interpretação
normativa); ii) por outro lado, a recorrente afirmou que a inconstitucionalidade
afectaria o regime constante do preceito legal em causa e não propriamente a
própria norma jurídica dele extraído; iii) por último, ainda que se viesse a
admitir que a invocação de inconstitucionalidade se dirigia à norma jurídica “in
se”, não restam dúvidas de que a recorrente nunca fez nenhuma alusão à natureza
inilidível da presunção.
Com efeito, das alegações do recurso de revista apresentadas pela recorrente
extrai-se que aquela não suscitou de modo processualmente adequado a
inconstitucionalidade da norma que constitui objecto do presente recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente
recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos
termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com a referida decisão, a recorrente veio reclamar, nos
seguintes termos:
«I. A questão que se coloca é singela e não merecerá demoradas
considerações, subordinando-se a recorrente à decisão que for lavrada em
conferência. É que,
II. a Egrégia Juíz Relatora decidiu sumariamente pelo não conhecimento do
recurso interposto por entender que a recorrente «abandonou» a pretensão de ver
sindicada pelo Tribunal Constitucional o entendimento de que o art.° 121.°, n.°
1, alínea 1) do C.I.R.E., ao determinar enquanto incondicional a resolução do
acto de pagamento de suprimentos em momento inferior a um (1) ano ao do início
do processo da insolvência se reveste de inconstitucionalidade que urge
erradicar;
III. Sustenta a tese do abandono a partir da conclusão de que a aqui
reclamante não fez adequado eco dos termos em que sindicou a decisão da 1.a
instância e sucessivamente ecoada nos recursos posteriormente interpostos,
mormente, ao dispor semanticamente os termos em que o Supremo Tribunal de
Justiça operou a decisão denegatória;
IV. Não pode ser maior a razão de discordância da reclamante. De facto,
«in casu», não se vislumbra, por parte da reclamante o abandono da sua tese.
Assim,
V. encontra-se transcrito a fl.s 3 da decisão sumária reclamada o ponto
Décimo-Oitavo das conclusões do recurso de revista formuladas pela recorrente no
sentido da necessidade de sindicância do entendimento de que “O regime constante
do art.° 121.°, n.º 1, alínea 1) do C.I.R.E, ao determinar enquanto
incondicional a resolução do acto de pagamento de suprimentos em momento
inferior a um (1) ano ao do início do processo de insolvência viola, em termos
desproporcionados o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos
tribunais, afirmado pelo art.° 20º da CRPortuguesa.“;
VI. Neste contexto semântico, entende a reclamante que a formula em que
redigiu os termos do recurso interposto para o Tribunal Constitucional respeitou
as razões da discordância expostas na conclusão Décima-Oitava das suas
conclusões de recurso,
VII. com o complemento, apenas angariável após o conhecimento da decisão
exposta no Acórdão prolatado em revista pelo STJustiça, da inilidibilidade de
tal resolução autorizada pelo art.° 350.°, n.º 2 do Código Civil. Ora,
VIII. esta complementação não desvirtua a fórmula reivindicatória da
inconstitucionalidade da norma tal como a mesma vinha sendo exposta desde o
recurso interposto em 1.a instância de recurso,
IX. nem congrega em si um simples ataque à decisão do STJustiça. A tal
ponto,
X. que a reclamante expressamente veiculou em defesa dos termos do seu
recurso dirigido ao Egrégio Tribunal Constitucional que a decisão recorrida
“(…)
…viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o
princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado
pelo art.° 20º da CRPortuguesa no sentido de que ao sufragar a negação à
A./recorrente do direito a ver sindicado em audiência de julgamento o valor das
suas alegações viola princípios basilares do direito processual civil, mormente,
os da garantia do acesso aos tribunais, o da justiça, o do direito ao
contraditório e o da igualdade entre as partes — cfr. Artºs 2.º, 3. ° e 3. °-A
do CPCivil;
Viola, ainda, o princípio do direito do acesso da recorrente aos tribunais e à
justiça por entender que a alegada INCONDICIONALIDADE da resolução a inibe de
utilizar qualquer argumento susceptível de infirmar a resolução do reembolso de
suprimentos por não existir norma no ordenamento jurídico português que permita
tal derrogação, o que arrasta, por consequência, a própria inibição da
recorrente de legitimar a propositura da acção impugnatória a que se refere o
art.° 125.º do C. 1. R. E.;
Mantém a recorrente a certeza de que tal entendimento retirado pelo Tribunal
daquela norma viola o princípio do contraditório, princípio essencial de
direito, como tal recolhido pelo art.° 16° da Constituição da República
Portuguesa tal como a mesma resulta da leitura e aplicação da Lei Constitucional
n.º 1/2005, de 12 de Agosto;
Ou seja: o entendimento doutrinal e jurisprudencial atribuído à norma contida no
art.° 121. °, n.º 1, alínea 1) do C.I.R.E. viola o art.° 16º da CRPortuguesa -
que acolhe o princípio do contraditório como princípio fundamental inscrito fora
da Constituição - princípio que resulta directamente de outros preceitos
constitucionais, designadamente o art.° 2.º enquanto consagrador do princípio do
Estado de direito democrático e, em especial, o art.° 20º nºs 1 e 4 como
preceito que estabelece o direito de acesso aos tribunais e o direito a um
processo equitativo, viola o princípio do contraditório, ínsito no direito de
acesso aos tribunais, afirmado pelo art.° 20º da CRPortuguesa e
viola o princípio do contraditório no âmbito do processo criminal ínsito no
art.° 32.º, n.º 5 da CRPortuguesa já que nesta consagração é pacífico que a
mesma dignidade constitucional assiste no processo civil.
XI. Ou seja: é crença da reclamante que não ocorreu qualquer desvirtuação
da formula recursive tal como a mesma se formulou no requerimento de
interposição de recuso e
XII. a proceder a tese reclamada que aqui se combate por realizar uma
exagerada valoração da forma sobre a necessidade de preservação e discussão da
verdade material, viola-se o disposto nos art.°s 69.º, 70.°, n.º 5, «a contrario
sensu» e 72.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações
subsequentes e
XIII. principal e gravosamente, viola-se o direito / princípio de recurso que
- constitui matriz essencial do direito constitucional português.» (fls. 262 a
266)
3. Após notificação para efeitos de resposta, a recorrida deixou expirar o prazo
sem que viesse aos autos pronunciar-se sobre o teor da reclamação.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A presente reclamação apenas coloca em crise um dos dois fundamentos que
presidiram à elaboração da decisão sumária, ou seja, a falta de suscitação
adequada da questão de inconstitucionalidade normativa que a recorrente elegeu
como objecto do recurso.
Sucede porém que, nestes autos, a decisão reclamada considerou que não era
possível conhecer do objecto do recurso pela simples circunstância de a
interpretação normativa reputada de inconstitucional pela recorrente não ter
sido efectivamente aplicada pelo tribunal “a quo”. Ora, em momento algum da
reclamação é feita sequer qualquer alusão que permitisse colocar em causa a
justeza da decisão reclamada quanto à evidente não aplicação efectiva, pelo
tribunal “a quo”, da norma questionada.
Só por isso, já estaria condenada ao insucesso a presente reclamação. Ainda que
procedessem os argumentos relativos à alegada suscitação adequada da questão de
inconstitucionalidade, sempre subsistiria outro fundamento para não conhecimento
do objecto do recurso, ou seja a não aplicação efectiva da interpretação
normativa reputada de inconstitucional, pelo tribunal recorrido (artigo 79º-C da
LTC).
5. Assim, a reclamante reduz os seus argumentos à alegação de que o excerto
constante do § X. da sua reclamação constituiria demonstração da adequada
suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa. A reclamante
acaba, contudo, por citar, precisamente, uma passagem das suas alegações perante
o tribunal recorrido em que se limitou a reputar de inconstitucional a própria
decisão recorrida. Ora, nos termos do artigo 277º, n.º 1, da CRP, o sistema
português de fiscalização da constitucionalidade não admite o controlo de
decisões jurisdicionais, “in se”, mas apenas de normas jurídicas. Esta simples
consideração, obsta à procedência da sua reclamação.
Quanto ao mais, resta corroborar integralmente a mais desenvolvida fundamentação
ínsita na decisão reclamada. Com efeito, no referido § 18. das conclusões das
alegações de recurso perante o tribunal recorrido, a ora reclamante nunca fez
qualquer alusão ao carácter de presunção inilidível resultante da alínea i) do
n.º 1 do artigo 121º do CIRE.
Acrescente-se ainda que o argumento de que aquela constituiria uma
“decisão-surpresa”, por só ser “angariável após o conhecimento da decisão
exposta no Acórdão prolatado em revista pelo STJustiça, da inilidíbilidade de
tal resolução autorizada pelo art° 350.°, n.º 2 do Código Civil” é de afastar.
Com efeito, aquela nunca beneficiaria de dispensa do ónus de suscitação perante
o Supremo Tribunal de Justiça da questão de inconstitucionalidade normativa que
constitui agora objecto do presente recurso. É que, na realidade, aquela
interpretação normativa já havia sido aplicada pelo Tribunal da Relação do
Porto, pelo que é desprovida de qualquer fundamento a alegação de que a sua
aplicação, pelo tribunal recorrida, foi insólita ou imprevisível.
Com efeito, o Tribunal da Relação do Porto julgou, expressamente, o seguinte:
«Visando atingir esses objectivos, dispõe o artigo 120°/1 que “podem ser
resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa
praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do
processo de insolvência”.
E esclarece o nº 2 que “consideram-se prejudiciais à massa os actos que
diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos
credores”.
Esta previsão faria incidir sobre a massa insolvente o ónus da prova desse
prejuízo (concreto), daí que a lei vem estabelecer uma presunção (inilidível ou
iuris et de iure) no sentido de que se presumem “prejudiciais à massa, sem
admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no
artigo” 121° e “ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí
contemplados”.
Não obstante a resolubilidade de determinados actos do falido, em que intervêm
terceiros, não se prescinde da má fé destes (no sentido do conhecimento de
qualquer das situações previstas no nº 5 do mesmo artigo), estabelecendo, porém,
a lei, uma presunção (ilidível ou iuris tantum) da existência de má fé nos casos
previsto no nº 4, situação em que se encontraria, inevitavelmente, a recorrente
(dada a sua especial relação com a insolvente).
Assim, o preceito, no seu n°3, contempla uma presunção (de prejuízo para a
massa) inafastável por prova em contrário, e, no seu nº 4, uma presunção (iuris
tantum) que pode ser contrariada, cabendo ao terceiro interessado a prova da
ausência de má fé.
Mas estabelece o artigo 121°/1 que “são resolúveis em beneficio da massa
insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros
requisitos:
(...)
i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro” do ano anterior à data
do início do processo de insolvência.
Por isso, sem dependência do requisito da má fé.
Nessa situação, a lei prescinde da má fé dos terceiros intervenientes no acto em
causa (o que se justifica pela especial relação do “terceiro” com a sociedade
insolvente e natureza dos suprimentos, dando a lei preferência à satisfação dos
restantes créditos, na situação da insuficiência da massa para a todos
garantir).
Assim, a lei falimentar diferencia entre os actos sujeitos a regime de resolução
incondicional, que são os actos previstos no artigo 121° (artigo 120°/3),
ficando os restantes sujeitos a um regime de resolução condicional, porque a
resolução depende da ocorrência dos requisitos previstos no artigo 120°/1 e 4.
Quanto aos actos previstos no artigo 121º/1, a resolução não depende da
verificação de quaisquer requisitos: presumem, iuris et de iure, prejudiciais á
massa insolvente e dispensam a presença de má fé do terceiro interveniente no
negócio (arts. 121° e 120°/3 e 4). Estes actos, de enumeração taxativa,
presumem-se prejudiciais à massa, sem necessidade de má-fé e sem admissão de
prova em contrário. Para que o acto seja resolúvel basta que se enquadre em
qualquer das alíneas do artigo 121°/1.
É nesta categoria de actos que cai o reembolso dos suprimentos, inequivocamente
sujeito a resolução incondicional [(artigo 121°/1, alínea, i)]. Como escrevem
Carvalho Fernandes e João Labareda, “a explicação deste regime — o mais
flagrante de resolução incondicional — reside na natureza subordinada do crédito
de suprimentos”» (com sublinhado nosso).
Daqui resulta que, mesmo que o Supremo Tribunal de Justiça tivesse aplicado
aquela interpretação normativa – o que já vimos não corresponder à tramitação
dos autos recorridos –, a ora reclamante não poderia ter deixado de antever a
aplicação, da interpretação normativa que elegeu para objecto do presente
recurso. Assim é porque, antes de ter interposto recurso para aquele tribunal,
já o tribunal (então) recorrido – ou seja, o Tribunal da Relação do Porto –
havia interpretado a norma extraída da alínea i) do n.º 1 do artigo 121º do CIRE
como consagradora de uma presunção inilidível de que o pagamento de suprimentos
suportados pelos sócios é prejudicial à massa falida.
Sucede que foi essa a dimensão normativa que a própria recorrente escolheu para
objecto do presente recurso, não cabendo a este Tribunal limitar, ampliar ou
corrigir o objecto de recurso livremente fixado pela recorrente. Daqui decorre
ainda que a recorrente nunca invocou expressamente a inconstitucionalidade da
norma objecto do presente recurso, assim concebida e aplicada pelo tribunal
recorrido, pelo que se conclui – tal como já feito pela decisão reclamada – que
não foi cumprido o ónus processual decorrente do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Em síntese, não subsiste qualquer fundamento para reformar a decisão reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Abril de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão