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Processo n.º 157/10
Plenário
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Pedido e seu objecto
O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores requer, ao abrigo
do n.º 2 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos
artigos 57.º e seguintes da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o
Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da
constitucionalidade, se pronuncie pela inconstitucionalidade das normas contidas
nos preceitos a seguir indicados do Decreto n.º 8/2010 da Assembleia Legislativa
da Região Autónoma dos Açores, que lhe foi enviado para assinatura como decreto
legislativo regional, nos termos do artigo 233.º, números 1 e 2, da CRP:
– nos artigos 8.º a 14.º, por violação conjugada do n.º 4 do artigo 112.º, da
alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, da
CRP;
– no n.º 3 do artigo 8.º, por desrespeito pelo princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental;
– no n.º 2 do artigo 9.º, por violação do princípio da reserva de lei, ínsito na
primeira parte do n.º 2 do artigo 18.º;
– no n.º 3 do artigo 11.º e o artigo 14.º, em consequência da violação conjugada
do regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do
artigo 18.º) e da liberdade de associação, tal como consignada no n.º 2 do
artigo 46.º;
– nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12.º e o n.º 1 do artigo 13.º, igualmente por
desrespeito dos parâmetros constitucionais das leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18.º) e da dimensão da liberdade de
associação plasmada no n.º 2 do artigo 46.º
O Decreto n.º 8/2010 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores,
que Regulamenta a elaboração e disponibilização de relatórios de informação
pública sobre o estado do ambiente, regula o apoio às organizações não
governamentais de ambiente e altera a composição e normas de funcionamento do
Conselho Regional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CRADS), aprovado
a 10 de Fevereiro de 2010 e enviado ao Representante da República para a Região
Autónoma dos Açores para assinatura como decreto legislativo regional, foi
emitido “nos termos das disposições conjugadas dos artigos 227.º, n.º 1, alínea
a) e 112.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 37.º,
n.º 1 e n.º 2 e 57.º, n.º 1 e 2, alíneas n) e o) do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Os preceitos que contêm as normas cuja apreciação de constitucionalidade vem
solicitada são do seguinte teor:
Secção II – Registo regional de organizações não governamentais de ambiente
Artigo 8.º (Registo regional)
1. Na dependência do departamento da
administração regional competente em matéria de ambiente funciona um registo
regional de organizações não governamentais de ambiente.
2. São admitidas ao registo as organizações
que satisfazendo o disposto no art. 6.º do presente diploma tenham sede na
Região Autónoma dos Açores e agreguem pelo menos 50 associados.
3. Podem ainda ser admitidas a registo as
delegações, núcleos e outras formas de representação de associações de carácter
nacional e internacional que demonstrem ter pelo menos 100 associados residentes
nos Açores.
4. Para efeitos de inscrição, o número de
associados das organizações não governamentais de ambiente que resultem do
agrupamento de associações é calculado pelo somatório do número de associados
das organizações não governamentais de ambiente ou equiparadas que as integram,
relevando apenas as associações que visem exclusivamente a defesa e valorização
do património natural e construído ou a conservação da natureza.
5. O conteúdo do registo é público, sendo
disponibilizado no portal do Governo Regional na Internet.
Artigo 9.º (Inscrição no registo)
1. O requerimento para inscrição no registo é dirigido ao membro do Governo
Regional competente em matéria de ambiente, instruído com os seguintes
documentos:
a) Cópia do acto de constituição e dos estatutos actualizados;
b) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto do acto de
constituição e a alteração aos estatutos;
c) Cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva;
d) Declaração do número de associados;
e) Declaração do valor das quotas dos associados;
f) Plano de actividades;
g) Relatório de actividades e relatório de contas;
h) Indicação da área geográfica de actuação;
i) Cópia da acta da assembleia-geral relativa à eleição dos membros dos órgãos
sociais e sua identificação.
2. Para a correcta apreciação do pedido de inscrição, podem ser solicitados à
associação elementos adicionais considerados importantes para a decisão.
3. Após audiência dos interessados, nos termos do Código do Procedimento
Administrativo, é emitida decisão final, da qual devem constar os respectivos
fundamentos de facto e de direito.
4. Os actos de admissão a registo e respectiva suspensão e cancelamento são
publicados no Jornal Oficial por despacho do membro do Governo regional
competente em matéria de ambiente.
5. As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas têm direito a
obter declaração comprovativa da sua inscrição no registo.
Artigo 10.º (Direitos decorrentes da inscrição no registo)
1. Para além dos direitos que lhes são conferidos pela Lei n.º 35/98, de 18 de
Julho, as organizações não governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no
registo regional gozam dos direitos estabelecidos no presente diploma,
nomeadamente o direito ao apoio técnico e financeiro por parte da administração
regional autónoma e o de participação na definição das políticas regionais de
ambiente.
2. Os dirigentes e os membros das organizações não governamentais de ambiente
designados para exercer funções de representação no âmbito do funcionamento de
órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma gozam dos
direitos consagrados no art. 8.º da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho.
Artigo 11.º (Deveres decorrentes da inscrição no registo)
1. As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas obrigam-se a
enviar ao departamento da administração regional autónoma competente em matéria
de ambiente, até 30 dias úteis após a sua verificação, as alterações aos
seguintes elementos:
a) Extracto da acta da assembleia-geral relativa à eleição dos órgãos sociais,
identificação dos seus titulares e respectivo termo de posse;
b) Extracto da acta da assembleia-geral relativa à alteração dos estatutos;
c) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto da alteração dos
estatutos;
d) Alteração do valor da quotização dos seus associados;
e) Alteração da sede.
2. As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas estão ainda
obrigadas a enviar até 30 de Abril de cada ano:
a) Os planos de actividades, relatórios de actividades e relatório de contas
aprovados pelos órgãos estatutários competentes;
b) A declaração do número de associados em 31 de Dezembro do ano anterior.
3. As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas obrigam-se
ainda a aceitar as auditorias que lhes sejam determinadas nos termos do presente
diploma e a apresentar, quando recebam apoio técnico ou financeiro da
administração regional autónoma, os respectivos relatórios finais de execução e
os comprovativos das despesas suportadas.
Artigo 12.º (Modificação e suspensão do registo)
1. O departamento da administração regional competente em matéria de ambiente
promove a modificação do registo, oficiosamente ou a requerimento da entidade,
sempre que as características de uma associação registada se alterem.
2. No processo de modificação oficiosa do registo é obrigatória a audiência
prévia da entidade interessada.
3. A inscrição no registo é suspensa a requerimento da entidade interessada ou
por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de
ambiente, proferida na sequência de uma auditoria.
4. A inscrição é, ainda, suspensa por decisão do membro do Governo Regional
competente em matéria de ambiente quando a entidade, depois de devidamente
notificada, não envie a documentação relativa ao registo e ao apoio financeiro
que está legalmente obrigada a apresentar, excepto quando tal facto não lhe seja
imputável.
5. A suspensão da inscrição da organização não governamental de ambiente ou
equiparada determina, enquanto durar, a impossibilidade de participação nos
órgãos em que tenha assento e de candidatura ao apoio técnico e financeiro
previstos no presente diploma.
6. À modificação e suspensão do registo aplica-se, com as necessárias
adaptações, o procedimento estabelecido no artigo 9.º do presente diploma.
Artigo 13.º (Anulação do registo)
1. A inscrição no registo é anulada a requerimento da entidade interessada ou
por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de
ambiente, proferida na sequência de uma auditoria.
2. A inscrição é, ainda, anulada quando se verifique a suspensão de inscrição
de uma entidade por prazo superior a dois anos.
3. À anulação do registo aplica-se, com as necessárias adaptações, o
procedimento estabelecido no artigo 9.º do presente diploma.
Artigo 14.º (Deveres decorrentes da inscrição no registo)
1. Cabe ao departamento da administração regional autónoma competente em
matéria de ambiente fiscalizar o cumprimento da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, e
do estabelecido pelo presente diploma através da realização de auditorias
regulares ou extraordinárias às organizações não governamentais de ambiente e
equiparadas inscritas no registo.
2. As auditorias têm por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para
efeitos de registo ou no quadro de apoio técnico e financeiro, designadamente:
a) Plano de actividades, relatório de actividades e relatório de contas;
b) Fichas de associados;
c) Quotizações;
d) Actas de eleição dos corpos sociais.
3. Das auditorias pode resultar, nos termos dos artigos 12.º e 13.º do presente
diploma, a suspensão ou a anulação da inscrição no registo.
4. As auditorias às organizações não governamentais de ambiente e equiparadas
realizam-se na respectiva sede social e são efectuadas por uma comissão nomeada
pelo membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente.
5. A comissão é constituída por trabalhadores que exercem funções públicas do
departamento atrás referido e, quando necessário, por peritos externos.
6. As auditorias extraordinárias são desencadeadas por despacho do membro de
Governo Regional competente em matéria de ambiente quando a entidade não
apresente, no prazo fixado, os relatórios relativos à execução de acções
financiadas pela administração regional autónoma ou existam fortes indícios de
que a entidade:
a) Não preenche os requisitos exigidos para a manutenção da sua inscrição no
registo;
b) Não desenvolve qualquer actividade há mais de 12 meses;
c) Não realiza assembleias-gerais há mais de 18 meses;
d) Cometeu qualquer irregularidade na aplicação de apoio pela administração
regional autónoma.
2. Fundamentos do pedido
O pedido desdobra-se num pedido de pronúncia no sentido da
“inconstitucionalidade orgânica” das normas constantes dos artigos 8.º a 14.º, e
num pedido de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade material das normas
constantes do n.º 3 do artigo 8.º; do n.º 2 do artigo 9.º; do n.º 3 do artigo
11.º e do artigo 14.º; dos números 3, 4 e 5 do artigo 12.º e do n.º 1 do artigo
13.º do Decreto n.º 8/2010.
2.1. Relativamente à questão da “inconstitucionalidade orgânica”, sustenta o
requerente que, por as normas questionadas respeitarem ao regime da liberdade de
associação, consignada no artigo 46.º da CRP, versariam matéria de direitos,
liberdades e garantias, pelo que deveriam considerar-se abrangidas pela reserva
de competência legislativa da Assembleia da República, o que desenvolve do
seguinte modo:
«…as normas contidas nos artigos 8º a 14º extravasam os poderes legislativos das
Regiões Autónomas, afigurando-se organicamente inconstitucionais, por violação
conjugada do n.º 4 do artigo 112º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 165º e da
alínea a) do n.º 1 do artigo 227º da Constituição.»
(…)
«2. Em relação à questão da inconstitucionalidade orgânica, não carece de
demonstração que o regime da liberdade de associação, consignada no artigo 46º,
se insere na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º, respeitante à
matéria dos direitos, liberdades e garantias. E, da mesma forma, não é
necessário demonstrar também que a inclusão desse regime – ou de qualquer outro
regime – na reserva (relativa ou absoluta) de competência da Assembleia da
República implica a sua imediata subtracção à competência legislativa das
Regiões Autónomas, nos termos do n.º 4 ao artigo 112º e da alínea a) do n.º 1 do
artigo 229º. Aliás, de entre os vários parâmetros que, historicamente, têm sido
usados pelo texto constitucional para proceder à delimitação da competência
legislativa regional, é por certo o das “matérias reservadas aos órgãos de
soberania” que apresenta mais estabilidade.
A propósito deste limite da competência legislativa regional interessa apenas
evidenciar que o alcance da reserva parlamentar no que toca aos direitos,
liberdades e garantias abarca a totalidade dos regimes legais. Não são apenas as
bases gerais ou os princípios dos regimes jurídicos que integram a reserva, nem
tão-só a disciplina geral da matéria, ficando os regimes especiais igualmente
subtraídos ao domínio concorrencial. E, menos ainda, se pode sustentar o
confinamento dessa mesma reserva às leis restritivas ou limitadoras de tal
categoria de direitos.
Tal como afirmou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 711/97 – em
sintonia com Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, págs. 670 a 672 –, “no domínio dos direitos,
liberdades e garantias e, portanto, no domínio da «liberdade de associação», o
alcance da reserva de competência da Assembleia da República situa-se num «nível
mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada».
Ou seja, a reserva «vale não apenas para as restrições (artigo 18º), mas também
para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e
garantias (…)». E valeria, desde logo, também para a matéria da promoção e
efectivação dos direitos, liberdades e garantias”.
No mesmo sentido, Jorge Miranda sustentou mais recentemente que “a reserva
abrange os direitos na sua integridade – e não somente as restrições que sofram
(…); A reserva abrange quer um regime eventualmente mais restritivo do que o
preexistente quer um regime eventualmente ampliativo; não é o alcance da lei,
mas a matéria sobre a qual incide que a define (…); A reserva abrange todo o
domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia (…); A reserva é para
todo o território nacional; ainda que certa lei se aplique, por hipótese apenas
numa das regiões autónomas, o órgão competente para a emitir – tendo em conta os
critérios constitucionais de distribuição de poderes – é a Assembleia da
República, e não a respectiva assembleia legislativa regional” (Jorge Miranda e
Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II, Coimbra, 2006, pág. 535).
Quer isto dizer que, no concernente à liberdade de associação, não é só o regime
geral previsto no Código Civil (maxime, nos artigos 167º a 184º) que integra a
reserva da Assembleia da República. São sim todos os normativos que respeitem
directamente ou que interfiram de forma não acidental com a liberdade de
associação, nas suas diversas faculdades e dimensões, negativas ou positivas,
individuais ou institucionais, assim como nas suas diferentes manifestações
concretas, independentemente da sua natureza geral ou especial, global ou
sectorial. Daí que o legislador parlamentar tenha assumido o encargo de
densificar o regime de inúmeras modalidades de associações, desde as associações
de jovens (Lei n.º 124/99, de 20 de Agosto, e Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho),
até às associações de deficientes (Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, e Lei n.º
37/2004, de 13 de Agosto), passando pelas associações de famílias e mulheres
(Lei n.º 9/97 e Lei n.º 10/97, ambas de 12 de Maio) e pelas associações de
utentes da saúde (Lei n.º 44/2005, de 29 de Agosto). Daí que o legislador
nacional tenha também sentido a necessidade de definir um regime específico
destinado às organizações não governamentais de ambiente, constante da Lei n.º
35/98, de 18 de Julho – diploma cuja qualificação como lei geral da República
pressupunha, ao tempo, a sua aplicação em todo o território nacional.
Neste contexto, não é difícil concluir que os artigos 8º a 14º do Decreto
n.º 8/2010 são organicamente inconstitucionais, por extravasarem as competências
legislativas regionais. Por duas razões principais: primeiro, porque as normas
contidas naqueles preceitos versam efectivamente sobre liberdade de associação
(ainda que porventura não restringissem ou limitassem este direito, liberdade e
garantia ou, pelo menos, não o tivessem feito em termos constitucionalmente
injustificados); segundo, porque essas mesmas normas se situam no plano
legislativo (e não num mero plano regulamentar ou de execução).
3. Quanto ao primeiro ponto, não há de facto como negar que a criação, a cargo
de um departamento administrativo, de um registo público de associações privadas
é matéria que versa sobre liberdade de associação, sobretudo se se tiver em
conta que da inscrição naquele registo depende o acesso a um conjunto de
direitos da maior relevância para a actividade das associações em causa e dos
seus corpos dirigentes (artigo 10º do Decreto n.º 8/2010). Tais como:
a) direito de acesso à informação administrativa no domínio
ambiental (Lei n.º 35/98, artigo 5º);
b) direito de participação na definição de políticas ambientais
(Idem, artigo 6º);
c) direito de representação como parceiros sociais (Idem, artigo
7º, e artigo 41º, n.º 2, alínea l) do Decreto n.º 8/2010);
d) direito de participação procedimental (Idem, artigo 9º);
e) legitimidade processual, designadamente para efeitos de acção
popular (Idem, artigo 10º)
f) direito a isenções de emolumentos, custas e impostos (Idem,
artigos 11º e 12º)
g) direito a obter apoio técnico e financeiro (Idem, artigo 14º, e
artigo 15º e segs. do próprio Decreto n.º 8/2010).
Desde logo, as regras que presidem à admissão das associações ao registo – por
exemplo, as que definem o número mínimo de associados – são absolutamente
determinantes para a maior ou menor capacidade de actuação dessas pessoas
colectivas, quer no plano jurídico, quer no plano material. Nalguns casos, a
inscrição no registo surge mesmo nas disposições legais em questão como condição
sine qua non do exercício de direitos constitucionais das associações
ambientais, como sucede com o direito de acção popular (n.º 3 do artigo 52º) e
como os direitos à informação e à participação procedimental (n.ºs 1 e 2 do
artigo 268º).
Da mesma forma, também não há como negar que recaem sobre matéria de liberdade
de associação as normas que prevêem a necessidade de transferir para uma
autoridade administrativa um significativo acervo de informações sobre a
organização e a vida interna das associações que pretendam obter a sua inscrição
(n.ºs 1 e 2 do artigo 9º) – mormente, o número de associados, o valor das
quotas, o plano de actividades, o relatório de actividades e o relatório de
contas –, assim como aquelas que submetem associações já inscritas a um conjunto
de deveres, incluindo o de aceitar a realização de auditorias, na sua própria
sede social, determinadas pela entidade pública que organiza o registo (artigos
11º e 14º).
De resto, é igualmente indesmentível que as normas que regulam a suspensão e a
anulação (ou o cancelamento) do registo das associações não governamentais de
ambiente, por decisão do membro do Governo Regional competente, se integram
plenamente no âmbito material constitucionalmente definido pela liberdade de
associação (n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12º e n.º 1 do artigo 13º). Considerando
que, nos termos do n.º 2 do artigo 46º da Constituição, as associações devem
poder prosseguir “livremente os seus fins sem interferência das autoridades
públicas”, é manifesto que os actos administrativos de suspensão ou anulação do
registo representam uma intervenção – legítima ou ilegítima, não interessa agora
– no modo como é desenvolvida a actividade social. Mais precisamente, em
conformidade com o que acima se disse, trata-se de actos que inevitavelmente se
traduzem numa redução, temporária ou definitiva, mas sempre muito substancial,
dos poderes e instrumentos jurídicos (e, porventura, também dos recursos
materiais) que as associações têm ao seu alcance para prosseguir as suas
finalidades.».
4. Quanto ao segundo ponto acima referido, numa perspectiva formal, não há
dúvida que as normas cuja constitucionalidade se questiona revestem natureza
legislativa e não meramente regulamentar. O Decreto n.º 8/2010 cita, como norma
constitucional habilitante, a alínea a) do n.º 1 do artigo 227, que prevê,
precisamente, a competência legislativa primária das Assembleias Legislativas
das Regiões Autónomas. E, como normas estatuárias de habilitação, invoca o n.º 1
e as alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 57º do Estatuto Político-Administrativo
açoriano, disposições que respeitam, todas elas, à delimitação material do poder
legislativo regional no domínio ambiental. O Decreto n.º 8/2010 não convoca,
pois, a alínea d) do n.º 1 do artigo 227º – regulamentação das “leis emanadas
dos órgãos de soberania”, que no caso seria a Lei n.º 35/98 –, nem chama à
colocação, como normas legais habilitantes, os artigos 17º e 22º desta mesma lei
parlamentar – aliás, como reclamaria o n.º 7 do artigo 112º da Constituição, que
consigna o dever de os diplomas regulamentares indicarem expressamente a lei
regulamentada.
É certo que o legislador regional poderia ter cometido um erro de qualificação
jurídica, ao escolher as normas constitucionais e estatutárias de habilitação.
Mas é também verdade que nada no teor dos artigos 8º a 14º do Decreto n.º 8/2010
conduz o intérprete a essa conclusão. Pelo contrário, o carácter inovador da
generalidade das normas contidas naqueles sete artigos relativamente ao
estipulado na Lei n.º 35/98 – em particular, aos seus artigos 17º a 20º –, bem
como a natureza absolutamente determinante que o registo das associações tem no
acesso aos direitos previstos neste último diploma legal – com uma enorme
projecção na actividade desenvolvida pela associação e com reflexos no seu
próprio relacionamento com o poder público – indiciam que o regime emanado tem
dignidade legislativa e que, por isso, o legislador regional fez a opção certa
quanto à forma adoptada.
Recorde-se, outrossim, que estando a matéria dos direitos, liberdades e
garantias, por decorrência da sua inserção na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º,
também sob o influxo do princípio constitucional da reserva de lei, daí resulta
para o legislador parlamentar uma particular exigência quanto à densidade da
normação que emana. Sobretudo no confronto com a acção administrativa, a reserva
de lei importa para o legislador um conjunto de obrigações que visam garantir
que é sempre ele a tomar as decisões essenciais quanto ao conteúdo ou quanto ao
alcance das normas que conformam ou que afectam a esfera jusfundamental das
pessoas (singulares ou colectivas). Por um lado, positivamente, ainda que na
nossa Constituição a reserva de lei não seja, em regra, total (ou absoluta), mas
apenas parcial (ou relativa) – não se excluindo, portanto, intervenções
regulamentares, desde que de natureza executiva e vinculada –, ela traduz-se
sempre na exigência de fixação primária do sentido normativo directamente pela
mão do legislador, sem possibilidade de delegação. Por outro lado,
negativamente, está em causa uma proibição de remissões legais em branco, que
permitam intervenções amplamente inovadoras de fontes normativas inferiores ou
que transfiram para outros órgãos elevadas margens de liberdade decisória.
Por conseguinte, atendendo à curta extensão do preceituado que a Lei n.º 35/98
dedica à regulação do registo das associações ambientais e, bem assim, a grande
relevância que o regime constante dos artigos 8º a 14º do Decreto n.º 8/2010
(ainda) assume para a liberdade de associação, não há qualquer razão que permita
concluir com segurança que o legislador regional se enganou na qualificação
formal do diploma emanado. Bem pelo contrário, à luz do princípio constitucional
da reserva de lei – até no sentido histórico desta ideia, como instrumento de
defesa das liberdades (e da propriedade) das pessoas em face das intervenções
agressivas do poder político –, tudo indica que a matéria concretamente versada
se situa, do ponto de vista substantivo, no plano legislativo.
Contra esta conclusão não procede, naturalmente, o argumento de que o Decreto
n.º 8/2010 se limita a reproduzir – em larga medida, a reproduzir ipsis verbis –
a normação contida na Portaria n.º 478/99, de 29 de Junho, do Governo da
República, sucessivamente revista pela Portaria n.º 71/2003, de 20 de Janeiro, e
pela Portaria n.º 771/2009, de 20 de Julho. A circunstância de certa matéria ter
sido efectivamente tratada por um diploma regulamentar da República não
significa que, de um prisma constitucional, o devesse ter sido, nem tão-pouco
que o pudesse ter sido nos moldes em que na realidade o foi. Nem a Lei n.º
35/98, nem muito menos as portarias referidas, que procederam à regulamentação
daquela, constituem parâmetros delimitadores da competência legislativa (ou
regulamentar) regional ou padrões de validade (constitucional) dos decretos
legislativos regionais. Em última análise, é apenas em função do confronto com a
Constituição (e com o Estatuto Político-Administrativo) que tem de ser aferida a
competência da Assembleia Legislativa açoriana para produzir normas como as
constantes dos artigos 8º a 14º do Decreto n.º 8/2010 – e não, obviamente, em
função do cotejo destas últimas com quaisquer normas legais ou regulamentares
avulsas.
5. É sabido, entretanto, que na sequência das novas redacções conferidas pela
revisão constitucional de 2004 à primeira parte do n.º 4 do artigo 115º e à
primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 227º, a Lei n.º 2/2009, de 12 de
Janeiro, que procedeu à terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo dos
Açores, introduziu neste diploma básico da autonomia insular uma extensa lista
de matérias qualificadas como pertencendo à “competência legislativa própria” da
Região Autónoma (artigos 49º a 67º). E, entre esse longo enunciado de matérias,
encontra-se justamente, no domínio do ambiente e ordenamento do território, o
“associativismo ambiental”, referido na alínea o) do n.º 2 do artigo 57º.
A circunstância de o Decreto n.º 8/2010 se fundar, precisamente, nesta alínea o)
do n.º 2 do artigo 57º do Estatuto não lhe pode conferir, porém, um
salvo-conduto constitucional.
Por um lado, apesar de hoje a Lei Fundamental delimitar a competência
legislativa regional com base em dois únicos parâmetros – um limite positivo,
consubstanciado nas “matérias enunciadas nos respectivos estatutos
político-administrativos”, e outro limite negativo, consistente nas “matérias
reservadas aos órgãos de soberania” –, isso não significa que esses limites se
situem no mesmo plano ou tenha que se encontrar um ponto de equilíbrio entre os
dois. O limite negativo, que impede as Assembleia Legislativas de tratar
matérias reservadas aos órgãos de soberania, prevalece claramente sobre o limite
positivo, não podendo o legislador estatutário integrar no elenco de matérias da
competência própria das Regiões Autónomas temas que se situem na esfera
reservada dos órgãos legislativos da República. Se o fizer, incorre em
inconstitucionalidade – como se viu, aliás, nas recentes decisões do Tribunal
Constitucional sobre o Estatuto dos Açores (Acórdão n.º 402/2008 e Acórdão n.º
403/2009), em que algumas das alíneas definidoras de (pretensas) competências
legislativas próprias caíram por violação da reserva de competência dos órgãos
de soberania.
Por outro lado, no caso concreto da alínea o) do n.º 2 do artigo 57º, não parece
impossível realizar uma interpretação em conformidade com a Constituição, que
trace uma linha divisória entre normas legais que respeitem à liberdade de
associação – e, portanto, que estão reservadas ao Parlamento nacional – e normas
legais referentes ao associativismo ambiental em sentido estrito – e que, em
consequência, podem ser emanadas pela Assembleia Legislativa da Região. Ainda
que a fronteira entre um e outro domínio seja árdua de definir, não custa
imaginar formas de cooperação entre as associações ambientais e as entidades
administrativas que não contendam com a liberdade daquelas para se
auto-organizarem, para desenvolverem a respectiva actividade, para guardar
reserva sobre a sua vida interna, para expressarem as suas posições e opiniões
publicamente e sem constrangimentos, para prosseguirem os seus intuitos sem
interferências externas, etc. Sem prejuízo de se reconhecer que, como é afirmado
no Acórdão n.º 711/97, a atribuição de apoios públicos pode “constituir um
poderoso instrumento de interferência e condicionamento da actividade das
referidas associações”, a verdade é que não se deve também excluir que a
definição adequada de regimes de apoio técnico e financeiro possa ser uma forma
de legislar sobre “associativismo ambiental”, sem bulir de forma evidente com a
liberdade de associação – isto é, sem versar sobre a liberdade de associação na
sua vertente negativa, típica dos direitos, liberdades e garantias, enquanto
posições jurídicas de defesa contra o poder público.
Assim, olhando para o conteúdo do Decreto da Assembleia Legislativa dos Açores
n.º 8/2010, há normas sobre associações ambientais que incidem claramente a
matéria da liberdade associativa – os artigos 8º a 14º, aqui sindicados –, assim
como há também normas que, versando sobre o tópico do “associativismo ambiental”
em sentido estrito, já não invadem o regime constitucionalmente reservado à
Assembleia da República em matéria de liberdade de associação – v.g., as
contidas nos artigos sobre apoio técnico-financeiro (15º e segs.), sobre
ecotecas e centros de interpretação ambiental (31º e segs.), e até sobre
participação das associações de ambiente em órgãos administrativos de natureza
consultiva (41º).»
2.2. Relativamente às questões de inconstitucionalidade material expende o
requerente:
«…algumas das normas constantes desses mesmos artigos 8º a 14º são também
materialmente inconstitucionais, pelas razões que agora se enunciam e mais
adiante melhor se explicitarão. A saber:
– o n.º 3 do artigo 8º, por desrespeito pelo princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental;
– o n.º 2 do artigo 9º, por violação do princípio da reserva de lei, ínsito
na primeira parte do n.º 2 do artigo 18º;
– o n.º 3 do artigo 11º e o artigo 14º, em consequência da violação conjugada
do regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do
artigo 18º) e da liberdade de associação, tal como consignada no n.º 2 do artigo
46º;
– os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12º e o n.º 1 do artigo 13º, igualmente por
desrespeito dos parâmetros constitucionais das leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18º) e da dimensão da liberdade de
associação plasmada no n.º 2 do artigo 46º.»
2.2.1 Quanto ao n.º 3 do artigo 8.º:
«6. Relativamente às inconstitucionalidades materiais acima sumariamente
apontadas, a primeira que salta à vista refere-se ao número de associados
necessário para se ser admitido a registo. De acordo com o n.º 2 do artigo 8º,
tratando-se de uma associação com sede na Região Autónoma dos Açores, o número
de associados requerido é apenas de 50, ao passo que, segundo o n.º 3 do mesmo
artigo, tratando-se de uma associação nacional ou internacional, o número de
associados residentes nos Açores – organizados em delegações, núcleos ou outras
formas de representação – salta para o dobro, para os 100 elementos.
Esta diferenciação de tratamento favorece claramente as associações ambientais
de menor dimensão – mais concretamente, as associações de origem e dimensão
regional – em detrimento de todas as demais, de alcance nacional ou
internacional. Associações de maior dimensão – que são, em princípio, também as
que têm mais projecção externa, mais recursos técnicos e humanos, mais
influência no espaço mediático, e maior independência crítica em face do poder
político e, em particular, dos responsáveis pela definição e execução das
políticas públicas de ambiente –, apesar de poderem ter nos Açores bastante mais
filiados do que os necessários para as associações regionais obterem a sua
inscrição no registo, podem, ainda assim, ver negada a sua pretensão de
inscrição e, consequentemente, a possibilidade de dispor de direitos muito
importantes para a melhor e mais eficiente consecução dos seus objectivos.
O critério de comparação adoptado pelo legislador e que está na origem do
tratamento jurídico diferenciado – ou seja, o critério da localização (insular
ou não) da sede social das organizações não governamentais de defesa do ambiente
– é, assim, puramente arbitrário, não se vislumbrando qualquer razão substantiva
que consiga fundamentar constitucionalmente a duplicidade de regimes quanto ao
número de associados.
Compreende-se que a admissão a registo possa ser condicionada pela existência de
um número mínimo de membros – 25, 50, 100 ou 150, pouco interessa, recaindo a
responsabilidade da escolha sobre o legislador, que no exercício da sua
liberdade de conformação apenas está impedido de colocar a fasquia num número
irrazoavelmente elevado. De igual modo, pode também o legislador – entenda-se,
aqui, o legislador parlamentar – fixar como condição de inscrição registal o
preenchimento de outros requisitos objectivos, como a idoneidade da associação e
das pessoas que compõem os seus corpos dirigentes, uma duração mínima de
existência, etc. Mas, o que o legislador não pode fazer, é tratar de forma
diferenciada duas realidades que, do ponto de vista substantivo, são idênticas.
Quer isto dizer, não pode conceder certos direitos a 50 associados de uma
associação que tem sede na Região e, ao mesmo tempo, negar esses mesmos direitos
a 50 associados pertencentes a (uma estrutura regional de) uma associação que
tem a sua sede fora do território regional – ainda que uns e outros façam
rigorosamente a mesma coisa, defendam os mesmos interesses, se encontrem
devidamente organizados e representados, cumpram a lei geral, etc.
Nem mesmo o facto de, num caso, haver personalidade jurídica própria e de, no
outro caso, as delegações, núcleos ou órgãos representativos não disporem dessa
mesma personalidade, integrando-se antes numa outra pessoa colectiva, pode
fundamentar a solução adoptada pelo legislador. Em bom rigor, se a falta de
personalidade jurídica das estruturas regionais das associações nacionais ou
internacionais pudesse ser efectivamente um obstáculo ao registo e ao gozo dos
direitos próprios das associações registadas, então, também não se vê como é que
a elevação de 50 para 100 do número mínimo de associados poderia resolver o
problema. Por isso, repita-se, não há nenhum fundamento material que,
constitucionalmente, permita justificar a diferença de tratamento estabelecida
no n.º 3 e no n.º 4 do artigo 8º do Decreto n.º 8/2010 e, em particular, a
discriminação das associações ambientais com sede fora da Região Autónoma.»
2.2.2. Quanto ao n.º 2 do artigo 9.º:
«7. A segunda inconstitucionalidade material respeita ao n.º 2 do artigo 9º do
Decreto n.º 8/2010, que permite ao membro do Governo Regional competente em
matéria de ambiente solicitar às associações que requerem o seu registo, “para a
correcta apreciação do pedido de inscrição”, “elementos adicionais considerados
importantes para a decisão”.
Esta norma significa que o responsável máximo do Governo Regional pela
área do ambiente dispõe de um poder discricionário para, em ordem a decidir o
pedido de registo, requerer ainda mais informação do que a elencada no n.º 1 do
mesmo artigo. Concretamente, mais informação para além da seguinte:
“ a) Cópia do acto de constituição e dos estatutos actualizados;
b) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto do acto de
constituição e a alteração aos estatutos;
c) Cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva;
d) Declaração de número de associados;
e) Declaração do valor das quotas dos associados;
f) Plano de actividades;
g) Relatório de actividades e relatório de contas;
h) Indicação da área geográfica de actuação;
i) Cópia da acta da assembleia-geral relativa à eleição dos membros dos órgãos
sociais e sua identificação”.
Não obstante ser já discutível a necessidade de esse membro do Governo
Regional ter globalmente acesso ao valor da quota dos associados, ao plano e
relatório de actividades, bem como ao relatório de contas, o n.º 2 do artigo 9º
do Decreto n.º 8/2010 permite-lhe ainda fazer uma recolha mais exaustiva e
sistemática de dados relativos à vida interna e às actividades e projectos da
associação requerente. O que acontece, para mais, sem que o legislador se tenha
preocupado em delimitar em termos razoáveis o tipo de informação que pode ser
solicitada, os fundamentos que podem desencadear essa solicitação, ou o modo de
avaliação dos dados eventualmente fornecidos.
Sendo assim, a associação requerente do registo fica colocada perante a
seguinte alternativa: ou recusa fornecer os elementos adicionais, caso em que o
registo não é concedido (a simile com o n.º 4 do artigo 12º) e nunca poderá
aceder a um conjunto de direitos da maior importância para a prossecução dos
seus fins; ou envia os elementos discricionariamente solicitados, ficando sem
saber segundo que critérios é que eles vão ser apreciados. Com efeito, se é
legítimo supor que, em relação aos elementos informativos taxativamente fixados
no n.º 1 do artigo 9º, o órgão decisor não poderá nunca fazer avaliações ou
apreciações de tipo subjectivo, designadamente quanto ao mérito ou à
oportunidade das actividades constante do respectivo plano ou do correspondente
relatório, já o mesmo não se pode dizer com segurança a respeito dos “elementos
adicionais” que o próprio membro do Governo Regional considera “importantes para
a decisão”.
Ora, apesar de a situação então decidida não ser idêntica à presente,
importa recordar que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 589/2004,
defendeu já que, mesmo admitindo “a possibilidade de intervenção dos poderes
públicos na fase de constituição das associações, sempre se reconhecerá que uma
tal intervenção nunca pode corresponder a um regime de autorização
administrativa prévia sem vinculação a pressupostos legalmente definidos” –
assim se sublinhando, para o que agora interessa, que, em matéria de liberdade
de associação, as autoridades administrativas não devem dispor de um poder que
lhes permita, em termos discricionários, condicionar decisivamente a
constituição ou o estatuto jurídico das associações privadas.
Neste sentido, acredita-se que a norma em análise – pela sua indeterminação e
pela discricionariedade que autoriza, num domínio material particularmente
sensível – viola o princípio constitucional da reserva de lei e, mais
precisamente, o seu subprincípio da determinabilidade da lei. Ou seja, viola a
máxima jurídica que impõe que o sentido do texto legislativo seja preciso e
inequívoco, de modo a que os seus destinatários possam compreender o respectivo
conteúdo e prever com segurança o resultado da sua aplicação, designadamente se
e em que medida vão ser afectados nas suas posições jurídicas individuais. Tal
como afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 285/92, “o grau de
exigência de determinabilidade e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos
destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos
critérios legais que a Administração há-de usar (…); e que forneça à
Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem jugularem a sua
liberdade de escolha, salvaguardem o «núcleo essencial» da garantia dos direitos
e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos (…); e finalmente
que permitam aos tribunais um controlo objectivo efectivo da adequação das
concretas actuações da Administração face ao conteúdo da norma legal que esteve
na sua base e origem” (cfr., ainda, Acórdãos n.ºs. 289/92, 589/2004 e
155/2007)».
2.2.3 No que respeita ao n.º 3 do artigo 11.º e o artigo 14.º:
«8. A terceira inconstitucionalidade material apontada respeita antes de mais à
norma do n.º 3 do artigo 11º, segundo a qual resulta para as associações
ambientais inscritas no registo – apenas em virtude dessa inscrição – um dever
de sujeição às “auditorias que lhes sejam determinadas nos termos do presente
diploma”. E refere-se ainda ao regime das próprias auditorias, previsto no
artigo 14º, com particular incidência na alínea b) do n.º 2 – que permite o
livre acesso das equipas de auditoria às “fichas dos associados” – e no n.º 4 –
na medida em que determina que as auditorias se realizam na “sede social” das
associações ambientais.
Mesmo colocando de parte as questões de constitucionalidade que poderiam ser
suscitadas a respeito da protecção devida aos dados pessoais dos associados –
n.ºs 4 e 7 do artigo 35º da Constituição – e do direito das pessoas colectivas à
inviolabilidade do seu domicílio – n.º 2 do artigo 34º, em conjugação com o n.º
2 do artigo 12º da Constituição –, afigura-se evidente que existe uma relação de
tendencial antinomia entre a possibilidade de o membro do Governo Regional
competente em matéria ambiental determinar a realização de auditorias na sede
das associações registadas e a afirmação constitucional constante do n.º 2 do
artigo 46º, segundo a qual “as associações prosseguem livremente os seus fins
sem interferência das autoridades públicas”.
De facto, ainda que o termo “interferência” não possua um sentido jurídico muito
preciso, ele é suficientemente amplo para englobar a realização de auditorias –
sejam elas ordinárias ou extraordinárias – por decisão do titular de um alto
cargo público. De acordo com o próprio teor literal do preceito, interferências
não são apenas os actos pelos quais o Estado determina a dissolução ou a
suspensão das actividades das associações. Essas são apenas as formas mais
graves e agressivas de intervenção dos poderes públicos na livre condução das
associações pelos seus associados. Intervenções hão-de ser assim todos aqueles
actos ou comportamentos das autoridades públicas que, pela natureza dos meios
utilizados ou pelos efeitos produzidos, representem uma intromissão ou uma
ingerência na vida interna da pessoa colectiva ou, então, que sejam susceptíveis
de prejudicar a livre prossecução das actividades e dos fins desenvolvidos pelas
associações.
Não obstante, podendo as intervenções das autoridades públicas no seio das
associações prosseguir distintos objectivos e revestir diferentes intensidades,
as questões de constitucionalidade que devem ser colocadas não respeitam tanto
ao problema de saber se certo acto ou certa conduta das autoridades constituem
uma interferência na vida das associações. O que importa aferir é, sobretudo, se
essa interferência se subsume no conceito constitucional de restrição e, em caso
afirmativo, se se prossegue com ela um fim constitucionalmente legítimo e,
ainda, se os meios utilizados para esse efeito não ultrapassam o necessário e
razoável. Por outras palavras, a questão jurídico-constitucional que interessa
decidir é a de saber se a sujeição das associações ambientais registadas a um
regime de auditorias representa uma verdadeira e própria restrição legal à
liberdade de associação e, depois, se o modo concretamente definido para a
realização dessas auditorias viola o princípio da proporcionalidade, tal como
consagrado no n.º 2 do artigo 18.
Assim, quanto ao primeiro ponto – e sem poder entrar aqui nos critérios que
permitem fazer a destrinça entre as restrições legais e as figuras jurídicas que
com elas mantêm afinidades –, afigura-se que a sujeição das associações
registadas a auditorias decretadas por uma autoridade administrativa é uma forma
suficientemente caracterizada e intensa de intervenção pública na vida interna
daquelas, traduzindo-se numa verdadeira compressão do âmbito de protecção
constitucional da liberdade de associação enquanto direito de defesa contra o
poder – isto é, naquela sua dimensão subjectiva que melhor a caracteriza como
direito, liberdade e garantia –, tal como ela mesma se apresenta configurada no
n.º 2 do artigo 46º. Não está em causa, pois, a simples fixação preliminar dos
limites exteriores da liberdade de associação em face de outros direitos ou de
outros institutos, nem a definição de um regime que contenda apenas com aspectos
secundários ou acidentais relativos ao pleno exercício daquela liberdade. Bem
pelo contrário, tratando-se de autorizar legalmente uma autoridade pública a
invadir jurídica e fisicamente a esfera privada de um sujeito jusfundamental, a
sujeição das associações registadas a auditorias consubstancia-se
inevitavelmente numa verdadeira e própria restrição legal.
Dito isto, entende-se também, relativamente ao segundo ponto, que o regime
concreto das auditorias implica uma restrição da liberdade de associação
violadora do princípio da proporcionalidade. Por um lado, nenhum outro direito
fundamental justifica, no plano constitucional, a compressão à liberdade de
associação agora tentada pelo legislador regional. Nem mesmo no campo dos
interesses constitucionais objectivos – preservação do Estado de Direito,
respeito pela legalidade democrática, transparência da vida pública, etc. – se
vislumbra com facilidade quais os bens ou valores presentes na Constituição que
se visa acautelar com a realização de auditorias no próprio espaço físico da
sede social. Mas, sobretudo, mesmo supondo que os fins prosseguidos pelo
legislador podem ser convenientemente identificados e obter suporte num certo
princípio constitucional objectivo, fica por demonstrar que esses mesmos fins
não poderiam ser igualmente perseguidos com recurso a outros meios menos
agressivos da liberdade de associação ou menos invasivos da esfera interna dessa
modalidade de pessoas colectivas – por exemplo, através do simples requerimento
dos documentos destinados à demonstração do preenchimento dos requisitos
necessários para a inscrição no registo.
A desnecessidade – e, portanto, a violação do princípio da proporcionalidade –
que caracteriza o regime de realização das auditorias torna-se ainda mais
patente quando se verifica que, nos termos do n.º 2 do artigo 14º, este tipo de
procedimentos inspectivos permite o acesso, algo discricionário e não selectivo,
a elementos informativos referentes à associação e aos seus membros, mas que
muito pouco relevância podem ter para as autoridades administrativas e, mesmo,
para a “verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo”. É o que
sucede, em especial, com o acesso às “fichas dos associados” – e, por inerência,
a todos os dados pessoais que nelas estejam inscritos –, o qual se não apresenta
como indispensável para o controlo do número de sócios efectivamente inscritos
nas associações ambientais.».
2.2.4. Relativamente aos números 3, 4 e 5 do artigo 12.º e ao n.º 1 do artigo
13.º:
«9. Por último, a quarta inconstitucionalidade material mencionada é referente
às normas do n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12º e do n.º 1 do artigo 13º, enquanto
permitem, respectivamente, a suspensão e a anulação da inscrição no registo das
associações por simples decisão do membro do Governo Regional competente na área
do ambiente.
Considerando, mais uma vez, que a inscrição no dito registo é condição
indispensável para que as associações ambientais possam ser titulares e exercer
um significativo acervo de direitos – incluindo alguns direitos com arrimo
constitucional –, fácil é compreender que a previsão legal de um poder
administrativo de suspensão ou de cessação da inscrição e, consequentemente,
desse mesmo estatuto favorável se traduz numa verdadeira e própria restrição de
direitos, liberdades e garantias, sujeita portanto ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do
artigo 18º. O poder administrativo de suspensão e de anulação do registo das
associações ambientais tem, pois, de se conformar com as exigências que a Lei
Fundamental formula neste contexto, mormente com a necessidade de uma credencial
constitucional (expressa) para proceder a restrições legais e com o princípio da
proporcionalidade.
Ora, quanto à primeira exigência, verifica-se que o n.º 2 do artigo 46º prevê a
possibilidade de suspensão das actividades das associações, nos casos previstos
na lei, mas exige para o efeito o recurso a tribunal e a prolação de uma decisão
judicial. Não é inequívoco, todavia, o resultado da aplicação deste preceito
constitucional ao regime legal em análise. Por um lado, pode sustentar-se que
não é de todo aplicável a imposição de uma decisão judicial, uma vez que a
suspensão ou a anulação do registo de uma associação não é propriamente uma
decisão de suspensão (total) das suas actividades, tal como previsto
constitucionalmente. Mas, por outro lado, em relação às associações em
funcionamento e que estejam regularmente inscritas no registo, a verdade é que
tanto a suspensão como a anulação da correspondente inscrição – embora em
diferentes graus, evidentemente – importam uma perda muito significativa de
direitos e de instrumentos de acção que, de forma inevitável, se repercute
negativamente na actividade social e na capacidade para prosseguir os seus fins.
Se bem que isso possa variar muito de caso para caso – e mesmo deixando agora de
lado a questão da cessação dos apoios técnicos e financeiros já concedidos –, é
inegável que a suspensão ou a anulação do registo pode colocar, de um momento
para o outro, as associações ambientais destinatárias dessas decisões numa
situação de grande dificuldade para continuarem a prosseguir as actividades
anteriormente desenvolvidas. Tudo depende do tipo concreto de actividades
exercidas e do grau de dependência dessas actividades relativamente aos direitos
que integram o estatuto das associações ambientais registadas. Em todo o caso,
mesmo que a natureza jurídica possa ser diversa, as decisões (administrativas)
de suspensão ou de anulação do registo podem certamente ter um efeito
equivalente – embora, porventura, menos extenso – ao de uma decisão (judicial)
que proceda formalmente à suspensão das actividades de uma qualquer associação
privada.
Nesta senda, ainda que não exista fundamento bastante para impor que a decisão
de suspensão ou de anulação do registo das associações ambientais seja tomada
por decisão judicial, afigura-se pelo menos exigível que o procedimento
administrativo que conduz a tais decisões seja rodeado de garantias
suplementares de objectividade, além da tramitação absolutamente comum da
audiência dos interessados e da fundamentação de facto e de direito da decisão
final (n.º 3 do artigo 9º, por remissão do n.º 6 do artigo 12º e do n.º 3 do
artigo 13º). Note-se, a este propósito, que de acordo com o regime legal agora
estabelecido, as decisões de suspensão ou de anulação do registo são proferidas
pelo próprio membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente e,
embora sejam tomadas “na sequência de uma auditoria” (partes finais do n.º 3 do
artigo 12º e do n.º 1 do artigo 13º, e n.º 3 do artigo 14º), é também aquele que
decide a realização dessa auditoria e nomeia a comissão que a efectua (n.º 4 e 6
do artigo 14º). Para fechar o círculo, é esta comissão composta, em princípio,
por “trabalhadores que exercem funções públicas” no departamento do Governo
Regional competente em matéria de ambiente e, portanto, por subordinados
directos daquele membro do Executivo Regional.
Eis, pois, como um procedimento administrativo comum, desprovido de especiais
garantias de independência, acaba por concentrar nas mãos do titular da pasta do
ambiente do Governo Regional um importante poder discricionário, que na prática
lhe permitirá condicionar negativamente a actividade das associações que operam
nesse mesmo sector – conquanto, em termos formais, as decisões de suspensão ou
de cancelamento do registo não determinem a suspensão (total) das actividades
das associações em causa.
Por sua vez, no que tange à segunda exigência, é muito duvidoso que a restrição
da liberdade de associação decorrente das decisões de suspensão e de anulação do
registo possam encontrar justificação na defesa de outros direitos fundamentais
ou que seja necessária para a salvaguarda de outros bens objectivos ou
interesses constitucionalmente protegidos. Efectivamente, se exceptuados os
casos mais extremos – como aqueles em que associações promovem a violência ou
prosseguem fins contrários à lei penal –, serão poucas as situações em que
outros direitos fundamentais reclamem uma compressão da liberdade de associação,
traduzida na retirada temporária ou definitiva dos direitos inerentes ao
estatuto de associação registada. E mesmo no campo dos valores ou interesses
constitucionais objectivos, fora das hipóteses em que as associações ambientais
tenham comprovadamente cometido ilegalidades ou irregularidades graves, não se
vê que tipo de condutas activas ou passivas dessas mesmas associações é que
podem justificar, em termos constitucionais, a necessidade de medidas tão
gravosas e perturbadoras do desenvolvimento da actividade social como as de
suspensão ou anulação administrativa do registo.
Em abono da verdade, sublinhe-se também que as disposições legais em apreço não
procedem a uma tipificação – ou sequer a uma enunciação exemplificativa – dos
motivos que podem dar azo a uma decisão administrativa de suspensão ou anulação
compulsiva do registo. Da leitura daquelas disposições, depreende-se apenas que
tais decisões são proferidas na sequência de uma auditoria e que esta “têm por
objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo” (n.º 2
do artigo 14º). Subsiste, portanto, a dúvida sobre quais são os fins últimos
prosseguidos pelas decisões de suspensão ou anulação do registo das associações
– e, naturalmente, sobre se esses (hipotéticos) fins têm respaldo constitucional
–, sendo que se afigura desde logo desnecessário – e, por isso, violador do
princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18º – mobilizar sem
justificação evidente medidas públicas que interferem de forma tão intensa com a
actividade desenvolvida pelas associações ambientais.»
3. Resposta do autor da norma
Notificado o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores,
nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º, 55.º e 56.º da Lei do Tribunal
Constitucional, veio apresentar resposta dentro do prazo legal, sustentando o
seguinte:
«1º
As normas contidas nos artigos 8º a 14º não extravasam os poderes legislativos
das Regiões Autónomas nem se afiguram organicamente inconstitucionais, porquanto
não está em causa a liberdade de associação, essa sim, matéria da reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
2º
Efectivamente, no plano da liberdade individual, as normas cuja apreciação se
requer não afectam a “preservação da esfera de autodeterminação de cada pessoa
na condição concreta da sua vida, com recusa de interferências exteriores ou, em
geral, de actos contrários à sua vontade”[1], não criam “quaisquer desvantagens
por não se pertencer a esta ou àquela associação”[2], nem fazem “depender o
acesso a qualquer estado ou condição ou o exercício de qualquer direito da
pertença a uma associação”[3].
3º
No plano das associações, as normas em apreciação respeitam “o direito de
auto-organização, de livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade e de
acção em relação aos seus membros”[4] e “o direito de livre prossecução dos seus
fins”[5], assim como em nenhum momento se permite a dissolução da associação ou
a suspensão das suas actividades por acto do poder político.
4º
Se é verdade que o regime da liberdade de associação, consignado no artigo 46º
da Constituição, se insere na reserva relativa da competência legislativa da
Assembleia da República e que, tal como se refere no pedido, esta reserva
integra “todos os normativos que respeitem directamente ou que interfiram de
forma não acidental com a liberdade de associação, nas suas diversas faculdades,
dimensões, negativas ou positivas, individuais ou institucionais”, o que acima
se disse e o próprio texto do articulado em apreciação excluem os respectivos
normativos do âmbito dessa reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República.
5º
Efectivamente, não é o facto de uma matéria constar de uma lei emanada da
Assembleia da República que lhe confere o carácter de reserva, absoluta ou
relativa, de competência legislativa daquele órgão de soberania, mas sim a
circunstância de a matéria em causa poder subsumir-se nos normativos
constitucionais que elencam tais matéria de reserva.
6º
Na verdade, a Lei nº 35/98, de 18 de Julho, que define o estatuto das
organizações não governamentais, divide-se em quatro Capítulos, epigrafados de I
- Disposições Gerais; II – Estatuto das ONGA; III – Registo e Fiscalização e IV
– Disposições transitórias e finais, sendo que apenas aos primeiros dois se
poderia atribuir o qualificativo de matéria da reserva da Assembleia da
República.
7.º
Se assim não fosse, mal se compreenderia que as matérias referentes ao Registo
Nacional das ONGA, constantes do Capítulo III – Registo e Fiscalização,
remetessem para regulamento os termos e condições desse registo (artigo 17.º n.º
1),
8.º
e que através da Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, alterada pelas Portarias
nºs 71/2003, de 20 de Janeiro, e 771/2009, de 20 de Julho, mantida ao longo de
um horizonte temporal de 12 anos, todo o sistema jurídico e judiciário se
conformasse com tamanha inconstitucionalidade.
9.º
Em nosso favor acresce o facto da citada Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, ter
como norma habilitante a alínea c) do artigo 199.º da Constituição (competência
executiva do Governo) e não qualquer outra competência delegada ou autorizada da
Assembleia da República.
10.º
E mais se sublinha que, para o que aqui importa, também deve ter relevância que,
tal como refere o pedido, o Decreto nº 8/2010 “se limita a reproduzir – em larga
medida, ipsis verbis – a normação contida na Portaria nº 478/99, de 29 de Junho
do Governo da República”.
11.º
E caso os argumentos já aduzidos não bastassem para demonstrar que as normas em
causa em nada afectam ou colidem com a reserva da competência da Assembleia da
República, sempre se dirá que o que a Assembleia Legislativa da Região está a
promover não é – nem de perto – legislação que derrogue o regime nacional
previsto na Lei nº 35/98, de 18 de Julho, nem sequer o regime do Registo
Nacional de ONGA, regulamentado na Portaria nº 478/99, de 29 de Junho.
12º
Antes pelo contrário. Como é bom de ver a previsão de um registo regional das
ONGA dificilmente poderia enquadrar-se como regulamentação da Lei nº 35/98, de
18 de Julho, como é indevidamente aflorado no pedido.
13.º
O que a Região quer tratar, tão só, é da regulação de mais um procedimento de
âmbito regional no qual não só não se afastam os direitos e deveres constantes
do Estatuto das ONGA nacional, como inclusive, expressamente, os salvaguardam.
14.º
E esta salvaguarda também não é matéria de somenos face aos limites da
competência prevista na alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
15º
A competência legislativa própria da Região na matéria constante das normas
objecto do pedido não resulta, portanto, do cotejo de tais normas com quaisquer
normas legais ou regulamentares ou avulsas, mas sim do confronto com a
Constituição e com o Estatuto Político-Administrativo da Região.
16º
Isto é, à circunstância de se tratar de matéria fora do âmbito da reserva de
competência da Assembleia da República acresce o facto de o associativismo
ambiental constar do elenco das matérias da competência legislativa própria da
Região, expressamente consagrada na alínea o) do nº 2 do artigo 57º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
17º
Importa aqui invocar Gomes Canotilho e Vital Moreira, que em comentário à norma
constitucional que corresponde ao actual artigo 161º, alínea c), referem que “a
competência legislativa (al.d) é conatural à própria natureza e sentido
histórico da assembleia representativa. De acordo com os princípios
democrático-representativos convencionais, a ela devia caber em princípio toda a
competência legislativa e nenhum domínio lhe estaria vedado. A CRP contém dois
desvios a esse princípio: por um lado, existe um domínio vedado à actividade
legiferante da AR, que é reservado ao Governo (artº 201º-2); por outro lado, e
mais significativamente, a AR não é o único órgão legislativo, visto que, além
das assembleias das Regiões Autónomas, no seu domínio próprio (arts. 115º-3 e
229-1/a), também o Governo goza de poderes legislativos”[6].
18º
E, ainda, Jorge Miranda e Rui Medeiros, em comentário ao referido artigo 161º,
alínea c) da Constituição: “(…) por imperativo da autonomia dos Açores e da
Madeira, nessas mesmas matérias não reservadas ao Parlamento são as Assembleias
Legislativas regionais os órgãos competentes para legislar, quando eles tenham
âmbito regional [artigos 112º, nº 4, e 227º, nº 1, alínea c)]. São tais
Assembleias e não a Assembleia da República: esta pode legislar sobre elas para
todo ou para uma parte do território; não pode aí legislar só para uma Região
Autónoma” [7].
19º
Quanto à eventual inconstitucionalidade material das normas objecto do pedido e
discordando dos fundamentos invocados no mesmo, dá-se por aqui reproduzido o que
se disse em 9.º a 13.º a propósito da natureza da matéria objecto dessas normas,
porquanto,
20º
o registo público regional das organizações não governamentais de ambiente
salvaguarda os direitos, a gradação e o limite de 100 associados para a ONGA de
carácter nacional (artigo 17º da Lei nº 35/98, de 18 de Julho, artigo 5º da
Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, e artigo 8º do Decreto nº 8/2010),
21º
a Região, através do registo público regional das organizações não
governamentais de ambiente alarga, potencia e valoriza, para efeitos exclusivos
do próprio, o conjunto de direitos e deveres das ONGA, ao definir um limite de
50 associados para as ONGA com sede na Região (artigo 17º da Lei nº 35/98, de 18
de Julho, artigo 5º da Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, e artigo 8º do
Decreto nº 8/2010),
22.º
a disponibilização a uma autoridade administrativa de um acervo de informação
sobre a organização (artigo 18º da Lei nº 35/98, de 18 de Julho, artigos 8º e
13º da Portaria nº 478/99, de 29 de Junho e artigos 9º e 11º do Decreto nº
8/2010),
23º
a suspensão, anulação ou cancelamento do registo (artigos 15º e 16º da Portaria
nº 478/99, de 29 de Junho e artigos 12º e 13º do Decreto nº 8/2010),
24º
e o pedido de elementos adicionais considerados importantes para a decisão
(previsto no artigo 9º, nº 2, da Portaria nº 478/99, de 29 de Junho, no mesmos
termos em que o está no artigo 9º, nº 2 do Decreto nº 8/2010, pelo que há 12
anos que as questões doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível
nacional;
25º
a sujeição às auditorias está prevista nos artigos 19º a 23º da Portaria nº
478/99, de 29 de Junho, em termos em tudo semelhantes aos que constam do Decreto
nº 8/2010 (artigo 14º), pelo que, também, aqui, há 12 anos que as questões
doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível nacional;
26º
a possibilidade de suspensão ou anulação da inscrição no registo das ONGA por
decisão do presidente do Instituto de Promoção Ambiental, hoje Agência
Portuguesa do Ambiente, está prevista nos artigos 15º a 16º da Portaria nº
478/99, de 29 de Junho, em termos em tudo semelhantes aos que constam do Decreto
nº 8/2010 (artigos 12º e 13º), pelo que, também aqui, há 12 anos que as questões
doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível nacional.
27.º
Significa isto que, se a argumentação do pedido colhesse, teríamos o absurdo de
à Região estar vedada a criação de um regime mais favorável e de proximidade
para as ONGA ao nível dos direitos de participação, representação e cooperação
com os órgãos de governo próprio, e em especial com a administração regional
autónoma.»
E concluiu:
«Termos em que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores se
pronuncia, concluindo que as normas constantes dos artigos 8º a 14º do Decreto
nº 8/2010 desta Assembleia Legislativa não estão feridas de qualquer
inconstitucionalidade, orgânica ou material, devendo, consequentemente, o
Tribunal Constitucional negar provimento ao pedido do Representante da República
para a Região Autónoma dos Açores.»
II – Fundamentação
A. Inconstitucionalidade orgânica
4. Sustenta o requerente que as normas contidas nos artigos 8.º a 14.º
extravasam os poderes legislativos das Regiões Autónomas, pelo que seriam
organicamente inconstitucionais.
Segundo a sua argumentação, o regime da liberdade de associação que estaria em
causa nas normas em apreço é uma das matérias que integra a reserva relativa de
competência legislativa da Assembleia da República, conforme disposto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante à matéria dos direitos,
liberdades e garantias. Por outro lado, a inclusão deste, ou de qualquer outro
regime, na reserva (relativa ou absoluta) de competência legislativa da
Assembleia da República implicaria a sua imediata subtracção à competência
legislativa das regiões autónomas, nos termos do n.º 4 do artigo 112.º e da
alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP. Ora, segundo o requerente, o que a
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores fez, ao aprovar o Decreto
cujas normas vêm impugnadas, foi legislar – e não apenas regulamentar – em
matéria de direito de associação, constitucionalmente consagrado no artigo 46.º
da CRP.
Vejamos.
4.1 O Decreto n.º 8/2010 regulamenta a elaboração e disponibilização de
relatórios e informação pública sobre o estado do ambiente, regula o apoio às
organizações não governamentais de ambiente e altera a composição e normas de
funcionamento do Conselho Regional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
(CRADS).
Atentemos no diploma, na parte que se encontra em apreciação:
Os artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 instituem um registo regional das
organizações não governamentais de ambiente (artigo 8.º), fazendo depender da
inscrição no registo o estatuto definido para as organizações não governamentais
de ambiente - ONGA - nele registadas, regulam as condições de inscrição nesse
registo (artigo 9.º), a modificação, suspensão e anulação dessa inscrição
(artigos 12.º, 13.º), as auditorias a que podem ficar sujeitas as ONGA (artigo
14.º), assim como os direitos decorrentes da inscrição (artigo 10.º) e as
obrigações que essa mesma inscrição determina (artigo 11.º).
O diploma segue, de perto, mas com adaptações, o regime estabelecido pela Lei
n.º 35/98, de 18 de Julho, que definiu o estatuto das organizações não
governamentais de ambiente, aplicável às ONGA de âmbito nacional, regional
(leia-se, supramunicipal) e local, criando um registo nacional (artigo 17.º), e,
em especial, o disposto na Portaria n.º 478/99, de 29 de Junho, alterada pelas
Portarias n.º 71/2003, de 20 de Janeiro, e n.º 771/2009, de 20 de Julho.
Por força do estabelecido na 1.ª parte do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto n.º
8/2010 que se aprecia, verifica-se que o legislador regional procede também à
recepção de algumas normas constantes do diploma nacional, assim atribuindo às
ONGA inscritas no registo regional os direitos concedidos às organizações não
governamentais de ambiente inscritas no registo nacional.
Entre estes direitos estão o direito à declaração de utilidade pública (artigo
4.º), o direito de acesso à informação (artigo 5.º), o direito de participação
procedimental (artigo 9.º), a legitimidade processual (artigo 10.º), a isenção
de emolumentos, preparos, custas e imposto de selo (artigo 11.º), o direito a
isenções fiscais (artigo 12.º), a aplicação do regime especial do mecenato aos
donativos a favor das ONGA que financiem projectos de interesse público (artigo
13.º), e o direito de antena (artigo 15.º). Na Lei n.º 35/98, e à semelhança do
Decreto em apreço, também são concedidos às entidades registadas no registo
nacional o direito a apoio técnico e financeiro do Estado (artigo 14.º), o
direito de participação na definição da política e das grandes linhas de
orientação legislativa em matéria de ambiente (artigo 6.º), o direito de
representação nos órgãos consultivos da Administração central, regional e local
(artigo 7.º), e um especial estatuto para os dirigentes e membros das ONGA que
exerçam funções de representação (artigo 8.º, para o qual, aliás, remete
expressamente o artigo 10.º, n.º 2, do Decreto n.º 8/2010 da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma dos Açores).
4.2 Como o Tribunal tem afirmado em Acórdãos anteriores, após a revisão
constitucional de 2004, para se apreciar uma norma legislativa emitida pela
Assembleia Legislativa das Regiões Autónomas sob o prisma da competência
legislativa regional, deve aferir-se da presença cumulativa dos seguintes
requisitos: (i) deve verificar-se se as matérias em causa não estão reservadas
aos órgãos de soberania; (ii) se estão enunciadas no respectivo estatuto
político-administrativo; e (iii) se se contêm no âmbito regional (v.g., Acórdãos
n.ºs 415/2005 e 26/2009).
Comecemos por apurar se as normas aqui em apreço superam o filtro da reserva
relativa de competência legislativa da AR. É esse o fundamento catalisador do
pedido do requerente quando sustenta que, por disciplinarem a liberdade de
associação, as normas constantes do Decreto que se vem apreciando deveriam ser
objecto de Lei da Assembleia da República, estando vedado ao legislador regional
emitir tal normação.
4.3 Como está patente, será decisivo para resolver a questão, do ponto de vista
da conformidade orgânica das normas com a Constituição, verificar se as matérias
abrangidas pelas normas impugnadas são matéria de direitos, liberdades e
garantias.
Desde logo porque - e é esse o fundamento do requerente - estando aqui em causa
normas atinentes a organizações não governamentais de ambiente, será preciso que
o Tribunal Constitucional apure se as disposições em apreciação tocam,
efectivamente, e como vem sustentado, aspectos relativos à liberdade de
associação, consignada no artigo 46.º da CRP.
A Lei n.º 35/98, de 18 de Julho – que estabelece o estatuto das organizações não
governamentais de ambiente (ONGA) - definiu estas organizações como associações
dotadas de personalidade jurídica, constituídas nos termos da lei geral, que não
prosseguem fins lucrativos e visam, exclusivamente, a defesa e valorização do
ambiente ou do património natural e construído, bem como a conservação da
natureza.
Enquanto associações, as ONGA são expressão da liberdade de organização
colectiva dos cidadãos (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 643) e vêem ser-lhes
constitucionalmente garantido, no artigo 46.º (Liberdade de associação), o
direito de associação - traduzido, designadamente, na liberdade de prossecução
livre dos seus fins. Embora sendo este um direito complexo, que pode ser
decomposto em vários direitos ou liberdades específicos, esta sua faceta é a
mais directamente convocada pela questão que importa resolver.
O n.º 2 do artigo 46.º da CRP estabelece o seguinte: «As associações prosseguem
livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem
ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos
previstos na lei e mediante decisão judicial». A disposição constitucional
citada abrange «dimensões essenciais da liberdade de associação, designadamente
a liberdade de auto-organização, o autogoverno e a autogestão, consubstanciadas
na autonomia estatutária (não podendo os estatutos das associações estar
dependentes de qualquer aprovação ou sanção administrativa e, muito menos, ser
impostos pelas autoridades); a liberdade de escolha dos seus órgãos (não podendo
a designação dos órgãos directivos da associação estar dependente de qualquer
aprovação ou controlo administrativo, e, muito menos, de imposição
administrativa) e a liberdade de gestão (não podendo os seus actos ficar
dependentes de aprovação ou referenda administrativa)» (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra
Editora, Coimbra, 2007, p. 646; e, na jurisprudência constitucional, v.g. o
Acórdão n.º 18/2006).
4.4 O direito de associação tem um âmbito de protecção próprio que se refere a
uma realidade – as associações. E o domínio existencial, material ou realidade
da vida aqui protegido é, por exemplo, o acto de um indivíduo se associar ou não
associar, ou da própria associação prosseguir livremente os seus fins. Para que
se possa afirmar que uma determinada intervenção reguladora tocou um aspecto da
realidade a que se refere a protecção constitucional, é importante proceder à
delimitação do conteúdo constitucionalmente garantido do direito, assim
definindo «o bem ou o interesse jusfundamental protegido pela norma» (José de
Melo Alexandrino, A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias
na Constituição Portuguesa, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2006, p. 472). O mesmo é
dizer que sempre será indispensável a realização do juízo prévio de saber se um
determinado aspecto do âmbito material de protecção do direito está
juridico-constitucionalmente protegido. Por isso – exemplifica a doutrina
referindo-se ao direito aqui em causa - «O conteúdo constitucionalmente
garantido do direito de associação parece não abranger a garantia de aquisição
de personalidade jurídica como pessoa colectiva», segundo Gomes Canotilho e
Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra
Editora, 2007, p. 645). O que está em causa é um problema de interpretação da
norma constitucional de modo a apurar quais «os bens e esferas de acção
abrangidos e protegidos pelo preceito que prevê o direito», assim se definindo
«o seu objecto e conteúdo principal» (Vieira de Andrade, Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª edição, Almedina, Coimbra,
2009, p. 267).
Em suma, «o que se pergunta é se o programa normativo do preceito em causa
inclui ou não um certo aspecto ou modo de exercício, isto é, até onde vai o
domínio de protecção (a hipótese) da norma» (Vieira de Andrade, ob.cit, p. 278).
Analisemos, então, se são matéria de reserva parlamentar, por respeitarem ao
âmbito de protecção da liberdade de associação, as normas questionadas.
5. Registo: criação, modificação, suspensão e anulação
5.1. O registo instituído ao abrigo do artigo 8.º serve funções de publicidade,
tornando públicas situações jurídicas (o conteúdo do registo é público, sendo
disponibilizado no portal do Governo Regional na Internet – artigo 8.º, n.º 5; a
admissão a registo e suspensão e cancelamento são publicados no Jornal Oficial –
artigo 9.º, n.º 4; as ONGA têm direito a obter declaração comprovativa da sua
inscrição no registo – artigo 9.º, n.º 5), assumindo ainda funções instrumentais
de organização.
Não tem razão o requerente quando invoca que «a criação, a cargo de um
departamento administrativo, de um registo público de associações privadas é
matéria que versa sobre liberdade de associação».
O registo criado por esta norma não tem uma função constitutiva, no sentido de
que da inscrição no registo não depende a existência da ONGA: o registo,
facultativo, não é condição para a criação da associação (pelo que não pode ser
encarado como uma autorização «encapuçada» para constituição de associação). Mas
dá a conhecer as organizações não governamentais de ambiente ou equiparadas que
passam, pelo facto de se encontrarem registadas – i.e., por obedecerem a certos
requisitos, nomeadamente, a natureza jurídica (artigo 6.º), o número de
associados (artigo 8.º), a ligação à Região Autónoma pela via da sede ou da
residência dos membros (artigo 8.º), a realização de actividades (artigo 9.º,
n.º 1, alíneas f) e g), artigo 14.º, n.º 6, alínea b)) -, a gozar de certos
direitos (previstos no artigo 10.º) e a ficar sujeitas a certos deveres (artigo
11.º), permitindo também saber quem são os dirigentes e membros que as
representam nos órgãos consultivos dependentes da administração regional
autónoma.
A criação deste registo tem igualmente uma função instrumental por permitir,
embora definindo condições, conhecer as organizações não governamentais de
ambiente ou equiparadas que, pelo facto de estarem registadas, podem, nomeada e
eventualmente, ter acesso a apoio técnico e financeiro concedido pela
administração da região autónoma (artigo 16.º, n.º 1, alínea a)), e designar um
representante no órgão consultivo (CRADS, artigo 41.º, n.º 2, alínea l)).
5.2 Na verdade, a criação, em si mesma, deste registo, que permite conhecer as
entidades que actuam num determinado âmbito e respectivas actividades – no caso,
típicas do associativismo ambiental – não pode ser entendida como limitando a
liberdade de associação, por essa razão não se tornando indispensável que seja
uma Lei da Assembleia da República (ou o Governo mediante autorização) a definir
a sua criação.
Este registo é um mecanismo que permite elencar e conhecer factos e direitos.
Não se vê como da criação do registo, em si, que no caso nem é obrigatório,
possa resultar uma intervenção não permitida na liberdade de associação ou,
sequer, uma qualquer intervenção no âmbito constitucionalmente protegido desta.
Uma coisa é a criação de um registo para finalidades várias. Outra diversa são
os efeitos que se possa fazer decorrer para uma organização não governamental de
ambiente que se inscreva no registo. Não deixa de frisar isto mesmo o requerente
quando invoca, acerca da constituição do registo, o seu impacto sobre a
liberdade de associação «sobretudo se se tiver em conta que da inscrição naquele
registo depende o acesso a um conjunto de direitos da maior relevância para a
actividade das associações em causa e dos seus corpos dirigentes».
Todavia, não é a previsão da instituição do registo em si, enquanto mero
mecanismo que elenca e publicita a existência de certas associações, que origina
uma intervenção na liberdade de associação. Da pura criação do registo regional
das ONGA não resultam intervenções em matéria de direitos, liberdades e
garantias, não se encontrando, por esse facto, a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores a legislar em matéria de direitos, liberdades e
garantias, de natureza reservada à Assembleia da República, nos termos do
disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
O que será indispensável que se analise – e adiante a isso se procederá – são as
consequências que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores optou
por atribuir ao registo agora criado, verificando se delas resultam intervenções
em matéria de liberdade de associação.
5.3 Com o mesmo fundamento, o Tribunal entende que o artigo 9.º (inscrição no
registo), que regula a inscrição no registo regional, enumerando elementos
documentais necessários à inscrição, bem como aspectos meramente procedimentais
relativos a essa inscrição, não contende com matéria respeitante à liberdade de
associação, nem, por essa via, com direitos, liberdades e garantias. O artigo
9.º limita-se a definir as condições (documentais, procedimentais) para
inscrição no registo.
Não se vê, ao contrário do que sustenta o requerente, que o artigo 8.º ou o
artigo 9.º sejam exemplo daqueles «normativos que respeitem directamente ou que
interfiram de forma não acidental com a liberdade de associação».
5.4 O mesmo vale, por identidade de razão, para as vicissitudes do registo: sua
modificação, suspensão (artigo 12.º do Decreto) e anulação (artigo 13.º do
Decreto).
Como atrás se expendeu, não é da norma que autoriza, ou não, a inclusão no
registo, nem, consequentemente, da norma que admite a sua suspensão, modificação
ou cancelamento, que resulta a intervenção nos direitos, liberdades e garantias.
O registo é realizado para finalidades várias, algumas das quais podem não ter
relevância em matéria de direitos, liberdades e garantias. O que pode assumir
contornos que abranjam matéria protegida no texto constitucional como direitos,
liberdades e garantias são as disposições que façam desse registo condição para
o exercício de alguns direitos que pudessem contender com aspectos
constitucionalmente protegidos, como os enquadráveis no n.º 2 do artigo 46.º,
invocado pelo requerente.
5.5 Não se nega, contudo, que uma intervenção reguladora que extraia
consequências jurídicas da não inscrição no registo, e dependendo da incidência
dessas interferências, poderia configurar uma intervenção que apenas pudesse ser
imposta, desde logo, nas condições previstas no artigo 165.º, n.º 1, alínea b),
da CRP, excluindo-se a intervenção do legislador regional na sua definição
(artigo 112.º, n.º 4, da CRP; artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP). E, neste
caso, porque, conforme este Tribunal tem afirmado, a reserva de lei parlamentar
em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange «tudo o que seja matéria
legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa» (cfr., por exemplo,
Acórdão n.º 128/2000, Acórdão n.º 491/2002).
É à análise dessas consequências jurídicas (determinadas pelo artigo 10.º do
Decreto em apreciação) que procederemos de seguida.
6. O direito ao apoio técnico e financeiro como consequência da inscrição no
registo
6.1 A dependência, relativamente à inscrição no registo regional, do direito das
organizações não governamentais de ambiente à obtenção de apoio técnico e
financeiro (regulado nos artigos 15.º e ss. do Decreto n.º 8/2010) resulta do
n.º 1 do artigo 10.º
O problema de constitucionalidade a resolver respeita a saber se por decreto
legislativo regional se pode fazer depender da inscrição no registo a atribuição
de apoio técnico e financeiro e outras formas de cooperação a organizações não
governamentais do ambiente, ou se estes aspectos se encontram entre as matérias
reservadas à Assembleia da República, por interferirem com a liberdade de
associação e, assim, bulirem com direitos, liberdades e garantias.
No caso da dependência dos apoios técnicos e financeiros às organizações não
governamentais de ambiente por parte da região autónoma relativamente à
inscrição no registo regional, a questão controvertida é a de determinar se, e
nesse caso em que medida, as normas que a estabelecem interferem no âmbito de
protecção do direito de associação, mais propriamente no «momento normativo do
âmbito de protecção do direito» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 449), i.e., no
seu conteúdo jurídico-constitucionalmente protegido.
Antes de se apurar se uma medida conforma ou restringe um direito fundamental,
torna-se necessário começar por saber se chega a nele interferir, para isso se
recortando, em termos jurídicos, o âmbito constitucionalmente protegido do
direito fundamental, e deste modo se reconhecendo os contornos do seu conteúdo
juridicamente garantido pela Constituição, i.e., aquele que a Constituição
entendeu ser merecedor de garantia.
Pode adiantar-se que não se considera que as organizações não governamentais de
ambiente, enquanto associações, tenham, em razão da liberdade de associação, um
direito a apoio técnico e financeiro. Este, a poder considerar-se um direito,
não é uma dimensão da liberdade de associação, pelo que o conteúdo
constitucionalmente garantido desta liberdade não abrange uma garantia de
obtenção destes apoios.
6.2 Ora, entende-se que a regulação que impõe a inscrição no registo como
condição de acesso da associação a apoio técnico e financeiro deixa intocada a
protecção jurídico-constitucional reconhecida ao direito de associação. Por
outras palavras, não cabe na protecção jurídico-constitucional reconhecida à
liberdade de associação um direito à atribuição de apoio técnico e financeiro à
associação.
Sendo a possibilidade de se candidatar a apoios apenas um aspecto que pode, ou
não, ser concedido à associação, e que não integra a dimensão constitucional da
liberdade de associação, antes sendo instituído para além das facetas
constitucionalmente protegidas desta, não tem de ficar sujeito ao regime
constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
Assim, considerando-se não haver aqui uma intervenção no conteúdo do direito de
associação, não se exige, por este motivo, a intervenção da Assembleia da
República.
Questão na aparência semelhante foi tratada no Acórdão n.º 711/97, invocado pelo
requerente. A solução, todavia, não aproveita neste caso, uma vez que na
situação então em análise o parâmetro constitucional em causa foi a falta de
interesse específico.
6.4 Mesmo para quem considere que da atribuição do apoio técnico e financeiro
dependerá, muitas vezes, a própria subsistência e a actividade das associações
(argumentação do requerente), diga-se que o recorte constitucional da liberdade
de associação não pode ter querido contemplar a atribuição de apoios, ainda que
necessária à subsistência da associação, como elemento merecedor de protecção
constitucional. Nem se argumente que, na falta do apoio, a associação
desaparecerá, o que poderia ser visto como a imposição de uma dissolução
administrativa, gravemente lesiva das garantias das associações. A liberdade de
associação não obriga a Administração a conceder apoios. Tal implicaria encarar
o direito de associação, direito fundamentalmente de defesa, numa dimensão nova
de direito a prestações do Estado por parte das associações (no sentido amplo de
Robert Alexy: Teoria dos Direitos Fundamentais, trad. port. Virgílio Afonso da
Silva, São Paulo, 2008, p. 442, abrangendo todo o direito a uma acção positiva,
ou seja, a uma acção do Estado), pela via da garantia de um feixe de posições
fácticas ou até normativas, protegendo a dependência destas relativamente aos
apoios públicos. A liberdade de associação não convoca uma dimensão pela qual a
associação veria reconhecido o direito a ser mantida pelo Estado, a pretexto do
não condicionamento do associativismo. O «direito à própria existência»,
componente da liberdade de associação, significa que as associações não podem
«ser dissolvidas pelos poderes públicos, nem ter as suas actividades suspensas,
senão nos casos previstos na lei (princípio da tipicidade legal) e mediante
decisão judicial». Sendo «fundamentalmente um direito negativo, um direito de
defesa, sobretudo perante o Estado» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição
da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra 2007, p.
646), não pode entender-se que se garanta um direito à existência da associação
à custa do Estado, ou que, prevendo um regime legal que possa ser-lhe retirado o
apoio, que com isso se viole uma garantia constitucional.
6.4 Também por outras razões se considera que a questão dos apoios regionais a
organizações não governamentais de ambiente não é matéria que tenha de ser
legislada pela Assembleia da República (ou pelo Governo mediante autorização).
Sob pena de, levado ao extremo o entendimento do âmbito da reserva parlamentar,
esta esgotar toda a matéria atinente às associações ambientais, e excluir a
autonomia regional em matéria de atribuição de apoios técnicos e financeiros a
situações que, pela sua natureza, revelam especificidades regionais e foram
contempladas no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma, não pode
entender-se que definir as condições da atribuição de apoios regionais seja
matéria a regular mediante intervenção da Assembleia da República.
Sublinha-se que tem de ser garantido nesta matéria – de associativismo ambiental
- um núcleo de autonomia regional (artigo 225.º da CRP), e que dele fará parte a
definição dos apoios técnicos e financeiros a atribuir pela Administração
Regional às ONGA com ligação ao território regional que promovam bens jurídicos
a este associados. Fazer depender a atribuição de apoios regionais às
organizações não governamentais de ambiente do exercício de poderes pelo
Legislador nacional é uma compressão excessiva da autonomia regional que
desconsideraria os objectivos dessa mesma autonomia.
Nas normas do Decreto agora em apreciação a conexão com a autonomia regional é
evidente: o associativismo ambiental não é um qualquer associativismo, é
expressamente reconhecido pelo Estatuto Político-Administrativo da Região
Autónoma dos Açores, terá especial ligação ao território insular (pelos
requisitos que a lei exige às associações, mas também pela própria relação da
protecção do ambiente com o espaço geográfico), sendo o poder de decisão nesta
matéria uma particular faceta do poder autonómico regional.
7. O direito à participação na definição das políticas regionais de ambiente e
os direitos dos dirigentes e membros com funções de representação
7.1 O Decreto cujas normas se encontram em apreciação fez também depender da
inscrição no registo uma forma especial de exercício do direito à participação
da organização não governamental de ambiente na definição das políticas
regionais de ambiente (artigo 10.º, n.º 1), por ser essa inscrição condição para
a participação da ONGA em órgãos consultivos regionais em matéria ambiental.
Essa participação é concretizada no artigo 41.º, n.º 2, alínea l), do Decreto
n.º 8/2010, que determina que integram a composição do Conselho Regional do
Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CRADS) «um representante de cada uma
das organizações não governamentais de ambiente e equiparadas que estejam
validamente inscritas no registo regional a que se refere o artigo 8.º do
presente diploma». Este Conselho é criado pelo Decreto no artigo 34.º como
«órgão consultivo do departamento da administração regional autónoma competente
em matéria do ambiente, constituído com o objectivo de contribuir para a
garantia do direito de participação pública em matéria de política do ambiente e
de assegurar o diálogo e cooperação com entidades e organizações da sociedade
civil com interesse em matéria ambiental na procura de consensos relativos à
política ambiental», cujas competências são definidas no artigo 35.º
As normas do artigo 41.º não vêm impugnadas, mas não podem deixar de ser
convocadas nesta análise, pois o direito nelas previsto é um dos direitos para
que remete o artigo 10.º, n.º 1, que foi impugnado: «…as organizações não
governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no registo regional gozam dos
direitos estabelecidos no presente diploma, nomeadamente o direito … de
participação na definição das políticas regionais de ambiente».
7.2 Ainda que as ONGA visem «a defesa e valorização do ambiente ou do património
natural e construído, bem como a conservação da Natureza», não pode entender-se
que a participação na definição das políticas – aqui regionais – de ambiente
fique dependente da participação num órgão consultivo. Dito de outro modo, não
se nega que este direito que o Decreto faz decorrer da inscrição no registo
regional – bem como da atribuição de apoios atrás mencionada – tenha, para usar
palavras do requerente, «uma enorme projecção na actividade desenvolvida pela
associação e com reflexos no seu próprio relacionamento com o poder público
(fls. 7)». Mas, embora se compreenda a relevância da participação em órgãos
consultivos mediante a indicação de representantes, não pode considerar-se que
faça parte do âmbito jurídico-constitucional da norma que protege a liberdade de
associação um direito à participação em órgão consultivo. Ou, sequer, à criação
do órgão consultivo. A liberdade de associação não postula, por si, um direito
de toda e de cada associação à representação em órgão consultivo que se possa
inexoravelmente impor à Administração, independentemente de qualquer requisito.
7.3 Razões pelas quais se considera não existir uma intervenção da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma que toque matéria de direitos, liberdades e
garantias quando se faz depender de inscrição no registo regional o direito de
participação na definição das políticas regionais de ambiente concretizado
mediante indicação de representante em órgão consultivo.
7.4 O artigo 10.º, n.º 2, faz depender da inscrição no registo a atribuição aos
dirigentes e membros das ONGA de um conjunto de direitos previstos no artigo 8.º
da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, para os quais remete.
As razões expendidas nos parágrafos anteriores valem também para estes direitos,
por estarem a eles funcionalmente ligados, importando também salientar que o
previsto no Decreto n.º 8/2010 não interfere na definição do regime desses
direitos, a qual resulta da lei geral.
8. Deveres decorrentes da inscrição no registo
O artigo 11.º, n.º 1 e n.º 2 (deixamos para ponto autónomo o seu n.º 3, a tratar
em conjunto com o artigo 14.º relativo às auditorias), define deveres
decorrentes da inscrição no registo, ficando a ONGA obrigada a enviar ao
departamento da administração regional autónoma competente as alterações a
alguns elementos (como o extracto da acta da assembleia-geral relativa à eleição
dos órgãos sociais, identificação dos seus titulares e respectivo termo de
posse; o extracto da acta da assembleia-geral relativa à alteração dos
estatutos; a cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto da
alteração dos estatutos; a alteração do valor da quotização dos seus associados;
ou a alteração da sede), ou a remeter em cada ano os planos de actividades,
relatórios de actividades e relatório de contas aprovados pelos órgãos
estatutários competentes e a declaração do número de associados em 31 de
Dezembro do ano anterior.
Não se vê que destas obrigações instrumentais – cujo cumprimento é necessário
para realização dos procedimentos relativos à inscrição no registo,
designadamente para verificação da obediência aos requisitos que são condição de
inscrição e manutenção do mesmo - possa resultar qualquer ingerência que ponha
em causa, ou que sequer toque, aspectos constitucionalmente protegidos da
liberdade de associação das ONGA.
9. Auditorias
Quando o requerente alega que os artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 são
organicamente inconstitucionais, nesses artigos vão incluídas as normas que
regulam as auditorias, como as constantes do artigo 14.º e do artigo 11.º, n.º
3.
9.1 Relativamente a estas normas, invoca-se que seriam inconstitucionais por
estabelecerem um dever de sujeição da organização não governamental de ambiente
a auditorias determinadas e realizadas pela administração regional (nos termos
do artigo 14.º), pondo em causa a liberdade de associação.
Não é, todavia, assim.
9.2 A auditoria, como vem configurada, é uma actividade instrumental, quando
muito com relevo instrutório, v.g., no procedimento tendente à anulação de um
registo (e neste caso seguindo o previsto no Código de Procedimento
Administrativo sobre diligências instrutórias), e com marcado cariz de
verificação documental.
Em geral, as auditorias podem consistir num conjunto de operações materiais de
recolha e apreciação de documentos, sendo por vezes utilizadas como actividade
instrutória, enquanto actos materiais preparatórios.
Como referem Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (Direito
Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2007, p. 381 e ss.), «por
natureza é inviável delimitar todos os actos materiais da Administração ou,
mesmo proceder à sua tipificação», mas são exemplos típicos «a realização de
inspecções, vistorias ou buscas no âmbito de instrução de procedimentos».
No caso, as auditorias previstas são mero instrumento que «tem por objectivo a
verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo e no quadro do
apoio técnico e financeiro», e a manutenção de algumas condições do registo,
verificando-se, v.g., se «não preenche os requisitos exigidos para a manutenção
da sua inscrição no registo», «não desenvolve actividade qualquer há mais de 12
meses», «não realiza assembleias gerais há mais de 18 meses», «cometeu qualquer
irregularidade na aplicação de apoio concedido pela administração regional
autónoma». As auditorias realizam-se mediante a verificação dos elementos
fornecidos para efeitos de registo e no quadro do apoio técnico e financeiro.
Ora, do mesmo modo que se considerou que a definição de regras para inscrição no
registo, bem como a atribuição de apoios, não integram as dimensões
jurídico-constitucionalmente protegidas da liberdade de associação, também os
mecanismos de aferição da correcção dos elementos submetidos para efeitos de
registo e para acesso a apoio técnico e financeiro, para verificação da execução
das actividades financiadas, ou de outras irregularidades, não contendem com a
liberdade de associação.
Considerar que a protecção constitucional da liberdade de associação exime as
associações, no caso as organizações não governamentais de ambiente, da
possibilidade de qualquer controlo – mesmo que relativo a verificação de
documentos que sustentam pretensões dessa associação, como pedidos (voluntários)
de apoio técnico e financeiro, e que isso poderá constituir uma verdadeira
interferência das autoridades públicas na livre prossecução dos fins da
associação - é manifestamente excessivo. Da auditoria, em si, como vem
configurada, não resulta uma intervenção na liberdade de associação.
10. Concluindo, as normas dos artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 ficam
fora do âmbito jurídico-constitucional de protecção da norma consagrada no
artigo 46.º da CRP. Por essa razão, o Tribunal Constitucional não se pronuncia
pela inconstitucionalidade orgânica das normas em apreciação com fundamento na
violação dos parâmetros constitucionais invocados pelo requerente: artigo 112.º,
n.º 4, artigo 227.º, n.º 1, alínea a), artigo 165.º, n.º 1, alínea b), e artigo
46.º, n.º 2.
11. A integração de direitos resultante da 1.ª parte, do n.º 1, do artigo 10.º
11.1 O artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte, do Decreto n.º 8/2010 - abrangido pelo
pedido de inconstitucionalidade orgânica dirigido ao Tribunal Constitucional –
estabelece que «Para além dos direitos que lhes são conferidos pela Lei n.º
35/98, de 18 de Julho, as organizações não governamentais de ambiente e
equiparadas inscritas no registo regional gozam dos direitos estabelecidos no
presente diploma…».
O Tribunal considera que a norma ínsita nesta 1.ª parte do n.º 1 do artigo 10.º
comporta a interpretação segundo a qual são atribuídas às ONGA inscritas no
registo regional os direitos previstos na Lei n.º 35/98 para as ONGA inscritas
no registo nacional, ou seja que da norma mencionada resulta haverem sido
integrados no conteúdo prescritivo do Decreto n.º 8/2010 os direitos naquela lei
previstos. Dito isto, cumpre ao Tribunal averiguar se desta assimilação resulta
a violação da área de reserva de competência legislativa da Assembleia da
República, por parte do legislador regional.
11.2 O Tribunal considera que os direitos objecto de integração, atendendo à
definição atrás efectuada do âmbito de protecção da norma constitucional que
consagra a liberdade de associação e à natureza desses direitos, não violam o
parâmetro definido pela conjugação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), e pelo
artigo 46.º, n.º 2, da CRP.
11.3 Não obstante não atender aos fundamentos invocados pelo requerente quanto à
inconstitucionalidade da integração a que procede a 1.ª parte do n.º 1 do artigo
10.º, do Decreto n.º 8/2010, ao Tribunal Constitucional é facultada a
possibilidade da emissão de pronúncia de inconstitucionalidade com fundamento na
violação de normas ou princípios constitucionais diversos dos invocados,
conforme resulta do disposto no artigo 51.º, n.º 5, da LTC.
Note-se, antes de mais, que o que pode vir a revelar-se inconstitucional não é a
apropriação dos direitos da Lei n.º 35/98 pelo Decreto n.º 8/2010, em si mesma
considerada. Só o será na medida em que para assimilar estes direitos a
assembleia regional que legislou não seja para tal competente.
A integração a que procede a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto n.º
8/2010 não é meramente replicativa do conteúdo dos direitos estabelecidos na Lei
n.º 35/98, de 18 de Julho, tendo conteúdo inovador.
Por um lado, em virtude da sua aplicação no âmbito regional, na sequência da
inscrição num registo regional (quando os direitos em causa foram previstos como
consequência de um outro registo, o nacional); por outro, por alargar o âmbito
subjectivo da sua aplicação, estendendo a titularidade destes direitos. Isto
porque, havendo o Decreto n.º 8/2010 estabelecido o limite mínimo de 50
associados para admissão à inscrição no registo regional (no caso das
associações com sede nos Açores), e podendo uma associação inscrita no registo
regional, com mais de 50 membros e menos de 100, gozar destes direitos, e
havendo a Lei n.º 35/98 fixado esse número mínimo nos 100 associados, estas
disposições sempre teriam conteúdo inovador, ao permitirem às associações
regionais com menos de 100 membros (e que nunca poderiam inscrever-se no registo
nacional) gozar dos direitos agora incorporados.
Mais ainda, da assimilação destes direitos pelo Decreto n.º 8/2010 resulta uma
disciplina jurídica que ganha vida própria: ao acolher os direitos da Lei n.º
35/98, o Decreto faz seu o actualmente disposto nos artigos da Lei para que
reenvia, que deixam de acompanhar as vicissitudes a que a Lei n.º 35/98 possa
vir a estar sujeita, para dependerem tão somente dos desígnios do legislador
regional.
Sucede que algumas matérias objecto de apropriação pelo Decreto n.º 8/2010 não
estão na disponibilidade da Assembleia Legislativa da Região Autónoma. É, desde
logo, o que acontece quando estão em causa direitos, liberdades e garantias,
caso em que a assimilação realizada pelo Decreto n.º 8/2010 toca matérias da
reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Este será, aliás,
o parâmetro constitucional fundamental.
Importa, assim, analisar quais os direitos previstos na Lei n.º 35/98 que não
podem ser recebidos no Decreto n.º 8/2010 por remissão do seu artigo 10.º, n.º
1, 1.ª parte.
11.4. Desde logo tal ocorre com a integração do artigo 10.º da Lei n.º 35/98,
sobre legitimidade processual. O artigo 10.º regula matéria atinente à acção
popular:
«Artigo 10.º
Legitimidade processual
As ONGA, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, têm
legitimidade para:
a) Propor as acções judiciais necessárias à prevenção, correcção, suspensão e
cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam
ou possam constituir factor de degradação do ambiente;
b) Intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da
responsabilidade civil relativa aos actos e omissões referidos na alínea
anterior;
c) Recorrer contenciosamente dos actos e regulamentos administrativos que violem
as disposições legais que protegem o ambiente;
d) Apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo
penal por crimes contra o ambiente e acompanhar o processo de contra-ordenação,
quando o requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de
exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para
decisão final.»
Mesmo sem se apurar se é reproduzido, no todo ou em parte, o disposto na Lei n.º
83/95, de 31 de Agosto (Lei de participação procedimental e de acção popular), a
verdade é que, por via da apropriação resultante da 1.º parte, do n.º 1, do
artigo 10.º, do Decreto, se toca o âmbito de protecção do direito de acção
popular.
Este está consagrado no artigo 52.º, n.º 3, da CRP, sendo no seu texto
expressamente referida a preservação do ambiente:
«3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos
interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na
lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente
indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções
contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a
preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias
locais.» (bold nosso)
O Decreto cujas normas estão em crise, ao fazer referência, no seu artigo 10.º,
n.º 1, 1.ª parte, aos direitos conferidos pela Lei n.º 35/98, integra no regime
jurídico que disciplina as ONGA a nível regional a atribuição desta especial
legitimidade processual para protecção de interesses difusos. Este direito de
acção popular é um verdadeiro direito de acção judicial compreendido no catálogo
dos direitos, liberdades e garantias.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 498): «a
amplitude da alínea a) do n.º 3 (do artigo 52.º) torna-se patente, na Lei n.º
35/98, de 18 de Julho, ao conferir legitimidade às organizações não
governamentais do ambiente …».
Não se trata, aqui, de um mero aspecto processual instrumental, mas da
apropriação, pela legislação regional, de «uma “declinação” do direito de acção
judicial (artigo 20.º)» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.
693), aqui na versão de acesso à defesa de interesses difusos.
Considerando-se que a reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e
garantias abrange, não apenas as restrições, mas também as intervenções que
concedam (ampliem) o direito, então, a assimilação deste direito na ordem
jurídica regional, através da emissão de um decreto legislativo regional, será
violadora da Constituição, nos seus artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 112.º, n.º
4 e 227.º, n.º 1, alínea a), por força do artigo 52.º da CRP.
Mais ainda, tal assimilação também viola a reserva de competência legislativa da
Assembleia da República (mas a alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP) ao
integrar o disposto na alínea d) do art. 10.º, que concede às ONGA o direito de
«apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo
penal por crimes contra o ambiente…».
11.5 Ao proceder à apropriação dos direitos previstos na Lei n.º 35/98,
determinada pelo artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte, o Decreto n.º 8/2010 passa a
dispor sobre isenções de emolumentos e custas e sobre imposto de selo (artigo
11.º da Lei n.º 35/98), sobre isenções fiscais atribuídas a pessoas colectivas
de utilidade pública, sobre isenções fiscais relativas a IVA (artigo 12.º da Lei
n.º 35/98), e sobre benefícios fiscais resultantes do regime do mecenato (artigo
13.º da Lei n.º 35/98).
Vejamos os preceitos em causa:
Artigo 11.º
Isenção de emolumentos e custas
1 - As ONGA estão isentas do pagamento dos emolumentos notariais devidos pelas
respectivas escrituras de constituição ou de alteração dos estatutos.
2 - As ONGA estão isentas de preparos, custas e imposto do selo devidos pela sua
intervenção nos processos referidos nos artigos 9.º e 10.º
3 - A litigância de má fé rege-se pela lei geral.
Artigo 12.º
Isenções fiscais
1 - As ONGA têm direito às isenções fiscais atribuídas pela lei às pessoas
colectivas de utilidade pública.
2 - Nas transmissões de bens e na prestação de serviços que afectuem as ONGA
beneficiam das isenções de IVA previstas para os organismos sem fins lucrativos.
3 - As ONGA beneficiam das regalias previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º
460/77, de 7 de Novembro.
Artigo 13.º
Mecenato ambiental
Aos donativos em dinheiro ou em série concedidos às ONGA e que se destinem a
financiar projectos de interesse público previamente reconhecido pelo IPAMB será
aplicável, sem acumulação, o regime do mecenato cultural previsto nos Códigos do
IRS e do IRC.
11.6 As custas processuais (objecto do Regulamento das Custas Processuais,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Setembro) abrangem a taxa de
justiça e os encargos e as custas de parte (artigo 3.º).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado que a taxa de justiça
não é um imposto, como resulta, entre outros, dos Acórdãos nºs 8/2000, 115/2002
e 227/2007.
Também os emolumentos notariais, tendencialmente sinalagmáticos, têm vindo a ser
considerados pelo Tribunal como taxas, por se entender que não se quebra o nexo
sinalagmático quando «não se mostra excessiva ou manifestamente desproporcionado
o preço devido ao Estado para pagamento da prestação por banda deste de actos a
que se confere fé pública, praticados por serviços públicos para o efeito
constituídos cuja utilização não compete dissuadir (como poderá suceder com os
serviços judiciais) e que representa um encargo para quem deles retira
vantagens» (Acórdãos n.ºs 115/2002 e 227/2007). Assim, na maioria dos casos, são
apenas taxas.
Estas taxas são cobradas por serviços prestados no âmbito dos registos e
notariado, serviços esses que, no caso da Região Autónoma dos Açores, não se
encontram regionalizados (embora quanto à Região Autónoma da Madeira, o
Decreto-Lei n.º 247/2003, de 8 de Outubro, tenha transferido para a Região as
atribuições e competências que o Ministério da Justiça exerce através do
Instituto dos Registo e Notariado, IP, em matéria de registos e notariado;
também do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 129/2007, de 27 de Abril, que criou o
Instituto dos Registos e Notariado, IP, resulta esta transferência).
Da integração operada pelo artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte, do presente Decreto,
resulta igualmente a isenção de outras taxas para que remete o artigo 12.º, n.º
3, da Lei n.º 35/98 (regalias previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º
460/77, de 7 de Novembro).
Em todos estes casos estamos perante isenção de taxas, taxas essas que foram
criadas como contrapartida da prestação de serviços públicos fornecidos a um
determinado sujeito passivo por entidades não regionais (tribunais, no caso da
taxa de justiça; serviços notariais ou outros), visando cobrir as despesas do
serviço. Poderá um decreto legislativo regional conceder tal isenção-
A reserva de competência legislativa da Assembleia da República, fixada, no caso
das taxas, como no dos impostos, no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), apenas
contempla, no caso daquelas, o regime geral das taxas, ainda não aprovado. Não
obstante a falta de aprovação de um regime geral das taxas, não pode deixar de
entender-se que o exercício do poder tributário, nesse âmbito material, está
balizado pelo que em face do sistema há que considerar-se como integrando o
regime geral. Seguramente que faz parte desse regime geral a regra de
precedência de lei. Tal exigência mostra-se aqui cumprida porque a taxa foi
criada por decreto legislativo regional (ao abrigo do disposto no artigo 227.º,
n.º 1, alínea i)) e é contrapartida da prestação de serviços regionais.
Todavia, como se sublinhou, nos casos em apreço, a taxa que se criara, e que por
decreto legislativo regional se isenta de pagamento, não é uma taxa regional,
cobrada pela prestação de um serviço pela Região, ou que seja devida pela
utilização de um bem do domínio público regional ou pela remoção de um limite
jurídico que coubesse à Região remover. São taxas criadas pelo legislador
nacional como contrapartida de serviços prestados por entidades nacionais
(incluindo os tribunais). A definição destas taxas está, por isso, fora do poder
tributário próprio da Região Autónoma previsto no mencionado artigo 227.º, n.º
1, alínea i), da CRP. Como o estará a sua isenção.
Nestes termos, o artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte, do Decreto n.º 8/2010, ao
proceder à integração do artigo 11.º da Lei n.º 35/98 que estabelece a isenção
de custas e de emolumentos para as ONGA, assim isentando de taxas a prestação de
serviços de âmbito nacional, viola a Constituição por não se conter dentro do
âmbito regional que está obrigado a respeitar, por força do artigo 227.º, n.º 1,
alínea a), e do artigo 112.º, n.º 4, da CRP.
11.7 E quanto às isenções fiscais assimiladas no Decreto n.º 8/2010 por força do
segmento normativo supramencionado-
O princípio da legalidade tributária, a par da imposição da reserva de lei
formal para criação do imposto, determina também que essa criação se faça
mediante intervenção legislativa que fixe, para cada imposto, os seus elementos
essenciais - taxa, incidência, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes
(artigo 103.º, n.º 2, da CRP) – assim se cumprindo o princípio da tipicidade.
Este último aspecto respeita à reserva de lei material, substancial ou
conteudística, como ensina Casalta Nabais (Direito Fiscal, 5.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2009, p. 138) e foi abordado, v.g., no Acórdão n.º 616/2003.
No caso das isenções fiscais - questão aqui em análise -, considerando-se que
com a sua previsão é definida a incidência negativa de um imposto, seu elemento
essencial, entende-se que a sua instituição também está sujeita a reserva de lei
material.
Bastará, por isso, um decreto legislativo regional, para que se tenha por
cumprido o princípio da legalidade tributária-
Fez-se referência ao princípio da legalidade tributária, entre muitos, no
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004:
«O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando
em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103º, n.º 2.
Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a
taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem
duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não
tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo
(princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva
de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto
de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos,
constante actualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra,
consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos
modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e
subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.»
A intervenção das assembleias legislativas regionais, ainda que para exercício
de poder tributário próprio (de âmbito regional), só poderá ter lugar nos termos
da lei, e com o objectivo da criação de impostos regionais ou para adaptação do
sistema fiscal nacional às especificidades regionais (situações previstas no
artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP), o que não é aqui o caso.
Assim, é aqui determinante o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP,
que atribui à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, o poder de
criar impostos e, no caso, de prever as correspondentes isenções fiscais.
Nestes termos, o Decreto n.º 8/2010, ao isentar do pagamento de imposto de selo
(artigo 11.º, n.º 2), e ainda que este constitua receita da Região, de acordo
com a Lei das Finanças Regionais, e ao criar outras isenções fiscais relativas a
outros impostos nacionais (artigo 12.º), está a definir a incidência negativa do
imposto, violando o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
11.8 Pela referência que lhe é feita no artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte, o Decreto
n.º 8/2010 assimila o regime jurídico do Mecenato ambiental previsto no artigo
13.º da Lei n.º 35/98.
Por força destas disposições, este regime passaria a ser aplicável às ONGA
inscritas no registo regional, alargando-se o universo de sujeitos que dele
beneficiariam.
Este regime prevê benefícios fiscais para as entidades que realizem donativos. É
o Estatuto dos Benefícios Fiscais (alterado e republicado pela Lei n.º 108/2008,
de 26 de Junho) que contém as disposições legislativas relativas ao mecenato. O
seu Capítulo X refere-se aos «Benefícios fiscais relativos ao mecenato»,
estabelecendo-se no artigo 61.º:
«Para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em
espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter
pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos
artigos seguintes, cuja actividade consista predominantemente na realização de
iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.»
Vale para os benefícios fiscais boa parte do que se afirmou para as isenções
fiscais.
Por força do princípio da legalidade fiscal, a definição dos benefícios fiscais
está sujeita a reserva material de lei (artigo 103.º, n.º 2, da CRP), visto ser
a lei que cria o imposto, determinando os seus elementos essenciais e, entre
eles, os benefícios fiscais (princípio da tipicidade). Do princípio da
legalidade fiscal resulta também a reserva (formal) de lei que obriga a que
haja, ou uma intervenção de lei parlamentar que fixe toda a disciplina essencial
do imposto (elementos essenciais do artigo 103.º, n.º 2), ou que tal intervenção
parlamentar (formal) funcione como autorização ao Governo (artigo 165.º, n.º 1,
alínea i)). Pelo que, possibilitando a assimilação normativa operada um
alargamento das situações de benefícios fiscais previstas para impostos de
âmbito não regional, é violado o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
11.9 Por força da 1.ª parte do n.º 1, do seu artigo 10.º, o Decreto n.º 8/2010
assimila também o artigo 15.º da Lei n.º 35/98, que dispõe acerca do direito de
antena:
Artigo 15.º
Direito de antena
1 - As ONGA têm direito de antena na rádio e na televisão, nos mesmos termos das
associações profissionais.
2 - O exercício do direito de antena pelas ONGA que resultem do agrupamento de
associações, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, exclui o exercício do mesmo
direito pelas associações agrupadas.
O direito de antena está consagrado no artigo 40.º da CRP, e integra a categoria
dos direitos, liberdades e garantias. É um direito a um espaço gratuito de
emissão na rádio e na televisão, para expressão e difusão ao público de ideias,
e, por isso, essencialmente caracterizado como um direito positivo, a uma
prestação de facere (Bernardo Diniz de Ayala, «O Direito de Antena Eleitoral»,
in Jorge Miranda, Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de
1976, Vol I, Coimbra Editora, 1996, p. 575 e ss.).
É, no essencial, um direito de pessoas colectivas (embora possa ser de
candidatos a eleições). Entre os titulares constitucionais deste direito
encontram-se as organizações sociais de âmbito nacional como v.g., as
associações de defesa do ambiente (como define, v.g, para a Televisão, o artigo
59.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho, para a Rádio, o artigo 52.º,
n.º 1, da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro, e como ensinam Gomes
Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª
Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 603 e ss.).
A Constituição distingue diferentes sujeitos passivos do direito de antena.
São-no, desde logo, as emissoras de rádio e de televisão do serviço público (o
artigo 40.º, n.º 1, da CRP, refere o «serviço público de rádio e de televisão»),
cuja existência e funcionamento é garantido pelo Estado, pela República,
enquanto entidade pública soberana (cfr. o artigo 38.º, n.º 5, da CRP «O Estado
assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de
televisão»; na doutrina, sobre este entendimento, Jorge Miranda, Manual de
Direito Constitucional, Tomo IV, 3.ª Edição, 2000, p. 467 e ss.), embora em
regime de concessão (Lei n.º 8/2007, de 14 de Fevereiro – Reestruturação da
Concessionária de Serviço Público de Rádio e Televisão; artigos 50.º e ss. da
Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho – Lei da Televisão; e artigo 10.º e artigos 45.º
e ss., da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro – Lei da Rádio). São também
sujeitos passivos do direito de antena, quando esteja em causa o direito de
antena eleitoral (regulado no n.º 3 do artigo 40.º, da CRP), todas as estações
emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, públicas ou
privadas (na doutrina, acompanhando a interpretação de que a titularidade se
estende também às emissoras privadas, v.g., Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob.
cit., p. 606).
Poderá o direito de antena ser incorporado, por decreto legislativo regional, no
regime das ONGA inscritas no registo regional-
Sendo este um direito incluído entre os direitos, liberdades e garantias (artigo
40.º da CRP), considera-se interferência no direito fundamental toda a regulação
que defina um regime que possa considerar-se abrangido pelo seu âmbito
normativo, devendo tal interferência resultar de intervenção parlamentar, nos
termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
No caso, ainda que se pudesse discutir se no âmbito constitucionalmente
protegido do direito de antena caberia a sua extensão às associações regionais
(já que o texto do artigo 40.º, n.º 1, da CRP, atribui o direito às organizações
sociais de âmbito nacional), dúvidas não restam de que o alargamento dos
titulares do direito faz com que se toque o âmbito constitucionalmente protegido
do direito de antena pelo lado dos seus titulares passivos que são o serviço
público de rádio e de televisão, que vêem agravado o ónus de garantir o
exercício de tal direito.
Assim sendo, não pode deixar de se considerar como violadora da reserva de
competência legislativa da Assembleia da República a assimilação do artigo 15.º
da Lei n.º 35/98, a que procede o Decreto n.º 8/2010.
A integração na ordem jurídica regional que deste direito faz o Decreto n.º
8/2010 viola o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, o artigo 227.º, n.º 1,
alínea a), da CRP, e o artigo 112.º, n.º 4, da CRP, que estabelecem que a Região
Autónoma só pode legislar quando as matérias não estejam reservadas aos órgãos
de soberania.
No caso, por via da integração do artigo 15.º da Lei n.º 35/98, o Decreto
estende o direito de antena às ONGA registadas no registo regional – que,
relembre-se, podem fazê-lo desde que tenham 50 associados, ao contrário dos 100
exigidos a nível nacional - interferindo com a titularidade do direito
estipulada pela Lei n.º 35/98. Titularidade essa que foi definida, nos termos
constitucionais, para a utilização do espaço de emissão no serviço público – da
República – de rádio e televisão, pelo que as alterações nela introduzidas
sempre deverão ser consideradas opções fundamentais a densificar com intervenção
da Assembleia da República.
Enquanto prestação de facere, a integração tem como resultado a imposição, por
opção legislativa regional, da prestação de um serviço – agora alargado quanto
aos titulares - a fornecer pelo serviço público nacional de rádio e de televisão
(hoje, a concessionária dos serviços públicos de rádio e televisão: a Rádio e
Televisão de Portugal, S.A., nos termos da Lei da Rádio, da Lei da Televisão, e
dos contratos de concessão), e isto mesmo que o serviço seja prestado pelo
Centro Regional dos Açores da Rádio e Televisão de Portugal, S.A. (artigo 2.º
dos Estatutos da Rádio e Televisão de Portugal, S.A., aprovados pela Lei n.º
8/2007, de 14 de Fevereiro).
O Decreto n.º 8/2010 excede, neste ponto, o limite constitucionalmente
estabelecido do respeito pelo âmbito regional das soluções legislativas
adoptadas pelas Regiões Autónomas (artigo 112.º, n.º 4, da CRP, e artigo 227.º
n.º 1, alínea a), da CRP).
Recorde-se, sobre este último ponto, o Acórdão n.º 258/2007, que aflora esta
questão:
«Como se assinalou (supra, 3.1.1.), o primeiro parâmetro da competência
legislativa regional que o requerente considera violado pelas normas
questionadas respeita ao “âmbito regional”, que não se limitaria ao âmbito
territorial, no sentido de que a legislação regional tem o seu campo de
aplicação espacialmente limitado ao território da Região, mas incluiria uma
componente institucional, que impediria “os Parlamentos insulares de emanar
legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas
colectivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das
Regiões Autónomas – como sucede, sem sombra de dúvida, com o próprio Estado e,
bem ainda, com outras pessoas que integram constitucionalmente a Administração
Autónoma territorial e institucional (autarquias locais, associações públicas e
universidades)”.».
E nem se alegue que o direito de antena pode sofrer modelações especiais para
seu exercício nas Regiões Autónomas (modelação feita, aliás, por Lei da
Assembleia da República, para os Açores, através das Leis n.º 26/85 e n.º 29/85;
e para a Madeira, através das Leis nº 27/85, e n.º 28/85, todas de 13 de
Agosto). O âmbito regional constitucionalmente exigido não resulta apenas do
espaço geográfico do exercício do direito, ou da ligação regional dos seus
titulares, mas é também, neste caso, reflexo da qualidade dos seus obrigados
quando esteja em causa um direito a prestações.
Razões suficientes para que o Tribunal Constitucional considere que a
assimilação do artigo 15.º da Lei n.º 35/98 pelo Decreto n.º 8/2010 extravasa os
poderes legislativos da Região Autónoma, ao acarretar uma intervenção que excede
os limites do âmbito regional constitucionalmente exigidos à legislação das
Regiões Autónomas, quando impõe uma prestação de serviço a um concessionário de
serviço público nacional.
12. Tudo considerado, o Tribunal pronuncia-se pela inconstitucionalidade da
norma constante da parte inicial do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto n.º 8/2010,
na medida em que integra os direitos constantes dos artigos 10.º, 11.º, 12.º,
13.º e 15.º da Lei n.º 35/98.
B. Inconstitucionalidade material
O requerente sustentou também que algumas das normas do Decreto n.º 8/2010
seriam materialmente inconstitucionais.
13. A norma do artigo 8.º, n.º 3
13.1 O requerente pede que o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade da
norma constante do n.º 3 do artigo 8º, por desrespeito pelo princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
Invoca, nesse sentido, que de «acordo com o n.º 2 do artigo 8.º, tratando-se de
uma associação com sede na Região Autónoma dos Açores, o número de associados
requerido é apenas de 50, ao passo que, segundo o n.º 3 do mesmo artigo,
tratando-se de uma associação nacional ou internacional, o número de associados
residentes nos Açores – organizados em delegações, núcleos ou outras formas de
representação – salta para o dobro, para os 100 elementos.»
E que «esta diferenciação de tratamento favorece claramente as associações
ambientais de menor dimensão».
13.2 A questão deve ser decidida à luz do princípio da igualdade, consagrado no
artigo 13.º da CRP, aqui especialmente convocado enquanto parâmetro
constitucional na sua dimensão da proibição do arbítrio.
A jurisprudência constitucional já se debruçou várias vezes sobre o desrespeito
pelo princípio da igualdade.
No Acórdão n.º 409/99 escreveu-se:
«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República
Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e
que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o
princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade
legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções.
Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções
discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas
ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da
igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de
proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os
Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in ‘Diário da
República’, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997,
e o último, ainda inédito).»
E no Acórdão n.º 245/2000 salientou-se:
«Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio
vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio
(Willkürverbot)’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão nº 1186/96, publicado
no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de
outra forma, o ‘princípio da igualdade (...) impõe se dê tratamento igual ao que
for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não
proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim,
a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de
fundamento racional’ (verbi gratia, Acórdão nº 1188/96, ob. cit., 2ª Série, de
13 de Fevereiro de 1997).»
Retira-se da jurisprudência, como se concluiu no Acórdão n.º 184/2008, que «o
legislador ordinário detém uma certa margem de liberdade de actuação,
permitindo-lhe a Constituição efectuar diferenciações de tratamento, desde que
estas sejam materialmente e racionalmente fundadas».
O elemento decisivo a ter em conta para aferir da violação do princípio da
igualdade quando se estabelecem distinções é a ratio da norma, pois nesta se
fundará, ou não, a razoabilidade da diferenciação de tratamento. Assim o lembrou
o Acórdão n.º 232/2003:
«Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se
poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger
Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio,
Gerhard Leibholz (cfr. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da
igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria
da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento
jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais
situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do
tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim
a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico
é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”
(cfr. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido-,
sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais
adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de
qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da
igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o
determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico
exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro,
para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão
entre o critério adoptado e a 'ratio' do tratamento jurídico. Assim, se se
pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao
princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar
isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram
menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o
critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável
à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32).»
Explica também a doutrina acerca das dimensões do princípio da igualdade: «O
âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguinte
dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer as diferenciações de
tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor
objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para
situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo
legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em
categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (…); obrigação de
diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que
pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de
natureza social, económica e cultural» (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
ob.cit., pp. 339).
Procurar-se-á verificar se as normas do Decreto que fazem depender a inscrição
no registo do número total de associados – 50, no caso das ONGA com sede nos
Açores - ou do número de associados que residam nos Açores – 100, no caso das
ONGA nacionais e internacionais -, estabelecem uma diferenciação fundada numa
justificação racional e razoável, de acordo com critérios de valor objectivos
constitucionalmente relevantes.
13.3 Atentando no disposto no artigo 8.º, verifica-se que a diferença de
tratamento das associações não é apenas numérica (50 ou 100 associados), mas
toca ainda a própria qualidade que têm de ter os associados na sua relação com a
associação/território (serem pelo menos 50 os associados que integram o corpo
associativo da associação regional; ou serem pelo menos 100 os associados
residentes em território regional quando a associação não tenha sede na Região
Autónoma). Todavia, esta diferenciação encontra razões suficientes e razoáveis
que a sustentam, não sendo arbitrária.
Na verdade, estes requisitos para admissão a registo são impostos a realidades
entre si diferentes - muito embora estejam em causa, em qualquer dos casos,
organizações não governamentais de ambiente – quando tenham, ou não, sede nos
Açores. Pelo que não se torna exigível que se trate de modo igual o que não é
igual.
Estas normas, ao exigirem 50 associados para admitir a registo uma ONGA com sede
na região autónoma, e impondo que as ONGA nacionais ou internacionais tenham,
independentemente do número total de associados, pelo menos 100 a viver em
território regional, parecem definir uma discriminação entre as associações em
função da sua sede. Mas tal está justificado pois o critério adoptado para a
diferenciação tem de servir o fim que se pretende realizar com a diferenciação,
é por ele funcionalizado, o que significa que é preciso existir um fundamento
material bastante que justifique a diferença. É aqui que se estabelecerá a
fronteira entre a diferenciação justificada e o arbítrio: no haver, ou não
haver, uma razão idónea, um fim relevante que materialmente justifique o
critério em que a diferença se funda.
13.4 Apesar de se aceitar a importância global das questões ambientais, não pode
deixar de se considerar que a protecção do ambiente está, naturalmente, muito
ligada ao território e, em particular, no caso dum espaço isolado pela sua
especial geografia, reconhecidamente encarado, em sede constitucional, como
tendo carácter ultraperiférico (artigo 9.º, alínea g), in fine). A defesa e
valorização do ambiente, do património natural e a conservação da natureza nos
Açores interessam, desde logo, aos que no território fazem a sua vida. E daí que
quer as associações com sede nos Açores, quer as que, não tendo aí a sua sede,
provem ter um número razoável de membros residindo no território possam, no
entender do legislador regional, ser inscritas no registo e ter acesso aos
direitos que daí derivam. A ligação ao território, pela sua relevância para a
actuação concreta na área do ambiente, determina a escolha de ONGA com ligação
aos Açores, pela via da sede, ou da efectiva existência de membros residindo nos
Açores.
A ligação especial ao território foi já evidenciada no Acórdão n.º 44/84 (in
AcTC, 3.º Vol., 1984, p. 133 e ss.). Nele o Tribunal considerou que a residência
seria um critério de preferência relevante e aceitável na colocação de clínicos
gerais, por propiciar uma maior inserção do médico na zona onde é chamado a
exercer funções, o que não seria irrelevante para a garantia de uma maior
qualidade do serviço a prestar, por essa razão não se apresentando como
injustificada, arbitrária ou irrazoável em face do princípio da igualdade. Mas
não deixou de se assinalar um aspecto relevante para a justificação a que aqui
se atende: «A residência – relação entre a pessoa e o lugar onde ela centra a
sua vida – não é algo que de uma vez para sempre se defina, não é algo que adira
ao homem como qualidade ou marca dele inseparável».
É precisamente essa ligação territorial, que embora presente em ambos os casos,
radica em pressupostos de facto diferenciados, que pode determinar um critério
para que se estabeleça uma diferenciação nos requisitos para a inscrição no
registo.
Sendo certo que, seja qual for a sede da ONGA, a ligação aos Açores é requisito
para que qualquer uma delas possa inscrever-se no registo, estabeleceu-se uma
diferenciação no número de associados exigidos para justificar essa mesma
ligação geográfica: a ONGA com sede insular deverá ser constituída por pelo
menos 50 associados, não se exigindo número mínimo de membros que residam na
Região Autónoma; quando a sede não seja nos Açores, 100 membros deverão residir
na Região Autónoma.
Desta forma, a ONGA a registar sempre terá associados com ligação à Região
Autónoma. Em qualquer dos casos, a ideia é a de garantir que haja um número
suficiente de envolvidos com ligação ao território.
13.5 Mas a ligação dos associados à ONGA não é a mesma nas duas situações.
Sendo diferente a ligação da associação ao território – tendencialmente
preferencial, nas que têm sede nos Açores, e não exclusiva, nos restantes –
parece razoável que se exija um número de membros diverso, que possa, no caso da
falta da ligação exclusiva (e por isso, possivelmente dispersante) ao território
regional, exigir-se um número agravado de membros que, pela ligação ao
território, colmatem a hipotética menor importância que as questões da região
poderiam ter para uma associação com sede noutro local e com objectivos de
actuação mais alargados geograficamente, assim garantindo o reforço da atenção
da associação nas questões regionais. O próprio vínculo de ligação ao território
insular revela diferenças entre as duas situações: tendencialmente duradouro, no
caso da organização não governamental ter sede (espaço, aliás, onde por natureza
se desenrola a vida da associação) na Região Autónoma, mais volátil, no caso do
domicílio dos associados.
A menor exigência relativamente às organizações não governamentais insulares é,
por um lado, justificada ao permitir ampliar a voz das associações cuja
actividade incide de modo especial na região, fomentando o associativismo
regional. Nos trabalhos preparatórios, na Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores, o Secretário Regional do Ambiente e do Mar, em audição
perante a Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho afirmava «que
o diploma traduz um alargamento e flexibilização do quadro de apoio às
organizações e associações ambientais, que vai beneficiar as ilhas mais
pequenas» (Relatório da Comissão, fls. 7).
Por outro, as associações nacionais e internacionais de defesa do ambiente
desenvolverão, por natureza, acções em diferentes pontos. A sua atenção para com
um território pode depender do número de associados com ele geograficamente
imbricados. No caso das associações com sede nos Açores, a sua especial ligação
ao território insular tenderá a favorecer o empenho destas na defesa e
valorização do ambiente, do património natural e a conservação da natureza nos
Açores. O que à luz da autonomia regional, também expressa nestas escolhas, não
deixará de ser relevante.
Acresce ainda, e no que aos apoios diz respeito, que as associações não
regionais poderão encontrar apoio técnico e financeiro para as suas actividades
junto de outras entidades de âmbito não regional, a desenvolver em qualquer
ponto geográfico da sua intervenção, e também nos Açores. As regionais tenderão
a depender do apoio técnico e financeiro concedido regionalmente. O que também
justificará a diferenciação de tratamento beneficiadora das associações
insulares.
Fazer caber nas potenciais ONGA candidatas a apoios as associações regionais que
tenham pelo menos 50 associados pretende dar-lhes a vantagem de concorrerem com
as de âmbito nacional, estando aquelas, previsivelmente, mais carecidas de
apoios técnico financeiros do que as associações nacionais.
Há, pois, aqui, uma liberdade de conformação que deve ser reconhecida ao
legislador, pois encontra uma justificação razoável. A distinção em causa não se
mostra injustificada, arbitrária ou irrazoável.
Assim, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade das normas
constantes dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º, do Decreto n.º 8/2010.
14. O artigo 9.º, n.º 2, do Decreto n.º 8/2010
14.1 O requerente sustenta também que é materialmente inconstitucional a norma
constante do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto n.º 8/2010, no ponto em que permite
ao membro do governo regional competente em matéria de ambiente solicitar às
associações que requerem o registo, «para correcta apreciação do pedido de
inscrição», «elementos adicionais considerados importantes para a decisão».
Neste sentido, alega-se que a norma em causa, pela sua indeterminação e
discricionariedade, viola o princípio constitucional da reserva de lei e, mais
precisamente, o seu subprincípio da determinabilidade da lei. Ou seja, viola a
máxima jurídica que impõe que o sentido do texto legislativo seja preciso e
inequívoco, de modo a que os seus destinatários possam compreender o respectivo
conteúdo e prever com segurança o resultado da sua aplicação, designadamente se
e em que medida vão ser afectados nas suas posições jurídicas individuais. E
invoca-se, a propósito, a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
285/92, em que se afirmou o seguinte: «o grau de exigência de determinabilidade
e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos destinatários da normação um
conhecimento preciso, exacto e atempado dos critérios legais que a Administração
há-de usar (…)».
14.2 No entanto, na situação versada neste aresto estava em causa directamente a
definição dos critérios materiais legalmente estabelecidos para a identificação
do pessoal dos serviços e organismos que seriam afectados por medidas de
racionalização, que o diploma impugnado pretendia instituir, podendo colocar-se,
com propriedade, a questão da possível violação do princípio da
determinabilidade ou da reserva de lei quando tais critérios legais pudessem ser
considerados de tal modo vagos ou inconcludentes que se tornariam imprestáveis
para definir o regime legalmente aplicável.
Nessa hipótese, poderia entender-se que o legislador renunciou ao exercício da
função legislativa, violando o princípio de precedência de lei, permitindo que
fosse a Administração a fixar na prática, de acordo com uma ampla margem de
apreciação, os elementos integradores do regime legal que deveria servir de base
para a constituição de pessoal excedente.
Contrariamente, porém, o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto n.º 8/2010, ao estipular
que «para correcta apreciação do pedido de inscrição, podem ser solicitados
elementos adicionais considerados importantes para a decisão», limita-se a
consignar um conceito jurídico indeterminado (elementos adicionais importantes),
cujo preenchimento, além do mais, apenas releva para efeitos instrutórios, isto
é, para coligir os elementos de informação necessários para adoptar a decisão
final relativa ao pedido de inscrição. A previsão normativa não gera, em si,
qualquer situação de indeterminabilidade, nem interfere com o enunciado das
condições materiais de que depende a admissão ao registo (as quais estão
definidas no antecedente artigo 8.º), e unicamente confia à Administração a
tarefa da formulação de valorações próprias do exercício da função
administrativa, permitindo que a entidade competente possa obter outros
elementos de que careça para decidir no sentido do deferimento ou indeferimento
do pedido. Além de que se trata, no caso, de um conceito indeterminado de valor,
cujo critério de concretização resulta, por forma directa, da exegese dos textos
legais e que, como tal, é jurisdicionalmente sindicável (neste sentido, os
acórdãos do STA de 14 de Junho de 2007, Processo n.º 140/07, e de 17 de Janeiro
de 2007, Processo n.º 1068/06). Elementos importantes para a decisão, neste
contexto, apenas poderão ser aqueles que relevem para apreciação do pedido,
tendo em conta os requisitos legalmente exigíveis para a inscrição, e que, em
todo o caso, só poderão ser solicitados se os documentos obrigatoriamente juntos
ao requerimento, como prevê o n.º 1 desse artigo 9.º, não forem já
suficientemente elucidativos para adoptar uma posição fundamentada no âmbito do
procedimento.
Estando assim em causa o preenchimento de um conceito indeterminado, envolvendo
o mero exercício administrativo de livre apreciação em matéria de instrução
procedimental, não pode ter-se como verificada a pretendida
inconstitucionalidade por violação do princípio da determinabilidade e reserva
de lei.
Pelo exposto, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade do n.º 2 do
artigo 9.º do Decreto n.º 8/2010.
15. Auditorias e princípio da proibição do excesso
15.1 Relativamente às auditorias, vem alegado que o artigo 11.º, n.º 3, bem como
o artigo 14.º, «com particular incidência na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4»,
padeceriam de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 46.º, n.º
2, e do artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
Já atrás se decidiu relativamente ao primeiro argumento apresentado pelo
requerente, fundamentalmente sustentado na compressão da liberdade de associação
provocada pela sujeição às auditorias, havendo-se decidido que das normas
impugnadas não decorreria uma verdadeira intromissão em matéria de direitos,
liberdades e garantias, podendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma
legislar, impondo auditorias e definindo os seus termos.
Considera-se, neste ponto, o segundo argumento do requerente, segundo o qual o
regime instituído resultaria na violação do princípio da proporcionalidade tal
como consagrado pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, em virtude do regime fixado
para a realização das auditorias, que autoriza a sua realização na sede social
da associação e permite o acesso às fichas dos associados.
15.2 Uma vez decidido que do regime das auditorias globalmente considerado não
resulta uma intervenção em matéria de direitos, liberdades e garantias, há,
ainda, que apurar se o regime instituído pelo Decreto em apreço impõe medidas
desproporcionadas, não por confronto com o parâmetro das leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias (18.º, n.º 2, da CRP, associado ao artigo 46.º,
n.º 2, da CRP) invocado pelo requerente, mas por violação do princípio da
proibição do excesso decorrente do princípio do Estado de direito democrático
(consagrado no artigo 2.º da CRP).
Há, assim, que responder à questão suscitada pelo requerente quanto a saber se
as verificações que são feitas em matéria de auditoria são, ou não, ajustadas do
ponto de vista do princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em
sentido amplo.
Vem questionada, em particular, a parte do artigo 14.º em que se permite que as
auditorias possam ser realizadas no local da sede social – artigo 14.º, n.º 4 -,
assim como a que prevê o acesso às fichas dos associados – o n.º 2, do artigo
14.º
Cumpre decidir se o sacrifício imposto à ONGA com a sujeição a uma auditoria
(previsto no artigo 11.º n.º 3), mesmo se não considerado como um atentando
contra a livre realização dos seus fins associativos (ponto a que já se
respondeu), será excessivo.
15.3 Como se afirmou já, a auditoria prevista no artigo 14.º, e determinada pelo
artigo 11.º, n.º 3, do Decreto n.º 8/2010, é um mecanismo instrumental. Tem por
objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo, assim
como dos elementos necessários ao apoio técnico e financeiro concedido pela
Administração regional às ONGA. Este objectivo do controlo, realizado mediante
auditoria, é um objectivo legítimo, e a auditoria é um meio idóneo, apropriado
para o atingir.
A questão fundamental está em saber se é o meio necessário ou exigível em
relação a este fim, ou seja, o que menos onera a ONGA.
Resulta do n.º 3 do artigo 14.º do Decreto n.º 8/2010, que as auditorias são um
mecanismo, entre outros, para verificação dos elementos relativos ao apoio
técnico e financeiro. O n.º 3 do artigo 14.º refere igualmente outros mecanismos
como a obrigação da apresentação dos relatórios finais de execução, bem como de
apresentação dos comprovativos das despesas suportadas. As próprias auditorias
têm, segundo o estabelecido no diploma, diferenças entre si: são regulares,
visando a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no
quadro do apoio técnico e financeiro, ou extraordinárias, sendo desencadeadas
quando a entidade não apresente, no prazo fixado, os relatórios relativos à
execução de acções financiadas, ou existam forte indícios de que a ONGA não
preenche os requisitos exigidos para a manutenção da sua inscrição no registo;
ou não desenvolve qualquer actividade há mais de 12 meses; ou não realiza
assembleias-gerais há mais de 18 meses; ou cometeu qualquer irregularidade na
aplicação de apoio concedido.
Em suma, o regime previsto no Decreto n.º 8/2010 modela o grau da medida
prevista, moldando-o com diferentes intensidades, de acordo com as finalidades
da fiscalização, permitindo encontrar a justa medida.
15.4 De todo o modo, resulta do pedido que o requerente pretende ver analisado o
respeito das auditorias relativamente ao princípio da proibição do excesso em
dois aspectos particulares que, na sua opinião demonstrariam a excessiva
intensidade do encargo imposto à – insiste – liberdade de associação da ONGA
pela auditoria. Sustenta que a terceira inconstitucionalidade material
«refere-se ainda ao regime das próprias auditorias, previsto no artigo 14.º, com
particular incidência na alínea b) do n.º 2 – que permite o livre acesso das
equipas de auditoria às “fichas dos associados” – e no n.º 4 – na medida em que
determina que as auditorias se realizam na “sede social” das associações
ambientais».
16. As normas do n.º 2, alínea b), e do n.º 4 do artigo 14.º:
16.1 O requerente alegou que «o acesso às “fichas dos associados” – e por
inerência, a todos os dados pessoais que nelas estejam inscritos» … «se não
apresenta como indispensável para o controlo do número de sócios efectivamente
inscritos nas associações ambientais», o que conduziria a uma violação do
princípio da proporcionalidade.
Vejamos se a razão lhe assiste.
16.2 O acesso às fichas, previsto no artigo 14.º n.º 2, alínea b), do Decreto
n.º 8/2010, pode ter lugar durante uma auditoria. As auditorias têm por
objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no
quadro de apoio técnico e financeiro. De entre os elementos requeridos para
efeitos de inscrição no registo conta-se, v.g., a «declaração do número de
associados» e a «declaração do valor das quotas dos associados».
O acesso às fichas parece ser realizado para verificar algum destes elementos.
Acontece, contudo, que prever o acesso às fichas dos associados para esta
finalidade se revela excessivo.
Das fichas dos associados poderão constar as mais variadas informações, ainda
que conexas com a associação e sua actividade. Essas informações constituem
dados pessoais por serem informações respeitantes às pessoas individualizadas em
cada ficha.
A pretexto das auditorias, permite-se que os elementos integrantes de uma
comissão constituída por trabalhadores que exercem funções públicas no
departamento responsável pelo ambiente e/ou peritos externos (artigo 14.º, n.º 4
e n.º 5) possam conhecer informações pessoais não relevantes para o exercício
das suas funções.
16.3 Ora, deve sempre ter-se em mente que é o princípio da finalidade dos
tratamentos de dados que deve guiar (também) o legislador na definição da justa
medida para o acesso a dados pessoais. No caso, para, ao que parece resultar do
texto, determinar o número de associados e valor total de quotas que recebe uma
associação, prevê-se o franquear do acesso a todo um conjunto de informações
pessoais suplementares que não é possível considerar pertinentes para tal
finalidade. O que é revelador de excesso.
Atente-se no Acórdão n.º 632/2008, explanando as operações lógicas implicadas
num juízo de proporcionalidade:
«A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos
três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de
precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu
conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida
que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da
proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da
adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto
meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de
um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de
aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação
típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade,
também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um
exame mais ‘fino’, ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através
dele se avalia a existência – ou inexistência –, na situação da vida, de várias
possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de
forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade
mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão
de que tal não sucedeu – o que é sempre possível, já que pode haver medidas que,
embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou
exigíveis –, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último
teste de proporcionalidade.»
16.4 Ora, em abstracto, a consulta às fichas dos associados pode até parecer
útil à auditoria, e, por isso, adequada às finalidades. Mas numa análise mais
fina, não se vê como possa esta medida - que interfere com a privacidade -,
resistir ao teste da proporcionalidade, quando procuramos apurar se esta seria a
medida menos gravosa para os associados.
Consequentemente, só pode concluir-se pela violação do princípio da proibição do
excesso, por ausência de uma relação equilibrada entre meios e fins.
É a finalidade do acesso aos dados que sempre deverá ter-se como justificação
primeira do acesso às fichas. Assim sendo, e determinando a norma que se aprecia
a possibilidade de acesso às fichas individuais dos associados sem que se
justifique tal intrusão, uma vez que não pode considerar-se que esse acesso seja
a medida menos onerosa para o associado, a consulta das fichas pessoais dos
associados não pode constituir uma solução exigível e caracterizada como a justa
medida para as finalidades apontadas para a auditoria.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se no sentido da
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do
Decreto Legislativo Regional n.º 8/2010, por violação do artigo 2.º da CRP.
17. A norma do n.º 4 do artigo 14.º
17.1 O requerente, ao sustentar que as auditorias implicam restrições à
liberdade de associação por possibilitarem «invadir jurídica e fisicamente a
esfera privada de um sujeito jusfundamental», invoca que a sua realização no
próprio espaço físico da sede social seria, por um lado, um meio agressivo da
liberdade de associação, por outro, que «fica por demonstrar que esses mesmos
fins não poderiam ser igualmente perseguidos com recurso a outros meios menos
agressivos da liberdade de associação».
Mas não é assim.
17.2 Nem se diga que por estar prevista a possível realização da auditoria na
sede social há «questões de constitucionalidade que poderiam ser suscitadas a
respeito (…) do direito das pessoas colectivas à inviolabilidade do seu
domicílio – n.º 2 do artigo 34.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 12.º da
Constituição» como aflora o requerente no seu pedido.
O Tribunal tem já jurisprudência firmada quanto à extensão às pessoas colectivas
da protecção concedida às pessoas físicas no que respeita à tutela da intimidade
privada. Estabeleceu-se no Acórdão n.º 593/2008:
A susceptibilidade, em princípio, de extensão da tutela da privacidade às
pessoas colectivas, não implica, pois, que ela actue, nesse campo, em igual
medida e com a mesma extensão com que se afirma na esfera da titularidade
individual. Dessa tutela estarão excluídas, forçosamente, as dimensões nucleares
da intimidade privada, que pressupõem a personalidade física.
Relativamente à não extensão da protecção concedida constitucionalmente ao
domicílio das pessoas físicas às pessoas colectivas os argumentos apontados pelo
citado Acórdão foram os seguintes:
«A apreciação do eventual desrespeito desta disposição requer, como questão
prévia, a definição rigorosa do objecto da inviolabilidade do domicílio. O que
deve entender-se, para este efeito, por domicílio-
Não é fácil a resposta, até porque o conceito técnico de domicílio, compreendido
como a “residência habitual” (artigo 80.º do Código Civil), é aqui imprestável,
por demasiado restritivo, atentos o sentido e a função da tutela constitucional.
Seguro é apenas que, no âmbito do artigo 34.º da CRP, o conceito vem dotado de
maior amplitude, abarcando, sem margem para dúvidas, qualquer local de
habitação, seja ela principal, secundária, ocasional, em edifício ou em
instalações móveis. Mas já não é consensual a extensão da protecção ao domicílio
profissional (em sentido afirmativo, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição
Portuguesa anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 540; contra, PAULO PINTO DE
ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, 478-479).
Mas, quando se extravasa da esfera domiciliária das pessoas físicas, entrando no
campo de actividade das pessoas colectivas, afigura-se que saímos também para
fora do âmbito normativo de protecção da norma constitucional, pois decai a sua
razão de ser.
Como expressam os primeiros Autores a que fizemos referência (ob. cit., 541):
«Já quanto às pessoas colectivas, a protecção que é devida às respectivas
instalações (designadamente quanto à respectiva sede) contra devassas externas
não decorre directamente da protecção do domicílio, de cuja justificação não
compartilha, como se viu acima, mas sim do âmbito de protecção do direito de
propriedade e de outros direitos que possam ser afectados, como a liberdade de
empresa, no caso das empresas (…).»
Essa conclusão decorre do substrato e das conexões valorativas do direito à
inviolabilidade do domicílio, «ainda um direito à liberdade da pessoa pois está
relacionado, tal como o direito à inviolabilidade de correspondência, com o
direito à inviolabilidade pessoal, (esfera privada espacial, previsto no art.
26.º), considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa (…)».
O bem protegido com a inviolabilidade do domicílio e o étimo de valor que lhe
vai associado têm a ver com a subtracção aos olhares e ao acesso dos outros da
esfera espacial onde se desenrola a vivência doméstica e familiar da pessoa,
onde ela, no recato de um espaço vedado a estranhos, pode exprimir livremente o
seu mais autêntico modo de ser e de agir.
Dando conta desta identificação do domínio protegido com a esfera da intimidade
do ente humano, afirmou-se no Acórdão n.º 67/97:
«Parece incontroverso que o conceito constitucional de domicílio deve ser
dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da
pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar – como
tal conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º da CR – assim acautelando
um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem consentimento do próprio
titular do direito.»
Não se ignora que, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da CRP, as pessoas
colectivas podem ser titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis
com a sua natureza. E não custa reconhecer que o direito à privacidade não é
incompatível, em absoluto, com a natureza própria das pessoas colectivas, pelo
que a titularidade desse direito não lhes pode, a priori, e em todas dimensões,
ser negada.
Mas, como acentua JORGE MIRANDA, reportando-se, em geral, à titularidade
“colectiva” de direitos fundamentais, “daí não se segue que a sua aplicabilidade
nesse domínio se vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude
com que decorre relativamente às pessoas singulares” (JORGE MIRANDA/RUI
MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, I, Coimbra, 2005, 113). É esta uma
orientação firme, tanto da doutrina (cfr., também, GOMES CANOTILHO/VITAL
MOREIRA, ob. cit., 331, e VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2007, 126-127), como da
jurisprudência (cfr. os Acórdãos n.ºs 198/85 e 24/98).».
No caso vertente, esta jurisprudência é útil para que se possa compreender que,
estabelecendo a norma em análise que a auditoria terá lugar na sede social, tal
não significa que o legislador regional esteja a emitir norma em matéria de
direito à inviolabilidade de domicílio - direito incluído nos direitos,
liberdades e garantias, previsto no artigo 34.º da CRP, como lateralmente
invocava o requerente – o que, a verificar-se reforçaria, no entender deste, a
sua qualificação como meio agressivo para a liberdade de associação.
O que, sendo assim, só fortalece os argumentos aduzidos no sentido da não
inconstitucionalidade das normas do artigo 11.º, n.º 3, do artigo 14.º, e em
especial, do seu n.º 4, por violação da liberdade de associação.
17.3 Por outro lado, o segundo argumento apresentado pelo requerente seria o de
que a realização da auditoria na sede social violaria o princípio da
proporcionalidade.
Nos Acórdãos n.ºs 632/2008, 187/2001, e 634/93, foram sintetizados, seguindo a
doutrina, os subprincípios do princípio da proibição do excesso ou da
proporcionalidade em sentido amplo:
«o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio
da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da
exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os
fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos
para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou
proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas,
desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)».
No caso, a realização da fiscalização na sede social serve, sem dúvida, as
finalidades da auditoria, designadamente de consulta de documentos. O que não se
vê é que do texto da norma resulte que qualquer pedido ou consulta de documento
tenha de realizar-se por deslocação de uma equipa auditora à sede social, e que
fique impossibilitada, v.g., a simples remessa aos serviços dos documentos em
falta destinados à demonstração do preenchimento dos requisitos, como determinam
os números 1 e 2 do artigo 11.º. O que, aliás, sempre resultaria, v.g, das
regras gerais instrutórias previstas no Código do Procedimento Administrativo.
Assim, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade da norma contida
no n.º 4 do artigo 14.º, do Decreto n.º 8/2010.
18. As normas constantes dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12.º, e do n.º 1 do artigo
13.º, do Decreto n.º 8/2010
18.1 Por último, vem invocada a inconstitucionalidade material referente às
normas dos números 3, 4 e 5 do artigo 12.º e do n.º 1 do artigo 13.º, enquanto
permitem a suspensão e a anulação da inscrição no registo das associações por
simples decisão do membro do Governo Regional competente na área do ambiente,
sem que tais disposições procedam a uma tipificação, ou sequer a uma enunciação
exemplificativa, dos motivos que podem dar azo a uma decisão administrativa
desse tipo.
Pretende o requerente que, sendo a inscrição no registo uma condição
indispensável para que as associações ambientais possam ser titulares de um
significativo acervo de direitos, a previsão legal de um poder administrativo de
suspensão ou de cessação da inscrição e, consequentemente, desse mesmo estatuto
favorável, se traduz numa verdadeira restrição de direitos, liberdades e
garantias, sujeita portanto ao disposto nos números 2 e 3 do artigo 18.º da CRP,
que, como tal, teria de se conformar com as exigências da Lei Fundamental,
mormente quanto à necessidade de uma credencial constitucional expressa e ao
princípio da proporcionalidade.
18.2 O que as referidas disposições propugnam é a possibilidade de suspensão ou
anulação do registo a requerimento da entidade interessada ou por decisão
fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente, ou
ainda a suspensão desse registo por incumprimento do dever de envio da
documentação que a associação está legalmente obrigada a apresentar.
Embora o requerente invoque a violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a questão
de constitucionalidade que está em causa, face aos termos em que o pedido se
encontra formulado, é ainda a relativa ao princípio da precisão ou
determinabilidade das leis, associado ao princípio de reserva de lei, visto que
o que essencialmente se sindica é a possibilidade de suspensão ou anulação do
registo, com o consequente condicionamento da actividade da associação, mediante
o exercício de um mero poder discricionário e, por isso, sem qualquer prévia
vinculação a requisitos pré-definidos.
O argumento é, no entanto, improcedente.
Fora o caso em que a suspensão ou anulação do registo é decidida a requerimento
da entidade interessada, qualquer desses efeitos jurídicos apenas podem ser
determinados por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente,
e na sequência de uma auditoria. A alusão a uma decisão fundamentada significa
que se trata de uma decisão vinculada quanto aos fundamentos, não podendo o
inciso deixar de ser correlacionado, numa interpretação sistemática, com as
pertinentes disposições que regulam os requisitos da inscrição no registo, bem
como os respectivos aspectos procedimentais, e que resultam dos precedentes
artigos 8.º e 9.º. A norma apenas poderá ser entendida, por conseguinte, como
atribuindo um poder de suspensão ou anulação quando se verifique, por alteração
de circunstâncias ou facto superveniente, qualquer situação de incumprimento ou
inobservância das condições de que depende, nos termos legalmente estipulados, a
admissão ao registo. E envolve, nestes termos, um poder administrativo
vinculado.
Não se coloca, por isso, qualquer questão de violação de precedência de lei,
pelo que não é possível dar como verificado o mencionado vício de
inconstitucionalidade.
Razão pela qual o Tribunal não se pronuncia no sentido da inconstitucionalidade
material das normas constantes dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 12.º, e do n.º 1 do
artigo 13.º, do Decreto n.º 8/2010.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
1. Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante da parte inicial
do n.º 1 do artigo 10.º, do Decreto n.º 8/2010, na medida em que integra:
a) o artigo 10.º da Lei n.º 35/98, por violação das disposições conjugadas dos
artigos 165.º, n.º 1, alíneas b) e c), 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e
52.º, n.º 3, todos da CRP;
b) o artigo 11.º da Lei n.º 35/98, por violação das disposições conjugadas dos
artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da CRP;
c) os artigos 11.º, n.º 2, quando dispõe acerca do imposto de selo, 12.º e 13.º,
todos da Lei n.º 35/98, por violação das disposições conjugadas dos artigos
165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, e 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
d) o artigo 15.º, da Lei n.º 35/98, por violação das disposições conjugadas dos
artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 40.º, da CRP.
2. Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo
14.º, n.º 2,
alínea b), do Decreto n.º 8/2010, por violação do artigo 2.º da CRP.
3. Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas que
vêm impugnadas.
Lisboa, 26 de Março de 2010
Catarina Sarmento e Castro, com declaração
Benjamim Rodrigues (com declaração)
Joaquim de Sousa Ribeiro
Ana Maria Guerra Martins (com declaração que anexo).
Carlos Fernandes Cadilha (pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade
orgânica do segmento inicial do n. 1 do art. 10.º do Decreto, pelas razões
expendidas pelo Conselheiro Cura Mariano na sua declaração, e ainda pela
inconstitucionalidade material da norma do art. 14, n. 4, por violação do
princípio da proporcionalidade, por considerar que a realização de auditorias na
sede social da associação não é necessária à verificação dos elementos de que
depende a inscrição no registo)
Maria João Antunes (vencida nos termos da declaração junta)
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido nos termos da declaração que junto.
João Cura Mariano (vencido, em parte, nos termos da declaração que junto)
Vítor Gomes (vencido, em parte, conforme declaração que junto)
José Borges Soeiro (vencido, no que se refere ao decidido sob a alínea d) do n.º
1, pelas razões constantes da declaração de voto que junto).
Gil Galvão (vencido quanto ao ponto 2 da decisão, conforme declaração anexa)
Maria Lúcia Amaral (vencida quanto ao ponto 2 da decisão, conforme declaração
anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Embora relatora, e tendo votado favoravelmente a pronúncia de
inconstitucionalidade material da norma constante do n.º 2, alínea b), do artigo
14.º do Decreto n.º 8/2010, relativa ao acesso às fichas dos associados, por
violação do princípio da proibição do excesso, entendi que esta norma seria,
antes de mais, organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º
1, alínea b), da CRP, por respeitar a matérias atinentes a direitos, liberdades
e garantias, no que fiquei vencida.
Em minha opinião, por na norma se prever a consulta das fichas dos associados
que, por natureza, conterão dados pessoais, são nela regulados aspectos que
dizem respeito à protecção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais,
prevista no artigo 35.º da CRP. E isto quer as informações pessoais se encontrem
em formato electrónico, ou em formato de papel, como resulta expressamente do
n.º 7 do mesmo artigo.
Aliás, o juízo de proporcionalidade que no Acórdão se faz sobre o acesso às
fichas pressupõe, pelo menos, que se tenha em conta a finalidade do tratamento
de dados, a que se deve respeito em virtude do disposto no n.º 1 do art. 35.º da
CRP.
Catarina Sarmento e Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Com a declaração de sérias dúvidas relativamente à inconstitucionalidade
orgânica conectada com a incorporação pelo n.º 1 do artigo 10.º do Decreto n.º
8/2010, aqui em causa, do artigo 15.º da Lei n.º 35/98 (direito de antena),
porquanto, desde que entendida essa incorporação cingida ao âmbito regional, se
admite como possível a ampliação dos direitos de prestação para além da
densificação prestadora que conste do texto constitucional.
Nesta senda, desde que exista um serviço regional de rádio e
televisão, parece-nos que não estará o legislador regional, como legislador
ordinário, impedido de atribuir o direito de antena para além da extensão
definida no artigo 40.º da CRP, no âmbito regional, através de decreto
legislativo regional.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão de inconstitucionalidade do artigo 14º, nº 2, alínea b), do
Decreto nº 8/2010, embora por razões diferentes das que vingaram no Plenário
deste Tribunal. Em meu entender, a verificação das fichas dos associados nas
auditorias – ainda que não estejam informatizadas – por conterem dados pessoais,
encontram-se abrangidas pelo âmbito de protecção das normas do artigo 35º, nºs 1
e 7, da CRP. Ou seja, tratando-se de matéria respeitante aos direitos,
liberdades e garantias, está vedado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma
dos Açores legislar sobre ela, na medida em que a mesma se encontra reservada à
Assembleia da República, nos termos dos artigos 165º, nº 1, alínea b), e 227º,
nº 1, alínea a), da CRP.
Assim sendo, considero que o artigo 14º, nº 2, alínea b), do Decreto nº 8/2010 é
organicamente inconstitucional, pelo que não chegaria sequer a apreciar a
questão da inconstitucionalidade material do preceito em apreço. Porém, tendo
sido apreciada, acompanhei a decisão do Plenário.
Ana Maria Guerra Martins
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo
10º do Decreto em apreciação, na parte em que integra o disposto no artigo 15º
da Lei nº 35/98, de 18 de Julho – direito de antena. Entendo que o artigo 40º da
Constituição não é convocável relativamente a organizações não governamentais de
ambiente com registo regional e que o artigo 227º, nº 1, alínea a), da
Constituição, enquanto atribui às regiões autónomas poderes para “legislar no
âmbito regional”, não é violado. Do Decreto nº 8/2010 nada resulta no sentido de
o serviço público de rádio e de televisão ser prestado pelo serviço público
nacional.
2. Não acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade da norma do artigo 14º, nº
2, alínea b), daquele Decreto, pelas razões constantes da declaração de voto do
Senhor Conselheiro Gil Galvão.
Maria João Antunes
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. O Requerente sustentou o seu pedido de pronúncia pela inconstitucionalidade
das normas dos artigos 8.º a 14.º na violação conjugada do n.º 4 do artigo
112.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo
227.º da Constituição, normas que, assim, enfermariam de inconstitucionalidade
orgânica.
Ora, diferentemente do caminho percorrido maioritariamente pelo Tribunal,
divirjo globalmente desse juízo.
Assim: dando por verificado o requisito positivo que habilita a Região a
legislar nesta área, deve aceitar-se que lhe cabe dispor sobre o apoio que
pretende conferir a organizações não governamentais de ambiente que exercem a
sua actividade na Região, de resto, em moldes semelhantes e de forma plenamente
compatível com a legislação nacional. Em consequência, a determinação do
critério de selecção das associações a apoiar e da concretização dos benefícios
a conceder, situa-se claramente dentro da competência legislativa regional.
A questão agudiza-se, no entanto, quanto ao conjunto de direitos e deveres
atribuídos a essas associações que a Região não pode – por lhe faltar, para
tanto, competência legislativa primária – mobilizar. A verdade, no entanto, é
que o diploma regional mais não faz do que incluir tais entidades no tipo de
pessoas colectivas que a legislação nacional – Lei n.º 35/98 de 18 de Julho –
beneficia com esse conjunto de direitos e deveres.
Pode, por isso, entender-se que o diploma regional reenvia para a legislação
nacional a determinação concreta desse 'estatuto', não pretendendo exercer aqui
verdadeiramente uma competência legislativa, conformadora dos deveres e direitos
que pretende atribuir a tais entidades.
Questão diversa – que o pedido, todavia, não inclui – consistirá em determinar o
âmbito preceptivo dessa norma regional, designadamente quanto aos direitos que
podem ser exercidos fora da Região.
Em todo o caso, bem pode concluir-se que as normas em causa, não interferindo na
liberdade de associação, se inserem no poder legislativo da Região, e não violam
o n.º 4 do artigo 112.º alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e 227.º n.º 1 alínea
a) da Constituição.
2. Votei o acórdão quanto à não inconstitucionalidade material das normas
impugnadas a este título.
Divirjo, no entanto, da pronúncia de inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 14.º n.º 2 alínea b) do Decreto em análise, por violação do artigo 2.º da
Constituição, que o Tribunal adoptou.
Com efeito, o acesso às fichas dos associados, previsto na referida norma do
artigo 14.º n.º 2 alínea b) é, por excelência, o meio de verificação de
elementos fornecidos pela associação para efeitos de registo, designadamente
quanto ao número de associados e montante das respectivas quotas. Ora, essas
'fichas' não são documentos pessoais dos sócios, tratando-se de documentos da
associação, abertos à consulta de autoridade pública, que apenas contêm os
elementos que os próprios associados entendem poder divulgar. Além disso, a
actuação da entidade regional encarregada da auditoria fica submetida à
disciplina da actividade administrativa, designadamente quanto às restrições que
oneram o acesso administrativo a dados pessoais dos administrados.
Entendo, por isso, que a norma constante do artigo 14.º n.º 2 alínea b) do
Decreto Legislativo Regional n.º 8/2010 não viola o artigo 2.º da Constituição.
3. Em conclusão, votei no sentido de o Tribunal não declarar a
inconstitucionalidade de qualquer uma das normas impugnadas.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei parcialmente vencido por não ter concordado com o julgamento de
constitucionalidade das seguintes normas constantes do Decreto n.º 8/2010:
- artigo 10.º, n.º 1, 1.ª parte.
- artigo 10.º, n.º 2, quando remete para o disposto nos n.º 2 e 3, do artigo
8.º, da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho.
- artigo 14.º, n.º 4, na parte em que determina o local de realização das
auditorias.
Discordei ainda da fundamentação apresentada para a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 2, b), do referido Decreto.
a) No n.º 1, do artigo 10.º, enunciam-se de uma forma genérica os direitos que
são concedidos às ONGA inscritas no registo regional instituído por este
diploma.
E na 1.ª parte deste número diz-se que, além dos direitos cujo conteúdo se
encontra previsto no próprio decreto, essas associações ambientais também
gozarão dos direitos consagrados na Lei n.º 35/98, de 18 de Julho.
Ora, os direitos ao reconhecimento como pessoas colectivas de utilidade pública
(artigo 4.º), de acesso à informação administrativa no domínio ambiental (artigo
5.º), de participação na definição de políticas ambientais (artigo 6.º), de
representação como parceiros sociais (artigo 7.º), de participação procedimental
(artigo 9.º), de legitimidade processual (artigo 10.º), de isenção de
emolumentos, custas e impostos (artigo 11.º e 12.º), de aplicação do regime do
mecenato cultural aos donativos em dinheiro ou em série (artigo 13.º), de
obtenção de apoio técnico e financeiro (artigos 14.º) e de antena (artigo 15.º),
previstos na Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, têm um âmbito nacional, sendo
atribuídos apenas às ONGA inscritas no registo nacional instituído por este
diploma.
Se nada impede que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores crie
um registo regional de ONGA, com requisitos de acesso diversos dos estabelecidos
para o registo nacional, e atribua direitos às associações inscritas no registo
regional, esses direitos só poderão ter um âmbito regional, uma vez que as
regiões só podem legislar com esse alcance, conforme impõe o artigo 227.º, n.º
1, a), da C.R.P. E foi com esse âmbito limitado que o Decreto definiu o conteúdo
dos direitos ao apoio técnico e financeiro por parte da administração regional
autónoma (artigos 15.º e seg.) e o de participação na definição das políticas
regionais do ambiente (artigo 41.º, l)). Já quanto aos restantes direitos
previstos na Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, o Decreto em causa limitou-se a
efectuar uma remissão genérica para eles, visando, desse modo, transpô-los para
a ordem jurídica regional, sem limitar os seus efeitos à região.
Esta transposição de direitos de âmbito nacional para a ordem jurídica regional
não pode ser efectuada desta forma, exigindo um trabalho legislativo de
adaptação, de modo a limitar o alcance desses direitos à região, o qual não pode
ser feito pelo intérprete.
Não tendo sido efectuada pelo legislador regional essa tarefa, os direitos para
cuja consagração em lei nacional se remeteu são transpostos com esse âmbito para
a legislação regional, mas atribuídos a diferentes sujeitos, o que excede
manifestamente a competência legislativa da região.
Com estes pressupostos, que tenho como seguros, declararia a
inconstitucionalidade orgânica do segmento normativo constante da 1.ª parte, do
n.º 1, do artigo 10.º, do Decreto n.º 8/2010, abrangendo toda a remissão
genérica para os direitos conferidos pela Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, por
violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, a), da C.R.P.
b) No n.º 2, do artigo 10.º, do Decreto sob fiscalização, atribui-se aos
dirigentes e aos membros das ONGA designados para exercer funções de
representação no âmbito do funcionamento de órgãos consultivos dependentes da
administração regional autónoma os direitos consagrados no artigo 8.º, da Lei
n.º 35/98, de 18 de Julho.
Esses direitos são os seguintes:
- os trabalhadores por conta de outrem têm direito a usufruir de um horário de
trabalho flexível, em termos a acordar com a entidade patronal, sempre que a
natureza da respectiva actividade laboral o permita (artigo 8.º, n.º 2);
- os períodos de faltas dados por motivo de comparência em reuniões dos órgãos
em que os dirigentes exerçam representação ou com membros de órgãos de soberania
são considerados justificados, para todos os efeitos legais, até ao máximo
acumulado de 10 dias de trabalho por ano e não implicam a perda das remunerações
e regalias devidas (artigo 8.º, n.º 3).
- os estudantes gozam das prerrogativas dos dirigentes estudantis previstas no
Decreto-Lei n.º 152/91, de 23 de Abril, designadamente quanto a faltas e regime
de exames (artigo 8.º, n.º 4).
Os dois primeiros direitos reportam-se à organização do trabalho por conta de
outrem, nomeadamente ao horário de trabalho e regime de faltas.
Estamos em matéria dos direitos dos trabalhadores garantidos pelo artigo 59.º,
n.º 1, da C.R.P., designadamente nas suas alíneas b) e d).
Apesar da atribuição dos referidos direitos não ter as suas razões nos
interesses que avultam na área das relações laborais, mas sim nos interesses que
prevalecem no domínio ambiental, eles projectam-se naquelas relações jurídicas,
sendo por isso direitos dos trabalhadores que simultaneamente são representantes
das ONGA nos órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma
em matéria de ambiente, o que não lhes faz perder o seu conteúdo exclusivamente
laboral.
Por esse motivo a consagração de tais direitos constitui uma intervenção no
domínio dos direitos dos trabalhadores, garantidos no artigo 59.º, n.º 1, da
C.R.P., cujo regime constitucional é o dos direitos, liberdades e garantias
(artigo 17.º, n.º 2, da C.R.P.), pelo que tal intervenção encontra-se reservada
à Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, b), da C.R.P., não
podendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores produzir normas
sobre essa matéria.
Nestes termos teria declarado a inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 10.º, n.º 2, do Decreto n.º 8/2010, na parte em que remete para os n.º 2
e 3, do artigo 8.º, da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, por violação do disposto
nos artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, a), e 165.º, n.º 1, b), da C.R.P.
c) No n.º 4, do artigo 14.º, do Decreto sob fiscalização, consagrou-se que as
auditorias às ONGA “realizam-se na respectiva sede social”.
A redacção deste preceito ao não referir tal prática como uma mera possibilidade
permite a interpretação de que as auditorias se realizarão obrigatoriamente na
sede social das ONGA.
Ora, consistindo os trabalhos deste tipo de auditoria, sobretudo na consulta de
documentação, é perfeitamente possível que os mesmos se realizem com uma menor
intromissão na vida da associação, nomeadamente mediante a simples apresentação
desses documentos, pelo que a exigência de que a auditoria decorra
obrigatoriamente na sede das ONGA vai, escusadamente, além daquilo que é
necessário para se obter o resultado pretendido, pelo que se mostra violado o
princípio constitucional da proporcionalidade, como emanação do Estado de
direito democrático.
Nestes termos teria declarado a inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 14.º, n.º 4, do Decreto n.º 8/2010, na parte em que prevê que os
trabalhos de auditoria decorram na sede social das ONGA, por violação do
princípio da proporcionalidade inerente à ideia do Estado de direito
democrático, imposto pelo artigo 2.º, da C.R.P.
d) Na alínea b), do n.º 2, do artigo 14.º, do Decreto sob análise, permite-se
que as auditorias de fiscalização das ONGA, inscritas no registo regional,
possam ter acesso às fichas dos associados, para verificação dos elementos
fornecidos para efeitos de registo ou no quadro de apoio técnico e financeiro.
No artigo 35.º, da C.R.P., consagra-se a protecção dos cidadãos perante o
tratamento de dados pessoais.
Um desses instrumentos jurídicos de garantia é a proibição contida no n.º 4, do
artigo 35.º, da C.R.P., que, como regra, veda o acesso aos dados pessoais de
terceiros, de forma a impedir a sua devassa.
Note-se, contudo, que esta proibição não impede o acesso apenas aos dados
íntimos duma pessoa, mas a todos os dados a ela relativos, mesmo que em nada
afectem a sua privacidade. O que se pretende preservar é a informação individual
de uma pessoa, independentemente desta respeitar ou não à sua intimidade,
prevenindo-se um potencial risco de violação de direitos fundamentais do
cidadão, nomeadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada (vide,
neste sentido HELENA MONIZ, em “Notas sobre a protecção de dados pessoais
perante a informática”, na R.P.C.C., Ano 7, n.º 2, pág. 250-251).
Protege-se o chamado direito à autodeterminação informacional, o qual tem um
círculo de aplicação, apenas parcialmente coincidente com o círculo de aplicação
do direito à reserva da intimidade da vida privada, e que funciona como direito
de garantia deste.
O legislador ordinário, utilizando a liberdade de conformação legislativa
concedida no n.º 2, do artigo 35.º, da C.R.P., veio a definir o conceito de
dados pessoais (inicialmente na Lei n.º 10/91, de 29 de Abril), e fá-lo,
actualmente, através da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, (a L.P.D.P.), em
declarada transposição da Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 24 de Outubro de 1995.
De acordo com o referido diploma legal, entende-se por dados pessoais “qualquer
informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte,
incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou
identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que
possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência
a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua
identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social” (artigo
3.º, a), da L.P.D.P.).
A L.P.D.P. “aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou
parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados
de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados” (artigo
4.º/1).
Assim, as fichas dos associados das ONGA contêm necessariamente dados pessoais,
nos termos do artigo 3.º, a), da L.P.D.P., e portanto sujeitos às regras
estabelecidas no artigo 35.º, da C.R.P.
Estando nós perante um direito reconhecido constitucionalmente em sede de
direitos, liberdades e garantias, qualquer previsão legal que, excepcionalmente,
admita um acesso a dados pessoais por terceiros, é matéria reservada à
Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, b), da C.R.P.), pelo que não pode
a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores emitir uma norma como
aquela que consta da referida alínea.
Assim, independentemente da inconstitucionalidade material que poderia afectar
esse regime de excepção à proibição do acesso por terceiros a dados pessoais e
que foi declarada pelo tribunal, teria declarado a inconstitucionalidade
orgânica desta norma, por falta de competência da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores para emitir uma norma como a que consta da alínea b),
do n.º 2, do artigo 14.º, do Decreto n.º 8/2010, por violação do disposto nos
artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, a), e 165.º, n.º 1, b), da C.R.P.
João Cura Mariano
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à pronúncia pela inconstitucionalidade da norma
contida na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto em apreciação (acesso às
fichas dos associados). O acesso da auditoria às fichas de associados é um meio
adequado à verificação dos elementos (designadamente, o número mínimo e a
residência) relevantes para efeitos de registo e reconhecimento ou atribuição
dos direitos que disso dependem. Não se vislumbra que das fichas de associado de
uma ONGA, em condições de normalidade de organização administrativa interna,
possam constar dados sensíveis relativos à actividade da associação ou à vida
privada dos seus membros.
Se outros dados a ONGA fizer constar das fichas respectivas, além
daqueles que correspondem aos elementos de identificação e localização, será a
esse modo de organização, pela qual é responsável, e não à prescrição contida na
norma em causa que deve imputar-se a devassa que o acórdão considera comportar
risco desnecessário para a privacidade dos associados. Tanto mais que a ONGA
sabe, pela própria definição legal do objectivo da auditoria, que se trata de
elementos sobre que poderá incidir a fiscalização da Administração Regional em
decorrência da relação especial que com esta voluntariamente estabelece.
Não acompanho, portanto, o juízo de violação do princípio da
proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito, a que o acórdão
chegou.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Dissenti do decidido no ponto 20 do Acórdão que fez vencimento (fls. 76 e segs),
porquanto o parâmetro invocado – artigo 40º da Constituição da República
Portuguesa, nomeadamente o seu nº 1 – releva a seguinte redacção:
“Artigo 40º
Direitos de antena, de resposta e de réplica política
1. Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais e
representativas das actividades económicas, bem como outras organizações sociais
de âmbito nacional, têm direito, de acordo com a sua relevância e
representatividade e segundo critérios objectivos a definir por lei, a tempos de
antena no serviço público de rádio e de televisão.
2. Os partidos políticos representados na Assembleia da República, e que não
façam parte do Governo, têm direito, nos termos da lei, a tempos de antena no
serviço público de rádio e televisão, a ratear de acordo com a sua
representatividade, bem como o direito de resposta ou de réplica política às
declarações políticas do Governo, de duração e relevo iguais aos dos tempos de
antena e das declarações do Governo, de iguais direitos gozando, no âmbito da
respectiva região, os partidos representados nas assembleias legislativas
regionais.
3. Nos períodos eleitorais os concorrentes têm direito a tempos de antena,
regulares e equitativos, nas estações emissoras de rádio e de televisão de
âmbito nacional e regional, nos termos da lei.”
Verifica-se, assim, que o nº 1 do citado artigo 40º, inequivocamente aponta para
a concessão do direito de antena a organizações sociais de âmbito nacional.
Na situação presente, sucede que a associação que está em causa tem tão só uma
esfera de incidência regional, isto é, encontra-se circunscrita à Região
Autónoma dos Açores.
Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa
Anotada”, I, pag. 443, são nítidas as diferenças entre os três números (do
artigo 40º): “No nº 1 trata-se de direito de antena em geral; no nº 2 de direito
de antena inerente à Oposição; no nº 3 de direito de antena em especial em razão
das eleições e por força do paralelismo entre as duas situações (artigo 10º nº
2), necessariamente em razão dos referendos nacionais e regionais.”
Sendo certo que a Constituição da República não define tempo de antena, tendo,
no entanto, presente a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in
“Constituição da República Portuguesa Anotada”, I, 2007, pag. 603, constata-se
que possui séria relevância saber se a liberdade de conformação legislativa não
estará sujeita aos princípios da efectividade e da optimização desse direito, o
que justificará o reconhecimento do exercício do direito de antena em horas
comunicativamente úteis (“horas de grande audiência”). E acrescentam “além
disso, os mesmos princípios sugerem a emissão de tempos de antena no serviço de
programas de cobertura nacional” (o sublinhado é nosso).
Assim sendo, por se encontrar ausente do preceito – artigo 15º da Lei nº 35/98 –
uma dimensão nacional à respectiva organização social (de protecção do
ambiente), cingindo-se o mencionado direito de antena tão somente á realidade
regional, afigura-se-me, salvo melhor opinião, que este preceito não afronta o
parâmetro constitucional, pelo que votaria pela sua constitucionalidade, já que
não estamos perante matéria reservada dos órgãos de soberania, mas sim da
competência legislativa da Região Autónoma dos Açores.
J. Borges Soeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto ao ponto 2 da decisão por entender, no essencial, que a
consulta das fichas dos associados, para fins de “verificação dos elementos
fornecidos para efeitos de registo ou no quadro do apoio técnico e financeiro”,
é perfeitamente legítima, não podendo ser posta em causa pela presença de
elementos, porventura excessivos (mas que o Tribunal desconhece), delas
constantes. A isto acresce, aliás, que é absolutamente irrelevante que o
legítimo controlo visado pela consulta seja efectuado pelo acesso às fichas dos
associados ou pelo exame de uma listagem contendo os seus nomes e moradas.
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto ao ponto 2 da decisão: não votei a pronúncia de
inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do
Decreto.
O Tribunal fundou a sua pronúncia apenas na violação do princípio da proibição
do excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP. No entanto, de duas uma: ou se
entenderia que seria excessiva a medida legislativa por implicar ela uma
restrição desproporcionada em certo direito de liberdade, como seja o direito à
reserva de intimidade da vida privada ou o direito à protecção de dados
pessoais, ou se entenderia que seria excessiva a medida por impor à
administração, de forma inelutável, um comportamento concreto também ele
excessivo, e, portanto, inconstitucional nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da
CRP. Apenas neste segundo caso poderia o juízo de inconstitucionalidade viver
por si só. No primeiro caso, haveria inevitavelmente, também, juízo de
inconstitucionalidade orgânica, visto se estar, então, em pleno domínio de
reserva de competência dos órgãos de soberania [artigo 165.º, n.º 1, alínea b);
artigo 267.º, n.º 1, alínea a)], não podendo a Região legislar sobre a matéria.
Não escolheu o Tribunal nem um nem outro caminho, optando por fundar o seu
juízo, exclusivamente, na violação do princípio da proporcionalidade.
É certo que a proporcionalidade é um modo devido de actuação do Estado em todas
as suas funções, e, dentro da função legislativa, em outras circunstâncias que
não apenas as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Dito isto,
no entanto, só será desproporcionada a acção estadual que for intrusiva, não a
sendo, à partida, os actos que o legislador adoptar no âmbito da sua liberdade
de conformação. Não vejo, na verdade, como pode julgar-se desproporcionada uma
acção do legislador que não seja limitada por parâmetros constitucionais outros
que não o próprio princípio da proporcionalidade. Qual a limitação que no caso
ocorreria, se se entendeu, como se entendeu, que o acesso às fichas não
implicaria por si só nenhuma restrição de um direito, liberdade e garantia- A
única possibilidade seria, como referi, a de considerar que o legislador havia,
aqui, disposto de tal modo que obrigaria a administração a comportamentos
concretos inelutavelmente desproporcionados, e, portanto, eles próprios lesivos
(por determinação da lei) do princípio contido no artigo 266.º, n.º 2, da CRP.
Não vi que se pudesse demonstrar que tal sucederia – pelos mesmos motivos,
aliás, que impossibilitavam a obtenção de uma certeza quanto à violação de
direitos de defesa.
Por isso, não votei, quanto a este ponto, a pronúncia de inconstitucionalidade.
Maria Lúcia Amaral
[1] Miranda, Jorge, Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I,
Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p.469.
[2] Idem.
[3] Miranda, Jorge, Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I,
Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p.469.
[4] Idem.
[5] Ibidem.
[6] Gomes Canotilho, J.J., Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3ª Ed. Revista, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p.649.
[7] Ob. Cit., Tomo II, p. 496.