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Processo n.º 418/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A ? Relatório
1 ? Por despacho de 22.12.04 do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras
Públicas, publicado no DR ? II Série, nº 17, de 25.01.05, foi declarada a
utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de
terreno necessárias à execução da obra de concessão da SCUT do Grande Porto ?
VRI ? Sublanço Nó do Aeroporto/IP4 ? Nó do Aeroporto, entre elas se incluindo as
seguintes parcelas de terreno:
- Parcela de terreno, designada por 13.1, com a área de 5.778 m2, que confronta,
do Norte, com caminho, do Sul, com A., do Nascente, com A. e, do Poente, com A.;
- Parcela de terreno, designada por 13.2, com a área de 1.953 m2, que confronta,
do Norte, com caminho, do Sul, com A., do Nascente, com A. e, do Poente, com A.;
ambas a destacar de um prédio de maiores dimensões situado na freguesia de Santa
Cruz do Bispo, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial sob o artigo
332 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00766/200303.
2 ? Na sequência dessa declaração, foram as identificadas parcelas objecto de
vistoria ad perpetuam rei memoriam, após o que a entidade beneficiária da
expropriação (Estradas de Portugal, EPE) entrou na respectiva posse
administrativa.
Não tendo sido possível o acordo, procedeu-se à arbitragem, finda a qual foi
proferido acórdão que fixou a indemnização a pagar aos proprietários das
parcelas expropriadas, A. e B., no valor de ? 236.319,00.
3 ? Remetidos os autos a juízo, foi proferido despacho a adjudicar a propriedade
das mesmas à entidade beneficiária da expropriação.
4 ? Notificados desse despacho, tanto a entidade expropriante como os
expropriados impugnaram o acórdão arbitral.
5 ? Entretanto, foram habilitados a intervir nos autos os sucessores de B.,
falecido na pendência destes autos.
6 ? Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio a ser proferida sentença em 14-7-2008
que, julgando improcedente o recurso interposto pelos expropriados e
parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante, fixou a
indemnização total devida pela expropriação das mencionadas parcelas, no valor
de ? 147.480,03 (com a legal actualização).
7 ? Inconformadas, apelaram ambas as partes, visando a revogação da sentença,
tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão em 23-3-2009 que julgou
improcedente os recursos, confirmando a sentença recorrida.
8 ? A expropriada A. interpôs recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, 'a
fim deste Tribunal se pronunciar sobre a inconstitucionalidade das alíneas b) e
c) do nº 2 do art. 25º, e art. 26º nº 1, 6, 7 e 12 do Código das Expropriações (Lei
168/99), suscitada na sua alegação de recurso, por violação dos princípios da
igualdade (art. 13º CRP), justiça, proporcionalidade (art. 266º nº 2 CRP) e da
justa indemnização (art. 62º nº 2 da CRP)?.
9 ? Notificada para explicitar qual o critério normativo aplicado pela decisão
recorrida cuja constitucionalidade pretendia ver verificada, a recorrente
apresentou requerimento com o seguinte conteúdo:
?I. A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie pela
inconstitucionalidade das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 25.º e n.º 12 do art.
26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99 de 18 de Setembro, no
entendimento que lhes foi dado pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do
Porto por este ter interpretado as mesmas no sentido de considerar o solo
expropriado como apto para outros fins interpretação com a qual discorda, porque:
A expropriada entende que, para ser conforme com a Constituição, isto é,
conforme com os princípios da igualdade (dimensão interna e externa) ? art.13.º
CRP ?, proporcionalidade ? art. 266.º 2 CRP ?, justiça e justa indemnização ?
art. 62.º 2 CRP:
a) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas,
nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás,
existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de
um e dois pisos, em lotes de moradias geminadas, implantadas nas frentes dos
arruamentos que as servem, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos
como ?zona urbana e urbanizável?, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e/ou REN,
a alínea b) n.º 2 do art. 25.º do Código das Expropriações deve ser interpretada
no sentido de classificar um solo com tais características como apto para
construção e assim ser avaliado.
b) Um prédio como o expropriado, que dispõe das infra-estruturas apontadas,
inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como ?zona urbana ou
urbanizável? (art. 4.º do PDM, DR, 266, II série, 17.11.92), ou seja, destinada
a adquirir as características ínsitas na alínea a) (aliás, a mesma só não dispõe
de saneamento), pese embora estar parcialmente inserido na RAN e/ou REN, a
alínea c) do n.º 2 do art.25.º do CE deve ser interpretada no sentido
classificar um prédio com aqueles condicionalismos como apto para construção e
desse modo ser avaliado.
c) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas,
nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás,
existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de
um e dois pisos, implantadas na frente dos arruamentos que as servem, inserido
em zona reservada pelo Plano Rodoviário Nacional 2000 ? que prevalece sobre o
PDM (DL 222/98, 17.07, Lista III) ?, para a infra-estrutura que determinou a
declaração de utilidade pública, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e/ou REM,
o n.º 12 do art. 26.º do CE deve ser interpretado no sentido de se avaliar um
solo como tais condicionalismos ? legais e factuais ? em função do valor médio
das construções existentes ou que é possível edificar num perímetro de 300 m
exterior à parcela.
Face ao enquadramento legal e factual que vem provado, é entendimento da
recorrente que a alínea b) e c) do n.º 2 do art. 25.º e o n.º 12 do art. 26.º do
CE são aplicáveis à parcela expropriada e assim devem ser interpretadas, sob
pena serem julgadas inconstitucionais.
II.
a) Estas questões foram, por si, suscitadas na sua alegação de recurso: ponto E)
páginas 11 e 12 e conclusões 14 e 15 (págs. 14 e 15).
b) E decididas nos acórdão e sentença recorridos (para a qual aquele
parcialmente remete) em sentido diverso do supra exposto, interpretando o art.
26.º n.º 12 do CE e 25.º n.º 2 do CE de modo diverso do ora expandido, ou seja,
classificando o solo como apto para outros fins, e não como solo apto para
construção, apesar de dispor das infra-estruturas descritas ? acesso rodoviário
em betuminoso, água, luz, telefone e gás; se situar em zona urbana ou
urbanizável definida pelo PDM (art. 4.º do regulamento) e se destinar a adquirir
as características constantes da alínea a) n.º 2 do art.25.º; existirem
construções num perímetro de 300 m, e estar destinada pelo plano rodoviário
nacional para a instalação de infra-estrutura que determinou a expropriação (via
de acesso ao IC24/nó do aeroporto) ? considerando o acórdão irrelevante este
aspecto ? uma vez que o solo é RAN e/ou REN.?
10 ? Posteriormente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
?1. A expropriação obriga ao pagamento de justa indemnização, corolário dos
princípios jurídicos fundamentais que regulam o ordenamento jurídico, maxime o
da igualdade (que impõe critérios uniformes de fixação da indemnização e de
igual tratamento entre expropriados e não expropriados) e o da proporcionalidade
(ao não permitir indemnizações irrisórias ou excessivas).
2. O princípio da igualdade obriga a que o legislador não fixe critérios de
indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos da
expropriação. Assim,
2. A indemnização é justa quando compense o expropriado do valor substancial que
lhe foi subtraído e corresponda normativamente ao valor de mercado do bem, ou
seja, um valor não especulativo mas que por vezes se afasta do valor venal, por
estar sujeito a correcções ditadas por razões de justiça.
3. Nada impede, pelo contrário se impõe, que determinados bens imóveis
classificados como solo RAN sejam considerados ?aptos para construção? nos
termos das als. b) e c) do n.º 2 do art. 25º e n.º 12 do art. 26.º do CE (directamente,
por interpretação extensiva ou por analogia). É o caso das parcelas expropriadas,
na medida em que:
4. Dispõem de acesso rodoviário pavimentado, rede pública de energia eléctrica,
de água, gás e telefone, ficam junto a um aglomerado urbano (lotes de moradias),
têm óptima localização e estão muito próximas da cidade do Porto;
5. Integram-se em zona urbana ou urbanizável, como tal classificada pelo PDM de
Matosinhos;
6. Estão reservadas para infra-estrutura viária ? VRI/ nó de acesso ao aeroporto
? previsto no Plano Rodoviário 2000, o qual mais não é do que um plano sectorial
de ordenamento do território que se sobrepõe ao PDM de Matosinhos;
7. A sua aquisição é anterior à entrada em vigor do PDM e existem construções
num perímetro de 300 m exterior às parcelas; de resto,
8. Estas circunstâncias (legais e factuais) são, objectivamente, atendíveis e
devem ser levadas em consideração na valorização das parcelas, na exacta medida
em que implicam ou podem implicar expectativas de valorização das mesmas, pelo
que se impõe a sua consideração na avaliação do sacrifício imposto ao
expropriado por, para além das razões já supra apontas, terem especial relevo na
formação preço da propriedade imobiliária. Face ao exposto,
9. A expropriada entende que, para ser conforme com a Constituição, as alíneas b)
e c) do n.º 2 do art. 25.º do CE devem ser interpretadas no sentido de
classificar como ?solo apto para construção? um prédio com as características (indicadas
nos pontos 4.ª e 5.ª das conclusões) do da expropriada.
10. Mais entende que, para ser conforme com a referida Lei, ao prédio e/ou
parcelas expropriadas deve ser aplicado o disposto no n.º 12 do art. 26.º do CE,
por face aos condicionalismos das mesmas (referidos nas conclusões 4.ª a 7.ª)
11. Entendimento ou interpretação diversa, conduz à inconstitucionalidade dos
referidos comandos por violação dos princípios da igualdade perante os encargos
públicos, proporcionalidade, justiça e justa indemnização
12. Nestes termos e por violação, entre outros, das normas e princípios acima
apontados, designadamente dos art. 13.º, 62.º 2, 266.º 2 da CRP, arts. 23.º 1,
25.º 2 b) e c) e 26.º n.º 12 do Código das Expropriações (Lei 168/99), art. 4.º
do PDM de Matosinhos (DR, II série, 17.11.92), do DL 222/98, 17.07, (Lista III),
deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser declarada a
inconstitucionalidade:
a) das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 25.º, do CE, quando interpretadas no
sentido de não considerar como solo ?apto para construção? as parcelas
expropriadas;
b) do n.º 12 do art. 26.º do CE, quando interpretado no sentido de excluir do
seu âmbito de aplicação as parcelas expropriadas?.
Não foram apresentadas contra-alegações.
11 ? Após a apresentação das alegações os recorrentes foram ouvidos sobre a
questão do eventual não conhecimento do recurso de constitucionalidade.
12 ? Tendo ocorrido mudança de relator, por vencimento do primitivo relator,
cumpre elaborar acórdão em função da linha de fundamentação em que se abonou a
maioria.
B ? Fundamentação
13 ? O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º, da LTC, que admite em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade,
os recursos interpostos de decisão que aplique, como ratio decidendi, norma cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo e que tenha constituído o
fundamento normativo da decisão recorrida.
Decompondo essas exigências, cumpre referir, em primeiro lugar, que o objecto da
fiscalização jurisdicional de constitucionalidade são, pois, apenas normas
jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual)
?inconstitucionalidade da decisão judicial?, como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal ? cf. nesse sentido o
Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não
podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa
medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do
recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões
judiciais podem constituir objecto de tal recurso ? cf., nestes exactos termos,
o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97,
702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/
?, e isto porque a nossa Constituição não configurou o recurso de
constitucionalidade como um recurso de amparo ? ou de «queixa constitucional» (Verfassungsbeschwerde,
staatsrechtliche Beschwerde) ? no âmbito do qual fosse possível sindicar
qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de
conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda.
Daí decorre que a ?violação dos preceitos constitucionais?, imputada
directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos
legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de
constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal,
porque uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão
considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais,
outra, bem diferente, é imputar à norma esse vício, identificando e isolando o
critério jurídico que aquela aplicação projecta, como momento normativo, numa
dada factualidade.
14 ? Ora examinando a pretensão de apreciação da questão de constitucionalidade,
tal como ela foi delineada pela recorrente no requerimento de aperfeiçoamento do
requerimento de interposição do recurso, constata-se que esta não coloca ao
tribunal qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou seja, uma
questão de validade constitucional de uma concreta norma/critério normativo/dimensão
normativa, de cuja aplicação tenha derivado a solução da causa.
Ao invés, o que a recorrente verdadeiramente questiona é, quer a correcção do
juízo de fixação dos elementos de facto relevantes para se operar a qualificação
das parcelas expropriadas, para efeitos de cômputo da indemnização devida, como
terreno apto para a construção ou como terreno apto para outros fins, quer a
bondade do resultado a que aportou o juízo de subsunção dessa
circunstancionalidade fáctica.
Na verdade, a recorrente define a norma cuja constitucionalidade pretendem ver
apreciada não em torno de um critério abstracto existente no sistema jurídico
que tenha sido aplicado ao seu caso e determinado a solução contestada, mas sim
por apelo a elementos de facto que, na sua óptica, existirão na situação,
conquanto o tribunal assim não o haja entendido ou ponderado, e que
determinariam uma qualificação dos terrenos, para efeitos indemnizatórios,
diversa daquela a que aportou o acórdão recorrido.
Tal posição está bem expressa nas seguintes asserções:
?a) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas,
nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás,
existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de
um e dois pisos, em lotes de moradias geminadas, implantadas nas frentes dos
arruamentos que as servem, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos
como ?zona urbana e urbanizável?, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e/ou REN,
a alínea b) n.º 2 do art. 25.º do Código das Expropriações deve ser interpretada
no sentido de classificar um solo com tais características como apto para
construção e assim ser avaliado.
b) Um prédio como o expropriado, que dispõe das infra-estruturas apontadas,
inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como ?zona urbana ou
urbanizável? (art. 4.º do PDM, DR, 266, II série, 17.11.92), ou seja, destinada
a adquirir as características ínsitas na alínea a) (aliás, a mesma só não dispõe
de saneamento), pese embora estar parcialmente inserido na RAN e/ou REN, a
alínea c) do n.º 2 do art.25.º do CE deve ser interpretada no sentido
classificar um prédio com aqueles condicionalismos como apto para construção e
desse modo ser avaliado.
c) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas,
nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás,
existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de
um e dois pisos, implantadas na frente dos arruamentos que as servem, inserido
em zona reservada pelo Plano Rodoviário Nacional 2000 ? que prevalece sobre o
PDM (DL 222/98, 17.07, Lista III) ?, para a infra-estrutura que determinou a
declaração de utilidade pública, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e/ou REM,
o n.º 12 do art. 26.º do CE deve ser interpretado no sentido de se avaliar um
solo como tais condicionalismos ? legais e factuais ? em função do valor médio
das construções existentes ou que é possível edificar num perímetro de 300 m
exterior à parcela?.
E no mesmo sentido no remate do mesmo requerimento:
?E decididas nos acórdão e sentença recorridos (para a qual aquele parcialmente
remete) em sentido diverso do supra exposto, interpretando o art. 26.º n.º 12 do
CE e 25.º n.º 2 do CE de modo diverso do ora expandido, ou seja, classificando o
solo como apto para outros fins, e não como solo apto para construção, apesar de
dispor das infra-estruturas descritas ? acesso rodoviário em betuminoso, água,
luz, telefone e gás; se situar em zona urbana ou urbanizável definida pelo PDM (art.
4.º do regulamento) e se destinar a adquirir as características constantes da
alínea a) n.º 2 do art.25.º; existirem construções num perímetro de 300 m, e
estar destinada pelo plano rodoviário nacional para a instalação de infra-estrutura
que determinou a expropriação (via de acesso ao IC24/nó do aeroporto) ?
considerando o acórdão irrelevante este aspecto ? uma vez que o solo é RAN e/ou
REN.?
Temos, portanto, que a recorrente controverte a constitucionalidade da decisão
em si própria.
Assim sendo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.
C ? Decisão
15? Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do recurso de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 12 UCs.
Lisboa, 12.01.2010
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano (vencido conforme
declaração que junto)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender que a Recorrente, apesar de no requerimento de
resposta ao convite para explicitar a interpretação normativa cuja constitucionalidade
pretendia ver apreciada, ter revelado a sua discordância relativamente à
qualificação feita pela decisão recorrida das parcelas expropriadas, como solo
apto para outros fins, não deixou de enunciar, em conclusão (ponto II b)) um
critério geral e abstracto, susceptível de ser aplicado noutros processos, e que
foi parcialmente sustentado na decisão recorrida, por remissão para os termos da
sentença da 1.ª instância.
Na verdade da leitura do referido ponto II b), das conclusões do requerimento de
interposição de recurso corrigido resulta que a Recorrente pretendeu que este
Tribunal verificasse a constitucionalidade da interpretação dos artigos 25.º, n.º
2, b) e c), e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 (C.Exp), no
sentido de que o solo expropriado que integre a Reserva Agrícola Nacional deve
ser classificado como apto para outros fins, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização devida pela expropriação, mesmo que disponha de acesso rodoviário
em betuminoso, água, luz, telefone e gás, se situe em zona urbana ou urbanizável
definida pelo PDM, se destine a adquirir as características constantes da alínea
a) n.º 2 do art.25.º, existam construções num perímetro de 300 m, e esteja
destinado pelo plano rodoviário nacional para a instalação de infra-estrutura
que determinou a expropriação.
Da leitura do acórdão recorrido e da sentença de 1.ª instância para cuja
fundamentação aquele remete resulta que apenas se verificou, relativamente às
condições físicas das partes das parcelas expropriadas que integravam a área RAN,
que as mesmas preenchiam os requisitos da alínea b), do n.º 2, do artigo 25.º,
do C.Exp. e que existiam construções num perímetro de 300 metros.
Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade que exige que o
mesmo seja susceptível de influenciar o sentido da decisão recorrida, não
servindo para solucionar questões meramente académicas, deveria assim o objecto
do presente recurso restringir-se à existência das condições físicas dos
terrenos expropriados que integravam a zona RAN verificadas pela decisão
recorrida, por só elas integrarem a sua ratio decidendi.
Por estas razões teria verificado a constitucionalidade da interpretação dos
artigos 25.º, n.º 2, b), e 26.º, do Código das Expropriações de 1999, no sentido
de que o solo expropriado que integre a Reserva Agrícola Nacional deve ser
classificado como apto para outros fins, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização devida pela expropriação, mesmo que disponha das condições exigidas
pela alínea b), do n.º 2, do citado artigo 25.º e existam construções num
perímetro de 300 metros, uma vez que relativamente a ela se verificam todos os
requisitos do recurso de constitucionalidade.
E, conhecendo desta questão, teria julgado o recurso nos seguintes termos.
1. Do mérito do recurso
1.1. Do estado da questão de constitucionalidade
A questão de constitucionalidade aqui colocada está longe de ser desconhecida
deste Tribunal.
Desde há muito que o nosso sistema legal tem revelado a preocupação de fixar critérios
diferentes para o cálculo das indemnizações devidas pela expropriação de solos
aptos para neles serem erguidos edifícios e pela expropriação de solos que não
tem essa aptidão.
Neste sentido, já o Decreto-lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, alterado pelo
Decreto-lei n.º 57/70, de 13 de Fevereiro, fazia uma distinção entre terrenos
para construção de terrenos para outros fins (artigo 6.º).
Por sua vez, o Código das Expropriações de 1976 ao estabelecer os termos da
distinção entre terrenos situados em aglomerado urbano e terrenos situados fora
dos aglomerados urbanos, ou em zona diferenciada do aglomerado urbano (artigo 30.º
e seg.), viu a jurisprudência constitucional censurar-lhe esta opção, por não
ponderar o factor da edificabilidade (vg. acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90, em
ATC, respectivamente no 11.º vol., pág. 465, e no 15.º vol., pág. 49).
Por este motivo o Código das Expropriações de 1991 voltou a diferenciar os solos
aptos para a construção dos solos aptos para outros fins (artigo 24.º, n.º 1).
E foi precisamente no domínio deste Código que surgiram questões de
constitucionalidade semelhantes à colocada neste recurso, a propósito da
aplicação do disposto no n.º 5, do seu artigo 24.º, aos solos integrados na
Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde se lia que ?é equiparado a solo para
outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na
construção?.
O Acórdão n.º 267/97 (em ATC, 36.º vol., pág. 759) considerou que era inconstitucional
a norma do nº 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, enquanto
interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção'
os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar
para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
Mas o Acórdão 20/2000 (em ATC, 46.º vol., pág. 179) veio rectificar esta posição,
considerando que não era inconstitucional o mesmo preceito, interpretado por
forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de
comunicação.
No mesmo sentido decidiram os Acórdãos n.º 247/2000, 219/2001, 243/2001, 172/2002,
346/2003, 347/2003, 425/2003 (todos disponíveis no site www.tribunalconstitucional.pt).
E outros acórdãos vieram estender este juízo de não inconstitucionalidade a
situações em que as expropriações visavam a construção duma central de resíduos
urbanos (Acórdão n.º 155/2002, em ATC, 52.º vol., pág. 743) ou de escolas (Acórdãos
n.º 333/2003 e 557/2003, em ATC, respectivamente no 56.º vol., pág. 579 e no 57.º
vol. pág. 979).
Entretanto, entrou em vigor o Código das Expropriações de 1999, actualmente em
vigor, que manteve a distinção entre solos aptos para construção e solos aptos
para outros fins. Assim, ficou estipulado no seu artigo 25.º:
?1 ? Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se
em:
a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins.
2 ? Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea
anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a
adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui,
todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da
declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha
iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.
3 ? Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das
situações previstas no número anterior.?
E relativamente aos solos considerados aptos para construção consagrou no seu
artigo 26.º o seguinte critério de cálculo do valor da indemnização pela sua
expropriação:
?1 ? O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à
construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a
expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os
regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do
disposto no nº 5 do artigo 23º.
2 ? O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética
actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que
corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias
limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais
elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos
parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por
ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz
respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
3 ? Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do
Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante,
a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores
declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.
4 ? Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 2, por
falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função
do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números
seguintes.
5 ? Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos
montantes fixados administrativamente para feitos de aplicação dos regimes de
habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
6 ? Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a
construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção,
devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da
qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do
disposto no número seguinte.
7 ? A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até
ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e, com a variação que se
mostrar justificada:
a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente
junto da parcela ? 1,5%;
b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da
parcela ? 0,5%;
c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela ? 1%;
d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela ? 1,5%;
e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço
junto da parcela ? 1%:
f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela ?
0,5%;
g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com
serviço junto da parcela ? 2%;
h) Rede distribuidora de gás junto da parcela ? 1%;
i) Rede telefónica junto da parcela ? 1%.
8 ? Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas
especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí
resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para
efeito da determinação do valor do terreno.
9 ? Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério
fixado nos ns. 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável
para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório
deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.
10 ? O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos ns. 4 a 9 será
objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do
esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da
avaliação.
11 ? No cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de
recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que
o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das
construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido
entre duas vias consecutivas.
12 ? Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer
ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja
anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função
do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada.?
Já quanto aos prédios classificados como aptos para fim diverso da construção
dispôs o seguinte no artigo 27.º:
?1 ? O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética
actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que
corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias
limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais
elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos
parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão
específica.
2 ? Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do
Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante,
a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores
declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.
3 ? Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por
falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em
atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da
declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração
do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da
região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de
influir no respectivo cálculo.?
Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adoptado um preceito idêntico
ao n.º 4, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu
que alguma jurisprudência continuasse a entender que os solos integrados na RAN
devessem ser catalogados como ?solos aptos para outro fim?, mesmo que reunissem
as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto
para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso
prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo
Código.
E neste quadro normativo, o Acórdão n.º 398/2005 (no D.R., II Série, de 14-7-2005)
reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º,
do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da
classificação de ?solo apto para a construção? solos integrados na RAN expropriados
para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os Acórdãos n.º 416/2007 (no D.R.,
II Série, de 18-7-2007) e 337/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
E, indo um pouco mais longe, os Acórdãos n.º 275/2004 (em ATC, 59.º vol., pág.
227), 417/2006 (no D.R., II Série, de 11-7-2006) e 118/2007 (disponível no site
www.tribunalconstitucional.pt) consideraram mesmo que era inconstitucional o
artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no
sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na
RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no nº 2 do
artigo 25º do mesmo Código.
Por sua vez, o Acórdão n.º 114/2005 (em ATC, 61.º vol., pág. 415) não julgou
inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de
1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN,
expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos
em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a), do n.º 2, do artigo 25.º,
do mesmo Código.
E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.º 234/2007 (em ATC, 68.º vol.,
pág. 847) e 239/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
Também o Acórdão n.º 276/07 (em ATC, 69.º vol., pág. 157) considerou que não
eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, nºs
1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no
sentido de incluírem na classificação de ?solo apto para a construção?, e a
serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos
adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Director Municipal que
os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de ?áreas de serviço?
de auto-estradas.
Já o Acórdão n.º 469/2007 (em ATC, 70.º vol., pág. 231) julgou mesmo inconstitucional
a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º
do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro,
segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção
de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos
elencados no n.º 2, do artigo 25.º, para a qualificação como ?solo apto para a
construção?, mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial
em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de
acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os ?solos para outros fins?,
e não de acordo com o critério definido no n.º 12, do artigo 26.º, todos do
referido Código.
1.2. Do princípio da justa indemnização
O artigo 62.º, n.º 2, da C.R.P., determina que a expropriação por utilidade
pública só pode ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização.
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos
critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, não deixou de
exigir que esta seja ?justa?, impondo assim a observância dos princípios
constitucionais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à
reparação dos danos, como corolário do Estado de Direito democrático (artigo 2.º,
da C.R.P.).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal,
poder-se-á dizer que a ?justa indemnização? há-de tomar como ponto de referência
o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe
pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor
pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve, assim, ter como referência
o valor real do bem expropriado.
Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do
ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia
de mercado como a nossa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou
de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu ALVES CORREIA ?? a indemnização calculada de acordo com o valor de
mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se
este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que
está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial
do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não
expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto? (em ?O plano
urbanístico e o princípio da igualdade?, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e
poder sofrer algumas correcções impostas por razões de justiça que visam evitar
enriquecimentos injustificados (vide, por exemplo as correcções impostas nas
alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artº 23.º, do C.Exp.), donde resultará um ?valor
de mercado normativo?, é ele que deve constituir o critério referencial
determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da
respectiva indemnização a receber pelos expropriados.
Foi este o critério geral que foi adoptado pelo legislador ordinário no artigo
23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999:
?1 ? A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade
expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu
destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias
e condições de facto existentes naquela data.?
Procurando evitar alguma subjectividade na determinação deste valor
indemnizatório, o legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente
a vários tipos de bens expropriados, distinguindo no artigo 25.º, como já vimos,
entre solos aptos para a construção e solos aptos para outros fins.
Na verdade, para o apuramento do equivalente pecuniário do bem expropriado, há
que atender às utilidades que ele proporciona ou é capaz de proporcionar.
Tratando-se de um terreno, o seu valor depende decisivamente da existência ou
não de aptidão edificativa. Existindo essa aptidão, a expropriação representa a
privação do valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levado em
conta no cálculo indemnizatório.
Contudo, quando, apesar dessa aptidão física, o terreno se encontra incluído na
RAN, o regime legal que lhe é aplicável retira-lhe aquela potencialidade
edificativa.
A RAN, como se define no artigo 3.º, do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho (diploma
que estabelece o seu regime jurídico) é o conjunto das áreas que, em virtude das
suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades
apresentam para a produção de bens agrícolas. Estas áreas são identificadas na
carta da RAN, a publicar por Portaria do Ministério com competência na execução
da política agrícola (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de
Junho).
Segundo o preâmbulo daquele diploma, é a defesa, que se pretende mais eficaz,
das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por
terem sido objecto de importantes investimentos destinados a aumentar a
capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas
das populações, que a ela se dedicam, que justifica a afectação de certos
terrenos à RAN.
Ali se pode ler:
'Mas se a defesa dessas áreas das agressões várias de que têm sido objecto ao
longo do tempo, designadamente de natureza urbanística constitui uma vertente
fundamental da política agrícola, não é menos verdade que, por si só, é
insuficiente para garantir a afectação das mesmas à agricultura - objectivo que,
em última análise se pretende conseguir'.
Daí que, nos termos do artigo 8º, n.º 1, a) deste diploma, ?os solos da RAN
devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções
que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as
seguintes:
a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios,
aterros e escavações??.
Assim, é proibido por lei destinar um terreno que integre a RAN à construção
imobiliária.
Esta proibição legal influi decisivamente no valor venal desse terreno.
Na verdade, se o expropriado o pretendesse alienar, mediante negócio jurídico,
não teria a mínima expectativa de receber um preço que reflectisse a sua aptidão
edificativa. Esta aptidão não pode ser perspectivada como um conceito puramente
naturalístico, tendo necessariamente de reflectir as limitações de interesse
público ao pleno exercício das faculdades inerentes ao direito de propriedade.
É certo que o Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, não deixou de estabelecer
algumas excepções à exclusividade da afectação dos terrenos que integram a RAN à
agricultura. Entre elas, conta-se a utilização desses solos para vias de comunicação,
seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde
que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou
localização (artigo 9.º, n.º 2, d), do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de Junho).
Além disso, também se poderá verificar uma desafectação dos terrenos integrados
em área RAN, nomeadamente quando se verifique supervenientemente uma das
situações referidas nas alíneas a) e b), do artigo 7.º, do Decreto-lei n.º 196/89,
de 14 de Junho.
E se é incontestável que a mera previsão legal de possibilidade de um terreno
situado em área RAN poder ser utilizado para construção, é susceptível de gerar
expectativas, alicerçadas em determinada factualidade, de que nele venha a ser
autorizada a realização de construções, com reflexo no seu valor de mercado -
como foi já reconhecido e valorizado no Acórdão n.º 408/08 (no D.R. II Série, de
31-7-08) - fora destas situações esse valor não contempla as suas aptidões
físicas para nele se erguerem imóveis.
Daí que, não tendo o tribunal recorrido verificado a existência dessas reais
expectativas relativamente aos terrenos expropriados, o cálculo da indemnização
nos termos do artigo 27.º, do C. Exp. de 1999, destinado aos solos aptos para
outros fins, não contraria o princípio da justa indemnização, na perspectiva de
que este exige o pagamento do valor venal do bem expropriado à data da expropriação.
1.3. Do princípio da igualdade
Mas não pode olvidar-se, como este Tribunal tem repetidamente sustentado (cfr.,
por último, o Acórdão n.º 11/2008, em D.R., II Série, de 14-1-2008), que o
cânone da justa indemnização está indissoluvelmente ligado ao princípio da
igualdade, em termos de implicação recíproca.
Impondo este princípio, nesta esfera aplicativa, o tratamento não discriminatório,
na distribuição dos encargos públicos, dos expropriados entre si, dele resulta
inequivocamente que o quantum indemnizatório não pode colocar certa categoria de
expropriados em posição distinta da que cabe a outros expropriados, cujos
terrenos, sob o ponto de vista normativamente relevante, se encontram em
idêntica situação. A desigualdade de tratamento só pode ter justificação numa
diferença de situações.
Relembra-se que o artigo 26.º, n.º 12, do C. Exp., dispõe que ?sendo necessário
expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do
território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em
vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada.?
Este preceito, que corresponde, com algumas alterações, ao n.º 2, do artigo 25.º,
do Código das Expropriações de 1991, teve como finalidade evitar as manipulações
das regras urbanísticas por parte da Administração, nomeadamente na
classificação dolosa e pré-ordenada de um terreno como zona verde, de lazer ou
para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, com vista à sua
desvalorização e ulterior aquisição, por expropriação, mediante o pagamento de
uma indemnização de um valor correspondente ao do solo não apto para construção
(vide, neste sentido, ALVES CORREIA, em ?Código das Expropriações e outra
legislação sobre expropriações por utilidade pública?, pág. 23, da ed. de 1992,
da Aequitas, e em ?A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre
expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999?, na R.L.J.,
Ano 133, pág. 53-54, e OSVALDO GOMES, em ?Expropriações por utilidade pública?,
pág. 195-196, da ed. de 1997, da Texto Editora).
Prescindindo da prova da actuação dolosa nestas intervenções a dois tempos, o
legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua
anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas
ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território,
relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data desta
classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização
equivalente ao seu valor venal à data da expropriação, mas sim com uma indemnização
que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que
não foram atingidos por aquela restrição de uso.
Tendo o legislador fixado este critério específico para o cálculo da indemnização
da expropriação dos terrenos classificados como zona verde, de lazer ou para
instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de
ordenamento do território, importa ponderar se a não aplicação deste mesmo
critério aos terrenos integrados na RAN, não viola o princípio da igualdade
entre expropriados.
As disposições dos planos municipais de ordenamento do território que reservam
terrenos particulares para a instalação de infra-estruturas (v.g. arruamentos)
ou equipamentos públicos (v.g. hospitais, instalações desportivas, escolas),
atendendo ao seu destino público, têm necessariamente implícita uma intenção de
aquisição futura desses terrenos pela Administração, sendo tais disposições até
apelidadas de ?reservas de expropriação? ou de ?expropriações a prazo incerto? (vide
ALVES CORREIA, em ?Manual de direito do urbanismo?, vol. I, pág. 774, da 4.ª ed.,
da Almedina).
Quanto às prescrições dos planos que destinam certos terrenos situados em áreas
edificáveis a espaços verdes ou de lazer, verifica-se que a destinação imposta
àqueles terrenos pela Administração é também de tal modo dominada pela
satisfação de puros interesses públicos urbanísticos que o seu aproveitamento
privado é quase impraticável. Por isso se considera que as mesmas esvaziam tão
severamente o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade, por motivos
de utilidade pública, que são encaradas como verdadeiras ?expropriações de plano?
(vide ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 777-778).
As situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do C.Exp.,
correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de
ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do
direito de propriedade que se traduzem em actos equivalentes a uma verdadeira
expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação
efectiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas
limitações impostas, se traduzia objectivamente numa inadmissível manipulação
das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma
intenção dolosa.
O legislador terá, aliás, tido em atenção que a doutrina já defendia que estes
actos pré ou quase expropriativos poderiam gerar, só por si, uma obrigação de
indemnização autónoma (vide ALVES CORREIA, em ?O plano urbanístico e o princípio
da igualdade?, pág. 521-528, da ed. de 1989, da Almedina), a qual actualmente
tem cobertura legal no artigo 2.º, do Regime da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007,
de 31 de Dezembro, e no artigo 18.º, n.º 2, da Lei de Bases da Política de
Ordenamento do Território e de Urbanismo ? Lei 48/98, de 12 de Agosto (vide,
sobre este direito de indemnização, ALVES CORREIA, em ?Manual de Direito do
Urbanismo?, pág. 764 e seg., da 4.ª ed., da Almedina).
Ora, a inclusão de um terreno na RAN não é equiparável a estas situações, uma
vez que as limitações inerentes ao estatuto desta reserva não tem a severidade
dos casos anteriormente referidos e tem em atenção a especial localização
factual desse terreno e as suas características intrínsecas.
Recorde-se que as limitações resultantes da integração de um terreno em zona RAN
não atingem o núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que o destino
permitido é susceptível duma utilização privada e tem em consideração as características
morfológicas, climatéricas e sociais do terreno em causa.
As proibições, designadamente a proibição de construção, restrições ou
condicionamentos à utilização dos terrenos integrados em área RAN, são uma mera
consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre eles,
pelo que são encaradas como meramente conformadoras do conteúdo do direito de
propriedade, não gerando por isso qualquer direito de indemnização autónomo (vide,
neste sentido, ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 291-293).
Não sendo, pois, equiparáveis, tendo em consideração os pressupostos e
finalidades do disposto no n.º 12, do artigo 26.º, do C.Exp., as situações de
expropriação de terrenos anteriormente classificados de zona verde, de lazer ou
destinados a implantação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, com a
expropriação de terrenos que integram a zona RAN, a não aplicação do critério
referido naquele preceito a esta última situação não configura uma violação ao
princípio da igualdade entre expropriados.
Não se tendo detectado que o critério normativo aqui fiscalizado violasse
qualquer parâmetro constitucional, julgaria o recurso improcedente.
João Cura Mariano