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Processo n.º 811/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, de uma decisão do
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que lhe indeferiu a reclamação contra
um despacho que – com fundamento no disposto no artigo 400º, n.º 1, alínea f),
do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto -
não lhe admitiu um recurso para esse Supremo Tribunal de um acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa, confirmativo da decisão da 1ª instância, que o condenara
na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Por decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da
LTC, não se conheceu do objecto do recurso de constitucionalidade, pelos
seguintes fundamentos:
“No requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade
indica o recorrente que pretende a apreciação da conformidade constitucional de
uma certa interpretação, que não chega a especificar, mas que reporta aos
artigos 5º, n.º 2, e 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Não se justifica, porém, a prolação de despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do
disposto no artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, convidando o
recorrente a especificar a referida interpretação, na medida em que é já
possível concluir que os pressupostos processuais do presente recurso não se
encontram preenchidos, sendo, como tal, inútil a prolação de tal despacho.
Com efeito, tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação, perante o tribunal recorrido, e em termos
processualmente adequados, da questão da inconstitucionalidade da norma ou
interpretação normativa cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional
(cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Ora, perante o tribunal recorrido, e como se pode constatar da leitura da
reclamação acima transcrita, limitou-se o ora recorrente a sustentar a
inconstitucionalidade do “entendimento contrário” do n.º 2 do artigo 5º do
Código de Processo Penal: “contrário” àquele que, na mesma peça processual,
havia exposto em vários parágrafos.
Isto é: o recorrente não concretizou nessa reclamação, com suficiente clareza, o
entendimento que, do seu ponto de vista, era inconstitucional, pois que se
limitou a referenciá-lo como o “entendimento contrário” a um outro cujos
contornos precisos também não se encontravam delineados.
Daí que o tribunal recorrido não estivesse em condições de emitir pronúncia
sobre uma bem delimitada interpretação normativa, como resulta da referência,
que se faz na correspondente decisão, a uma genérica “interpretação do art. 5º,
n.º 2, do CPP no sentido de, no caso concreto, ser aplicável a lei nova”.
Assim, conclui-se que não é possível conhecer do objecto do presente recurso de
constitucionalidade, em virtude do não cumprimento, pelo recorrente, do ónus de
suscitação a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional.
A isto acresce que a interpretação normativa que o recorrente pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie se prende com o artigo 5º, n.º 2, do Código de
Processo Penal e, como também se pode ler na decisão recorrida, “o despacho
reclamado para não admitir o recurso [para o Supremo Tribunal de Justiça] não
invocou o art. 5º, n.º 2, do CPP, mas antes decidiu ser a nova lei a aplicável,
apoiado na jurisprudência deste Supremo Tribunal”.
Ou seja: as considerações que, na decisão ora recorrida, se tecem a propósito da
aplicação da lei nova ao caso concreto, por força do disposto no artigo 5º, n.º
2, do Código de Processo Penal, foram-no a título meramente acessório, pois que,
na perspectiva do tribunal recorrido, a questão cuja resolução lhe fora pedida
podia bem ser resolvida sem a invocação deste preceito (o artigo 5º, n.º 2, do
Código de Processo Penal).
Daí que a decisão recorrida também não tenha aplicado a interpretação cuja
conformidade constitucional o recorrente questiona – e essa aplicação constitui
outro dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional -, pois que, para o efeito desta
alínea b), o que releva é a aplicação da norma ou interpretação normativa como
ratio decidendi da decisão recorrida, e não, como de facto ocorreu, como obiter
dictum desta decisão. Na verdade, o recurso de constitucionalidade só tem
utilidade quando o seu provimento se pode repercutir no sentido da decisão
recorrida, o que não sucede quando a norma ou interpretação normativa apreciada
pelo Tribunal Constitucional foi aplicada a título meramente acessório na
decisão recorrida.
Não tendo a interpretação normativa que o recorrente pretende ver apreciada sido
aplicada pelo tribunal recorrido, conclui-se que, também por não se mostrar
preenchido este pressuposto processual, não é possível conhecer do objecto do
recurso de constitucionalidade.”.
Notificado da decisão sumária, o recorrente vem dela reclamar para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, sustentando, em síntese, o seguinte (fls. 100 e seguintes):
- Foi negado ao arguido a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, sendo que a interposição de recurso constitui um direito fundamental do
arguido consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição;
- É inconstitucional, por violar o artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a
interpretação do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP que vede o recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos condenatórios proferidos em recurso
pela Relação, que confirmem a decisão de 1ª instância;
- Nos termos do artigo 5º, n.º 2, alínea a), do CPP, não se poderá aplicar uma
nova lei da qual resulte um agravamento da situação processual do arguido, o
mesmo afirmando o artigo 29º, n.º 4, da Constituição;
- Consequentemente, deverá ser aplicada ao arguido a Lei n.º 59/98, que lhe é
mais favorável;
- Caso assim não se entenda, violar-se-á o princípio da não retroactividade da
lei penal;
-Foi violado o princípio da recorribilidade;
- O acórdão da Relação é inconstitucional, por violar o princípio in dubio pro
reo;
- O Tribunal apreciou os depoimentos das testemunhas de forma arbitrária, não os
valorando, e só tomando em consideração os depoimentos das menores, que
visivelmente conflituam com os depoimentos das testemunhas;
- Assim, mais uma vez se violou um direito fundamental do arguido.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cabe apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão sumária ora reclamada concluiu-se no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade, por não estarem preenchidos dois dos
seus pressupostos processuais: por um lado, a suscitação pelo recorrente,
durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que pretende ver
apreciada pelo Tribunal Constitucional; por outro lado, a aplicação, pelo
tribunal recorrido, da norma ou interpretação normativa que se submete à
apreciação do Tribunal Constitucional (cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), e
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Na presente reclamação, porém, o recorrente não contradita minimamente os
fundamentos da decisão de não conhecimento do objecto do recurso e limita-se a
tecer considerações acerca da constitucionalidade de certas interpretações e do
próprio acórdão recorrido, sobre a qual a decisão sumária não chegou
pronunciar-se por se não encontrarem preenchidos os pressupostos processuais do
recurso de constitucionalidade.
Assim sendo, é de manter a decisão reclamada.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação
e mantém-se a decisão sumária de fls. 80 e seguintes.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão