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Processo n.º 919/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I ? Relatório
1. A. e Outro, inconformados com a decisão sumária proferida a 17 de Novembro de
2009, vêm dela reclamar dizendo o seguinte:
?1. No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido parecer do Procurador-Geral
Adjunto que foi objecto de resposta dos recorrentes, a qual foi mandada
desentranhar por ter sido assinada somente pelos recorrentes e já não pelo Exmo.
Mandatário Constituído, em simultâneo.
2. Acrescentou-se que a resposta não provinha de quem legalmente a podia
apresentar (Fls. 1808), porque extravasava o âmbito previsto no artigo 98.º, n.º
1 do CPP, isto é, continha matéria estranha à que pode ser apresentada em nome
próprio pelos arguidos ? exposições, memoriais e requerimentos. Continha matéria
de direito.
3. Nesta confluência formalista, concluiu-se que a ratio decidendi do Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça incidiu sobre a interpretação que foi feita da norma
do artigo 98.º, n.º 1 do CPP, considerando o Supremo Tribunal de Justiça que a
resposta consubstanciava uma ?clara, extensa, irrefutável e repetida matéria de
direito (Fls. 1859) e não uma exposição memorial ou requerimento que pudesse ser
assinada somente pelos recorrentes.
4. Remata-se, dizendo que os recorrentes deviam ter impugnado essa interpretação
e que não o fizeram, pelo que o requerimento não pode ser objecto de recurso.
Foca-se o artigo 64.º, 1, d) e não o artigo 98.º, 1, ambos do CPP.
Vejamos então se existiu essa impugnação do artigo 98.º, n.º 1 do CPP.
Uma questão meramente semântica.
5. Em 15.7.09, a Fls. ao interporem recurso do Acórdão de 1.7.09, de fls. e das
decisões precedentes para o Venerando Tribunal Constitucional e Lx (Ponto II)
focou-se explicitamente a norma do artigo 64.º do CP Penal ? a Auto
Representação ? e implicitamente a norma do artigo 98.º, n.º 1 do CP Penal ? as
exposições, memoriais e requerimentos apresentados pelos recorrentes ao longo de
todo o processo. Tanto assim que o referido Acórdão de 1.7.09 refere
expressivamente que ?os arguidos introduziram com a Constituição de Defensor uma
nota de perturbação ao nível do processo porque a ser assim jamais se alcançaria
quando as notificações deviam ser feitas a ambos ou ao seu Advogado ou a todos
conjuntamente. ? E acrescenta: ?ao terminarem a resposta, informam, a final, que
a Assistência está a cargo do Ilustre Advogado Constituído, só se concebendo o
termo assistência num uso que não se coaduna com a lei ? artigos 64.º e ss. do
CPP ? porquanto a lei consigna que o arguido é assistido por defensor e tal
assistência é absolutamente inconciliável com a sua auto representação, porque
dela excludente, supondo-a confiada a pleno defensor, não podendo ser confinado
a simples assessor, colaborador, etc. Assim, ao discutir-se a interpretação da
norma do artigo 64.º, 1, d) do CPP está igualmente em análise a norma do artigo
98.º, 1, do mesmo diploma legal; o mais contém o menos. É uma questão meramente
?semântica? que não afecta o essencial, isto é, o conhecimento do objecto do
recurso. Enfim, esta destrinça semântica entre as normas do artigo 98.º, n.º 1 é
um acto artificial, do mais refinado formalismo que não se compadece com uma
interpretação substancial e subtil de natureza gramatical de assistência. É o
enfoque concreto da auto representação assistida, quer se queira, quer não, que,
em primeira e última análise, está em discussão aprofundada, que não deve ser
enrodilhada nas mais inverosímeis formalidades processuais, que parecem ter como
principal objectivo transformar um debate maior/relevante numa agremiação inútil
de figuras jurídicas menores/irrelevantes, caminhando de pormenor em pormenor
jurídico, no meio desta balbúrdia institucionalizada sem fio lógico perceptível.
Efectivamente o Venerando Supremo Tribunal de Justiça colocou a questão da
assistência num patamar elevado e criou um debate de ideias aceso e profícuo, em
que se sente o prazer do sentir do Direito, embora em posições parcialmente
divergente.
Por sua vez, o Venerando Tribunal Constitucional na Decisão Sumária ora
reclamada reduz essa grande questão a um pormenor minúsculo e altamente
frustrante: ?os recorrentes não impugnaram expressamente a interpretação dada
pelo Tribunal ?a quo? à norma do artigo 98.º, n.º 1 do CPP, mas apenas à norma
do artigo 64.º, 1, d) do mesmo diploma adjectivo. ?Simplesmente, o discurso
recursivo abrange essa temática, porque o mais contém o menos, se não
expressamente pelo menos de forma implícita, estando perante o recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC interposto pelos recorrentes que
suscitaram a questão da inconstitucionalidade/ilegalidade de modo
processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer, como efectivamente conheceu.
Resta, por isso, o escrutínio do Venerando Tribunal Constitucional, em termos
substanciais. Pretende-se que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o
sentido atribuído pelo Acórdão recorrido às normas dos artigos 64.º, 1, d) + 98.º,
n.º1, ambos do CPP, que estiveram intimamente ligados ao longo da profícua
discussão dos autos e que inclusive conduziu à revogação do Acórdão proferido
pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (Fls. 1840 e ss), atinente à parte
penal, ficando prejudicada a apreciação das demais questões, incluindo a cível.
Há um vasto leque de questões suscitadas pelo pelos Advogados arguidos e que
devem ser apreciadas pelo TR Lisboa, e que este oportunamente não conheceu,
designadamente, além de outras, a questão da prescrição do procedimento criminal
e amnistia, etc? Incumbe à 2.ª Instância debruçar-se sobre tais matérias, após
baixa. Aqui e agora, preocupamo-nos em convencer VV. Exas. a tomarem
conhecimento da questão inconstitucional/ilegal que subjaz na interpretação dada
nas Decisões recorridas às normas interligadas intrinsecamente dos artigos 64.º,
1, d) + 98.º, n.º1, do CPP. Os actos processuais do arguido denominam-se,
consoante o seu conteúdo e finalidade, exposições, memoriais e requerimentos (artigo
98.º CPP), contidos dentro do objecto do processo e para salvaguarda dos
direitos fundamentais do próprio arguido, nomeadamente dos direitos processuais,
constantes do artigo 61.º, n.º 1 do CPP, os quais podem ser apresentados em
qualquer fase do processo ou grau de recurso; e ficam sempre integrados nos
autos, devidamente incorporados no processo. O presente recurso tem utilidade,
porque, para além da revogação do Acórdão do TR Lisboa, havia decisões
precedentes que também eram anuladas e que não devem subsistir por interferirem
e colidirem com os direitos fundamentais da defesa. E como a sua utilidade era
objectiva e visível, não obstante uma das nulidades já ter sido sanada é que o
recurso foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Aliás, o artigo 98.º, n.º1
caminha a par e passo com o artigo 64.º, n.º 1, al. d), ambos do CPP. Termos em
que requerem a VV. Exas. se dignem tomar conhecimento do objecto do recurso
interposto, abrangendo expressamente a norma do artigo 64.º, 1, d) do CPP e
implicitamente a norma do artigo 98.º, 1, do mesmo diploma adjectivo, porque tal
resulta de todo o discurso recursivo.?
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
?4. É de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional (LTC) por não se poder conhecer do objecto do recurso. Com efeito,
não obstante o recurso ter sido admitido pelo tribunal a quo, tal decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, de acordo com o disposto no artigo 76.º, n.º
3, da LTC.
5. Como é sabido, os recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da LTC ? como é o caso dos autos ? impõem a verificação de vários
requisitos de modo a que o respectivo conhecimento seja admissível. Tais
recursos não prescindem, desde logo, de um juízo de utilidade no sentido de que
qualquer juízo que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre o preceito
legal impugnado tenha a virtualidade de vir a produzir um reflexo útil nos autos.
Isso impõe que, nomeadamente, o preceito legal impugnado haja sido efectivamente
aplicado e que constitua o fundamento decisivo ou ratio decidendi na pronúncia a
quo. Tal não se verifica, no entanto, no caso em apreço. Vejamos:
5.1. O recurso interposto versa o artigo 64.º, n.º 1, alínea d), do CPP, ao
consagrar a obrigatoriedade de assistência, por mandatário constituído, nos
recursos ordinários e extraordinários (em processo penal). O STJ, considerando
que o recurso interposto para a Relação em 18 de Junho de 2007 foi subscrito não
só pelos Recorrentes mas também por advogado constituído, e constatando a
respectiva tempestividade, revogou o entendimento da Relação segundo o qual tal
recurso estaria ferido de nulidade. Deste modo, entendeu que tal nulidade não se
comunicava ao acto do mandatário constituído, concluindo então pela
tempestividade e cognoscibilidade do recurso. Por aqui se vê que, nesta parte, o
conhecimento do recurso não reveste qualquer utilidade ? no sentido já
especificado de utilidade de um eventual juízo de inconstitucionalidade que
viesse a ser proferido ? na medida em que o reflexo útil nos autos está já
afastado pelo facto de uma eventual nulidade ter sido considerada sanada pelo
STJ.
5.2. No entanto, e face ao despacho do Conselheiro Relator que havia sido
proferido na sequência de resposta que os Recorrentes apresentaram após a
notificação do parecer do Procurador-Geral-Adjunto junto do STJ ? despacho esse
que ordenou o desentranhamento dessa resposta pelo facto de, ao ser assinada
somente pelos Recorrentes e já não, do mesmo modo, pelo mandatário constituído,
?não provir de quem, legalmente, a podia apresentar? (fls. 1808) ? decidiu
aquele Tribunal no sentido de manter esse despacho. Considerou a conferência que
tal resposta não era admissível na medida em que, ao invés do que se prevê no
artigo 98.º, n.º 1, do CPP, continha matéria estranha à que pode ser apresentada
em nome próprio pelos arguidos. Deste modo, e nesta parte, a ratio decidendi do
acórdão a quo incide sobre a interpretação que foi feita desta norma,
considerando o Tribunal a quo que conteúdo que se identifique com ?clara,
extensa e irrefutável e repetida matéria de direito? (cfr. fls. 1859) não é
abrangido pela fattispecie do artigo 98.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e,
portanto, não pode constar de requerimento ou exposição não subscrita pelo
defensor. Constituindo a interpretação desta preceito a ratio decidendi, nesta
parte, do acórdão recorrido, constata-se, no entanto, que o mesmo, no entanto,
não é impugnado pelos Recorrentes no seu requerimento, não integrando, por
conseguinte, o objecto do recurso.
6. Pelo que se conclui, face ao exposto, que não pode haver conhecimento do
objecto do recurso interposto.?
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se
no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. O conhecimento de
recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de
vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de
inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, constituindo essa norma
fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem como o prévio esgotamento
dos recursos ordinários. Para além disso, é imprescindível a utilidade de
qualquer juízo que o Tribunal Constitucional venha a proferir.
5. Como foi referido na decisão sumária, tal não acontece. Na realidade, e como
referiu o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto: ? (?) Ora, tratando-se de duas normas
distintas e com um diferente campo de aplicação, a questão de
inconstitucionalidade respeitante ao artigo 98.º, n.º1, do CPP, teria de ser
expressa, autónoma e inequivocamente identificada no requerimento de
interposição do recurso, mesmo que, eventualmente, estivéssemos perante uma
situação em que a recorrente estivesse dispensada do ónus da suscitação prévia.?
6. Reitera-se, pois, o já decidido na decisão sumária, não procedendo as
acusações de que a decisão proferida assenta em critérios formalistas de um ?pormenor
minúsculo e altamente frustrante.? A Constituição e a lei são suficientemente
claras na indicação dos pressupostos de conhecimento do recurso de
constitucionalidade e dos elementos essenciais que devem constar do respectivo
requerimento do recurso. Estas exigências não assentam em considerações
formalistas e sim na necessidade de pré-conformar, com a natureza e segurança
necessárias, os casos concretos que podem aspirar a ser objecto de um processo
desta índole. A não obediência a tais ónus, a ser frustrante, é imputável única
e exclusivamente ao recorrente que, deles tendo prévio e devido conhecimento (ou
não os podendo razoavelmente ignorar) não curou de adoptar a estratégia
processual adequada de modo a salvaguardar a possibilidade ulterior de
interposição do recurso de fiscalização concreta.
III ? Decisão
7. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em
consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento
do recurso.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos