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Processo n.º 827/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A., assistente num processo contra magistrado, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional do acórdão de 25 de Junho de 2009 do Supremo Tribunal de Justiça
que lhe indeferiu a arguição de nulidade e o pedido de reforma de uma anterior
decisão desse Tribunal de 12 de Março de 2009, que julgara improcedente o
recurso interposto de um despacho que rejeitou um requerimento de abertura de
instrução.
Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da
LTC, não se conheceu do objecto do recurso, pelos seguintes fundamentos:
“Tendo o presente recurso de constitucionalidade sido interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui
seu pressuposto processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que este
Tribunal aprecie.
A recorrente, conforme resulta do requerimento de interposição do presente
recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade
constitucional de uma certa interpretação das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo
283º e do n.º 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal.
Todavia, o acórdão ora recorrido – que, como também se infere do requerimento de
interposição do recurso, é o acórdão de fls. 414 e seguintes, isto é, o acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu uma arguição de nulidade e um pedido
de reforma – não aplicou os referidos preceitos legais e a interpretação que a
recorrente indica, pois que se limitou a resolver a questão da tempestividade
dos pedidos de nulidade e de reforma, aplicando ainda, embora a título
acessório, o artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 4º
do Código de Processo Penal). Aliás, na parte final do acórdão refere-se
expressamente que não havia que apreciar as questões de inconstitucionalidade
suscitadas pela requerente.
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do presente recurso, por as normas que o
constituem não terem sido aplicadas na decisão recorrida.
A isto acresce que, se por hipótese o presente recurso tivesse sido interposto,
não do acórdão que decidiu uma arguição de nulidade e um pedido de reforma, mas
do acórdão que conheceu da matéria da causa – isto é, se tivesse sido interposto
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009 -, também não
podia conhecer-se do respectivo objecto, por falta de preenchimento de outro dos
pressupostos processuais do presente recurso: a suscitação, pelo recorrente, da
questão da inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos processualmente adequados (cfr. os artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Com efeito, só após a prolação da decisão que conheceu de fundo suscitou a
recorrente a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada:
concretamente, só a suscitou num pedido de nulidade e de reforma dessa decisão.
Ora, com o acórdão de 12 de Março de 2009 esgotou-se o poder jurisdicional do
Supremo Tribunal de Justiça (cfr. o artigo 666º do CPC), pelo que a suscitação
devia ter tido lugar em momento anterior (isto é, na motivação do recurso), de
modo a que este Supremo Tribunal pudesse apreciar a questão, o que não chegou a
ocorrer.”.
Notificada da decisão sumária, A. dela reclamou para a conferência, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, formulando
as seguintes conclusões (fls. 448 e seguintes):
“1°-Nestes termos e nos melhores de direito, que por certo V.Exa. doutamente
suprirá, entendemos que face ao quadro factual que vem de ser exposto e tendo em
conta a alteração da lei em 1996, O poder do juiz não pode esgotar-se com a
decisão proferida, quando nos termos legais, por manifesto lapso, ele deixou de
aplicar o direito subsumível à matéria de facto identificada nos autos, sendo
que, nestas circunstâncias, a assistente não tem oportunidade de suscitar a
inconstitucionalidade noutra fase processual, visto nada fazer prever que o STJ
alteraria a própria jurisprudência por ele fixada.
2°-Sendo certo que só a nobreza das decisões enaltece a grandeza dos homens e
dignifica o seu carácter. E por isso, que num apelo à coerência do pensamento
jurídico que notabilizou V.Exa., se requer o reconhecimento da impossibilidade
de haver solicitado antes a inconstitucionalidade pelas razões aduzidas,
dignando-se admitir o recurso e, em consequência, se conheça de mérito em honra
ao direito e homenagem à justiça. ”.
Na resposta à reclamação, veio o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional dizer o seguinte (fls. 446 e seguinte):
“1º A Decisão Sumária de fls. 432 e 436 que não conheceu do recurso, assentou
numa dupla fundamentação.
Por um lado, porque, partindo do princípio que as decisões recorridas eram as
que decidiram a arguição da nulidade e pedido de reforma, então as normas cuja
constitucionalidade se pretendia ver apreciada (os artigos 283.º, n.º 3, alíneas
b) e c) e 287.º, n.º 2, do CPP), não tinham sido aplicadas naquelas decisões.
Por outro lado, porque, se se considerasse como decisão recorrida a que conheceu
da matéria, nesse caso, a questão da constitucionalidade das normas, não tinha
sido previamente suscitada.
2º Quanto a este segundo fundamento, acrescentaríamos que a questão não foi
suscitada, apesar de a recorrente ter tido plenamente oportunidade de o fazer,
quando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão que, na
Relação, lhe indeferiu o pedido de abertura da instrução.
3ºNa reclamação apresentada, apenas são tecidas considerações genéricas, não se
adiantando quaisquer argumentos que possam abalar a decisão reclamada.
4ºPelo exposto, deve a reclamação ser indeferida.”
II. Fundamentação
A decisão sumária ora reclamada entendeu não ser possível tomar conhecimento do
objecto do recurso de constitucionalidade por a decisão recorrida não ter
aplicado a interpretação normativa que constituía esse objecto e, como tal, não
estar preenchido um dos pressupostos processuais daquele recurso, a que alude a
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Sobre este fundamento, em que assentou a título principal a decisão sumária, não
se pronuncia a reclamante, pelo que nenhum motivo para alterar o decidido no
sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
A reclamante apenas tece considerações sobre o que, a título acessório (isto é,
aventando a hipótese de a decisão ora recorrida ser aquela que conheceu da
matéria da causa), se referiu na decisão sumária a propósito da não suscitação
da questão da inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos processualmente adequados (cfr. os artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Invoca essencialmente que, face ao novo regime de reforma de sentença do artigo
669º, n.º 2, alínea a), do CPC, na redacção resultante da reforma de 1995-1996,
não se pode afirmar que o poder jurisdicional do juiz se extingue com a prolação
da sentença, quando ele, por lapso manifesto, pode ter deixado de aplicar o
direito subsumível à matéria de facto dada como assente.
Ora, como resulta com evidência da citada norma processual, só é lícito requerer
a reforma da sentença, na hipótese aí configurada, quando tenha ocorrido
manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação
jurídica dos factos. Não pode, por conseguinte, esse mecanismo processual servir
para suscitar questões de constitucionalidade que não foram invocadas durante o
processo, tanto que a não apreciação de uma questão de constitucionalidade na
decisão final (ainda não suscitada no processo e sobre a qual o tribunal não
tinha de pronunciar-se) não pode entender-se como constituindo um lapso na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
Acresce que a recorrente teve a oportunidade processual de suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes da prolação do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça que conheceu da matéria da causa, pois que este acórdão se limitou a
acolher o entendimento que já havia sido adoptado pelo antecedente despacho do
Tribunal da Relação de Évora que a recorrente pretendeu sindicar. Não estamos,
portanto, perante uma decisão-surpresa com a qual a recorrente não pudesse
razoavelmente contar, mas perante uma decisão que não era objectivamente
imprevisível, visto que já havia sido adoptada no tribunal recorrido.
Assim sendo, no tocante ao segundo fundamento invocado, não há também motivo
para alterar o julgado.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação,
mantendo-se a decisão sumária de fls. 432 e seguintes.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão