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Processo n.º 11/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls. 293 dos presentes autos de recurso, interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro pela sociedade
comercial denominada A., SA, foi proferida pelo relator a seguinte decisão
sumária:
«[...] Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
decide-se:
1. A., SA. recorre, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, do acórdão proferido em 15 de Setembro de 2009 na
Relação de Évora, invocando:
'[...] Não se conformando com o acórdão proferido, a recorrente vem interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no art. 69.º e
seguintes da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por violação do art. 266.º da
CRP.
Por uma questão de cautela, interpõe-se igualmente desde já recurso para o
Tribunal Constitucional por violação dos n.º 2 e 10 do art. 32.º da CRP.
O presente recurso versa sobre a fiscalização concreta da Constituição prevista
no art. 70º, n.º 1, al. b) da CRP.
Em primeiro lugar, a recorrente vem suscitar a fiscalização concreta da
Constituição, através de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão
proferida em primeira instância e confirmada pelo presente Venerando Tribunal,
que aplicou norma, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no processo,
conforme resulta no art. 70º, n.º 1, al. a) da LTC.
Na verdade, no recurso de impugnação da decisão administrativa constante dos
autos, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade do procedimento de
contra-ordenação laboral. O tribunal de primeira instância não se pronunciou na
sentença sobre esta questão prévia, pelo que a recorrente se viu forçada a
invocar no seu recurso a omissão de pronúncia. No despacho que ordenou a subida
dos autos para o Tribunal da Relação de Évora, o Mmº. Juiz do Tribunal do
Trabalho de Faro supriu a nulidade, pronunciando-se no sentido de inexistência
de inconstitucionalidade. Por sua vez, o douto acórdão do tribunal de recurso
optou por transcrever a posição do tribunal de primeira instância e decidir, na
página 10, aderir à posição transcrita com os fundamentos aí descritos. Note-se,
porém, que nessas decisões, os tribunais recorridos não se pronunciam
concretamente sobre a norma constitucional invocada – art. 266.º, n.º 2 da CRP.
Pelo que face à invocação por parte da recorrente da inconstitucionalidade em
recurso para a primeira instância judicial e para o Tribunal da Relação de
Évora, ambas as decisões mantiveram a aplicação das normas em causa.
Deste modo, entende a recorrente que foram aplicados vários preceitos legais que
não estão de acordo com a CRP, nos termos do disposto no art. 70º, n.º 1, al. b)
da LTC. Entende a Recorrente que os art. 630.º a 640.º do Código do Trabalho,
aprovados pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, estão feridos de
inconstitucionalidade, sobretudo quando conjugados com o art. 628.º do mesmo
diploma. Com efeito, estas disposições legais violam o art. 266.º, n.º 2 da CRP,
nomeadamente quanto ao princípio da imparcialidade dos órgãos e agentes
administrativos.
Em segundo lugar, o acórdão recorrido contém uma interpretação inconstitucional
do art. 623.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de
Agosto. Na realidade, a recorrente apenas se deparou com tal interpretação em
plena decisão judicial não susceptível de recurso ordinário. Não obstante, em
requerimento de solicitação de correcção de acórdão, a recorrente invocou a
inconstitucionalidade da citada interpretação.
Na verdade, o douto acórdão recorrido faz uma interpretação do art. 623.º no
sentido de que a simples ausência de cumprimento das medidas recomendadas em
auto de advertência implica a consciência e vontade de praticar um facto ilícito
e que essa conduta se assume por si só como dolosa. Ora, tal entendimento
relativamente à norma em apreço é violadora do disposto no art. 32º, n.º 2 e n.º
10 da CRP, porque atende contra o princípio da presunção de inocência de um
arguido em processo penal e contra-ordenacional, sobretudo considerando que
existe um histórico de decisões judiciais favoráveis à recorrente ou que se
entendeu que esse histórico de decisões é irrelevante. Desta forma, estão
verificados os pressupostos para que o recurso verse igualmente sobre esta
matéria no âmbito do art. 70º, n.º 1, b) da LTC.
Posto isto,
Entende a recorrente que deverá ser previamente corrigido o Acórdão nos termos
requeridos e só depois subir o recurso para o Tribunal Constitucional, na medida
em que a correcção é essencial para esclarecer os fundamentos do referido
Acórdão e, assim, possibilitar à recorrente uma melhor exposição dos seus
argumentos de direito para o tribunal recorrente. Em todo o caso, à cautela,
interpõe-se desde já o referido recurso. [...] »
2. O recurso foi admitido no tribunal recorrido, por despacho que não vincula o
Tribunal Constitucional, depois de o acórdão proferido em 20 de Outubro seguinte
haver indeferido a reclamação formulada contra o acórdão recorrido.
3. Nos termos do citado artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, recurso esse que
só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(artigo 72º n.º 2 LTC).
O Tribunal tem entendido, uniformemente, que os requisitos a que deve obedecer a
interposição do recurso impõem o entendimento de que as decisões judiciais não
são directamente sindicáveis, pois o objecto do recurso deve corresponder à
norma, ou normas, aplicadas na decisão recorrida como razão da solução adoptada.
Na verdade, o carácter instrumental do recurso obriga a que a norma submetida a
julgamento de inconstitucionalidade haja sido efectivamente aplicada na decisão
e represente o critério normativo decisivo para a solução adoptada.
Acontece que a recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade que
pretende ver resolvida no presente recurso perante a Relação de Évora. Com
efeito, perante esse tribunal a recorrente limitou-se a invocar a nulidade da
decisão então recorrida por não ter conhecido de uma questão de
inconstitucionalidade que havia colocado ao tribunal de 1ª instância. Isto é:
perante a Relação, a recorrente não colocou, em momento adequado, qualquer
questão relacionada com a inconstitucionalidade imputada a normas retiradas dos
artigos 623.º e 630.º a 640.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º
99/2003 de 27 de Agosto.
Cumpre, por isso, reconhecer que não se verifica o requisito da suscitação
prévia da questão de inconstitucionalidade, que é essencial para a interposição
do presente recurso.
4. Decide-se, por isso, não conhecer do recurso. [...] »
2. Inconformada, a referida sociedade comercial reclama deste
despacho para a conferência, ao abrigo do n.º 3 artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82
de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
1. De acordo com o art. 70º, nº 1, al. b) da LTC, “cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
2. Deste modo, importa dividir a presente reclamação em dois pontos autónomos:
a. Da invocação da inconstitucionalidade do procedimento de contra-ordenação;
b. Da invocação da inconstitucionalidade da interpretação do art. 623.º do
Código do Trabalho realizada pelo Tribunal da Relação de Évora.
I
Da invocada inconstitucionalidade do procedimento de contra-ordenação
3. Nos presentes autos, constata-se que a Recorrente, em sede de recurso de
impugnação da decisão administrativa da Autoridade das Condições de Trabalho,
invocou a “Inconstitucionalidade do procedimento de contra-ordenação” nos art.
166.º a 197.º do referido articulado.
4. Tendo em conta que estava em causa a inconstitucionalidade de todo o
procedimento de contra-ordenação laboral, incumbia ao Tribunal de 1.ª Instância
pronunciar-se sobre esta matéria.
5. No entanto, na sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Faro, não foi
efectuada nenhuma menção à inconstitucionalidade suscitada.
6. Pelo que se viu forçada a invocar a nulidade da sentença nos termos do
disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, em virtude do
tribunal não se ter pronunciado por uma questão que deveria apreciar.
7. Assim, naquele recurso para o Tribunal da Relação era impossível suscitar a
questão da inconstitucionalidade, na medida em que o Tribunal de 1.ª Instância
pura e simplesmente esta questão.
8. A Recorrente ficou, pois, impedida de invocar novamente a
inconstitucionalidade no recurso para o Tribunal da Relação que já tinha
suscitado anteriormente no recurso de impugnação para a 1.ª Instância.
9. Caso o recurso não fosse procedente por outros motivos, era expectável que o
processo fosse novamente remetido para a Primeira Instância para se pronunciar
sobre a inconstitucionalidade invocada.
10. No dia 02.03.2009, o Juiz do Tribunal de 1.a Instância emitiu um despacho
onde refere “tendo em conta que para tal a Recorrente tem legitimidade, está em
tempo, o valor da coima a que foi condenado é superior a € 249,40, o qual
depositou, admito o recurso que interpôs, através de requerimento que antecede,
para o tribunal da Relação de Évora, o qual subirá nos autos, imediatamente e
com efeito suspensivo”.
11. Por sua vez, no dia 28.04.2009 (!), o mesmo Tribunal notificou a Recorrente
de novo despacho onde finalmente se pronuncia sobre a inconstitucionalidade
invocada.
12. Neste mesmo despacho, o Tribunal recorrido deu ordem da subida dos autos.
13. A aqui reclamante não dispunha de qualquer meio processual para ampliar o
objecto de recurso após o despacho em que foi sanada a nulidade.
14, Mas em bom rigor, não era necessário, na medida em que o interesse na
arguição da nulidade tem subjacente a invocação da inconstitucionalidade.
15. Aliás, foi precisamente esse o entendimento do Tribunal da Relação de Évora,
que se pronunciou expressamente sobre a inconstitucionalidade invocada.
16. Na verdade, a ser entendida a posição versada na decisão sumária agora
reclamada, estaria descoberta a fórmula de nunca a questão da
inconstitucionalidade poder ser apreciada pelo Tribunal Constitucional: bastaria
o tribunal recorrido simplesmente não se pronunciar sobre a
inconstitucionalidade invocada.
17. De acordo com o douto acórdão n.º 392/89, defendeu já o Tribunal
Constitucional que “Para abrir a via do recurso de constitucionalidade o que
releva é ter sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de uma
norma” (Boletim do Ministério da Justiça, 387-128).
18. Neste mesmo sentido, bem decidiu o venerando Tribunal Constitucional quando
decidiu que “é pressuposto da admissibilidade do recurso previsto na alínea b)
do n.º 1 do art. 280.º da Constituição que a inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, e este requisito só pode ter-se por verificado se
a inconstitucionalidade houver sido invocada pelo recorrente antes de se esgotar
o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão para cuja resolução é
relevante a norma arguida” (Acórdão n.º 479/89, Boletim do Ministério da
Justiça, 389-222).
19. Não existe, pois, nenhuma norma que impeça o conhecimento da
inconstitucionalidade invocada.
20. Na verdade, a Recorrente i) invocou judicialmente a inconstitucionalidade do
procedimento de contra-ordenação de forma devidamente fundamentada; ii) não se
conformou com a ausência de pronúncia do Tribunal de 1.ª Instância, invocando a
nulidade da sentença; iii) Viu o Tribunal da Relação de Évora pronunciar-se pela
conformidade das normas em questão com a CRP e iv) interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional.
II
Da invocada inconstitucionalidade da interpretação do art. 623.º do Código do
Trabalho realizada pelo Tribunal da Relação de Évora
21. A decisão sumária ora reclamada é totalmente omissa quanto a esta
inconstitucionalidade expressamente invocada no recurso.
22. Assim, a decisão proferida pelo Senhor. Conselheiro Relator é nula por
omissão do dever de pronúncia de uma questão que deveria ter conhecido.
23. Acresce que, o recurso com este fundamento também deve ser apreciado, embora
por razões diferentes.
24. Com efeito, nos presentes autos a Recorrente foi surpreendida no acórdão do
Tribunal da Relação de Évora com uma interpretação do art. 623.º do Código do
Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, que entende ser
inconstitucional.
25. Acresce ainda que tal interpretação em desconformidade com a CRP muda por
completo o sentido da decisão judicial aplicada à Recorrente.
26. Não tendo a douta decisão sumária se pronunciado sobre esta
inconstitucionalidade, cumpre expor o seguinte:
27. De acordo com o douto acórdão 53/97, entendeu o Tribunal Constitucional que
“Não é de exigir ao recorrente a suscitação, precedentemente à prolação da
decisão recorrida, da inconstitucionalidade de norma que –não estando até então
em causa no processo — veio a ser aplicada de forma implícita por aquela
decisão” (v. Boletim do Ministério da Justiça, 463-172).
28. Ora, com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a Recorrente deparou-se,
pela primeira vez, com uma verdadeira presunção de dolo associada ao art. 623.º
do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto.
29. Com efeito, nos termos desta decisão, decidiu o acórdão que “o art. 623.º do
Código do Trabalho dispõe que o desrespeito das medidas recomendadas no auto de
advertência é ponderado pela autoridade administrativa competente ou pelo
julgador em caso de impugnação judicial, designadamente, para efeitos de
aferição da existência de conduta dolosa”.
30. No entanto, posteriormente, defende este tribunal que “a persistência da
arguida em manter o seu comportamento, mesmo depois da advertência, só denota a
sua consciência e vontade de praticar o facto”.
31. Significa, pois, que a interpretação da norma em causa efectuada no douto
acórdão estabelece uma verdadeira presunção de dolo que nunca tinha sido
aplicada nos presentes autos.
32. Recusar reconhecer o recurso nesta matéria, seria impedir qualquer
particular de se defender de verdadeiras decisões-surpresa.
33. Por esta razão, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que no caso
de “decisões-surpresa” pode existir fiscalização da Constituição depois da
prolação da sentença.
34. Ora, foi precisamente isso que aconteceu nos presentes autos.
Termos que em que a presente reclamação deverá ser deferida, julgando-se nula a
decisão sumária, sendo a mesma revogada e substituída por outra que admita o
recurso para este Tribunal, notificando-se a reclamante para alegações.
3. Respondeu o representante do Ministério Público no Tribunal sustentando, em
suma, o indeferimento da reclamação.
4. O presente recurso foi interposto pela sociedade comercial recorrente ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da referida Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro (LTC). O seu conhecimento pelo Tribunal depende da verificação dos
requisitos específicos com que a referida LTC condiciona a admissibilidade deste
tipo de impugnação. Na decisão sumária em reclamação entendeu-se, efectivamente,
que a reclamante não suscitara, perante o tribunal comum, as questões de
inconstitucionalidade que pretende debater no recurso, requisito que resulta não
só da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, mas também do n.º 2 do artigo
72º LTC, ao exigir, como trâmite de legitimidade, que a parte haja suscitado a
questão de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
E não há dúvida de que a reclamante não suscitou perante a Relação de Évora, de
forma adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade que cumpra ao Tribunal
Constitucional conhecer.
Com efeito, nos recursos de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional tem
a sua competência limitada ao conhecimento de questões de inconstitucionalidade
(ou, em outros casos, de especial ilegalidade), relativas a normas jurídicas,
suscitadas anteriormente perante o tribunal comum (n.º 1 do artigo 71º da LTC).
Não lhe cabe, por isso, sindicar a decisão impugnada, verificando se nela se fez
uma correcta aplicação do direito. A natureza obrigatoriamente normativa deste
tipo de questões implica que, ao proceder à sua suscitação, a parte identifique
a norma ou normas que, com directa virtualidade de interferirem na solução do
caso, não podem, no entanto, serem aplicadas por se mostrarem desconformes com a
Constituição.
5. Perante tais parâmetros, fácil é concluir que a reclamante não suscitou
adequadamente a primeira questão que pretende ver apreciada por este Tribunal,
que enuncia como 'a inconstitucionalidade do procedimento de contra-ordenação'.
Note-se que, verdadeiramente, a questão surge no recurso a fundamentar uma
reclamação por omissão de pronúncia formulada contra a decisão da 1ª instância,
pelo que não é pedida, sequer, uma pronúncia do tribunal superior sobre a sua
substância (cfr. conclusões da alegação apresentada). Mas mesmo que se admita
poder estar implícita uma pretensão nesse sentido, o certo é que a forma pela
qual a questão é colocada à Relação, não constitui a invocação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa: não é concretamente identificada qualquer norma
que, com directa virtualidade de interferir na solução do caso, não deveria ser
aplicada por se mostrar desconforme com a Constituição. Isto é: a genérica
acusação de inconstitucionalidade dirigida contra 'o procedimento de
contra-ordenação' não permite dar por verificado o requisito de suscitação da
questão para efeito de abrir a via do recurso de inconstitucionalidade. É certo
que, no requerimento de interposição do recurso, a reclamante especifica que
'foram aplicados vários preceitos legais que não estão de acordo com a CRP',
designadamente 'os artigos 630º a 640º do Código do Trabalho'. Mas é patente que
esta matéria não foi colocada à consideração da Relação de Évora, sendo por isso
insuficiente esta tardia identificação de normas.
6. Pretende ainda a reclamante que se conheça da inconstitucionalidade do artigo
623º do Código do Trabalho, acusando mesmo a decisão sumária de omitir pronúncia
sobre esta matéria.
Mas não tem razão; nem o Tribunal pode conhecer do recurso, nem a decisão
sumária deixou de o afirmar, como se constata pela leitura do seguinte trecho:
perante a Relação, a recorrente não colocou, em momento adequado, qualquer
questão relacionada com a inconstitucionalidade imputada a normas retiradas dos
artigos 623.º e 630.º a 640.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º
99/2003 de 27 de Agosto.
E a verdade é que a reclamante não apontou, em tempo oportuno, qualquer
desconformidade constitucional ao artigo 623º do Código do Trabalho, disposição
legal cuja aplicação ao caso era inevitável. Aliás, apresentou o seu
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional mesmo
antes de a Relação haver conhecido do reclamado 'erro na interpretação do
sentido do artigo 623º do Código do Trabalho', peça onde a recorrente acabou por
abordar essa questão.
Mas, perante a insistência manifestada na reclamação, vejamos mais
detalhadamente esta matéria: A norma acusada de enfermar de
inconstitucionalidade tem, conforme é definido no requerimento de interposição,
um sentido preciso: o de que a simples ausência de cumprimento das medidas
recomendadas em auto de advertência implica a consciência e vontade de praticar
um facto ilícito e que essa conduta se assume por si só como dolosa.
O preceito tem, no entanto, um conteúdo algo diverso, visando estabelecer um
critério geral de apreciação de prova cuja interferência no caso não podia
razoavelmente ignorar-se, tanto mais que fora já expressamente mobilizado pela
autoridade administrativa na fixação concreta da coima aplicada. Diz-se, no
aludido preceito, que 'o desrespeito das medidas recomendadas no auto de
advertência é ponderado pela autoridade administrativa competente ou pelo
julgador em caso de impugnação judicial, designadamente, para efeitos de
aferição da existência de conduta dolosa'. A reclamante sustenta, como já se
viu, que a norma foi aplicada com o sentido de que a simples ausência de
cumprimento das medidas recomendadas conduziu o tribunal a concluir pela
consciência e vontade de praticar um facto ilícito e que essa conduta se assume
por si só como dolosa. Mas a verdade é que a Relação adoptou a regra prevista no
aludido preceito com um outro sentido, mais próximo daquele cuja literalidade da
norma permite retirar, habilitando o tribunal 'reforçar a ideia anteriormente
explanada', uma vez que o acto da reclamante foi 'ponderado em sede indiciária
na formação da convicção de que estávamos perante um comportamento doloso'.
Ora, sendo assim, deve concluir-se que o sentido que a reclamante erradamente
identifica como sendo o da norma inconstitucional não foi, sequer, adoptado pela
Relação de Évora.
7. Nestes termos, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a decisão
de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a
taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 10 de Março de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão