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Processo n.º 835/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito do processo penal comum, que correu os seus termos, sob o n.º 260/03.5
IDPRT, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, o arguido A.,
entre outros, foi condenado, por acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2008, na
pena única de cinco anos de prisão, acrescida da proibição de exercer as suas
funções durante cinco anos, pela prática, em concurso, de um crime de auxílio à
imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 134.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98,
na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003, e de um crime de corrupção passiva para
acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal.
Na sequência de recurso interposto pelo referido arguido, tal decisão
condenatória foi integralmente confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação
do Évora, datado de 16 de Julho de 2009.
O arguido interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional,
requerendo a apreciação das seguintes questões de constitucionalidade:
«Deve o presente recurso ser admitido ao abrigo do artigo 70º nº 1, alínea b) da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº
143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela Lei nº 88/95
de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro,
a) porquanto a decisão do Tribunal da Relação é inconstitucional por a norma do
artigo 428º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que,
tendo o tribunal de 1ª instância apreciado livremente a prova perante ele
produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o
tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados
na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova
produzida, transcrita nos autos; sem avaliar e comparar especificadamente os
meios de prova indicados na decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo
recorrente e que este considera impor decisão diversa (cfr. pags. 468 a 474 e
481 a 489 do douto acórdão do tribunal da Relação de Évora)
aa) A questão da constitucionalidade da norma é suscitada no presente
requerimento ao abrigo da uniforme jurisprudência do tribunal constitucional
que excepcionalmente admite o recurso, dispensando o Arguido de a ter suscitado
durante o processo, até á decisão que se recorre, porquanto se afigura não ser
exigível que antevisse a possibilidade da aplicação daquela norma ao concreto
de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade
antes da decisão.
b) Deve o presente recurso ser admitido igualmente ao abrigo do artigo 70º nº 1
alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas
pela Lei no 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela
Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro, nos
termos da decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional 116/2007, proferido no
âmbito do processo 522/06 da 3ª Secção.
bb) Uma vez que cabe recurso para o tribunal constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem normas já anteriormente julgadas inconstitucionais,
sendo que a norma que foi considerada inconstitucional é a do artigo 428 do
C.P.P. quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instância
apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso
interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a
afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto
de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos;
c) Deve o presente recurso ser admitido igualmente ao abrigo da referida alínea
b) do artigo 70º nº1 alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de
07 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26
de Fevereiro, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 188.º,
n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), na «interpretação segundo a qual
permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de
telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o
arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância», por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;
Em 3-11-2009 foi proferida decisão sumária no sentido de não julgar
inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo
Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na interpretação
segundo a qual “permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante
intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério
Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução,
sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a
sua relevância” e de não conhecer das questões de inconstitucionalidade
suscitadas pelo recorrente relativamente ao artigo 428.º do Código de Processo
Penal.
Esta decisão apoiou-se nas seguintes razões:
“1. Requisitos gerais do recurso de constitucionalidade
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já
não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
2. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 428.º do Código de
Processo Penal
O recorrente invocou a inconstitucionalidade de duas interpretações normativas
deste preceito legal que imputa à decisão recorrida, completando-se o enunciado
destas interpretações.
Assim, o recorrente aponta a inconstitucionalidade do artigo 428.º do CPP, na
redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, “quando interpretado no sentido de
que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele
produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o
tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados
na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova
produzida, transcrita nos autos, sem avaliar e comparar especificadamente os
meios de prova indicados na decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo
recorrente e que este considera impor decisão diversa”.
Da leitura da decisão recorrida constata-se que esta nunca sustentou tal
posição, nem explícita, nem implicitamente.
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever alguns trechos da decisão
recorrida na parte em que o tribunal a quo apreciou a matéria respeitante à
apreciação da prova por referência ao recorrente:
«[...]
- Da errada apreciação da prova
(...)
Conhecendo a Relação de facto e de direito nos termos previstos no art. 428º do
CPP, a reapreciação da matéria de facto e, a partida, admissível, mesmo para
além da aferição oficiosa da verificação dos vícios previstos no art. 410º, nº
2 (...) tendo em vista a modificação, em razão de elementos de prova
reapreciados, do decidido quanto aos factos nos termos autorizados pelo art.
431º do mesmo diploma.
(...)
Acresce ao exposto, que, conforme resulta do disposto no art. 431º, alínea b),
do CPP e sem prejuízo do disposto no art. 410º, do mesmo Código, a decisão sobre
a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova, se
esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412º, nº3.
Na verdade, de acordo com o disposto no referido normativo legal, quando impugne
a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os
pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que
impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ter sido renovadas, sendo
que nestes últimos casos (reportados às alíneas b) e c), referidas), tal
especificação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do
disposto no art. 364º, nº 2, devendo o recorrente indicar concretamente as
passagens em que se funda a impugnação, em conformidade com o preceituado no nº
4 do citado art. 412º.
(...)
-Do arguido A.
O arguido questiona a factualidade provada que no que a si concerne consta dos
pontos 16), 17), 18), 19), 20), 116), 121) e 122).
Tal factualidade resulta demonstrada pelo teor das conversações resultantes das
escutas telefónicas, nas quais o constante do facto 17), flui com clara
evidência da conversa constante do alvo 1G433, sessão 329, que não pode deixar
de demonstrar um relacionamento mais próximo que o resultante de um mero
contacto funcional. Não é razoável supor que a arguida B. pudesse admitir que o
recorrente tinha saudades dela, se o relacionamento entre ambos não tivesse
alguma proximidade.
Salienta-se que o Acórdão recorrido também ponderou o depoimento da testemunha
C., colega de trabalho do mesmo, que “referiu em audiência ter estranhado a
relação existente entre a arguida B., mormente por via das inúmeras vezes que a
mesma se dirigia aos serviços, por vezes acompanhada pelo arguido D.,
dirigindo-se sempre ao arguido A..
E tal factualidade não colide com aquela outra que em relação a tal arguido foi
considerada não provada, inexistindo qualquer contradição entre a mesma, tanto
mais que a factualidade não provada se reporta a factos totalmente autónomos e
meramente circunstâncias ou de pormenor, sem qualquer relevo.
É indiferente à economia da decisão que tais factos tenham ficado não provados.
Quanto à factualidade provada em 18) a 20), 121) e 122) a mesma resulta da
conjugação entre o teor das escutas telefónicas, conjugada com o depoimento das
testemunhas, maxime daquele que foi produzido pelos Inspectores do SEF E. e
F., os quais confirmaram o relatório de vigilância de 27 de Fevereiro de 2006,
(fls. 14212 a 14215) data em que viram a arguida B. entregar ao arguido D. um
envelope com certa quantia, constituída por mais de dez notas de 100 e de 50
euros, que este levou, bem como dois caixotes, ao estabelecimento comercial do
pai do arguido A., ou da oferta de um fio de ouro a mulher do recorrente.
A circunstância de a testemunha F. ter referido em audiência um facto que não
consta do relatório de vigilância, qual seja o facto de o arguido D. ter levado
para o interior do estabelecimento o envelope não retira credibilidade ao seu
depoimento, sendo perfeitamente aceitável que nem todos os factos tenham sido
vertidos no relatório de vigilância.
A questão está em saber se o tribunal deu credibilidade ao conteúdo de tal
depoimento, o que realmente aconteceu.
Aliás, ao longo do seu recurso o que o recorrente faz é atacar a convicção do
tribunal, pretendendo impor a sua visão dos factos, esquecendo o principio da
livre convicção do tribunal que no caso se mostra observada com critério, não
fluindo da fundamentação da decisão qualquer interpretação caprichosa, antes
resultando uma apreciação cuidada e criteriosa da prova produzida em relação a
este arguido.
O acto de corrupção que o arguido D. aceita, embora dando-lhe um enquadramento
jurídico diferente, reportado à ilicitude, infere-se claramente de duas
situações correspondentes a transcrições das escutas telefónicas do alvo 1G433,
sessão 4478 em que dois dos passaportes não são validos.
Por sua vez da conversa a que corresponde a sessão 2143 resulta que era
irrelevante que o nome dos candidatos ao visto não correspondesse com o teor
dos documentos juntos para o efeito.
Não afasta a interpretação feita pelo tribunal recorrido, nem o facto de o
recorrente se ter recusado a entregar os ROTS sem os papelinhos, tanto mais que
tal acto estava abrangido por uma circular e sujeito a supervisão e deferimento
da hierarquia, o que não impedia uma actuação facilitadora noutras áreas que
ficaram provadas, nem a matéria provada colide com o facto de a arguida B. usar
linguagem menos elegante em relação ao arguido A..
Quanto aos objectos em ouro, flui da decisão recorrida o raciocínio feito no
sentido de considerar a existência de tais contrapartidas.
A clareza com que a decisão recorrida se mostra fundamentada, não oferece margem
para dúvidas.
Ai se refere o seguinte:
O interesse do arguido A. em tão esdrúxula actuação começa a ter a sua
explicação lógica ao longo de toda a conversa transcrita na sessão 754 do alvo
1 G433 - arguida B. , quando a mesma , dirigindo-se a indivíduo que também se
dedica a idêntica actividade, lhe diz muito claramente que o arguido A. lhe foi
apresentado por ela e que, tal como assim aconteceu, também podia dar-lhe
instruções para que aquele funcionário deixasse de tratar o interlocutor com a
mesma solicitude, o que este aceita, por obviamente ser verdade. Acrescenta
ainda a arguida, várias vezes, que tal tratamento tem um preço por parte do
arguido A..
Esse preço nem será tanto aquele que resulta da encomenda que a arguida B. faz
ao arguido G. , para trazer da Moldávia à mulher do arguido A. uma pulseira no
valor de cerca de 400 euros, como resulta claro da conversação transcrita na
sessão 758 do alvo 1G433 - arguida B..
Nem mesmo o fio em ouro que lhe foi apreendido e que a arguida B. afirmou em
audiência ter-lhe realmente oferecido (trata-se do fio em ouro de 9 quilates de
malha oca, com o peso total de 9,2 gramas e 55 centímetros de comprimento, com o
valor comercial de 80, tal como resulta do respectivo auto de exame).
Mas mais o de que falam os arguidos B. e D. nas conversas que sobre tal tema
têm, transcritas nas sessões 559 e 1534 do alvo 29392M - arguido D., das quais
resulta que a arguida B. já tinha feito entrega de dinheiro ao arguido A. (como
anunciou ir fazer durante a conversa respeitante à sessão 5792 daquele alvo 1
G433) e que iria ser necessário entregar mais, nomeadamente na loja do pai
deste, já que o mesmo mostrava relutância em receber o que quer que fosse no
seu local de trabalho.
Os mesmos arguidos confirmam o local das entregas dias mais tarde quando a tal
propósito falam entre si no conciliábulo que está transcrito relativamente à
sessão 12046 do alvo 1G433 - arguida B., ligando tal necessidade à entrega para
breve de documentos já tratados.
Uma ida destes arguidos à loja do pai do arguido A. foi confirmada em audiência
pela testemunha E., inspector do S.E.F. que a presenciou, pelo que os arguidos
estão de facto a falar sobre realidade harmónica com o teor da respectiva
conversação.
O mesmo asseverou em audiência a testemunha F., inspectora do S.E.F., que
relatou ter assistido à entrega pela arguida B. ao arguido D. de um envelope com
dinheiro, que este último contou antes de entrar na loja do pai do arguido A.,
de onde saiu sem o tal envelope, bem como sem as duas caixas com que também ali
havia entrado.
Já não admira pois neste ponto que a arguida B. se queixe que o arguido A. quer
pela terceira vez aquilo que a arguida já lhe deu por duas, como resulta claro
da conversação transcrita na sessão 12390 do alvo 1G433 - arguida B..
Menos ainda que o arguido A., para além da perfeita consciência de todo o
esquema montado em torno da obtenção dos vistos, estenda o mesmo à própria
composição da cabeça da organização, quando referiu ao arguido D. que este seria
o segundo a seguir à arguida B., na sessão 12868 do alvo 1G433 - arguida B..
A prova assim encontrada, não resulta contraditada pelo facto de o recorrente
ter dito à testemunha C. que a arguida B. deixou no Centro de Emprego o fio de
ouro e que o quis devolver.
O certo é que o fio foi apreendido no gabinete do arguido e a própria
testemunha C. referiu ter conhecimento de que se encontravam algumas oferendas
no gabinete do arguido A..
Não diga este que é normal tal procedimento na altura do Natal, tanto mais que a
natureza do objecto apreendido (fio de ouro), é pouco compatível com uma normal
prenda de Natal, mais se justificando num quadro de acordada contrapartida
monetária. Aliás, se o arguido questiona que tivesse uma relação especial com a
arguida B., a que propósito a mesma lhe iria oferecer um fio de ouro?????
A natureza do objecto também afasta a versão apresentada pela directora do
Centro de Emprego no sentido de ser normal receberem lembranças nas épocas
festivas do Natal e Páscoa.
Não é nada normal que o arguido se disponha a receber prendas nessas épocas
festivas e muito menos fios de ouro.
A não ser que os favores que estão por detrás da oferta justifiquem o preço.
Aliás, o recebimento de um preço por parte do arguido A. resulta claro do teor
da conversa correspondente à sessão 754 do alvo 1G433, entre a arguida H. e o
I.. Ai a arguida refere claramente:
“Quem e que te faz de graça? Tu pensaste que o A. faz de graça, ou o que e que
tu pensaste?...
Se eu disser ao A. que acabou com este, que acabou com aquele. Faça como deve
ser. Faça-os, mas faça-os quando deve ser, num mês, numa semana, naquela
altura... Não vou dizer-lhe para não fazer. Mas não deve viver alguém a minha
custa. Eu não gosto”
Resulta de tal conversa que o A. tem um preço e que ela pode convencê-lo a não
trabalhar com o I. ou com qualquer outro da mesma forma como trabalha consigo,
designadamente demorando mais tempo a disponibilizar os ROTS.
No que se reporta à conduta do arguido integradora dos elementos da corrupção
activa, e analisando as escutas telefónicas, delas resulta o seguinte:
Na conversa transcrita na sessão 12046 ocorrida entre a arguida B. e o arguido
D., dela resulta que os arguidos iam buscar os documentos que o recorrente
estava a trabalhar em casa de seu pai.
Na conversação ocorrida entre a arguida B. e o arguido A., transcrita na sessão
4478 dela resulta que o arguido refere que os pedidos de parecer favorável estão
prontos, que os pode ir buscar e que dois pedidos são irregulares por os
passaportes terem perdido a validade.
Mais aí fala em que pode ir buscar seis, exceptuando os outros dois, que não têm
o passaporte válido.
Salienta-se que também o facto de os pedidos de emissão de ROT serem triplamente
fiscalizados não colide com a matéria fixada nos autos, nos termos e com os
fundamentos com que o foi.
Assim, veja-se o procedimento do recorrente resultante das sessões 2143, 602 do
alvo 1G433 e 1812 do alvo 29392M, resultando do diálogo entre os arguidos B. e
D. que o recorrente admitiu uma troca de patrões, na documentação a tratar
porque uma entidade patronal tinha dividas à segurança social. Ora num caso
destes é por demais evidente que a troca não constaria das candidaturas ou dos
ROTS.
Quanto a conversa 11483 do alvo 1G433 dela resulta que o recorrente, a pedido
da arguida B. entregou ao co-arguido G. documentos que atestavam o parecer
favorável do I.E.F.P. reportados a manifestação de vontade de contratar cidadão
estrangeiro sem a devida autorização escrita da entidade patronal.
No que se refere à entrega dos “papelinhos”, que correspondiam às declarações
das entidades patronais autorizando que determinada pessoa levantasse a
documentação relativa a empresa), há que atentar a que o Inspector do SEF, E.
referiu que nunca assistiu a entrega por parte da arguida B. de tais documentos
ao recorrente, o que é bem diferente daquilo que o mesmo alega e não tem a
virtualidade de provar ou infirmar o que quer que seja nesta matéria.
Quanto ao facto de as alegadas testemunhas de defesa entregarem os ROTS,
impõe-se atender ao seguinte:
-A testemunha C. referiu que por vezes os entregava, o que é diferente de dizer
que era sua função entregá-los;
-A testemunha J., que tinha a função de dar entrada da correspondência no Centro
de Emprego referiu que não entregava os ROTS, antes os recebia;
-A testemunha L. referiu que só raras vezes entregava os ROTS;
-Também a testemunha M. referiu que os entregava raramente.
Assim, tais entregas ocasionais por parte de terceiros, não afastam, antes
confirmam que era o recorrente quem, por regra, entregava os ROTS.
Quanto à conversa constante da escuta 7366 resulta da mesma exactamente aquilo
que o tribunal conclui e não outra coisa.
Ou seja, o Senhor Juiz do tribunal a quo interpretou e fundamentou devidamente
a prova narrada, usando de forma adequada o principio da livre convicção da
prova narrado no art. 127º do Código Penal, não resultando minimamente
infirmada pelos argumentos aduzidos pelo recorrente.
Consequentemente, a prova que em relação ao mesmo foi fixada no Acórdão objecto
de recurso, deve considerar-se definitivamente assente.
Em face do exposto, improcede o recurso interposto pelo arguido A..
[...]».
Resulta inequivocamente do conteúdo da decisão recorrida acabada de transcrever
que o acto processual de reapreciação do julgamento da matéria de facto levado a
cabo pelo Tribunal da Relação de Évora não assentou na aplicação da norma
constante do artigo 428.º do CPP, interpretada nos precisos termos enunciados
pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade.
No caso concreto, e diversamente do alegado pelo recorrente, a solução
normativa de falta de valoração pelo próprio tribunal de recurso dos meios de
prova produzidos perante o tribunal recorrido – que já mereceu a censura
jurídico-constitucional do Tribunal Constitucional no respectivo Acórdão n.º
116/2007 - não foi aplicada como critério material de decisão.
Nem explícita, nem implicitamente, uma vez que até se constata que o tribunal
recorrido procedeu à análise dos meios de prova indicados na fundamentação da
decisão proferida em primeira instância, bem como também apreciou meios de
prova indicados pelo recorrente em sede de alegações de recurso que
pretensamente impunham um diferente julgamento da matéria de facto.
Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não
corresponde minimamente a qualquer ratio decidendi da decisão do Tribunal da
Relação de Évora, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de
qualquer repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o
tribunal a quo nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o
sentido do seu julgamento.
Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa
concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade dos
recursos de constitucionalidade previstos nas alíneas b) e g) do n.º 1, do
artigo 70.º, da LTC, devendo, assim, ser proferida decisão sumária de não
conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
3. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 188.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal
O recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material da norma constante
do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de
Agosto, na interpretação segundo a qual “permite a destruição de elementos de
prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia
criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes
pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se
possa pronunciar sobre a sua relevância”.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre a questão de
constitucionalidade que agora vem colocada à sua consideração.
Com efeito no acórdão n.º 70/08 (publicado no Diário da República, 2.ª Série, de
7 de Julho de 2008 e disponível na página Internet do Tribunal Constitucional,
no endereço www.tribunalconstitucional.pt), o Plenário deste Tribunal decidiu
'não julgar inconstitucional a norma do art. 188.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando
interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material
coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem
que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o
eventual interesse para a defesa”.
A jurisprudência fixada nesse acórdão é inteiramente transponível para o
presente caso, pelo que, remetendo-se para a respectiva fundamentação,
mantém-se a posição de não considerar inconstitucional a referida interpretação
normativa, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo
78.º-A, n.º 1, da LTC.
O recorrente reclamou desta decisão, alegando o seguinte:
“A) DO NÃO CONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE RELATIVA AO ARTIGO 428º DO
CÓDIGO PROCESSO PENAL
1º Deve a presente reclamação ter provimento, porquanto, ao abrigo do artigo 70º
nº 1 alínea b) e g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações
introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de
Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 1 3-A!98 de 26 de
Fevereiro, a decisão do Tribunal da Relação é inconstitucional por a norma do
artigo 428º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que,
tendo o tribunal de 1ª instância apreciado livremente a prova perante ele
produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o
tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados
na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova
produzida, transcrita nos autos; acrescendo a tanto a decisão do Acórdão do
Tribunal Constitucional 116/2007 de 16 de Fevereiro de 2007, no D.R. II Série de
23 de Abril de 2007.
2º Como interpreta o douto acórdão da relação proferido nestes autos, a norma do
artigo 428 do C.P.P. viola os artigos 32º nº 1 e 20 nº 1 da Constituição da
Republica portuguesa, uma vez que tal norma que se estipula que as relações
conhecem de facto e de direito viola os ditos artigos da C.R.P., uma vez que
cerceia de forma drástica, grosseira e intolerável as garantias de defesa do
arguido, restringindo de maneira insuportável o núcleo essencial do seu direito
ao recurso em matéria de facto, violando de igual modo a garantia
constitucional do duplo grau de jurisdição também nesta matéria.
3º A questão da constitucionalidade da norma é suscitada no presente
requerimento ao abrigo da uniforme jurisprudência do tribunal constitucional que
excepcionalmente admite o recurso, dispensando o Arguido de a ter suscitado
durante o processo, até à decisão que se recorre, porquanto se afigura não ser
exigível que antevisse a possibilidade da aplicação daquela norma ao concreto de
modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes
da decisão.
4º Ou seja, até esta fase o ora recorrente não dispôs de qualquer oportunidade
processual para suscitar a anteriormente inconstitucionalidade aqui em causa,
quer pela forma inesperada que a questão surge no acórdão recorrido, quer pela
forma ainda mais inesperada que é ali tratada.
5º Considerando o disposto no artigo 428º do CPP, conjugado com o disposto no
artigo 412º nº 1, 3 e 4 do CPP, era impossível ao recorrente prever ou admitir
que o tribunal da relação se abstivesse de sindicar a matéria de facto impugnada
em sede de recurso.
6º Aliás negou-se o Tribunal da Relação de Évora a sindicar os pontos da
matéria de facto impugnados pelo recorrente, sob o pretexto de que em matéria de
prova e em processo penal, o principio da livre apreciação da prova (artigo 127º
do CPP), e sendo a audiência de julgamento regida pelos princípios da
publicidade, oralidade e imediação, apenas lho caberia fazer se o tribunal de 1ª
Instancia tivesse violado qualquer dos passos para a formação da sua convicção,
designadamente se não existissem os dados objectivos apontados na motivação, se
tivesse violado os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou se não
tivesse formado livremente a sua convicção, alegando não poder a censura da
forma de formação da convicção do tribunal a quo assentar de forma simplista no
ataque da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova.
7º Esta questão – a possibilidade/obrigatoriedade de os Tribunais de Relação
conhecerem tanto da matéria de direito, como da matéria de facto – encontra-se
regulada na disposição legal objecto do presente recurso (o artigo 428.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal), para a qual remete necessariamente o acórdão
recorrido (pese embora ali não se identifique expressamente o artigo da lei a
que se reporta).
8º Esta norma legal, na interpretação que dela faz o acórdão recorrido limita
de forma insuportável o núcleo essencial do direito ao recurso em matéria de
facto para Tribunal da Relação, bem como a garantia constitucional do duplo grau
de jurisdição também em matéria de facto, deturpando mesmo, infundada e
insustentavelmente, a ratio daquela norma legal, defraudando as expectativas do
recorrente.
9º Assim e para consubstanciar a inconstitucionalidade evocada deverá sempre se
considerar os fundamentos do acórdão da relação para a manutenção da decisão da
primeira instancia.
10º Materializa-se a postura da Relação no acórdão desta a fls. 468, 469, 470,
471, 472, 473 e 474, e ai podemos inferir pela exposição da relação, iniciando
nós a nossa exposição pela fundamentação do acórdão em relação ao arguido A., em
que a relação define o titulo dessa parte da Fundamentação como:
“-Da Errada Apreciação da prova:”
“Questão suscitada pelos arguidos (...), A. (...)“
11º Assim, poderia se esperar que nesta “secção” do acórdão viesse o tribunal
invocar quaisquer fundamentos, mas contudo extravasa a sua obrigação formulando
justificações técnico teóricas sem nunca objectivamente se pronunciar pelos
factos impugnados pelo recorrente:
12º Assim articula o tribunal da relação princípios relativos à produção de
prova e apreciação de prova, revelando que na sua óptica, tal postura de
principio permitia um julgamento de facto resumido á seguinte fundamentação:
O tribunal ad quem deve apreciar os factos provados e a fundamentação que o
efectuou para sustentar a sua convicção acerca dos mesmo, o que significa
descrever o processo de avaliação que levou a cabo de modo a que se possa dizer
com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou
discricionária da prova produzida.
Acresce que o essencial da fundamentação da matéria de facto, o processo de
avaliação deve resultar na análise criticamente comparada dos diversos elementos
de prova especificamente daqueles que foram decisivos para a formação da
convicção do julgador e quais as razões que a determinaram.” (cfr. Pág. 470 do
douto acórdão).
13º Não fez assim o acórdão da relação, nesta parte, qualquer menção objectiva
á matéria impugnada pelo recorrente, e que este considerou incorrectamente
julgada e que indicou concretas provas que impõe decisão diversa. (cfr. Recurso
do recorrente para a Relação de Évora, vide Conclusões - artigos sombreados nºs
7º, 20º, 65º, 67º, 69º, 70º, 78º, 85º, 93º, 118º)
14º Mais adiante, vem novamente e pela ultima vez, o Acórdão da Relação de Évora
se pronunciar acerca do recorrente A. (cfr. Pág. 481 a 492 do douto acórdão da
Relação de Évora), e mais uma vez de uma forma surpreendente, não se pronuncia
sobre a matéria impugnada pelo recorrente a que este indicou e conjugou, provas
concretas que impunham decisão diversa da recorrida.
15º Assim, o recurso do recorrente nos seus artigos 7º, 20º, 65º, 67º, 69º, 70º,
78º, 85º,93º e 118º das suas conclusões, impugna todos os factos imputáveis e
dados como provados pelo tribunal de 1ª Instancia, indicando nos artigos acima
referidos e subsequentes prova concreta efectuada no decurso da audiência de
julgamento, que impunha decisão diversa da recorrida, não tendo o tribunal da
Relação se pronunciado sobre tais factos, nem ponderado sobre a prova pelo
recorrente aduzida.
16º Ao contrário do imposto pela lei o tribunal da relação, e como resulta do
acórdão ora recorrido só se limitou a analisar se o tribunal de 1a instancia
fez uma correcta integração do factos ou direito, bem como se o acórdão padecia
algum dos vícios constantes do artigo 410º nº 2 do C.P.P.
17º Pelo que, o tribunal da Relação, ao dar matéria de facto como provada na
primeira instancia como assente, limitou-se a ler o acórdão recorrido, não
analisando criticamente a prova indicada, que impunha uma decisão diversa da
recorrida.
18º De referir a titulo de curiosidade, que em consequência, enferma o acórdão
da relação igualmente de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 C, do C.P.P.,
ao fazer tábua rasa dos argumentos expedidos aquando da impugnação da matéria
de facto, não os analisando criticamente, implicando tal omissão, a sua anulação
e a devolução dos autos a segunda instancia para colmatar tal omissão.
19º Sendo que, com tal omissão de pronuncia, foram violados os direitos de
defesa do arguido e como tal, foi violado o artigo 32º nº 1 da CRP, pelo que, o
acórdão recorrido padece de inconstitucionalidade.
20º Ora, não tendo sido assegurado pelo tribunal da relação de Évora um efectivo
grau de jurisdição em matéria de facto, não se encontra definitivamente
encerrada a questão de facto.
21º As relações conhecem de facto e de direito, nos termos do artigo 428º nº 1
do C.P.P., na concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria
de facto – reapreciação por um tribunal superior relativas à culpabilidade.
22º O recurso em matéria de facto, pressupõe uma reapreciação autónoma sobre a
razoabilidade da decisão tomada pelo tribunal a quo, quanto aos pontos de facto
que o recorrente considerou incorrectamente julgados, na base, para tanto, da
avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham decisão diversa
da recorrida (cfr. o recurso do recorrente nos seus artigos 7º, 20º, 65º, 67º,
69º, 70º, 78º, 85º, 93º e 118º das suas conclusões, impugna todos os factos
imputáveis e dados como provados pelo tribunal de 1ª Instancia, indicando nos
artigos acima referidos e subsequentes prova concreta efectuada no decurso da
audiência de julgamento em conjugação nos termos do artigo 412º nº 3 alíneas a)
e b) do C.P.P)
23º A reapreciação da matéria de facto, não se poderá bastar com meras
declarações e afirmações gerais quanto á razoabilidade do decidido na decisão
recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a
reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade
probatória das provas que serviram de suporte á convicção aos factos impugnados
que inexiste no acórdão da relação aqui recorrido.
24º A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constituem
elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto, e
para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso, ora a
projecção precisa e exacta dessa delimitação foi exaustivamente efectuada pelo
recorrente sem que para tanto o douto acórdão apreciasse os seus preciso termos
(cfr. o recurso do recorrente nos seus artigos 7º, 20º, 65º, 67º, 69º, 70º, 78º,
85º, 93º e 118º das suas conclusões impugna todos os factos imputáveis e dados
como provados pelo tribunal de 1ª Instancia).
25º Nos limites da impugnação impõe-se ao tribunal que confronte o juízo sobre
os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela
valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da
motivação, não bastando, por isso, uma referencia mais ou menos genérica à
fundamentação da decisão recorrida e a ausência de ponderação sobre as provas
que o recorrente indicou.
26º Á decisão do recurso sobre a matéria de facto é exigível que demonstre que,
no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionados da
matéria de facto, têm efectivo suporte na fundamentação, avaliando e comparando
especificamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de
prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diverso.
27º A decisão recorrida devia ser analisada nesta perspectiva de enquadramento
dos poderes e deveres de cognição do tribunal da relação, como tribunal de
recurso em matéria de facto, para verificar se contém suficiente pronuncia
relativamente ás questões que lhe foram submetidas e que se integrem no
perímetro dos seus poderes de cognição na reapreciação da decisão em matéria de
facto, ora no acórdão aqui recorrido eximiu-se o tribunal da relação de se
pronunciar suficientemente e na maior partes das questões que lhe foram
submetidas nem se pronunciou.
28º Ora, os termos da impugnação em matéria de facto foram delimitados pelo
recorrente através da identificação dos pontos de facto que considerou
incorrectamente julgados (todos no recurso recorrente para a relação
sublinhados a amarelo).
29º Assim, para decidir sobre esta matéria nos termos em que lhe estava
deferida, o acórdão da relação deveria analisar cada um dos pontos de facto
questionados, e apreciar em juízo e ponderação autónomos pela valoração das
provas de que processualmente poderia dispor, se tais elementos de prova,
impunham ou não, segundo a sua convicção um juízo diverso da decisão recorrida.
30º Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão, em matéria de facto
relativamente aos pontos questionados só poderia resultar da ponderação em
concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal deveria
analisar concretizadamente.
31º As razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio
tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do
recurso, e não a assumpção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos
da convicção do tribunal recorrido.
32º Ora, não podia o tribunal da relação decidir por simples adesão aos
fundamentos da decisão de primeira instancia, sem efectivamente se pronunciar
sobre a concreta e fundada concretização dos factos impugnados pelo recorrente
e da prova enunciada que daria sempre lugar a decisão diversa.
33º Com todos os limites ditados pela natureza, pelo momento de apreciação e
pelos termos, modelo e o modo de impugnação, a ponderação e convicção têm de
ser autónomas e autonomamente formuladas, não pode apenas o tribunal recorrido
tomar a sua convicção nas provas que pretensamente suportam a decisão do
tribunal recorrido, sem antes fazer uma analise critica das mesmas e formular
juízo de valor sobre aquelas apresentadas pelo recorrente que no entender do
mesmo impõem decisão diversa.
34º Considerando para tanto que o Julgamento de primeira instancia que
naturalmente provocou a decisão do tribunal recorrido é uno, não se podendo para
tanto valorar e aceitar excertos da prova que entram em contradição factual com
a generalidade da prova efectuada que foi suscitada pelo recorrente e é
manifestamente contraditória a decisão tomada.
35º A obrigação do tribunal da relação tomar conhecimento da matéria de facto,
para além de garantir um grau de dupla jurisdição, promove o princípio
funcional da justiça que no seu âmago deverá comportar decisões justas e não
justiceiras.
36º A prova é elemento essencial para a afirmação da justiça na sua plenitude de
modo a que a mesma não suporte a sua estrutura genética em decisões arbitrárias
de pura e mera convicção pessoal sem qualquer reflexo na realidade processual
probatória que realmente teve lugar em sede de julgamento.
37º Isto é uma apreciação que fica aquém do procedimento metodológico de
conhecimento a que estava adstrito o tribunal da relação não tem garantia de
constitucionalidade na interpretação da norma que fixa os poderes de cognição
das relações (artigo 428º do C.P.P.)
38º Neste sentido da valoração da prova como meio e método essencial de
alcançar a justiça, o acórdão do tribunal constitucional nº 116/07 de 16 de
Fevereiro de 2007, no D.R. II Série de 23 de Abril de 2007 julgou
inconstitucional a norma do artigo 428º nº 1 do C.P.P (actual 428º do C.P.P.),
“quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instancia
apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso
interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instancia se limite a
afirmar os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de
recurso foram colhidos da prova transcrita nos autos”
39º Perante a enunciação por parte do recorrente, aliás extensa e com a
indicação de várias provas referidas e mesmo transcritas até nas conclusões, o
acórdão recorrido limitou-se a produzir considerações genéricas e afirmou
rejeições probatórias, que podendo certamente resultar da convicção intima que
formou sobre os factos controvertidos, não estão suportadas por modelos de
avaliação da prova, com projecção e revelação externa, de modo a permitirem a
seguir o percurso lógico e racional na formação e formulação da convicção
segundo as exigências do principio da livre apreciação.
40º Aliás esta realidade é proficua na única parte do acórdão que efectivamente
faz menção ao recorrente, onde o acórdão da relação converte-se numa amalgama de
excertos da renovação da fundamentação do acórdão da primeira instancia,
renovando-o, sem fazer a analise critica dos meios probatórios e da
fundamentação do recurso do requerente (cfr. acórdão da relação pag. 481 a 489)
41º Inexistiu para a convicção do tribunal da relação a exigível obrigação de
se pronunciar sobre os factos impugnados pelo recorrente e as provas por este
aduzidas, tendo apenas concluído e acompanhado os fundamentos da decisão de
primeira instancia sem que para tanto fizesse uma analise critica da matéria
controvertida.
EM CONCLUSÃO
42º Como interpreta o douto acórdão da relação proferido nestes autos, a norma
do artigo 428 do C.P.P. viola os artigos 32º nº 1 e 20 nº 1 da Constituição da
Republica portuguesa, uma vez que tal norma que se estipula que as relações
conhecem de facto e de direito viola os ditos artigos da C.R.P., uma vez que
cerceia de forma drástica, grosseira e intolerável as garantias de defesa do
arguido, restringindo de maneira insuportável o núcleo essencial do seu direito
ao recurso em matéria de facto, violando de igual modo a garantia
constitucional do duplo grau de jurisdição também nesta matéria.
43º O modo como o acórdão recorrido responde ao objecto do recurso em matéria de
facto não satisfaz ainda inteiramente as exigências supostas pelos poderes e
deveres de cognição do tribunal de recurso na matéria em causa.
44º Com efeito no que respeita ao objecto do recurso para a relação, como se
encontrava delimitado, o acórdão recorrido não seguiu ou não seguiu
inteiramente, o procedimento metodológico exigido pela decisão de um recurso da
decisão em matéria de facto.
45º Tendo o recorrente indicado os pontos de facto que considerou
incorrectamente julgados e as provas que impunham decisão diversa da recorrida
(artigo 412 nº 3 alíneas a) e b) do C.P.P. , a reapreciação imposta nos limites
da cognição impunha uma ponderação especifica dos meios prova indicados e a
afirmação do resultado probatório segundo a enunciação dos motivos de convicção
do tribunal de recurso.
46º A verdade é que essa verificação tem de ser efectuada pelo tribunal de
recurso. Como escreveu no acórdão n.º 415/2001 (Diário da República, II série,
de 30 de Novembro de 2001), embora a propósito do artigo 712º do Código de
Processo Civil, “é manifesto que, para julgar um recurso de uma decisão sobre
matéria de facto, interposto com o fundamento de que tal decisão resulta de uma
errada apreciação de depoimentos testemunhais em que se baseou, o tribunal de
2ª instância tem, naturalmente, que proceder à apreciação desses depoimentos.
Nessa apreciação, igualmente feita nos termos do princípio da livre apreciação
da prova, mas obtida apenas a partir do registo de depoimentos que a 1ª
instância pode valorar com respeito pela regra da imediação, o tribunal de
recurso forma a sua própria convicção. Essa convicção pode, naturalmente,
coincidir ou não com a que se formou na 1ª instância (...)”.
47º O mesmo se pode dizer, como é evidente, de outros meios de prova sujeitos à
regra da livre apreciação (como documentos sem valor probatório tabelado)
utilizados pela 1ª instância e apontados pelo recorrente como levando a
conclusão diversa, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 412º do Código de
Processo Penal.
48º Assim, tal como se considerou, no citado acórdão n.º 680/98, que era
inconstitucional a interpretação do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo
Penal de 1987 (versão originária) segundo a qual a fundamentação das decisões em
matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados
em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da
convicção do tribunal, já que vinha, “na prática, inviabilizar o direito ao
recurso ou ao duplo grau e jurisdição em matéria de facto, consagrados no n.º 1
do artigo 32º da Constituição, ainda que se conceba esta garantia e aquele
direito como tendo um âmbito e uma dimensão reduzidos por comparação com a
matéria de direito”, também agora se julga inconstitucional a norma objecto do
presente recurso, por igualmente inutilizar a garantia de recurso relativo à
decisão sobre a matéria de facto (nos termos e com o âmbito permitidos pela
versão actual do Código de Processo Penal).
B) INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONSTANTE NO ARTIGO 188º Nº3 DO CÓDIGO
PROCESSO PENAL, NA REDACÇÃO ANTERIOR Á LEI Nº 48/07 DE 29/08
49º – Decorre do artigo 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 10 de Dezembro de 1948, que: “toda a pessoa acusada de um acto
delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente
provada no decurso de um processo público, em que todas as garantias necessárias
de defesa lhe sejam asseguradas”.
50º – Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32.º,
n.º 1, garante:
“[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso.”
51º – O n.º 2 da mesma norma assegura que: “[t]odo o arguido se presume inocente
até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no
mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”
52º – E o n.º 5 prevê: “(...) estando a audiência de julgamento e os actos
instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”
53º – Assim, no direito de defesa conferido ao arguido aflora como corolário o
direito ao contraditório relativamente à prova carreada pelo Ministério Público
com a colaboração do JIC.
54º – Ora, tendo o JIC ordenado a destruição dos suportes fonográficos
previamente seleccionados pelo Ministério Público, relativamente às escutas
telefónicas, o arguido ficou impedido de utilizar os registos fonográficos em
sua defesa, donde resultou um gritante desequilíbrio nos meios de prova e de
recolha da prova de que dispõe o Ministério Público para fundamentar a acusação
e aqueles que o arguido pode utilizar para contrariar os argumentos e os meios
de prova da defesa. (cfr. Caixa 27 2º Volume Instrução, páginas 857 a 860)
55º - A conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da
decisão final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou
de recurso para contextualizar as conversações transcritas, constitui um
direito fundamental do arguido que neste caso se encontra irremediavelmente
precludido, afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela norma
constitucional; (cfr. Caixa 27 2º Volume Instrução, páginas 857 a 860)
56º - Foram, assim, violados, entre outras normas, os artigos 11.º, n.º 1, da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948, 6.º, n.º
3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78,
de 13 de Outubro, e 32.º, nºs 1, 2, 5, da CRP.
57º - O Tribunal Constitucional pronunciou-se, pela terceira vez, pela
inconstitucionalidade dos artigos 18.º, n.º 2; 32.º, nºs 1 e 8; 34.º, nºs 1 e 4
da CRP – quando interpretadas no sentido de permitir que o juiz de instrução
criminal ordene a destruição parcial das gravações efectuadas, sem que
previamente o arguido as tenha podido ouvir e controlar.
58º A existência de três Acórdãos a pronunciarem-se pela inconstitucionalidade
da mesma matéria (Acórdãos nº 660/2006, 450/2007 e 451/2007) - neste caso o art.
188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, na interpretação supra referida -,
terá como efeito a declaração de “força obrigatória geral”.
59º É, portanto, inconstitucional, por violação das garantias de defesa do
arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e em particular
da garantia de um processo leal e do princípio do contraditório, a interpretação
do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que permite que sejam
destruídos elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações,
que o órgão de polícia criminal conheceu, com base na apreciação da sua
relevância efectuada e na consequente ordem dada pelo juiz de instrução, e de
cujo conteúdo o arguido não chega a tomar conhecimento, sem poder, pois,
pronunciar-se sobre a sua relevância.
60º Isto significa que todas as escutas que tenham sido parcialmente destruídas,
em casos pendentes, sem que os arguidos as tenham ouvido primeiro, são ilegais e
podem ser declaradas nulas (cfr. art. 281.º da Constituição).
61º Segundo o segundo Acórdão n.º 450/2007 do Tribunal Constitucional, “a ordem
de destruição, pelo juiz de instrução, de parte das gravações efectuadas no
decurso da intercepção das telecomunicações, dada sem que o arguido tenha tido
possibilidade de acesso à integralidade das mesmas, ‘comprime’ de forma
‘desnecessária e inaceitável’ as garantias de defesa do arguido, consagradas em
geral no artigo 32º, nº 1 da CRP”.
62º Refere ainda o Acórdão que “O direito à palavra a que se refere o artigo 26º
da CRP – próximo do direito à imagem, enquanto direito pessoal, e por isso
estruturalmente distinto do direito à liberdade de expressão (artigo 37. º) –
pressupõe a existência de uma «liberdade de disposição na área da comunicação
não pública», em que o que é dito – justamente por ser dito fora do espaço
público, ou seja, não com o intuito de ser escutado – faz parte da «acção
comunicativa» espontânea, «inocente e autêntica» (veja-se MANUEL DA COSTA
ANDRADE, Sobre as proibições de prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra
Editora, 1992, p. 70). A esta esfera da comunicação humana pertencem os
discursos fragmentários, a «expressão não reflectida nem contida», ou a
«formulação apenas compreensível no contexto de uma situação especial» (Tribunal
Constitucional Federal Alemão, apud MANUEL COSTA ANDRADE, ob. e loc. cit.).
Quem «escuta» um discurso assim, feito para não ser escutado, infere sentidos. A
decisão unilateral e externa (isto é, tomada sem o conhecimento do autor do
próprio discurso) quanto ao se e ao modo da descontextualização do mesmo,
permite que às inferências de sentido iniciais se venham a sobrepor outras, numa
escala potencialmente progressiva de redução da compreensibilidade do que foi
dito”.
63º Entendeu também o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 450/2007, que a
inconstitucionalidade desta dimensão normativa do preceito decorria do facto de
ela permitir «uma compressão inaceitável, e desnecessária, das garantias de
defesa do arguido, particularmente notória na comparação da sua posição com a da
acusação», pois que «o arguido, que já sofreu uma intervenção restritiva –
determinada e justificada apenas por razões de necessidade – nos seus direitos
fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, vê destruídos os registos
dessas comunicações, de cujo conteúdo não chega a tomar conhecimento, e não
pode sequer pronunciar-se sobre a sua relevância, enquanto a acusação (rectius,
o órgão de polícia criminal e o Ministério Público) teve acesso ao conteúdo
integral e completo das comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar
as partes que considere relevantes (artigo 188.º, nº 1, parte final), tendo uma
intervenção substancial anterior à apreciação do juiz e à sua decisão sobre a
relevância, que pode influenciar» (loc. cit., p. 755).
64º Para sustentar esta conclusão – segundo a qual, finalmente, a norma em causa
propiciaria uma desigualdade de armas entre acusação e defesa
constitucionalmente inaceitável – invocou o Tribunal, quer o estado do direito
comparado sobre o tema (p. 754), quer a jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem (ibidem) quer a sua própria jurisprudência anterior,
sobretudo a decorrente dos Acórdãos nºs 426/2006 e 4/2006 (loc. cit., p.
748-754). Quanto à jurisprudência europeia, recordou – tal como o já tinham
feito os Acórdãos nos 528/2003, 426/2005 e 4/2006 – o que esta vem dizendo
desde 1990, a saber, «que as legislações nacionais devem tomar precauções para
assegurar a comunicação intacta e completa das gravações efectuadas, para efeito
de controlo pelo juiz e pela defesa». Quanto à sua própria jurisprudência,
invocou especialmente o que o Tribunal dissera no Acórdão n.º 426/2005 e onde
foi decidido «[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, nºs 1, 3, e
4 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que são válidas as
provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte,
determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das
mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram
espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas
gravadas ou elementos análogos» (DR, II série, n.º 232, 5/12/2005, p. 17006).
65º Particularmente importante para a decisão tomada quanto à destruição
parcial das gravações foi a afirmação contida neste último Acórdão, segundo a
qual a «selecção [a efectuar pelo juiz de instrução] dos elementos a transcrever
[seria] necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade,
podendo vir a ser reduzida ou ampliada» (ibidem). O Tribunal entendeu que o
carácter «provisório» da primeira selecção a efectuar – carácter esse, note-se,
que ocupara um lugar de relevo na argumentação do Acórdão de 2005 – pressupunha
a preservação da integralidade das gravações, pois que, caso contrário, se
tornaria impossível que quer o juiz quer o arguido promovessem a «redução» ou
«ampliação» do seu âmbito.
66º Posto isto, e não havendo dúvidas que no processo sub júdice foi ordenada a
destruição da gravação de conversas telefónicas (cfr. Caixa 27 2º Volume
Instrução, páginas 857 a 860) sem que o arguido as pudesse ter ouvido e
controlado, sacrificando-se assim o direito a um processo equitativo, com todas
as garantias de defesa, e que inclui a faculdade de acesso à integralidade das
gravações efectuadas, deverão todas as transcrições de intercepções telefónicas
usadas no processo como meio de prova, ser declaradas nulas, com todas as legais
consequências. Ou seja, o desentranhamento do processo de todas as transcrições
de conversas telefónicas interceptadas e que serviram de base à condenação da
arguida.
67º Reforçando esta tese não poderá o tribunal afastar o seu conhecimento de
que a reforma Legislativa de 2007 (Lei 48/2007) veio de forma inequívoca
afastar a possibilidade de eliminar as escutas telefónicas sem o prévio
conhecimento do arguido.
68º Porquê? É a pergunta que fica pendente.
69º Pois que a resposta só pode ser uma, a lei anterior era prejudicial ao
arguido dai que tenha sido alterado, de modo a não prevalecer uma desigualdade
de armas em processo violadora do Principio do Contraditório
70º Entenda-se que o princípio do contraditório tem consagração constitucional
(art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que “nenhuma
prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória)
deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva
possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a
contestar e de a valorar”. “No que respeita especificamente à produção de
provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em
audiência pública e segundo um procedimento adversarial”.
71º Assim, ao contrário de algumas teses de que a aceitação da
inconstitucionalidade da destruição dos meios de prova seria um sério revés para
a administração da justiça, o que está em causa é um valor superior, ou seja, a
própria JUSTIÇA.
72º Assim e em defesa da JUSTIÇA, veio a Lei 48/2007 de 29/08, desfazer as
duvidas e repor o equilíbrio processual, manifestando expressamente a proibição
de destruição dos meios de obtenção de prova.
73º Ora sendo tal verdade, poderemos aferir se, a manter a posição de que as
escutas telefónicas poderiam ser eliminadas antes da Lei 48/2007 e após esta lei
já não, estamos a criar um sistema com dois pesos e duas medidas.
74º Ou seja, existem arguidos em Portugal que por uma questão temporal têm mais
e melhores meios de defesa do que outros, configurando tal facto uma violação
inequívoca e intolerável do princípio constitucional da igualdade:
Artigo 13.º - (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica ou condição social.
75º Assim as regras constantes do actual artigo 188º do Código Processo Penal,
mais do que uma alteração legislativa, são a consagração por parte do
legislador, do pensamento jurídico que à data da reforma orientava a aplicação
do nº 3 do referido artigo na redacção anterior.
76º Pois que, estamos perante o afastamento total das dúvidas que existiam
promovendo o legislador à forma de Lei a “doutrina” vigente de que as escutas
telefónicas não podem ser destruídas sem que os arguidos tenham a possibilidade
de acederem às mesmas.
77º Ou seja, perante a clarificação que constitui a alteração do artigo 188º do
CPP por parte do legislador, só se poderá concluir que o espírito do mesmo
explanado na anterior redacção do artigo 188º, seria que não poderiam ser
destruídas as escutas sem que o arguido a elas tivesse acesso.
Nestes termos a presente reclamação ser atendida e ser tomado conhecimento do
recurso interposto e em consequência:
a) porquanto a decisão do Tribunal da Relação é inconstitucional por a norma do
artigo 428º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que,
tendo o tribunal de 1ª instância apreciado livremente a prova perante ele
produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o
tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados
na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova
produzida, transcrita nos autos; sem avaliar e comparar especficadamente os
meios de prova indicados na decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo
recorrente e que este considera impor decisão diversa (cfr. págs. 468 a 474 e
481 a 489 do douto acórdão do tribunal da Relação de Évora)
aa) A questão da constitucionalidade da norma é suscitada no presente
requerimento ao abrigo da uniforme jurisprudência do tribunal constitucional
que excepcionalmente admite o recurso, dispensando o Arguido de a ter suscitado
durante o processo, até à decisão que se recorre, porquanto se afigura não ser
exigível que antevisse a possibilidade da aplicação daquela norma ao concreto
de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade
antes da decisão.
b) Deve o presente recurso ser admitido igualmente ao abrigo do artigo 70º nº 1
alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas
pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela
Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro, nos
termos da decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional 116/2007, proferido no
âmbito do processo 522/06 da 3ª Secção.
bb) Uma vez que cabe recurso para o tribunal constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem normas já anteriormente julgadas inconstitucionais,
sendo que a norma que foi considerada inconstitucional é a do artigo 428 do
C.P.P. quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instância
apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso
interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a
afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto
de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos;
c) Deve o presente recurso ser admitido igualmente abrigo da referida alínea b)
do artigo 70º nº 1 alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de
07 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26
de Fevereiro, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 188.º,
n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), na «interpretação segundo a qual
permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de
telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que
o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância», por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;
cc) A questão de inconstitucionalidade da norma na interpretação colocada em
causa foi suscita durante o processo, no articulado de recurso interposto para
o Tribunal da Relação de Évora, artigos 1º a 18º (A - Da nulidade das escutas).”
O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
“1º A Decisão Sumária de fls. 1175 a 1187 não conheceu do recurso quanto às duas
dimensões normativas do artigo 428.º do CPP, que o recorrente pretendia ver
apreciadas e negou provimento ao recurso quanto à inconstitucionalidade da
norma do artigo 188.º, nº. 3 do CPP, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de
29 de Agosto.
2º Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 428.º não se conheceu do
recurso porque aquela norma, nas dimensões questionadas, não tinha sido aplicada
na decisão recorrida.
3.º O recorrente, na reclamação, refere que suscitou a questão directamente
para o tribunal Constitucional, porque não teve oportunidade de o fazer antes.
4.º Ora, o fundamento para o não conhecimento, não foi a falta da suscitação
prévia da questão, mas a não correspondência entre as dimensões normativas
efectivamente aplicadas e as questionadas.
5.º Quanto a este fundamento, o recorrente nada diz que possa abalar a decisão
Sumária, limitando-se a formular juízos de valor sobre o Acórdão da Relação e a
forma como foi apreciado o recurso.
6.º Aliás, as partes da decisão recorrida, transcritas na Decisão Sumária, não
deixam qualquer dúvida sobre o bem fundado da decisão.
7.º Quanto à inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, na
redacção anterior à Lei n.º 48/2007 (destruição de elementos de prova obtidos
mediante intercepção de comunicações), o recorrente não adianta quaisquer
argumentos que levem à alteração do juízo de não inconstitucionalidade
formulado no Acórdão n.º 48/2007 (proferido em Plenário), para o qual, a Decisão
Sumária remete.
8.º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
*
Fundamentação
1. Do não conhecimento da questão de inconstitucionalidade de interpretação
normativa do artigo 428.º, do C.P.P.
A decisão reclamada não conheceu desta questão por ter entendido que a
interpretação cuja constitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada não
tinha sido perfilhada pelo acórdão recorrido como sua ratio decidendi, e não por
falta de suscitação prévia adequada.
E na verdade, da leitura daquele acórdão resulta com evidência que em nenhum
ponto do seu discurso se sustentou que “tendo o tribunal de 1.ª instância
apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso
interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a
afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto
de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos, não sendo
necessário avaliar e comparar especificadamente os meios de prova indicados na
decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo recorrente e que este
considera impor decisão diversa”.
Conforme, aliás, resulta da própria reclamação apresentada esta posição não
corresponde a qualquer pensamento da decisão recorrida mas sim à leitura crítica
que dela faz o reclamante.
Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não
corresponde minimamente a qualquer ratio decidendi da decisão do Tribunal da
Relação de Évora, o presente recurso de constitucionalidade não teria qualquer
repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal
recorrido nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do
seu julgamento, pelo que, atento o carácter instrumental do recurso para o
Tribunal Constitucional, revela-se correcta a decisão do mesmo não ser
apreciado nesta parte.
2. Da constitucionalidade da interpretação normativa do artigo 188.º, n.º 3, do
C.P.P.
A decisão reclamada, aderindo aos termos do Acórdão n.º 70/08 deste Tribunal,
não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do Código
de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na
interpretação segundo a qual “permite a destruição de elementos de prova obtidos
mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o
Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de
instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa
pronunciar sobre a sua relevância”.
O reclamante fundamenta a sua discordância desta decisão, apoiando-se nos
fundamentos constantes dos Acórdãos n.º 660/2006, 450/2007 e 451/2007, deste
mesmo Tribunal.
Posteriormente a estes arestos, o Tribunal, em Plenário, no referido Acórdão
n.º 70/08, não seguiu a posição neles sustentada, tendo ponderado todos os
argumentos que deles constavam.
Face à inexistência de novos dados que justifiquem uma reponderação da questão,
revela-se correcta a decisão da sua apreciação se resumir à remissão para o
referido Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, nos termos permitidos
pelo artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.
3. Conclusão
Pelas razões expostas deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida por este Tribunal em 3-11-2009.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos