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Processo n.º 430/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., notificado do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 386/2009, de 23 de
Julho, em que se decidiu indeferir reclamação que o mesmo apresentara e do
Acórdão n.º 527/2009, de 19 de Outubro, que indeferiu o pedido de aclaração
daquele, vem agora arguir a nulidade do acórdão depois de aclarado.
Fá-lo com os seguintes fundamentos:
O recorrente suscitou na reclamação para a conferência que:
“Nesta medida é a norma do CPP (cfr. 400 nº 1 al. f) a contrário, e 434°), que
dá essa garantia de recurso ao interpor-se recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, de acórdãos proferidos pelas relações, que apliquem pena superior a 8
anos de prisão, sem prejuízo do disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 410° do CPP.”
O que se pretendia era que saber se a interpretação normativa levada a efeito
pelo douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça da norma do art° 434º do CPP
está em consonância com o artigo 32° n° 1 da CRP, no sentido de o processo penal
assegurar todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (aqui só limitado ao
artigo 410° n° 2 do CPP ex vi artigo 434º do mesmo diploma).
Ou seja: na esteira do douto acórdão do STJ os vícios previstos no artigo 410°
no 2 do CPP ex vi artigo 434° do mesmo diploma, nunca podem ser invocados em
recurso pelos recorrentes, mas apenas conhecidos oficiosamente pelo mesmo e se
com essa interpretação viola o artigo 18º nº 3 e 32° n° 1 da CRP?
E, na verdade, essa questão foi levada à conferência no seu requerimento no
ponto 25.
Salvo o devido respeito, que aliás é muito, o douto acórdão deste mais Alto
Tribunal omitiu pronúncia quanto a esta questão, estando consequentemente ferido
de nulidade.
Pois, as normas de direito ordinário prevêem o direito ao recurso para o STJ, de
acórdãos condenatórios proferidos pelas relações, em recurso, e apliquem pena de
prisão superior a 8 anos (cfr. Artigos 400° nº 1 al. f) a contrario e 434º do
CPP), visando exclusivamente o recurso em matéria de direito, sem prejuízo dos
vícios do n°s. 2 e 3 do artigo 410.° do CPP.
Ora esta questão (pois interpretação normativa não foi apreciada), era o cerne
do seu recurso para o Tribunal Constitucional e não propriamente saber se a
Constituição admite ou não um “terceiro grau de recurso?!...
O que se pretendia ver apreciado e, não foi é se essa interpretação levada a
cabo pelo STJ viola ou não o artigo 32º nº 1, da CRP, na medida em que a lei
ordinária prevê a sua admissibilidade e a Constituição não a proíbe.
Ora se o STJ interpreta o artigo 434º do CPP no sentido em que os vícios do
artigo 410° n° 2 e 3 do CPP não podem ser invocados pelo recorrente em penas
superiores a 8 anos, mas tão só conhecidos oficiosamente, temos que com tal
interpretação viola o artigo 32° nº 1 da CRP que diz que o processo penal
assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Ora esta norma processual (interpretada de acordo com a CRP não limita o direito
ao recurso) ao ser interpretada de acordo coma jurisprudência do STJ, na prática
inviabiliza o direito ao recurso (independentemente de ser um segundo ou
terceiro grau de jurisdição, que bem se compreende em penas superiores a 8 e os
25 anos de prisão).
Assim, contrariamente ao decidido pelo aliás, douto acórdão, não se trata de uma
questão em que as “normas de direito ordinário que o não prevêem não são, elas
próprias, inconstitucionais” mas sim de “normas que o prevêem e em que o
tribunal as afasta com uma interpretação contrária ao artigo 32.° n° 1 da CRP”.
Nestes termos e nos mais de direito deve a presente arguição de nulidade ser
considerada procedente por provada e por via dela reformar-se o aliás douto
acórdão no sentido de conhecer, efectivamente, da questão que lhe foi colocada e
decidida pelo tribunal “a quo” e a final julgar-se tal interpretação desconforme
com a Constituição seguindo-se os ulteriores termos até final.
2. Notificado da arguição de nulidade, veio o representante do Ministério
Público junto do Tribunal Constitucional responder-lhe do seguinte modo:
1°
O recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão nº 527/2009, não dizendo, no
entanto, qual a causa dessa mesma nulidade, ou seja, em que a alínea do nº 1 do
artigo 668º do Código de Processo Civil se baseia.
2°
Esta arguição vem na sequência de uma reclamação para a Conferência e de um
pedido de aclaração, em que o recorrente viu sempre, e bem, as suas pretensões
indeferidas.
3°
Continua, no entanto, a laborar, no mesmo erro.
4º
O Tribunal entendeu que as normas que não prevêem um triplo grau de jurisdição
em matéria penal, não são inconstitucionais.
5º
O recorrente continua a afirmar que as normas prevêem esse triplo grau, tendo,
no entanto, sido interpretadas como se não previssem.
6º
Ora, o Tribunal Constitucional, como é da sua competência, aferiu a
inconstitucionalidade das normas tal como foram interpretadas no Acórdão
recorrido.
7º
Aliás, se as normas fossem inequívocas no sentido da admissão de um triplo grau
de jurisdição, interpretá-las de outra forma, consubstanciava uma errada
interpretação da lei, e não qualquer questão de inconstitucionalidade.
3. Apesar de, como assinala o Exmo. Magistrado do Ministério Público, o
requerente não indicar qual a alínea do n.º 1 do artigo 668.º do Código de
Processo Civil ao abrigo da qual vem arguir a nulidade do acórdão, resulta do
teor do requerimento apresentado que a nulidade que se lhe pretende imputar é a
que vem prevista na alínea d) do referido preceito – omissão de pronúncia.
Entende o requerente que o acórdão não apreciou a questão de constitucionalidade
da interpretação normativa do artigo 434.º, conjugado com o artigo 410.º, n.º 2,
do Código de Processo Penal, no sentido de se considerar insusceptível de
impugnação perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão recorrida com
fundamento nos vícios enumerados nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º.
Afirma o requerente que o que pretendia ver apreciado era se tal interpretação
normativa, levada a cabo pelo STJ, viola ou não o artigo 32.º,
n.º 1 da Constituição, na medida em que a lei ordinária prevê a sua
admissibilidade e a Constituição a não proíbe e não propriamente saber se a
Constituição admite ou não “um terceiro grau de recurso”.
Não tem razão o requerente.
O acórdão confirmou a decisão sumária reclamada que negou provimento ao recurso
na parte respeitante justamente a essa questão em virtude de a mesma ser
manifestamente infundada, pelo que não houve qualquer omissão de pronúncia.
4. Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão