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Processo n.º 8/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe movera
B., SA – Sucursal em Portugal, a qual foi liminarmente indeferida, nos termos do
artigo 817º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, com fundamento em
intempestividade, por se ter considerado que o prazo para a dedução da oposição
não se havia interrompido por virtude de a oponente não ter cumprido o ónus, que
resultava do disposto no artigo 24º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
de juntar aos autos o documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio
judiciário.
Da decisão da Relação, que confirmou o julgado, a oponente recorreu para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, pretendendo que o Tribunal Constitucional se pronuncie
sobre a inconstitucionalidade no n.° 4 do artigo 24° da Lei n.° 34/2004 de 29 de
Julho, na interpretação segundo a qual a ausência de qualquer comunicação da
consequência jurídica do não cumprimento da obrigação prevista nessa norma viola
os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, do acesso ao
direito na vertente de informação e consulta jurídica, previstos nos artigos 13°
e 20° CRP.
Pela decisão sumária de fls. 103 não se tomou conhecimento do objecto do
recurso, pelos seguintes fundamentos:
“Do requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade
resulta que se pretende a apreciação de uma interpretação reportada ao n.º 4 do
artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e que, embora deficientemente
explicitada, assenta na ausência de qualquer comunicação da consequência
jurídica do não cumprimento da obrigação prevista nessa norma.
Assim sendo, a questão que a recorrente coloca ao Tribunal Constitucional é
diversa da que este Tribunal apreciou nos Acórdãos n.º s 4/98, 285/05 e 57/06
(todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), pois que aqui estava em
causa a interpretação (reportada ao anterior artigo 25º, n.º 4, da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro) segundo a qual compete ao interessado, requerente
do apoio judiciário para nomeação de patrono, a junção aos autos do documento
comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário para efeitos da
interrupção do prazo em curso. Não sendo a mesma a questão, não é possível
remeter para tal jurisprudência, conforme permitido pelo artigo 78º-A, n.º 1, da
Lei do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, a interpretação que a recorrente censura também não foi sequer
aplicada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, no acórdão recorrido não se refere que faltou a comunicação, à ora
recorrente, da consequência jurídica do não cumprimento da obrigação prevista no
n.º 4 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho: e, faltando tal
referência no acórdão, não é possível sustentar que o tribunal recorrido tenha
perfilhado qualquer interpretação desta norma baseada precisamente na ausência
daquela comunicação.
Não tendo o tribunal recorrido aplicado a interpretação que a recorrente censura
– porque não é possível demonstrar que este tribunal tenha partido do
pressuposto em que assenta tal interpretação (e que é a ausência de qualquer
comunicação da consequência jurídica do não cumprimento da obrigação prevista no
n.º 4 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) -, conclui-se que não
está verificado um dos requisitos de admissibilidade do presente recurso, a que
alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a
aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma ou interpretação normativa cuja
conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie -,
pelo que não é possível conhecer do seu objecto”.
Vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos
(fls. 115 e seguintes):
“1-1- A decisão sumária identifica o objecto do recurso apresentado: “pretende a
apreciação de uma interpretação reportada ao n.° 4 do artigo 24 do Lei 34/2004
de 29 de Julho, e que, embora deficientemente explicitada, assente na ausência
de qualquer comunicação da consequência jurídica do não cumprimento da obrigação
prevista nessa norma” (ausência de uma disposição legal desse sentido —
comunicação da consequência jurídica)
2- bem como transcreve parte das alegações da recorrente, ao pedir a nomeação do
patrono, não o tem ainda, pelo que se encontra desprotegida ao nível de
- aconselhamento jurídico, não dispondo dos conhecimentos jurídicos
indispensáveis
- para compreender a consequência jurídica da não cumprimento do disposto do n°
4 do artigo 24º da Lei 34/2004
3 - Resulta dos documentos junto aos autos que a aqui Recorrente solicitou apoio
judiciário,
4 - tendo o mesmo sido deferido na modalidade de nomeação de patrono e dispensa
do pagamento das custas judiciais.
5- e que como tal, antes da notificação do patrono nomeado, não tinha os
conhecimentos jurídicos para compreender a consequência jurídica da não
cumprimento do disposto do n.° 4 do artigo 24º da Lei 34/2004.
6- sendo que não existe na lei qualquer obrigação por parte dos Tribunais ou do
Instituto da Segurança Social de efectuar tal comunicação.
Contudo,
7- Refere a decisão sumária que o acórdão recorrido não refere que faltou a
comunicação, e faltando tal referência, não é possível sustentar que o tribunal
recorrido tenha perfilhado qualquer interpretação desta norma baseada
precisamente na ausência daquela comunicação.
8 - Ora, a aqui recorrente não pode concordar com tal conclusão,
9 - Isto porque o acórdão recorrido nada menciona sobre a ausência da
comunicação da consequência jurídica daquele ónus, porque a mesma não está
estabelecida em qualquer diploma,
10- e como não está estabelecida, ela não existe, não sendo um dos pressupostos
para aplicação dessa norma, e como tal o tribunal não se pode pronunciar sobre
esse facto.
11- Ora é exactamente nesse ponto, ausência de uma norma que obrigue a
comunicação da consequência jurídica desse ónus, que foi apresentado o presente
recurso.
12- Por outro lado, não pode este tribunal considerar que cabia a recorrente
fazer prova da ausência da verificação de uma obrigação que não existe.
13- Posto isto, entende a recorrente que a interpretação dado ao artigo em causa
foi a de que o mesmo é de aplicar, independentemente de qualquer outro
requisito, pressuposto.
14- O acórdão em análise refere o seguinte a agravante pretende que tal norma,
sem que seja dada qualquer comunicação formal das consequências legais do não
cumprimento desse ónus, viola os princípios constitucionais.”
15- Concluindo mais à frente, concordando com a fundamentação expressa em tal
acórdão, é também nossa convicção que a protecção constitucionalmente garantia
pelo artigo 20º CPR não é afectada pela norma contida no artigo 24º, n.° 4, da
Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho”.
O recorrido não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O artigo 24º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 28 de Agosto, estabelece que “quando
o apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente
pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a
junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com
que é promovido o procedimento administrativo”.
Em aplicação desta norma, e considerando que o interessado não juntou aos autos
documento comprovativo de que tinha requerido o apoio judiciário na modalidade
de nomeação de patrono, o juiz de primeira instância considerou não interrompido
o prazo para deduzir oposição à execução e julgou intempestiva a oposição por a
respectiva peça processual ter sido apresentada fora do prazo cominado.
Em recurso para o Tribunal da Relação, a oponente suscitou a questão da
inconstitucionalidade da norma do artigo 24º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, por
violação do princípio da proporcionalidade e do direito ao acesso aos tribunais,
quando interpretada no sentido de que incumbe ao requerente do apoio judiciário
o ónus de juntar ao processo judicial o documento comprovativo da apresentação
do pedido, sem que seja informado da consequência negativa que resulta do
incumprimento desse ónus (a não interrupção do prazo processual que estiver em
curso).
A Relação entendeu não se verificar a pretendida inconstitucionalidade,
remetendo para o entendimento sufragado no acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 98/2004, de 11 de Fevereiro, no qual se salientou o seguinte:
“Note-se, aliás, - o que não é despiciendo – que, no modelo de impresso
aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido [de apoio judiciário],
consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou
conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde
decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem
sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação”.
Resulta assim do exposto que a Relação, contrariamente ao que vem afirmado pela
ora reclamante, para formular um juízo de não constitucionalidade, partiu do
pressuposto de que o requerente do pedido de apoio judiciário foi cabalmente
informado da necessidade de apresentar cópia do requerimento no tribunal onde se
encontrava pendente
E não pode extrair-se tal conclusão porque, nesse texto, se remete para a
orientação do Tribunal Constitucional expressa a acção em que pretendia
intervir.
O tribunal recorrido não aplicou, por conseguinte, a interpretação normativa que
a recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional.
Nada justifica, pois, a alteração do julgado.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 25 de Março de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão