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Processo n.º 1012/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida em 28 de Janeiro de 2010,
pela qual se determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade que
havia tentado interpor para este Tribunal, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
“1 Reza essa douta decisão sumária desse Colendo Tribunal ‘que se conclui que
‘não se verificou, durante o processo, suscitação de questão de
constitucionalidade normativa’ o que, com todo o devido respeito, não
corresponde à verdade.
2 O recorrente, ora reclamante, tanto nas suas alegações perante o Tribunal a
quo como, já em momento anterior, junto do tribunal de primeira instância,
suscitou duas questões de constitucionalidade normativa.
3 Quer no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, quer
na resposta oferecida ao convite formulado pelo Exm° Dr. Juiz Conselheiro
Relator, afirmou isso mesmo.
4 Salvo o devido respeito, a decisão reclamada confunde a caracterização do
regime legal aplicável (aquilo que no entender do recorrente, ora reclamante,
deveria ter sido, no plano do direito infraconstitucional, a correcta
interpretação dos preceitos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)) com uma
inadequada delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade.
5 Com efeito, qualquer referência feita pelo recorrente quer no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade quer na resposta ao convite
formulado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator àquilo que, no seu entender,
deveria ter sido, no plano do direito infraconstitucional, a correcta
interpretação dos preceitos do EMJ, não deve ser interpretada por esse Colendo
Tribunal Constitucional, como foi na decisão de que ora se reclama, como se, com
tal referência, pretendesse o recorrente que o Tribunal Constitucional se
pronuncie sobre qual haveria de ter sido a correcta interpretação e aplicação ao
caso do direito ordinário pelo Tribunal a quo, pois para tanto, tem sido
entendimento do Tribunal Constitucional ser o mesmo incompetente.
6 Ainda que assim se não entendesse, deveria o Tribunal Constitucional, embora
não admitindo o recurso quanto a essas questões, admiti-lo quanto às duas
questões de constitucionalidade normativa aí indicadas e que correspondem
justamente àquelas que durante o processo haviam sido suscitadas.
7 Com efeito, da leitura conjugada do requerimento de interposição do recurso e
da resposta ao convite retira-se que o objecto do recurso de constitucionalidade
se circunscreve a duas questões de constitucionalidade normativa, a saber
a) - a primeira, a inconstitucionalidade da norma constante do n.° 3 do artigo
67.° do EMJ, quando interpretada no sentido de, para efeitos de determinação do
montante da pensão a atribuir ao Magistrado Jubilado, se sujeitar esse
Magistrado ao regime geral de aposentação pública (tendo como consequência o
cálculo ser efectuado em função dos descontos efectuados e tempo de serviço) sem
que tenha havido renúncia ao estatuto de jubilado ou suspensão temporária dessa
condição e estatuto;
b) - a segunda, a inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos
artigos 66.° e 67.°, n.° 1 do EMJ, quando interpretados no sentido de se não
considerar incapaz o Magistrado Judicial que, por atingir o limite de idade, é
impossibilitado de se manter em funções.
8 Sendo esse o objecto do recurso, assim delimitado no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade e esclarecido na resposta ao
convite, o mesmo é integrado por duas questões de constitucionalidade normativa
cuja enunciação corresponde, em substância, às duas questões de
constitucionalidade normativa oportunamente suscitadas durante o processo,
designadamente nas alegações de recurso para o Tribunal a quo, não se estando,
de forma alguma, perante uma situação em que o recorrente vem agora requerer a
apreciação de questões diferentes daquelas que havia suscitado durante o
processo.
9 Com efeito, o recorrente, ora reclamante, afirmou a fls. 188 a 192 o seguinte:
‘4. Ora o mesmo processo interpretativo conduz a que se leia no art. 67° n.° 1
do EMJ que a jubilação do aposentado por incapacidade e do incapacitado por
limite de idade tem as mesmas consequências: a pensão deste é por inteiro,
independentemente de descontos.
Esta equiparação decorre de o juiz que atingiu os 70 anos de idade estar
debilitado e entorpecido das faculdades físicas e intelectuais que
impossibilitam a continuação do exercício de funções de justiça.
Até por maioria de razão: o juiz com 70 anos de idade está incapacitado para
todo o serviço enquanto o incapacitado, jubilado voluntário, por ex. com 41 anos
de idade pode estar capacitado para outras funções (não incompatíveis com o seu
estatuto).
Um juiz com 70 anos de idade tem previsivelmente poucos mais anos de vida,
enquanto que o incapacitado, voluntariamente jubilado, pode ter muitos e longos
anos de vida e de angariação de meios.
Será desproporcionado e injusto que um Juiz que se apresente à Junta médica um
dia antes de termo imperativo do exercício de funções (70 anos) e logre
demonstrar a sua debilidade, receba uma pensão por inteiro e o outro, com as
mesmas incapacidades, já um dia depois, forçadamente jubilado, não goze de igual
regalia.
Sobretudo quando, no caso sub judice, está demonstrado, como o está nos autos a
fls. 14 a 16 e 76 que o recorrido se encontrava, e se encontra, portador de
muitas e sérias anomalias e doenças, em si incapacitantes para todo o serviço.
Tanto mais flagrante quando é certo que esta equiparação deriva da leitura
literal do artigo 67° do EMJ — in claris non fit interpretatio - e conduziu a
que o recorrido, face a informações obtidas de que as duas situações se
encontravam equiparadas, deixasse de trilhar o campo de Junta médica, por o
resultado ser o mesmo.
Ora é constitucionalmente inadmissível essa lesão de expectativas que um juiz
justificadamente depositou na aplicação de um determinado regime que o
beneficiava, por infracção do princípio de confiança, inerente ao princípio do
Estado de direito (artigo. 2° da CRP) — Ac. TC n.° 641105 in DR IIª de
31-01-2006).
5. Os pressupostos, as protecções e os princípios previstas na Lei e na
jurisprudência para a jubilação por incapacidade aplicam-se em toda a sua
extensão à jubilação por limite de idade.
Um destes princípios que norteou o estabelecimento do instituto de jubilação dos
juízes, está sumariado no Acórdão do Tribunal Constitucional N.° 369/07 de
14/05/97
‘.. ponderada a necessidade de assegurar aos titulares de órgãos de soberania
incapacitados condições de sobrevivência dignas e consentâneas com o seu
anterior estatuto profissional’
6. Tal como na incapacidade, ao juiz, por limite legal de idade, está vedado
prosseguir na função, mesmo que ele demonstre muita vontade de o fazer.
Isto é, a lei obriga-o implacável e imperativamente a pôr termo ao trabalho e
por conseguinte a pôr termo aos descontos para a previdência. Isto é, o juiz que
atingiu o limite de idade está incapaz para o serviço.
Ora tratando-se de juízes, à tal ‘incapacidade” está ligada a obrigação pelo
Estado da sustentabilidade desses membros de órgão de soberania.
Por isso se lhes atribui o estatuto de jubilação — art. 67° do EMJ.
Como resulta da justificação de Motivos (Diário da Assembleia da República de 21
-12-1 984 e citações transcritas a fls. 91, que aqui se dão por integralmente
reproduzidas), visa-se dar ao juiz jubilado um tratamento equânime ao do seu
colega no activo, da mesma categoria e escalão.
Esta solução resulta e impõe-se face ao que dispõe o artigo 215°-1 da
Constituição e art.° 1° do Estatuto dos Magistrados Judiciais:
‘Os juízes dos tribunais judiciais formam um CORPO ÚNICO e regem-se por um só
estatuto’.
7. Como membros de órgão de soberania, que formam um Corpo Único, seria
desrazoável e desproporcionado que um membro no activo recebesse uma regalia
(remuneração) e o outro, do mesmo escalão e categoria, uma remuneração
desmesuradamente menor, por não ter os ‘descontos’ que a própria Lei proibiu e
impossibilitou de continuar a fazer!
Por isso também, para manter essa paridade legal de CORPO ÚNICO a Lei impõe que
o Magistrado jubilado por limite de idade continue a ter as regalia do Juiz no
activo, nomeadamente os Direitos Especiais previstos no art. 17° e 29° do EMJ,
ex vi art 68°-1 do EMJ. (na redacção da Lei n.° 143/99)
Por isso também ficou reforçado pela Lei n.° 143/99
‘que as pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente
actualizadas na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos
magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a
jubilação’ — n.° 4 do art. 68° do EMJ.
De contrário, de que serviria esta ‘actualização especial’ -; ficaria vazia e
não faria sentido está igualação nas actualizações.
Também pela mesma razão a Lei prevê que a pensão e aposentação será calculada
sem qualquer dedução no quantitativo apurado...” — n.° 2 do art. 68° do EMJ,
razão bem diferente da invocada pela recorrente a fls. 169
Por isso também se determina que ‘os magistrados jubilados continuam vinculados
aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam os
títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria …’(art.
670 n.° 2 do EMJ).
8. Não fosse este o interesse de manter a paridade entre todos os Juízes, de um
só copo, quer do activo e Jubilados por limite de idade, nomeados vitaliciamente
(art. 6° do EMJ), ficariam esvaziados de conteúdo todos os princípios que
enformam o Estatuto de jubilação e a determinação constitucional de que os
juízes, no activo e jubilados, formam um CORPO UNICO.
Por tudo isto se afigura que aqueles princípios que enformam a Jubilação do juiz
que atingiu o limite de idade e o constitucional de que os Juízes forma um Corpo
Único, colocando-o em paridade com o colega do activo, da mesma categoria e
escalão constituem directas emanações do princípio da igualdade, constituindo um
valor constitucional.
Principalmente, como no caso, quando se trata de Juiz com moléstias e adoentado
(ver o constante de fls. 14 a 16 e de fls. 76, que aqui se dão por reproduzidos)
que necessita de retribuição superior à fixada pela recorrente — 358,32 euros —
para uma qualidade de vida mínima e razoável, face aos encargos que suporta.
Como diz MARCELO CAETANO, os princípios uma vez escritos em texto constitucional
ficam sendo obrigatórios para o legislador ordinário, a lei ordinária não poderá
conter matéria que os contrarie sob pena de inconstitucionalidade material’ —
cit por Maria Teresa Ribeiro, O princípio da imparcialidade da Administração
Pública, Coimbra, Almedina, 1996, pag.89es.
9. Conclui-se pois, (sobretudo desde a doutrina do Ac. do Tribunal
Constitucional de 14-05-1997) que, nos termos do n° 1 do art. 67° do EMJ, há
plena equiparação na aposentação dos magistrados judiciais que 1)- se aposentem
(forçadamente) por limite de idade, 2)- (voluntariamente) por incapacidade ou
3)- tenham 60 anos de idade e 36 de serviço, cuja pensão será igual a do colega
no activo da mesma categoria e escalão, independentemente de descontos à
Previdência.. Assim não será relativamente: 1- aos juízes que se aposentem antes
daqueles prazos, 2- aos que se aposentem por força de sanção disciplinar e 3-
aos que façam a declaração de renúncia à jubilação’.
Já nas alegações apresentadas junto do tribunal de primeira instância, o
recorrente, ora reclamante, havia suscitado essas duas questões de
constitucionalidade (e não outras).
11 Quanto à primeira questão afirmou então o recorrente a fls. 87 a 94:
‘6 -O Autor intencionalmente invocou na petição inicial toda a matéria na
esperança que a Ré reconhecesse a ilegalidade cometida na fixação ao A. da
pensão que atribuiu, ou demonstrasse a sem razão da reclamação do Autor.
Pela leitura da contestação se verifica que a ré nada demonstrou em contrario e
se limitou a reproduzir as disposições da lei supletiva — o Estatuto da
Aposentação (decreto-lei n.° 498(72) — que aplicou, sem antes cumprir, como lhe
compete, o que está legislado na Lei Especial aplicável — Lei n.° 21/85.
O capítulo V — artigos 64° e seguintes desse Estatuto dizem expressamente
respeito à ‘Aposentação’
Ao discutir-se a aprovação desta Lei (ver Diário da Assembleia da República — 1
série — n° 32 de 21-Dez-1 984) ficou consignado que ‘o juiz não pode deixar de
ser tratado como o suporte constitucional de um dos poderes mais importantes do
Estado’ e ‘precisamos de caminhar no sentido de nos consciencializarmos de que o
magistrado judicial não é apenas mais um funcionário público, isto
independentemente de muito respeito que nos merecem os funcionários públicos.’
Toda a jurisprudência que debruçou sobre esta questão é uniforme em considerar
que os art° 64° e segts do Estatuto dos Magistrados Judiciais constituem
preceitos especiais que prevalecem sobre o constante no Estatuto de Aposentação.
Assim, o Acórdão do S.T.A. de 810611995 decidiu que o art.° 66° da Lei n.°
21/85, é preceito especial e prevalece sobre o art. 53° do Estatuto de
Aposentação.
Da leitura dos art.° 69° e do n.º 3 do art. 67° do Estatuto dos Magistrado
Judiciais explicitamente resulta que as disposições do Capítulo V dessa Lei são
preceitos especiais, só se aplicando o regime estabelecido para a função pública
em tudo o que aí, no EMJ, não estiver regulado.
Por isso a invalidez do Magistrado é regulada pelos art. 67° e 66° do EMJ, e não
pelo art. 54° do Estatuto de Aposentação (Dec. Lei n.° 498/72 de 9/Dez).
Dado o teor explicito dos art°s 67° e 68° do EMJ, não se aplica ao Juiz Jubilado
o disposto no art 53.º do referido Estatuto da Aposentação, como o Prof. Doutor
VIEIRA LOPES magistralmente demonstra no seu Parecer junto — doc. n° 4.
Por isso não tem razão a ré quando refere no art. 23.º da contestação da
aplicabilidade ao caso sub judice deste art. 53° n.° 1 do Estatuto da
Aposentação.
Sendo assim, pelo que fica dito e demonstrado, a resolução da aposentação do
autor, Juiz Jubilado, pela aplicação dos artigos 43.º e 53° do Estatuto da
Aposentação (DL n.° 498/72), está fenda de ilegalidade e de
inconstitucionalidade.
II
7 Demonstrado que a situação sub judice deve ser regulada pelo que consta da Lei
Especial - Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) especialmente por aplicação
dos arts 67°, 68°, 66°, vejamos se a ré tem razão quando invoca na sua douta
contestação que não violou o estatuto de jubilação do autor.
Como ficou invocado na petição, o Autor, após concursos a nível nacional, e de
ter sido indigitado para Juiz, interrompeu esta carreira em 1967 e retomou-a
precisamente para ter segurança financeira na velhice. Sem ‘empenhos’ ou boas
vontades necessários para a ocasião, não foi fácil essa reintegração pois,
apesar de mais de 35 anos na vida forense, teve de, novamente, submeter-se a
humilhante ‘concurso’ e ‘estágio’ etc., como consta de fls. 22 do Instrutor,
embora de forma deficiente, pois o CSM ‘esquece’ a Magistratura anterior do A.
documentada a fls. 1 ali do instrutor.
Esta almejada ‘estabilidade’ assim a garantiam a lei expressa e especial — os
citados artigos 67°, 66°, 68° do Estatuto dos Magistrados Judiciais e o art.
215° da Constituição da República, preceitos de interpretação clara e sem
ambiguidades.
8 Segundo o art. 67°- 2 do cit. EMJ:
‘Os magistrados judiciais jubilados continuam vinculados aos deveres
estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam os títulos,
honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir
às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à
direita dos magistrados em serviço activo.’
O artigo 215°-1 da Constituição e o art. 1° do EMJ lembram que os juízes dos
tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto.
9 A razão de ser do estatuto de ‘jubilação’ é, como se frisou na Assembleia da
República, (ver Exposição de Motivos no Diário da Assembleia da República n° 32
de 21/12/1984):
- ‘colocar o juiz, por razões de prestígio da função desempenhada (membro de
órgão de soberania, desgaste físico e intelectual etc.) e da necessidade de
continuar a salvaguardar esse prestígio, como se no activo estivesse.’
- ‘Jubilar um juiz não pode confinar-se a permitir-se-lhe assistência em
cerimónias oficiais envergando o seu trajo profissional. Ou se lhe dá um
conteúdo compatível com o respeito que lhe é devido à alta função desempenhada,
ou então patente ficaria que o Estado só tem consideração por quem tão altamente
o serve, enquanto o serve. A nós isso repugna... ‘ (deputado Vilhena de
Carvalho, a fls 1254).
- A jubilação é o reconhecimento da sua (do Magistrado) dignidade social, dos
sacrifícios que fez é, afinal, uma consagração ‘A jubilação deve manter as
regalias que o magistrado tinha durante a sua carreira profissional E,
- ‘conseguiu-se um tratamento equânime do magistrado jubilado (em relação ao
colega do activo, da mesma categoria e escalão)»— José Magalhães in Diário da
Assembleia da República — 1 série — n° 100 de 3/07/1985
De contrário seria:
‘Dizer a um Magistrado que o senhor agora pode dizer que é jubilado e não lhe
dar mais nada, deixando-o ficar só — na mesma só — com um título que não lhe
serve para coisa nenhuma, é uma tristeza e é um pouco gozar com a sua solidão’—
Deputado Lino Lima do PCP in Diário da A.R. de 21/12184
10 Por tudo isso dispõe esse n.° 2 do citado art. 67 do EMJ que ‘Os magistrados
judiciais jubilados continuam ligados ao tribunal de que faziam parte....’
Há-de reconhecer-se que este normativo tem uma especial força jurídica, pela sua
referência imediata ao estatuto de membro de órgão de soberania e à ideia da
dignidade da pessoa humana, fundamento de todo o catálogo dos direitos
fundamentais.
11 Como ficou decidido no Acórdão do S.T.A. de 26/05/1992 AP DR de 16-04-1996 p.
3455
‘O estatuto de jubilação obedeceu ao intuito de rejeitar a degradação do status
do magistrado jubilado comparativamente à situação que tinha no activo.’
Na generalidade, os juízes terão um longo percurso de antiguidade no posto antes
de jubilarem, como seria o caso do autor se não tivesse interrompido o seu
trajecto.
Assim, na generalidade, os Juízes jubilados, mesmo com a aplicação dos
normativos da lei geral da aposentação, a sua retribuição do activo não sofrerá
degradação.
Mas, o facto de o autor não ter essa longa antiguidade, não invalida o acima
afirmado e demonstrado, posto que há lei expressa e se aplica, sem excepção,
também ao autor, mesmo com uma antiguidade inferior.
O juiz jubilado tem direito, como pensão, à remuneração correspondente ao Colega
no activo, ou aposentado por invalidez, da mesma categoria e escalão
É este o sistema instituído, tendo em conta que os Juízes formam um CORPO ÚNICO
e são membros de órgão de soberania.
O sistema tem suporte suficiente na lei — art°s 67°, 68° e 66° do EMJ,
conjugados — e não se mostra desproporcionado ou incongruente.
Da conjugação dos preceitos acima citados resulta que, atingido este estatuto de
jubilação, e independentemente do tempo de serviço prestado, é assegurada ao
magistrado, a título de pensão, a mesma remuneração que tinha aquando da
jubilação.
A este propósito diz a Ré nos art° 11° e 23° da sua douta contestação (fls. 38)
que ‘reconheceu ao Autor o estatuto de Magistrado Jubilado o que para efeito de
aposentação lhe confere, designadamente o direito a actualização da pensão por
indexação à remuneração do activo em conformidade com o art. 680 n.° 4 do E.M.J.
Mas não justifica, nem responde, porque a ré também não respeita o disposto no
art. 67° n.° 1, 68° n.° 1 e 66° do EMJ, conjugados, mantendo a regalia da
remuneração que o autor auferia no activo, visto o acatamento parcial, apenas do
disposto no art. 68° n.° 4, viola a UNIDADE do sistema, colocando o Juiz
Jubilado em flagrante diminuição de remuneração em confronto com a do seu Colega
no activo, da mesma categoria e escalão, distinção que a lei proíbe.
Além disso a ré procede de forma contraditória, pois o estabelecido no n.° 4 do
art. 68° do EMJ, que a ré diz acatar, visa precisamente repor a igualdade da
retribuição (pensão) do Juiz Jubilado com a do juiz no activo, da mesma
categoria e escalão. (ver Parecer do Prof. Doutor Vieira Lopes e do Juiz, José
Maria Andrade Pereira, juntos)
Não se compreende, nem é lógico, que a ré não tome extensiva essa ‘regalia’ ao
próprio quantum da aposentação (que a ré fixou em 358,32 euros (quantia inferior
ao salário mínimo nacional que é de 385,94 euros)
12 Por outro lado, se ao juiz jubilado por limite de idade (que se deve
configurar como jubilação por incapacidade física e mental decorrente de
avançada idade — 70 anos), são reconhecidas, como efectivamente são concedidas
ao Autor, as regalias que usufruía no activo, como seja a utilização gratuita de
transportes colectivos públicos, ao recebimento gratuito do Diário da República
e de outras publicações, aos serviços sociais do Ministério, ao subsídio de
compensação para casa de habitação etc., em cumprimento do disposto nos art°s
67° n.° 2 e 68° do EM.J. (manutenção das regalias e direitos do magistrado
jubilado), não faz o menor sentido, sob pena de uma grossa
ilegalidade/inconstitucionalidade/desigualdade, que lhe seja retirada (ou
drasticamente reduzida, como o foi no caso sub judice) a principal regalia que o
magistrado jubilado auferia no activo, ou seja a remuneração mensal auferida.
13 A pensão atribuída pela ré ao autor— 358,32 euros — é incompatível com o
estatuto do autor, como membro de órgão de soberania. Recorde-se mais uma vez
que o salário mínimo nacional é de 385,90 euros (DL 238/05 de 30/12).
A fixação da pensão a um juiz jubilado não pode estar conexionada e dependente
com os descontos à previdência, como resulta do que acima ficou invocado, pois o
Juiz Jubilado não é ‘apenas’ funcionário público, ou sequer é funcionário
público para cair na alçada do art. 53° da lei geral de aposentação (DL 498/72).
A não aplicação e observância do disposto nas normas do EMJ, acima referidas, ao
presente caso e na interpretação que delas flui, representa uma grossa
ilegalidade e contraria os princípios constitucionais consagrados nos arts. 2°,
13°, 215° e 72° da Constituição.’
12 Quanto a segunda questão afirmou o recorrente a fls. 94 a 98 o seguinte:
‘Existe outra razão legal para ao autor ser atribuída pela ré uma pensão
correspondente a totalidade de retribuição por aquele auferida no activo E isto,
independentemente do tempo de serviço prestado ou de descontos feitos à ré.
É que a Ré hoje reconhece e atribui ao Magistrado Judicial incapacitado a pensão
da totalidade de remuneração por este auferida no activo, independentemente do
tempo de serviço prestado ou de descontos feitos em obediência ao disposto no
artigo 66° do citado Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Também inicialmente e durante algum tempo, a ré repetidamente invocava o
argumento de desigualdade e pequenez de descontos para recusar pagar ao Juiz
aposentado por invalidez a pensão correspondente a integralidade do vencimento
auferido no activo, apesar da letra clara e expressa da norma — art. 66° do EMJ
Até que o Tribunal Constitucional veio pôr termo a esse teimoso e injustificado
argumento (Acórdão n.° 369/97 do Tribunal Constitucional de 14 de Maio de 1997
in BMJ n.° 467, pag. 150 e segts. junto aos autos).
Daí ter a ré, dali em diante mudado de comportamento… .e de interpretação desse
normativo legal.
15 Ora, tendo o Autor sido jubilado por limite de idade (70 anos), esta situação
configura uma incapacidade física, uma invalidez, pese embora presumida ope
legis (presunção juris et de jure), e em tudo equiparável àquela outra, de
conformidade com a boa hermenêutica e princípios interpretativos a que os
tratadistas fazem referencia, referidos no n.° 13 da petição, que se dá aqui por
reproduzido.
Está subjacente nesta aposentação ope legis o entorpecimento das faculdades
físicas e mentais do Magistrado, tal como no citado art. 66° EMJ
Impõem-se pois que também nesta situação, de jubilação por limite de idade, se
adopte o mesmo critério, não se fazendo qualquer redução na pensão — art. 66° e
68° n°4 do EMJ
A teleologia imanente da lei equipara, e de forma expressa, as duas apontadas
incapacidades.
Assim o exige também o disposto no art.° 9° do Código Civil que manda atender,
entre outros factores, à unidade do sistema jurídico.
No mesmo sentido, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso
Legitimador, 2000, pag. 191.
16 Diz a ré que a aposentação por limite de idade é apenas o preenchimento da
idade máxima pare o exercício de funções, que não pressupõe Incapacidade’ — art.
18 da contestação (fls. 39), afirmação que a medicina e a experiência comum
negam.
Como é público e notório, a cessação de funções por limite de idade tem
subjacente, desde 1929, o entorpecimento físico e mental do agente confirmado
médica e cientificamente, que entendem o agente ser incapaz de exercer funções
com mobilidade, lucidez e discernimento após essa idade, mormente a onerosa e
acuidada função de julgar. Em alguns países este limite de idade é antecipado
para 60 anos.
Portanto, não há justificação razoável para se criar uma arbitrária
discriminação entre as suas situações que têm subjacente a mesma realidade:
entorpecimento físico e psíquico, inibidor do exercício esclarecido e imparcial
da função.
Esta incapacidade do Juiz Jubilado por limite de idade (70 anos), é até mais
gravosa que a outra — art. 65° do EMJ - pois esta pode possibilitar ao
Magistrado dedicar-se a outras funções e angariar adicionais meios de
subsistência, o que não se verifica com o Magistrado idoso pelas limitações
inerentes, físicas e intelectuais referidas.
Várias leis expressam a equiparação dessas duas incapacidades.
Cita-se, a título de exemplo, o constante do Contrato Colectivo de Trabalho para
o sector bancário, publicado no Diário do Governo, 2 série, de 12 de Março de
1964, citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 241/2005 (in Diário da
República — IIª série de 16/06/2005), cuja cláusula 60 n.° 1 tem a seguinte
redacção:
‘Em caso de doença ou de invalidez do empregado ou quando tenha atingido 70 anos
de idade (invalidez presumida), tem direito às mensalidades que lhe competirem
de harmonia com o mapa 6’ - sic.
Também no Estatuto da Aposentação (DL n° 498/72) que constitui a Bíblia da Ré, a
aposentação por limite de idade anda sempre equiparada e associada à aposentação
por incapacidade.
Assim, o art. 41° tem por título Aposentação obrigatória por incapacidade ou por
limite de idades. Também os arts. 37°-2- a) e b) e art 118° alíneas a) e b)
equiparam as duas situações de incapacidade e isto desde o Decreto n° 16 563 de
2-03-1929.
É assim incontroverso que as duas situações — incapacidade prevista no art. 66°
e a jubilação por limite de idade — 67° n.º 1 EMJ se equiparam.
A não se equiparar estas duas situações, fica o autor defraudado nas suas
expectativas (asseguradas expressamente pela lei — art°s 67° e 66° do EMJ) mercê
de uma distinção interpretativa arbitrária, desproporcional e onerosa da ré, com
quebra da confiança na ordem jurídica e na actuação do Estado.
Além disso, cria a ré uma flagrante desigualdade de tratamento, sacrificando
ilógica e injustificadamente o interesse do Juiz jubilado (por limite de idade),
em benefício do Juiz precocemente incapacitado, tratamento este inconstitucional
por violador do disposto nos art°s 13°, 2° e 215° n.° 1 da CRP e no art. 67° do
EMJ
O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no art. 13° da lei
fundamental, tem como fundamento proibir o arbítrio ou seja, proíbe as
diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, o que é mesmo que
dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critério de valor objectivo
constitucionalmente relevante (Ac. do TC n.° 232/2003 publicado no D.R. — 2
série — de 17-07-2003).
A igualdade de situações a que as normas em causa se referem (arts. 67°-1 e 66°
do EMJ), não é meramente formal, mas também material.
Ambos magistrados carecem da mesma protecção e dignidade, e não há critério
material e objectivo que justifique uma discriminação, de tratamento (ver
Parecer do Juiz Andrade Pereira, e Prof. Doutor Vieira Lopes. que se dão por
reproduzidos)
O apelo feito pela ré no art. 19° da contestação ao disposto no art 67° do EMJ
para demonstrar que há diferentes modalidades de aposentação é irrelevante para
a ‘equiparação’ dos ‘efeitos’ das normas aqui analisadas : art. 670 n.° 1 —
aposentação por limite de idade e art. 66°: aposentação por incapacidade.
O n.° 1 do art. 67° do EMJ contempla as várias formas para se atingir a
Jubilação, com menção de que o Magistrado com 60 anos de idade e 36 de serviço
(art. 370 do estatuto de Aposentação) também será tido por jubilado.
Como diz o Prof. Doutor VIEIRA LOPES, com a clarividência e sapiência de jurista
de nomeada — ver Parecer n°s 21 e seguintes:
‘A este propósito, deve-se ressaltar que o preceito do art. 66° do EMJ constitui
tão somente manifestação dos princípios, garantias e direitos consagrados nos
arts. 1° n° 1 do EMJ, 113° n° 1, 205°, 206°, 208°, 217° no 1 da CRP em atenção à
natureza e função dos tribunais como órgãos de soberania, que não preceito
excepcional inspirado em clementia infirmatatis valetudinis causa’
Ao contrário do que a ré diz no art. 21° da contestação, haveria desigualdade
para situações materialmente idênticas e, ao contrário do que pode inferir-se do
art. 22° da contestação, ao autor apenas cabe receber a retribuição
correspondente a um juiz no activo de categoria e escalão correspondente, ou
seja, pelo índice 135, e não ao do outro que fez prolongados descontos, ao qual
corresponderá, obviamente uma retribuição superior.
Quanto ao referido no art. 23 da contestação já ficou demonstrado que o art. 53°
da Lei Geral de Aposentação — DL n.° 498/72 de 9/12 não se aplica a Juízes
Jubilados, membros de órgão de Soberania, pelo que a Ré cometeu ilegalidade pela
aplicação ao caso sub judice de preceito errado.
Assim, a não aplicação das normas - art°s 67° e 66° do EMJ — ao autor, na
interpretação defendida, além de gerar ilegalidade, produz violação do princípio
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, tudo com
ofensa, entre outros, dos artigos 2°, 13º, 62° n.ºs 1 e 2 , 215° e 266° todos da
Constituição da República’.
13 Tanto assim é que o douto Tribunal a quo não deixou de apreciar as duas
questões de constitucionalidade perante ele suscitadas.
14 Com efeito, em resposta à primeira questão de constitucionalidade, decidiu o
Tribunal a quo (a fls. 237):
‘Nas suas contra-alegações, o ora recorrido sustenta que a interpretação
acolhida viola o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de
Direito consagrado no art 2° da CRP — por se traduzir numa lesão das
expectativas que justificadamente se depositou na aplicação de um determinado
regime jurídico — e o princípio da igualdade, por os juízes formarem um Corpo
único e se regerem por um só estatuto, não havendo fundamento para se distinguir
entre aqueles que se jubilaram por incapacidade e os que o fizeram por limite de
idade.’
Porém…’
Lateraliza a questão suscitada: da obrigatoriedade da regulação da aposentação
do juiz jubilado por limite de idade por norma especial do EMJ — art 67° no 3 (a
contrário) norma que, não tendo sido aplicada ao recorrente, viola um seu
Direito Fundamental de ser regido por lei especial e integrado no princípio da
Unidade — arts. 215° e 16° da CRP».
15 Já em resposta à segunda questão de constitucionalidade, decidiu o Tribunal a
quo (a fls. 236):
Ora, se quanto à aposentação por incapacidade o art. 66° do EMJ, ao estabelecer
que ela não implica qualquer redução da pensão, afastou expressamente (1) a
aplicação daquele artigo 53° n° 1, enquanto fixou um montante de pensão
directamente proporcional ao tempo de serviço prestado, o mesmo já não sucedeu
quanto á aposentação por limite de idade’.
16 Fica assim demonstrado que as duas questões de constitucionalidade referidas
(i) no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, (ii) na
resposta ao convite formulado pelo Exm° Dr. Juiz Conselheiro Relator e (iii) na
presente reclamação correspondem, na sua substância, às duas questões de
constitucionalidade já suscitadas durante o processo, não se estando, de forma
alguma, perante uma situação em que o recorrente vem requerer a apreciação de
questões diferentes daquelas que havia suscitado durante o processo.
Assim sendo, improcede o fundamento invocado na douta decisão sumária reclamada
de falta de pressuposto processual (suscitação prévia da questão de
constitucionalidade) que determinou a não admissão do recurso.”
2. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“4. Entende-se ser de proferir decisão sumária de não conhecimento do recurso
pelo facto de não se encontrarem preenchidos essenciais ao conhecimento do
recurso.
4.1. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da LTC pressupõe a suscitação, durante o processo, de
inconstitucionalidade de normas (ou interpretações normativas), de modo
processualmente adequado, as quais integrem o fundamento (ratio decidendi) da
decisão recorrida. Estes requisitos apresentam-se como verdadeiros ónus
processuais – a parte interessada deve, prévia e cautelarmente, alinhar a sua
estratégia processual assim assegurando a possibilidade futura (ainda que apenas
eventual) de vir deduzir um recurso de constitucionalidade.
4.2. O objecto do recurso – cuja delimitação cabe ao recorrente constitucional –
apenas integra normas (preceitos ou interpretações normativas). A questão de
inconstitucionalidade que será objecto de apreciação por este Tribunal assume,
deste modo, natureza exclusivamente normativa, estando afastados todos os
aspectos relacionados com os factos ou com a interpretação do direito
infra-constitucional. Deste modo, o alvo da contestação esgrimida pelo
recorrente constitucional durante o processo (i.e. perante as instâncias a quo)
serão apenas as normas aplicáveis na medida em que as mesmas (ou a sua
interpretação concreta) afrontem, directamente, comandos constitucionais.
4.3. A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a
adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional, implica que ‘a
parte identifique expressamente [ess]a interpretação ou dimensão normativa, em
termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores
do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal
sentido.’ (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta
da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004,
p. 8).
4.4. Quando convidado a esclarecer tal dimensão normativa, o Recorrente, em
formulações-síntese, enuncia o seguinte: a) - a inconstitucionalidade da
interpretação e aplicação, conjugadas, feitas pelo acórdão recorrido das normas
dos artigos 67° n°3, 68° n°2 e 69° do EMJ na medida em que tal acórdão recorrido
considera (erradamente) haver ‘lacuna’ para o ‘cálculo’ da pensão do recorrente
e, por isso, deve ser aplicada a lei geral de aposentação. Na realidade, tal
interpretação e aplicação das aludidas normas, feitas pelo acórdão recorrido,
violam frontal e manifestamente os princípios constitucionais consagrados nos
artigos 2°,16° e 215° da Constituição; b) - e a inconstitucionalidade da
interpretação e não aplicação ao recorrente, feitas pelo acórdão recorrido da
norma do artigo 66° do EMJ no que diz respeito à incapacidade do juiz jubilado
por limite de idade, prevista no art. 67° n° 1 do EMJ, porquanto se entende que
a interpretação e não aplicação que o acórdão recorrido faz das ditas normas
violam claramente o principio da igualdade consagrado nos artigos 13° e 266°-2
da Constituição.”
4.5. Não se pode considerar, em consonância com o que vinha sendo invocado pelo
Recorrente durante o processo, que o mesmo tenha logrado identificar, de modo
adequado, uma questão de constitucionalidade normativa perfeitamente destacada
do dissídio que manifesta face à interpretação do direito ordinário efectuada
pelo tribunal recorrido. Com efeito, o que o Recorrente entende é que o Estatuto
dos Magistrados Judiciais não contém qualquer lacuna de previsão no que toca à
questão da aposentação dos juízes por limite de idade, devendo tal situação
considerar-se abrangida pelo disposto no artigo 66.º do referido diploma.
Subjazendo a esta interpretação um critério normativo autónomo, o Recorrente, no
entanto, não logrou, perante as instâncias, identificá-lo e destacá-lo,
assacando a respectiva inconstitucionalidade. Ao invés, o seu dissídio
manteve-se sempre face à “errada” interpretação que estaria a ser efectuada e
face ao “errado” entendimento de que, tratando-se de lacuna, se deveria aplicar,
a título supletivo, o regime geral. E por isso mesmo se notam as dificuldades do
Recorrente quando, em sede de resposta ao despacho-convite, tenta, face ao que
havia afirmado anteriormente, identificar um tal comando que teria fundado a
decisão recorrida, persistindo na invocação de uma errada interpretação que, ao
nível do direito ordinário, considerou haver uma lacuna onde a mesma
alegadamente não existe.
Conclui-se, deste modo, que não se verificou, durante o processo, suscitação de
questão de constitucionalidade normativa.”
3. A Caixa Geral de Aposentações, notificada da reclamação, não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. O conhecimento de
recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de
vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de
inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, constituindo essa norma
fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem como o prévio esgotamento
dos recursos ordinários.
4.1. O recurso de fiscalização concreta assume, entre nós, natureza
exclusivamente normativa. Significa isto que o seu objecto apenas pode incidir
sobre normas ou, como o Tribunal Constitucional sempre admitiu, interpretações
normativas. A concreta aplicação dos preceitos legais convocados pode assim ser
questionada mesmo que não se traduza no sentido semântico ou objectivo dos
mesmos. Nestes casos, no entanto, impende sobre o futuro recorrente
constitucional um ónus de especificação da questão de constitucionalidade mais
exigente. De modo a que lhe seja possível, no futuro, lançar mão do recurso de
constitucionalidade, deve o mesmo, durante o processo, lograr identificar e
enunciar o critério normativo que, sendo perfeitamente destacável das
particularidades concretas, integra a ratio decidendi da pronúncia de que será
interposta aquela impugnação. Apenas nos casos-limite de decisões-surpresa pode
este ónus ser dispensado – não se verificando, no entanto, nos autos qualquer
circunstância susceptível de integrar uma tal excepção. Identificar o critério
normativo significa que o recorrente deve formular a norma do caso, em termos de
generalidade e abstracção, de modo a que seja possível ao Tribunal
Constitucional conhecer uma tal questão e, caso proceda a inconstitucionalidade
invocada, possa a mesma ser enunciada na sua decisão de modo a que, para o
futuro, os operadores do Direito saibam que a mesma, naquele caso concreto, foi
julgada inconstitucional.
4.2. Nos presentes autos, durante o processo, não se encontra qualquer
suscitação de questão de constitucionalidade em termos que se possam ter por
processualmente adequados. Como se disse na decisão reclamada, e agora se
reitera, o Reclamante jamais conseguiu destacar as problemáticas de
constitucionalidade que visa agora discutir das questões relativas à (em sua
opinião) errada aplicação e interpretação do direito ordinário levada a cabo
pelas instâncias. Isso mesmo é patente no modo como as duas questões de
constitucionalidade são apresentadas na resposta ao despacho-convite formulado
pelo Relator: a) - a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação,
conjugadas, feitas pelo acórdão recorrido das normas dos artigos 67° n°3, 68°
n°2 e 69° do EMJ na medida em que tal acórdão recorrido considera (erradamente)
haver ‘lacuna’ para o ‘cálculo’ da pensão do recorrente e, por isso, deve ser
aplicada a lei geral de aposentação. Na realidade, tal interpretação e aplicação
das aludidas normas, feitas pelo acórdão recorrido, violam frontal e
manifestamente os princípios constitucionais consagrados nos artigos 2°,16° e
215° da Constituição; b) - e a inconstitucionalidade da interpretação e não
aplicação ao recorrente, feitas pelo acórdão recorrido da norma do artigo 66° do
EMJ no que diz respeito à incapacidade do juiz jubilado por limite de idade,
prevista no art. 67° n° 1 do EMJ, porquanto se entende que a interpretação e não
aplicação que o acórdão recorrido faz das ditas normas violam claramente o
principio da igualdade consagrado nos artigos 13° e 266°-2 da Constituição.
4.3. Em nenhuma destas formulações o Recorrente efectiva o afastamento das
especificidades concretas e do dissídio face à interpretação dos preceitos
legais convocados, individualizando, como se lhe impunha, a norma aplicada. O
Recorrente pode dissentir do teor da decisão recorrida e da respectiva
fundamentação, mas a transmissão desse seu dissídio a este Tribunal não é
suficiente para preencher os pressupostos relacionados com a especificidade
normativa do recurso de constitucionalidade.
Consequentemente, resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do recurso
e pela improcedência da presente reclamação.
III – Decisão
5. Deste modo acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em
consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento
do recurso.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Março de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos