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Processo n.º 843/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I ? RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido Conselho Superior de
Magistratura, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b),
da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido pelo
Plenário da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, em 07 de Julho
de 2009 (fls. 42 a 48), posteriormente complementado pelo acórdão proferido,
pelo mesmo Tribunal e Secção, em 17 de Setembro de 2009 (fls. 91 a 98), que
indeferiu a arguição de diversas nulidades do primeiro acórdão referido.
O recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade da ?norma do n.º
1 do artº 173º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (?) no sentido e com o
alcance de que tal norma permite ao Ministério Público junto do STJ não apenas
apor o seu visto nos autos de suspensão de eficácia, mas também proferir parecer
sobre o julgamento da causa da suspensão da eficácia, sem que de tal parecer
seja o requerente da suspensão notificado para responder, querendo, em dado
prazo? (fls. 104).
2. Para facilitar a compreensão da tramitação processual verificada nos autos
recorridos ? que influencia, decisivamente, a decisão sumária ora a proferir ?
procede-se ainda ao relato de diversas ocorrências processualmente relevantes.
No âmbito de procedimento cautelar de suspensão da eficácia de deliberação
proferida pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), em 05 de
Maio de 2009, nos termos da qual foi mantida a aplicação de pena disciplinar de
transferência, o Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
de Justiça teve vista e proferiu parecer (fls. 33 a 37), através do qual
analisou o preenchimento dos requisitos de decretação da providência cautelar
requerida, propondo, a final, o indeferimento daquela. Através de ofício
expedido em 03 de Julho de 2009, o recorrente foi notificado nos seguintes e
exactos termos:
?Na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, dou-lhe
conhecimento do parecer do Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto? (fls. 41).
Seguidamente, em sessão realizada em 07 de Julho de 2009, o Plenário da Secção
do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o acórdão que justificou
a interposição do presente recurso, consagrando expressamente que:
?O Ex.mo Magistrado do Ministério Público teve Vista nos autos? (fls. 43).
Notificado do referido acórdão, por ofício expedido, em 10 de Julho de 2009, o
recorrente veio, simultaneamente, arguir a ?I ? NULIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE
DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO?, bem como outras duas nulidades do próprio
acórdão, que não constituem objecto do presente recurso (fls. 53 a 72). Nessa
sede, o recorrente equacionou a possibilidade de o tribunal recorrido ter ?em
mente a aplicação analógica da norma do n.º 1 do artº 173º do EMJ? ou de ?qualquer
outra norma jurídica que faculte ao Ministério Público a vista dos autos de
suspensão de eficácia e lhe permita proferir parecer na matéria, sem ser
concedido ao requerente da suspensão de eficácia prazo para responder? (fls. 56),
invocando, ?ad cautelam? a inconstitucionalidade daquelas interpretações
normativas.
Por sua vez, apreciando este último requerimento, veio o Representante do
Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça afirmar que:
?2. O parecer adrede emitido pelo Ministério Público ? parecer emitido em dois
dias, sem comprometer a garantida celeridade processual ? não se quadra na
dinâmica de partes (requerente e entidade requerida), e, embora não
expressamente previsto na tramitação da providência, apenas em termos sumários
regulada no art. 170º do EMJ, nela concretiza a componente objectivista do
processo (cf. do mesmo diploma, arts. 173º, nº 1 e 176º, «in fine»),
determinando-se a sua intervenção em «defender a legalidade democrática»,
conforme estabelecido na parte final do n.º 1 do art. 219º da Constituição.
3. (?) Implica o princípio do contraditório apenas, em caso de no parecer do
Ministério Público ter sido suscitada uma questão nova, que sobre ela seja ao
interessado dada oportunidade de se pronunciar, antes de ser proferida decisão,
como tem sido reiteradamente afirmado, por vezes com votos de vencido, na
jurisprudência do Tribunal Constitucional (vejam-se, v.g., acs. nºs 185/2001,
277/2001, 337/2001 a 341/2001, 361/2001, 255/2003 e 82/2007).
Não se tendo suscitado questão nova no parecer ? nem tal vem alegado no
requerimento -, não havia que sobre ouvir o requerente (e entidade requerida)
(?)? (fls. 77 e 78).
Após o recorrente ter respondido ao supra citado parecer e de ter reiterado a
tese da inconstitucionalidade da interpretação normativa que teria facultado ao
Ministério Público o direito processual de vista e de proferir parecer (fls. 82
a 87), o tribunal recorrido proferiu novo acórdão, através do qual indeferiu a
arguição das diversas nulidades anteriormente referidas. Para aquilo que revela,
no âmbito dos presentes autos, foi dito que:
?3. 2. - No requerimento sob apreciação, de resto com expressa indicação de
qualificação jurídica nesse sentido, o Reclamante invoca ilegalidades e
inconstitucionalidades como fundamento da arguição das irregularidades cometidas
no processo ao ser concedida ?vista? ao M. P. e ao ser admitido parecer do mesmo
Magistrado no seguimento de tal ?vista?. Sustentado ter tal procedimento
influído na decisão da causa, invoca nulidades e (formalmente bem) conclui pela
anulação do processado posterior.
O reconhecimento dos vícios determinaria, pois, a anulação do acórdão, enquanto
termo processual subsequente afectado pela nulidade e, por isso, a repetir após
regularização do processado, deixando desde logo de fazer sentido atribuir-lhe
quaisquer vícios [a não ser subsidiariamente para o caso de se entender não
abrangida pela anulação a peça decisória].
Ora, na qualificação decorrente da lei, que o Reclamante também convoca, o vício
arguido integraria nulidade secundária submetida ao regime legal regulado pelas
normas dos arts. 20lº-1 e 2, 202°, 203°-l e 205°.
Apesar disso, argui-o como nulidade do acórdão, como se extrai dos termos em que
é formulada a reclamação/arguição e respectivo pedido, sendo que, se alguma
dúvida ainda se pudesse colocar, resultaria ela necessariamente arredada pelos
claros termos da resposta oferecida pelo Recorrente ao insistir na tese da
inconstitucionalidade e nulidade do acórdão em razão da inadmissibilidade da ?Vista?
e do Parecer? e correspondente tempestividade da reclamação.
Consequentemente, em termos de tempestividade, não se tratando de nulidade
principal, o prazo de arguição, considerando-se o geral de dez dias, contar-se-á,
nos termos do n.º 1 do dito art. 205° desde a data em que a parte tomou
conhecimento da nulidade, no caso desde, pelo menos, a data da notificação da
apresentação do parecer do M. P..
Como o próprio Reclamante declara essa notificação ocorreu em 6 de Julho, donde
que, arguida a nulidade processual consubstanciada na violação da lei do
processo e/ou na prática do acto a coberto de norma inconstitucional em
requerimento expedido em 20 de Julho, expirado se encontrava já o prazo legal de
arguição e, em consequência, sanados os alegados vícios, sempre susceptíveis de
integrem apenas nulidades secundárias.
Independentemente dos termos e forma como as nulidades do processo foram
invocadas e das consequências que o Requerente delas faz repercutir no pedido
formulado, desinteressante resulta, pois, face à intempestividade da arguição
desses vícios sequenciais (vista, parecer), apreciar a efectiva verificação das
irregularidades e, em caso afirmativo, se constituem nulidades.
Por outro lado, a arguição, como invocada e qualificada, isto é, como nulidade
do acórdão, não pode ser considerada e atendida, pois que não lhe cabendo
assento entre as que a lei como tais acolhe, vedado está da eventual
irregularidade retirar quaisquer consequências a coberto do citado art. 668°-1 e
suas alíneas.
Resta deixar, quanto a este ponto ? ?NULIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO PARECER
DO MINISTÉRIO PÚBLICO ? e da alegada ?inconstitucionalidade do acórdão?, duas
breves notas.
- Antes de mais deve notar-se que o Reclamante não invoca a
inconstitucionalidade de qualquer das normas aplicadas no acórdão ou da
interpretação que lhes foi dada, nem a recusa de aplicação de qualquer preceito
com fundamento em violação de norma ou princípio constitucional.
O que se diz é que se a vista e parecer do M. P. tiveram lugar a coberto da
aplicação, por analogia, do art. 173°-1 EMJ, então a norma é inconstitucional,
sendo-o também o parecer proferido.
Ora, insiste-se, não só se não encontra fundamento para a invocação do
pressuposto de que arranca o Requerente (a alegada aplicação analógica do n.º 1
do art. 173°), como obviamente, a ter sido esse o pressuposto que presidiu aos
ditos termo e acto processuais, se está no puro campo da tramitação processual,
precedente e autónoma relativamente ao acórdão decisório, peça que, seguramente,
não fez, ela mesma, qualquer aplicação da norma do art. 173°-1 EMJ.
No caso, a pretensão foi resolvida em conformidade com os preceitos legais que
se tiveram por aplicáveis, sem que se vislumbre desrespeito dos princípios
constitucionais supostamente violados.
- Depois, as decisões judiciais não são, por si só, inconstitucionais, podendo
sê-lo apenas, como do referido se extrai, na medida em que apliquem normas ou
invoquem princípios violadores de preceitos ou princípios acolhidos pela Lei
Fundamental ou que, inversamente, recusem a sua aplicação com fundamento na sua
violação, o que, ao menos a nosso ver, manifestamente se não verifica.
Nestes termos, não se reconhece a comissão da arguida nulidade do acórdão, do
mesmo passo que não se conhece, por intempestiva, da nulidade e
inconstitucionalidade dos actos processuais ? matéria que, se fosse caso disso,
caberia na competência do relator -, tal como tudo se encontra formulado na
parte I do requerimento/reclamação, sob a epígrafe ?NULIDADE E
INCONSTITUCIONALIDADE DO PARECER DO MINISTÉRIO PUBLICO?.» (fls. 94 a 96).
Feita esta breve resenha da tramitação processual, cumpre apreciar e decidir.
II ? FUNDAMENTAÇÃO
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal ?a quo? (cfr.
fls. 106), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que alguns deles não foram preenchidos, pode proferir
decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A
da LTC.
4. Da síntese supra elaborada, a propósito da tramitação nos autos recorridos,
resulta que o recorrente optou por invocar diversas nulidades do acórdão
inicialmente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 07 de Julho de 2009,
em requerimento expedido por correio, em 20 de Julho de 2009. Através desse
requerimento, o recorrente invocou, de modo distinto das nulidades do acórdão
proferido, a própria nulidade do parecer proferido pelo Ministério Público, em
sede de vista do procedimento cautelar de suspensão da eficácia. Resumidamente,
notificado do referido acórdão e confrontado com o facto de o Ministério Público
ter exercido um (discutido) direito de vista, só então o recorrente reagiu
processualmente, arguindo a nulidade do referido parecer e a
inconstitucionalidade de hipotética norma que houvesse fundamentado a prolação
daquele parecer.
Sucede, porém, que o recorrente foi efectivamente notificado do parecer do
Ministério Público por ofício expedido em 03 de Julho de 2009 (fls. 41),
considerando-se devidamente notificado em 06 de Julho de 2009, conforme é, aliás,
expressamente reconhecido pelo recorrente, ainda que afirmando que ?não lhe foi
indicado nem que a notificação era feita para o exercício do direito de resposta
nem qual o prazo para esse efeito? (cfr. § 16º do requerimento apresentado a fls.
57). Ora, daqui extrai a decisão recorrida ? mais, concretamente, o acórdão que
a complementou e apreciou a arguição de diversas nulidades ? que o prazo para
arguição da nulidade relativa à prolação do parecer pelo Ministério Público se
conta, nos termos do n.º 1 do artigo 205º, do CPC, desde a data de notificação
do referido parecer, ou seja, desde 06 de Julho de 2009. Consequentemente, a
decisão recorrida considerou que já se encontrava sanado o vício da nulidade,
por expiração do prazo de arguição daquela nulidade, na medida em que o
requerimento de arguição de nulidade do acórdão foi expedido pelo recorrente, em
20 de Julho de 2009.
A título preliminar, importa desde já prevenir que o Tribunal Constitucional não
se pode substituir aos tribunais recorridos, determinando qual a justa aplicação
das normas de Direito infra-constitucional, antes lhe estando conferido o
estrito poder de aferir, face à interpretação efectuada pelas instâncias
recorridas, se aquela é compatível com a Lei Fundamental.
Assim, é inegável que a decisão ora recorrida considerou que a questão da
alegada nulidade do parecer do Ministério Público ? que influenciaria, em
cascata, todos os actos processuais subsequentes, incluindo o acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça ? ficou prejudicada pela sua impugnação
extemporânea. Ora, do ponto de vista do recurso de constitucionalidade, esse
fundamento alternativo da decisão recorrida é decisivo, na medida em que esvazia
de utilidade processual qualquer decisão do Tribunal Constitucional quanto à
alegada inconstitucionalidade de uma determinada interpretação da norma extraída
do n.º 1 do artigo 173º do EMJ.
Por outras palavras, dir-se-á que, mesmo que este Tribunal viesse a julgar
inconstitucional a referida interpretação normativa, certo seria que o tribunal
recorrido sempre poderia manter o sentido da decisão recorrida, na medida em que
subsistiria sempre um fundamento alternativo para a não declaração da nulidade
do acórdão inicialmente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Independentemente de saber se a interpretação da norma extraída do n.º 1 do
artigo 173º do EMJ, que terá permitido a prolação de parecer do Ministério
Público, seria ou não compatível com a Constituição, a decisão recorrida poderia
persistir em negar provimento ao recurso ordinário interposto pelo recorrente,
no âmbito do procedimento cautelar de suspensão da eficácia, alicerçada num
fundamento distinto, a saber, a extemporaneidade da alegação de nulidade do
parecer do Ministério Público.
Assim sendo, este Tribunal deve concluir pela impossibilidade de conhecimento do
objecto do presente recurso, em função da pré-existência de um fundamento
alternativo da decisão recorrida, uma vez que um eventual juízo de
constitucionalidade deste Tribunal acabaria por redundar em acto processual
inútil.
III ? DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente
recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos
termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente deduziu a seguinte
reclamação, que ora se resume:
«(?)
5°
Ora, ao invés do que consignou aquele acórdão, o Magistrado do Ministério
Público não se limitou a ter Vista nos autos, já que exarou, com data de 7 de
Julho de 2009, um longo parecer, de fls 33 a fls 37, concluindo no sentido de
indeferimento da requerida suspensão de eficácia.
6º
Salvo porventura algum erro de desatenção, não há nos autos nenhum despacho
judicial a ordenar a notificação do longo parecer do Ministério Público ao
requerente da suspensão de eficácia.
7º
Há apenas um ofício (chamemos-lhe assim) do oficial de justiça a dar
conhecimento ? ?dou-lhe conhecimento? ? do parecer do Procurador-Geral-Adjunto.
8°
Assim, em 06 de Julho de 2009, ficou o requerente de suspensão a conhecer o teor
do parecer desfavorável do Ministério Público.
9°
Obviamente, considerou que disporia do prazo geral de dez dias (art. 153° do CPC)
para exercer o contraditório, relativamente ao parecer desfavorável do
Ministério Público.
10º
Prazo que, como é evidente, expiraria em 16 de Julho de 2009.
11°
Foi, porém, totalmente impedido de exercer o direito de resposta, pois em 07 de
Julho de 2009, no dia imediatamente posterior àquele em que foi notificado do
parecer do Ministério Público e no primeiro dia do prazo para responder àquele
parecer, foi notificado de que a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de
Justiça proferiu acórdão a indeferir o pedido de suspensão da eficácia.
12°
Ou seja: a Secção de Contencioso do STJ, proferindo acórdão de indeferimento do
pedido de suspensão de eficácia, sem aguardar pelo decurso do prazo em que o
requerente poderia usar do seu direito de resposta ao parecer do Ministério
Público e limitando-se a seguir as opiniões expressas no parecer, obviamente
agiu como se o requerente não tivesse direito a manifestar a sua opinião, sobre
o parecer do Ministério Público.
(?)
16°
Ou seja, finalmente: a Secção de Contencioso agiu como se a norma que permite a
vista dos autos ao Ministério Público pudesse ser interpretada e aplicada num
sentido que viola os princípios constitucionais da lealdade processual, da
igualdade de armas no processo e da existência de um processo equitativo.
17°
De qualquer maneira, sempre se dirá que o acórdão da Secção de Contencioso do
STJ, indeferindo o pedido de suspensão da eficácia, foi notificado ao requerente
em 13 de Julho de 2009, ainda dentro do prazo geral dos dez dias que deveria ter
sido facultado ao requerente para pronunciar-se sobre o parecer do Ministério
Público.
18°
É evidente que, nestas circunstâncias e com esta factualidade indesmentível e
incontornável, era completamente inútil apresentar resposta ao parecer do
Ministério Público de 24 de Junho de 2009, notificado a 06 de Julho do mesmo ano.
19º
O que se impunha, sim, era impugnar directamente o acórdão da Secção de
Contencioso, porque esse acórdão, ao não esperar pelo decurso do prazo dentro do
qual o requerente poderia responder ao parecer do Ministério, é que faz da norma
legal atributiva da competência do Visto ao Ministério Público uma interpretação
errónea e uma aplicação incorrecta.
20º
O que está em causa não são meras nulidades do parecer do Ministério Público; o
que está em causa é uma errónea interpretação e uma incorrecta aplicação da
norma atributiva do visto ao Ministério Público, o qual, quando se limita a apor
o visto, não tem o facto direito a oposição pelo visado, mas que confere ao
requerente o direito de exercer o contraditório, sempre que, em lugar do mero
visto, surja um parecer sobre as questões de fundo suscitadas no requerimento de
suspensão da eficácia ou com elas relacionadas.
21°
Ora, está bem claro em toda a actuação do agora reclamante que o que ele sempre
entendeu e expôs é que ? uma norma seja a do n.º 1 do art. 173° do EMJ ou seja
qualquer outra o STJ tenha em mente, mas que não divulgue ? que permita a vista
dos autos pelo magistrado do Ministério Público, sempre que ultrapasse a mera
aposição do visto e se transforme num parecer longamente fundamentado deve ser
notificado ao interessado e deve ser-lhe reconhecido o direito ao exercício do
contraditório.
22°
Trata-se, em tudo, de uma situação semelhante aquele que levou à declaração de
inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 417° do Código de Processo Penal e que
levou, na revisão posterior, à fixação da norma que consta hoje do n.º 2 do
mesmo artigo 417° daquele Código.
23°
Não, há pois, nenhuma impossibilidade de conhecimento do objecto do presente
recurso, o qual tem em vista a interpretação e aplicação inconstitucionais da
norma do n.º 1 do art. 173° do EMJ, ou de qualquer outra norma atributiva da
competência para o visto do Ministério Público neste tipo de processos, quando
ultrapasse a mera aposição de visto.
24°
O que se pediu ao Tribunal Constitucional foi o julgamento da interpretação e da
aplicação que o STJ fez de uma norma, por quanto tal interpretação e aplicação
violaram princípios constitucionais.
25°
Não é, pois, a nulidade do parecer do Ministério Público aquilo que o reclamante
pretendeu ou pretende: o que sempre pretendeu e pretende, e com clareza o deixou
expresso, é a declaração da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art. 173°
do EMJ, quando interpretada e aplicada no sentido com que a Secção de
Contencioso do STJ a interpretou e aplicou.» (fls. 127 a 133)
3. Após notificação para efeitos de resposta, o recorrido deixou esgotar o prazo
respectivo sem que viesse aos autos pronunciar-se sobre o teor da reclamação.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II ? FUNDAMENTAÇÃO
4. Em momento algum da decisão reclamada se afirma não ser possível conhecer do
objecto do recurso, por este versar sobre a nulidade de um parecer do Ministério
Público e não sobre a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica. O
fundamento que obstou ao conhecimento do objecto do recurso assenta na
circunstância de o tribunal recorrido ter adoptado uma fundamentação alternativa,
que tornaria inútil qualquer decisão de inconstitucionalidade por parte do
Tribunal Constitucional.
Ou seja: o que a decisão ora reclamada afirmou foi que, mesmo que o Tribunal
Constitucional viesse a proferir decisão no sentido da inconstitucionalidade da
interpretação normativa reputada de inconstitucional, tal juízo não afectaria,
de modo nenhum, o sentido final da decisão recorrida. Mesmo que, porventura, se
entendesse que a interpretação normativa adoptada pelo Supremo Tribunal de
Justiça seria inconstitucional, não poderiam extrair-se quaisquer consequências
favoráveis ao arguido, uma vez que: i) a decisão recorrida entende que a
nulidade do acórdão não foi suscitada atempadamente; ii) a decisão recorrida
entende que a aceitação de parecer proferido pelo Ministério Público que (alegadamente)
teria influenciado a decisão final não constitui fundamento de nulidade do
acórdão proferido em 07 de Julho de 2009.
Ora, os argumentos apresentados pelo reclamante não logram demonstrar a
inexistência desses fundamentos alternativos de decisão (v.g., falta de
impugnação tempestiva do parecer e impossibilidade de qualificação do eventual
vício como causa de nulidade do acórdão ? artigo 688º, n.º 1, do CPC), pelo que
é de confirmar integralmente o teor da decisão reclamada.
III ? DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC?s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2010
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão