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Processo n.º 532/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., Lda., vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto
no n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual
versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal
Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso interposto de acórdão do
Tribunal Central Administrativo Norte.
2 – Fundamentando a sua reclamação alega a reclamante:
«[…]
- dão-se aqui por reproduzidos os fundamentos anteriormente indicados pela
recorrente para a admissão do presente recurso e que foram os seguintes
- a ora recorrente quando foi proferido o douto acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte interpôs do mesmo recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, por oposição de acórdãos, e para o Tribunal Constitucional. Por douto
despacho proferido a fls... dos presentes autos foi decidido que o momento para
a interposição do recurso só poderia ser apreciado após a decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Administrativo.
O presente recurso para este Venerando Tribunal visa a decisão proferida pelo
Tribunal Central Administrativo Norte. Na decisão proferida por este Tribunal
diz-se que “a douta sentença recorrida não viola qualquer norma constitucional
(igualdade e acesso ao direito ou proibição do princípio da indefesa...”. Nas
alegações para o Tribunal Central Administrativo Norte a ora recorrente alegou o
seguinte: item 18 “como ensina a doutrina se a administração tributária não
passar a certidão requerida (nos termos dos art.s 37 e 99 do CPPT) nem efectuar
a notificação dos requisitos omitidos, o acto notificado permanecerá ineficaz em
relação ao notificado irregularmente, não decorrendo o prazo para uso do meio de
impugnação graciosa ou contenciosa que se pretende utilizar (V. Código de
Procedimento e Processo Tributário - anotado por Jorge Lopes de Sousa - ano 2000
- pág.228); item 19 “por outro lado, o entendimento perfilhado na decisão do
Tribunal “ a quo” no que toca à interpretação que efectua ao disposto nos art.s
39 e 99, ambos do CPPT, é claramente violador dos princípios constitucionais do
Estado de Direito, igualdade e acesso ao direito – artºs 2, 9, 13 e 20, todos da
Constituição da República Portuguesa”.
O presente recurso é formulado ao abrigo do art. 70 nº 1 alínea b) e nº 2 da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, porque, a interpretação efectuada pelo Tribunal
Central Administrativo Norte aos art.s 37 e 99, ambos do Código de Procedimento
e Processo Tributário, é no entender da ora recorrente, e salvo o devido
respeito por melhor opinião, claramente violador dos princípios constitucionais
do Estado de Direito, igualdade e acesso ao direito – art.s 2, 9, 13, 18 e 20,
todos da Constituição da República Portuguesa. A nossa Lei Fundamental consagra
como um dos pilares do Estado de Direito a possibilidade do exercício de
contraditório (proibição do principio da indefesa) – art. 20 da CRP. Este
princípio encontra tradução no seguinte: todo o processo que é iniciado deve
estar sujeito ao princípio do contraditório, ou seja, o demandado deve poder ser
“ouvido em juízo” e pode expor a sua verdade dos factos, de forma a poder ter um
“processo justo”. E o “processo justo” só pode ser aquele em que para além das
questões formais, o demandante ou recorrente possa discutir, também, as questões
materiais que estão subjacentes aos actos que limitam os seus direitos,
liberdades e garantias. A proibição da “indefesa” consiste na privação ou
limitação de direitos do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais
se discutem questões que lhe dizem respeito. “A violação do direito à tutela
judicial efectiva sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa,
verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de
princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer
o seu direito de alegar, dai resultando prejuízos efectivos para os seus
interesses (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira – CRP anotada, 1993, pp 163 e
164, e Fundamentos da Constituição, pág. 82 e 83).
O caso dos autos é manifestamente um caso em que o particular perante um erro e
omissão grave dos serviços da administração tributária se vê impedido de
discutir os aspectos materiais e fundamentos que estão subjacentes à emanação do
acto tributário. Sendo que, tal situação, ainda, se afigura mais grave quando a
ora recorrente conseguiu em sede de impugnação de IVA, relativamente ao mesmo
período de tempo, e através de decisão judicial do Tribunal Central
Administrativo Norte demonstrar que os critérios e os fundamentos utilizados
pela administração fiscal no relatório que conduziu à liquidação do acto
tributário não estavam correctos, e que os mesmos padeciam de vicio de lei e de
falta de fundamentação do acto tributário (v. acórdão junto aos autos a fls...
relativo ao IVA e proferido em 6-03-2008 pelo Tribunal Central Administrativo
Norte).
Para a ora recorrente, e salvo o devido respeito por melhor opinião, e como
supra se referiu a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte fez
incorrecta interpretação da lei, e a interpretação efectuada em relação aos
art.s 37 e 99, ambos do CPPT e art.s 56 e 86 da Lei Geral Tributária está ferida
de inconstitucionalidade, porque violam o disposto nos art.s 2, 9, 13, 18 e 20,
todos da CRP, na medida em que estes permitem que qualquer cidadão ou empresa
possa discutir um juízo qualquer acto que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias, e sem que as questões de ordem formal se sobreponham às questões de
ordem material. Nomeadamente quando tal impedimento resulta de um erro e omissão
praticados pela própria Administração Tributária. No fundo trata-se de aplicar
ao presente caso uma das regras fundamentais do direito civil que é a proibição
do “venire contra factum proprium” – art. 334 do C.Civil. Não pode, pois, a
administração tributária beneficiar de um direito (liquidação do tributo) quando
foi ela própria que cometeu erro grave e omissão que impediu a ora recorrente de
poder fazer valer, atempadamente, os seus direitos em sede própria.
Acresce, ainda, que, o presente recurso no entender da recorrente deve ser
admitido, dado que, o recurso efectuado por esta ao disposto no art. 37 do CPPT
ser um direito fundamental e a fundamentação expressa dos actos tributários ser
para além de uma imposição legal, é uma exigência constitucional – art. 268 nº 3
do CRP, o que para a recorrente não se verificou nos presentes autos pelas
razões já anteriormente aduzidas. Dado que, relativamente ao pedido de
esclarecimento solicitado pela ora recorrente perante a Administração Tributária
directamente relacionado com a situação que determinou as liquidações efectuadas
a nível de IRC e objecto de impugnação, foi manifesta intenção da AT em se
remeter ao silêncio, e consequentemente, desrespeitar os princípios da
cooperação e da boa fé que devem presidir às relações entre administradores e
administrados. A interpretação que faz do art. 37 do CPPT por parte do Tribunal
Central Administrativo Norte viola no entender da recorrente os preceitos
constitucionais supra indicados
Pelo exposto, a ora recorrente requer a V.Exªs. a admissão do presente recurso».
3 – A reclamada Fazenda Pública respondeu à reclamação sustentando
que a reclamante não só não refutou os fundamentos da decisão reclamada como
continua a discutir a correcção da decisão judicial recorrida para o Tribunal
Constitucional e a não enunciar uma questão de constitucionalidade normativa que
possa ser conhecida pelo Tribunal.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A., L.da, com os demais sinais dos autos, recorre para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver
sindicada a “inconstitucionalidade do artigo 37.º do CPPT, por esta norma, tal
como foi interpretada, violar os princípios constitucionais da igualdade e do
acesso ao direito – artigos 2.º, 9.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da
República Portuguesa”.
2 – Respondendo ao convite feito pelo relator nos termos do artigo
75.º-A, n.º 5, da LTC, a recorrente disse o seguinte:
“(...)
- a ora recorrente quando foi proferido o douto acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte interpôs do mesmo recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, por oposição de acórdãos, e para o Tribunal Constitucional. Por douto
despacho proferido a fls... dos presentes autos foi decidido que o momento para
a interposição do recurso só poderia ser apreciado após a decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Administrativo.
O presente recurso para este Venerando Tribunal visa a decisão proferida pelo
Tribunal Central Administrativo Norte. Na decisão proferida por este Tribunal
diz-se que “a douta sentença recorrida não viola qualquer norma constitucional
(igualdade e acesso ao direito ou proibição do principio da indefesa... “. Nas
alegações para o Tribunal Central Administrativo Norte a ora recorrente alegou o
seguinte : item 18 “como ensina a doutrina se a administração tributária não
passar a certidão requerida (nos termos dos artºs 37 e 99 do CPPT) nem efectuar
a notificação dos requisitos omitidos, o acto notificado permanecerá ineficaz em
relação ao notificado irregularmente , não decorrendo o prazo para uso do meio
de impugnação graciosa ou contenciosa que se pretende utilizar (V. Código de
Procedimento e Processo Tributário - anotado por Jorge Lopes de Sousa - ano 2000
- pág.228); item 19 “ por outro lado, o entendimento perfilhado na decisão do
Tribunal “ a quo” no que toca à interpretação que efectua ao disposto nos artºs
39 e 99, ambos do CPPT, é claramente violador dos princípios constitucionais do
Estado de Direito, igualdade e acesso ao direito – artºs 2, 9, 13 e 20, todos da
Constituição da República Portuguesa”.
O presente recurso é formulado ao abrigo do art. 70 nº 1 alínea b) e nº 2 da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, porque, a interpretação efectuada pelo Tribunal
Central Administrativo Norte aos artºs 37 e 99, ambos do Código de Procedimento
e Processo Tributário, é no entender da ora recorrente, e salvo o devido
respeito por melhor opinião, claramente violador dos princípios constitucionais
do Estado de Direito, igualdade e acesso ao direito — artºs 2, 9, 13, 18 e 20,
todos da Constituição da República Portuguesa. A nossa Lei Fundamental consagra
como um dos pilares do Estado de Direito a possibilidade do exercício de
contraditório (proibição do princípio da indefesa) – art. 20 da CRP. Este
princípio encontra tradução no seguinte: todo o processo que é iniciado deve
estar sujeito ao princípio do contraditório, ou seja, o demandado deve poder ser
“ouvido em juízo “e pode expor a sua verdade dos factos, de forma a poder ter um
“processo justo”. E o “processo justo “só pode ser aquele em que para além das
questões formais, o demandante ou recorrente possa discutir, também, as questões
materiais que estão subjacentes aos actos que limitam os seus direitos,
liberdades e garantias. A proibição da “indefesa “consiste na privação ou
limitação de direitos do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais
se discutem questões que lhe dizem respeito. “A violação do direito à tutela
judicial efectiva sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa,
verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de
princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer
o seu direito de alegar, dai resultando prejuízos efectivos para os seus
interesses (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira - CRP anotada, 1993, pp 163 e
164, e Fundamentos da Constituição, pág. 82 e 83).
O caso dos autos é manifestamente um caso em que o particular perante um erro e
omissão grave dos serviços da administração tributária se vê impedido de
discutir os aspectos materiais e fundamentos que estão subjacentes à emanação do
acto tributário. Sendo que, tal situação, ainda, se afigura mais grave quando a
ora recorrente conseguiu em sede de impugnação de IVA, relativamente ao mesmo
período de tempo, e através de decisão judicial do Tribunal Central
Administrativo Norte demonstrar que os critérios e os fundamentos utilizados
pela administração fiscal no relatório que conduziu à liquidação do acto
tributário não estavam correctos, e que os mesmos padeciam de vicio de lei e de
falta de fundamentação do acto tributário (v. acórdão junto aos autos a fls...
relativo ao IVA e proferido em 6-03-2008 pelo Tribunal Central Administrativo
Norte).
Para a ora recorrente, e salvo o devido respeito por melhor opinião, e como
supra se referiu a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte fez
incorrecta interpretação da lei, e a interpretação efectuada em relação aos
art2s 37 e 99, ambos do CPPT e arts 56 e 86 da Lei Geral Tributária está ferida
de inconstitucionalidade, porque violam o disposto nos art2s 2, 9, 13, 18 e 20,
todos da CRP, na medida em que estes permitem que qualquer cidadão ou empresa
possa discutir um juízo qualquer acto que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias, e sem que as questões de ordem formal se sobreponham às questões de
ordem material. Nomeadamente quando tal impedimento resulta de um erro e omissão
praticados pela própria Administração Tributária No fundo trata-se de aplicar ao
presente caso uma das regras fundamentais do direito civil que é a proibição do
“venire contra factum proprium” – art. 334 do C.Civil. Não pode, pois, a
administração tributária beneficiar de um direito (liquidação do tributo) quando
foi ela própria que cometeu erro grave e omissão que impediu a ora recorrente de
poder fazer valer, atempadamente, os seus direitos em sede própria (...)”.
3 – Porque o caso sub judicio se enquadra no âmbito da hipótese
recortada no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e igualmente atenta a disposição do
artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se, nos termos seguintes.
4 – O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC, que admite, em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, os recursos interpostos de decisão que apliquem, como ratio
decidendi, norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
Para tais efeitos, importa, pois, colocar o tribunal recorrido perante o dever
de apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo
de concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido
ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.
Em cumprimento desse desiderato, exige-se que em sede de recurso a questão de
constitucionalidade seja objectivada de modo claro, directo e objectivo (cf.
Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nas
conclusões da motivação do recurso, uma vez que são estas que delimitam o âmbito
e o objecto do recurso, e, concretizando o sentido dessa exigência, tem este
Tribunal estabelecido que «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma
jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é
colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para
decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e
perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada
interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a
Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa
incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou
princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma
norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de
aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa decisão
dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada
interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96,
663/96 e 618/96, este publicado no Diário da República, II Série, de
15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação
dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§]
Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a
conformidade à Constituição de uma norma (...)” – cf. o referido Acórdão n.º
618/98 e os acórdãos para os quais remete.
A justificação para tal reside no facto deste Tribunal, por mor das suas
particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex
constitutionis, não poder assumir-se como uma instância de amparo ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol.
De facto, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade constituído por normas jurídicas, não pode sindicar-se, no
recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando
esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no
que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da
interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o
critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias
específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos
para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de
normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
specie constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais.
Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do
julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal
Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas
apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão
recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de
constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da
República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por
exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de
21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94,
publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência
Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos –
embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito
legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende
controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e
específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do
juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na
sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a
aplicação do direito […]».
5 – No caso concreto, perscrutando os elementos constantes dos autos
e aí vertendo os explicitados critérios de admissibilidade do presente recurso,
resulta claro que não podem ter-se por verificados os pressupostos determinantes
do conhecimento do objecto da pretensão recursória aduzida neste Tribunal, por a
mesma traduzir recta via a sindicância do julgado na óptica da aplicação do
direito à realidade concreta e factual ponderada pelas instâncias, principaliter
o entendimento destas quanto ao juízo de que o “esclarecimento” pedido pela
recorrente não se enquadrava no âmbito do artigo 37.º do CPPT, razão pela qual
se concluiu, logo em primeira instância, que “se não estamos perante um pedido
de fundamentação justificado ao abrigo daquele normativo, o acto de fixação da
matéria tributável tem de se considerar eficaz relativamente à impugnante desde
a data da sua notificação”.
Tal juízo, que determina a inidoneidade do objecto do presente
recurso, resulta igualmente confirmado pelo teor das alegações produzidas nos
autos, nas quais a recorrente nunca definiu, com base nos criteria referidos,
uma questão de constitucionalidade normativa antes controvertendo, nas suas
palavras, “o entendimento (...) de que o pedido de esclarecimento formulado por
esta (...) na 2.ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, nos termos do
art.º 37.º do CPPT, não... se possa enquadrar no âmbito da fundamentação do acto
tributário legalmente exigida”, carecendo este Tribunal de poderes cognitivos
para apreciar a aplicação da lei que a recorrente contesta.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 7 (sete)
Ucs».
B – Fundamentação
4 – Como se distrai da argumentação tecida na reclamação, a
reclamante não rebate a bondade da fundamentação em que se abonou a decisão
sumária, nos termos da qual não se verificavam os pressupostos do recurso de
constitucionalidade, por a recorrente controverter o julgado «na óptica da
aplicação do direito à realidade concreta e factual ponderada pelas instâncias,
principaliter o entendimento destas quanto ao juízo de que o “esclarecimento”
pedido pela recorrente não se enquadrava no âmbito do artigo 37.º do CPPT, razão
pela qual se concluiu, logo em primeira instância, que “se não estamos perante
um pedido de fundamentação justificado ao abrigo daquele normativo, o acto de
fixação da matéria tributável tem de se considerar eficaz relativamente à
impugnante desde a data da sua notificação» e por nunca ter enunciado qualquer
questão de constitucionalidade normativa de que a instância recorrida houvesse
de conhecer.
A reclamante continua a esgrimir contra a correcção da decisão
judicial pretendida recorrer, a se, por confronto directo, quer com o direito
infraconstitucional, quer com as normas e princípios constitucionais que
considera aplicáveis ao caso.
Ora, como se disse, na decisão reclamada, não cabe no recurso de
constitucionalidade a apreciação da decisão nessa óptica.
Ao Tribunal Constitucional apenas cabe apreciar, no tipo de recurso
em causa, questões de constitucionalidade relativas a normas de direito
infraconstitucional que tenham constituído fundamento normativo da decisão e que
hajam sido colocadas à consideração da instância recorrida.
Sendo assim, a reclamação deve ser indeferida.
C – Decisão
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 18 de Novembro de 2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos