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Processo nº 1038/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrida a Universidade B, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 25 de Novembro de 2009.
2. Em 10 de Fevereiro de 2010 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar
conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«De acordo com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC, e
estando em causa recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º
da mesma Lei, o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de
requerimento, no qual se indique a norma cuja inconstitucionalidade se pretende
que o Tribunal aprecie.
De acordo como o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a
recorrente pretendia a apreciação do Decreto-Lei nº 128/90, de 17 de Abril,
particularmente quanto ao seu artigo 5º, nº 2, e do Estatuto da Carreira Docente
da Universidade B., particularmente quanto aos seus artigos 34º, 37º, nºs 1 e 2,
38º, 39º, 40º e 44º, na interpretação que o acórdão recorrido fez destes
diplomas legais e das normas citadas.
Face à explicitação que é feita depois (cf. ponto 2. do Relatório), não podia
dar-se como satisfeito o requisito da indicação da norma cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretendia que o Tribunal apreciasse. É
entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a
apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado
segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 232/2002, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Mas neste último caso tem “o ónus de enunciar,
de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que
considera inconstitucional” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 21/2006,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), uma vez que o objecto do recurso é
definido no requerimento de interposição de recurso (cf. os Acórdãos dos
Tribunal Constitucional nºs 286/2000 e 293/2007, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Na resposta ao convite que lhe foi dirigido ao abrigo do disposto no nº 6 do
artigo 75º-A da LTC, a recorrente continua a não enunciar, de forma clara e
perceptível, o exacto sentido normativo dos preceitos que considera
inconstitucionais, limitando-se a precisar os preceitos legais pertinentes.
Não tendo sido satisfeito o requisito da parte final do nº 1 do artigo 75º-A da
LTC, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso interposto,
justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nºs 1 e 2, da
LTC)»
3. Notificada desta decisão, a recorrente vem agora reclamar para a conferência,
ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes
fundamentos:
«1. Salvo o devido respeito, a recorrente não está de acordo com a decisão
reclamada, pois considera, convictamente, que satisfez todos os requisitos
necessários para que este Venerando Tribunal tome conhecimento do objecto do seu
recurso, de tal modo que, sem qualquer acrimónia ou desconsideração, sente a
decisão tomada como uma denegação de justiça. Vejamos.
2. A reclamante interpôs, como se recolhe dos autos, perante o Supremo Tribunal
de Justiça recurso para este Tribunal Constitucional nos seguintes exactos
termos:
(…)
a) Se pretende que seja apreciada a constitucionalidade, do
ponto de vista orgânico e material, do Dec-lei nº. 128/90 de 17 de Abril,
particularmente quanto ao seu artigo 5º, nº 2 e do Estatuto da Carreira Docente
da Universidade B. aprovado pela UCP ao abrigo daquele diploma legal,
particularmente quanto aos seus artigos 34º, 37º nºs 1 e 2, 38º, 39º , 40º e
44º, na interpretação desses diplomas legais e das respectivas normas
precedentemente citadas feita pelo Acórdão recorrido segundo a qual:
- é constitucional a atribuição à Universidade B. da faculdade de estabelecer
através de regulamento interno o regime de contratação do Corpo Docente e que,
ao estabelecê-lo através do Estatuto da Carreira Docente da Universidade B., que
esta aprovou, o podia fazer, como fez, instituindo regras no sentido de que o
contrato laboral de docência é, na sua génese e essência, de duração limitada,
não podendo ter duração indeterminada, ou, podendo tê-la, não podendo estar
sujeito às regras gerais do direito laboral, não sendo aplicáveis neste regime
especial as normas do regime comum que impõem a redução a escrito do contrato,
que mandam considerar como contrato sem termo aquele a que falta a redução a
escrito e onde, entre o mais, conste o prazo estipulado e a indicação do motivo
justificativo da duração limitada do contrato, não carecendo de ser
convencionado pelas partes o prazo de contratação de assistentes ou de
professores ordinários, extraordinários ou auxiliares por a duração limitada
decorrer da natureza das coisas e de tal prazo estar normativamente fixado no
Estatuto da Carreira Docente da Universidade B., e, em conformidade com esta
interpretação, concluiu-se que, apesar de não terem sido reduzidos a escrito nem
ter sido convencionado o prazo nem estipulado o mais que o regime comum laboral
impõe para a válida celebração dos contratos de trabalho a termo, o
relacionamento laboral que existiu entre as partes emergiu de dois sucessivos e
válidos contratos distintos de duração limitada e considerou-se lícita a
cessação do último operada unilateralmente e sem justa causa pela Universidade
B.
(…)
5. O entendimento adoptado na decisão sumária reclamada é inaceitável para a
reclamante, pois não se vê que o teor da alínea a) do requerimento de
interposição do recurso não exprima, de modo claro e perceptível, o já aludido
sentido normativo que a reclamante considera inconstitucional, tanto mais que a
decisão sumária aqui em causa não diz onde reside a alegada falta de clareza ou
de perceptibilidade e, não o dizendo, tem a reclamante dificuldade em demonstrar
o contrário de modo mais incisivo e concreto.
6. Considera-se na decisão reclamada que a recorrente não cumpriu o seu “ónus de
enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito
que considera inconstitucional e que não o teria feito a recorrente apesar de
ter sido convidada a indicar, como se diz no respectivo despacho, “com
precisão”, a(s) norma(s) cuja apreciação pretende e a(s) norma(s) ou
princípio(s) constitucional(is) que considera violado(s)” - e não, como se diz
na decisão sumária, “a indicar com precisão, entre o mais, as normas cuja
apreciação pretendia”.
7. A ora reclamante, perante o referido despacho, interpretou-o como se
referindo à circunstância de haver identificado as normas a apreciar por este
Tribunal Constitucional em termos que, num entendimento admissível, podiam
suscitar alguma dúvida residual. Na verdade, a reclamante indicou assim tais
normas:
- “dec.-lei nº 128/90 de 17 de Abril, particularmente quanto ao seu artº 5º, nº
2” (sublinhado nosso);
- “Estatuto da Carreira Docente da Universidade B.aprovado pela UCP ao abrigo
daquele diploma legal (dec.-lei 128/90), particularmente quanto aos seus artigos
(...) – sublinhado nosso.
8. Considerou a reclamante que o aludido despacho visava eliminar esta possível
margem de imprecisão e, face a tal entendimento, respondeu ao convite feito
indicando as normas citadas no inicial requerimento de recurso, eliminando a
referência genérica ao dec.-lei no 128/90 no seu todo e também ao Estatuto da
Carreira Docente da Universidade B.no seu todo.
9. Não indicou a reclamante, é certo, neste seu requerimento o sentido normativo
da interpretação que das normas em causa fez o Supremo Tribunal de Justiça pela
única razão de haver considerado – como continua a considerar – que a enunciação
desse sentido normativo estava e está feito com toda a clareza no requerimento
inicial de interposição do recurso e que dos termos desse despacho não resultava
haver falta de clareza e perceptibilidade na enunciação do sentido normativo já
aludido.
10. Isto é, considera a reclamante – e não vê que isso lhe deva ser censurado –
que o requerimento inicial se mantém de modo que o segundo requerimento terá de
ser visto e interpretado em conjunto com aquele primeiro requerimento.
11. Como se diz no Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional nº 21/2006
citado na decisão reclamada, exige-se ao recorrente que, quando se questiona uma
determinada interpretação de determinada norma legal, “se indique esse sentido
(essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
à Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o
Tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental”. A
reclamante, com profunda convicção, entende que deu cabal cumprimento a esta
exigência. Na verdade,
12. A reclamante enunciou o sentido normativo da interpretação questionada com
referência ao citado artº 5º, nº 2 do dec.-lei 128/90 de 17 de Abril, ao referir
que o Tribunal recorrido considerou constitucional “a atribuição à Universidade
B. da faculdade de estabelecer através de regulamento interno o regime de
contratação do Corpo Docente” e que tal faculdade conferia à UCP o poder de
instituir no regulamento interno referido regras no sentido de que o contrato
laboral de docência é, na sua génese e essência, de duração limitada e de não
aplicar as normas do regime comum laboral que:
- impõem a redução a escrito do contrato;
- mandam considerar sem termo o contrato a que falte a redução a escrito;
- obrigam a que conste do contrato a termo o prazo estipulado e a indicação do
motivo justificativo.
Isto está dito com toda a clareza no requerimento de interposição de recurso.
Não há dúvida que estava em causa como preceito interpretado pelo STJ o artº 5º,
nº 2 citado que consigna:
- “A contratação do corpo docente da Universidade B. Portuguesa é feita de
acordo com regulamento interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando
satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes”.
É clara e perceptível a questão que se coloca, que é a de saber se, como
considerou o Tribunal recorrido e atentas as matérias inerentes à contratação do
corpo docente, podia e pode ser cometido à UCP o poder de definição normativa
referido sem sujeição às regras acima enunciadas que integram o regime geral dos
contratos de trabalho a termo e que são manifestação e instrumento da injunção
constitucional decorrente do princípio de segurança no emprego.
Também resulta claro que, como se refere no Acórdão deste Tribunal atrás citado,
“a decisão recorrida utilizou como “ratio decidendi”, a precisa dimensão cuja
inconstitucionalidade (é) suscitada” pela ora recorrente.
13. Quanto às normas do Estatuto da Carreira Docente citadas pela recorrente e
analisadas no Acórdão recorrido, o seu sentido normativo contido na
interpretação dela feita nesse Acórdão é, como claramente se exprime no
requerimento de interposição de recurso, o de que é legal e constitucional a
contratação a termo como regra, a não sujeição à forma escrita do contrato de
trabalho de docência a termo, à consequência da conversão desse contrato de
trabalho a termo em sem termo não sendo reduzido a escrito e à obrigação de no
contrato de trabalho a termo constar o prazo estipulado e a indicação do motivo
justificativo.
Isto está escrito de modo claro e perceptível no requerimento de interposição de
recurso, onde, inclusivamente, se fez referência à utilização dessa
interpretação como “ratio decidendi” ao consignar-se que:
- “(…)em conformidade com esta interpretação, concluiu-se que, apesar de não
terem sido reduzidos a escrito nem ter sido convencionado o prazo nem estipulado
o mais que o regime comum laboral impõe para a válida celebração dos contratos
de trabalho a termo, o relacionamento laboral que existiu entre as partes
emergiu de dois sucessivos e válidos contratos distintos de duração limitada e
considerou-se lícita a cessação do último operada unilateralmente e sem justa
causa pela Universidade B..”
14. O teor do requerimento de recurso da reclamante não admite que qualquer
interprete, lendo-o e analisando-o, possa considerar omisso, oculto ou impreciso
o sentido normativo das normas em causa no presente recurso de acordo com a
interpretação que delas fez o Tribunal recorrido».
4. Notificada da reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nºs 1 e
2, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso com fundamento na não
satisfação do requisito da parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC. Não
obstante ter sido convidada a indicar a norma cuja apreciação pretendia, a
recorrente, respondendo ao convite que lhe foi dirigido ao abrigo do disposto no
nº 6 do artigo 75º-A da LTC, continuou a não enunciar, de forma clara e
perceptível, o exacto sentido normativo dos preceitos que considera
inconstitucionais, limitando-se a precisar os preceitos legais pertinentes.
Para contrariar esta decisão, a reclamante sustenta que a enunciação do sentido
normativo da interpretação das normas feita pelo tribunal recorrido tinha sido
feita com toda a clareza no requerimento de interposição de recurso, razão pela
qual não o precisou posteriormente. Ora, foi precisamente porque se considerou
que nesta peça processual não foi enunciado, de forma clara e perceptível, o
exacto sentido normativo dos preceitos especificados – o que era um ónus da
recorrente – que foi feito o convite já mencionado. Convite que se estendeu
também à indicação da(s) norma(s) ou princípio(s) constitucional(is) que
considerava violado(s). Ou seja, a recorrente foi convidada, entre o mais, para
além da indicação acabada de referir, a indicar, com precisão a(s) norma(s) cuja
apreciação pretendia.
É manifesto que não se pode dar como satisfeito o requisito da indicação da
norma cuja apreciação se pretende – entendendo-se por norma, a norma na sua
totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação – quando se
especifica que se trata da interpretação de preceitos do Decreto-Lei nº 128/90,
de 17 de Abril, e do Estatuto da Carreira Docente, segundo a qual “é
constitucional a atribuição à Universidade B. da faculdade de estabelecer
através de regulamento interno o regime de contratação do Corpo Docente e que,
ao estabelecê-lo através do Estatuto da Carreira Docente da Universidade B., que
esta aprovou, o podia fazer, como fez, instituindo regras no sentido de que o
contrato laboral de docência é, na sua génese e essência, de duração limitada,
não podendo ter duração indeterminada, ou, podendo tê-la, não podendo estar
sujeito às regras gerais do direito laboral, não sendo aplicáveis neste regime
especial as normas do regime comum que impõem a redução a escrito do contrato,
que mandam considerar como contrato sem termo aquele a que falta a redução a
escrito e onde, entre o mais, conste o prazo estipulado e a indicação do motivo
justificativo da duração limitada do contrato, não carecendo de ser
convencionado pelas partes o prazo de contratação de assistentes ou de
professores ordinários, extraordinários ou auxiliares por a duração limitada
decorrer da natureza das coisas e de tal prazo estar normativamente fixado no
Estatuto da Carreira Docente da Universidade B.”.
Este enunciado é, por si só, revelador que a (s) norma (s), a (s) norma (s)
segundo uma certa interpretação, não foi (foram) enunciada (s) de forma clara e
perceptível, mas é a própria reclamante que acaba por o confirmar, ao repartir
aquele enunciado entre o artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 128/90 e o Estatuto
da Carreira Docente (pontos 12. e 13. da Reclamação).
Resta, pois, confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Março de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão