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Processo nº 637/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, foram interpostos os
presentes recursos, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 25 de Junho de 2009.
2. Em 15 de Setembro de 2009, foi proferida decisão sumária, pela qual o
Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto dos recursos.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º e do nº 2 do artigo 72º da LTC,
cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
1. Da motivação do recurso que A. interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça
decorre que não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade constante do requerimento de interposição de
recurso. Tal obsta ao conhecimento do objecto do mesmo e justifica a prolação da
presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
Com efeito, naquela peça processual não é questionada a constitucionalidade de
qualquer norma reportada ao artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
2. Da motivação do recurso que B. interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça
decorre que não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade constante do requerimento de interposição de
recurso. Tal obsta ao conhecimento do objecto do mesmo e justifica a prolação da
presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
Com efeito, naquela peça processual não é questionada a constitucionalidade de
qualquer norma reportada ao artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal. De
resto, não é feita qualquer referência a esta disposição legal, de harmonia com
o objecto do recurso então interposto, todo ele centrado em questões atinentes à
escolha e à medida da pena».
3. Desta decisão reclama agora o recorrente A., ao abrigo do disposto no nº 3 do
artigo 78º-A da LTC, em peça processual da qual se extrai o seguinte:
«18 ? Nas alegações de recurso do reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça,
são aduzidos argumentos que são aplicáveis à ora suscitada inconstitucionalidade
do artigo 432° alínea d) e 4 10°, n.° 2, tendo o ora reclamante direito a fazê-lo
por ser um direito fundamental que lhe assiste, mesmo que expressamente não o
tenha invocado.
19 - A luta jurídica pelo reconhecimento do duplo grau de jurisdição, em matéria
de facto, no processo penal, é antiga.
20 ? Nas suas motivações, bem como nas suas conclusões para o Supremo Tribunal
de Justiça o ora reclamante refere e expõe matéria de facto e o erro notório na
apreciação da prova:
21 ? Pelo exposto, o ora reclamante desejaria a análise da matéria de facto pelo
Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe é permitida por força do artigo 410, n.°
2 e 432°, alínea d) do CPP, violando o disposto no artigo 32°, n.° 1 da CRP.
22 ? O artigo 32°, n.° 1 do CRP exige a possibilidade do recurso implicar o
reexame da matéria de facto.
23 ? Este reexame não foi feito pelo que esta é a questão fundamental da
inconstitucionalidade em apreço.
24 - Por este facto invocou a sua inconstitucionalidade e pretende ver garantido
esse direito.
(?)
III ? Omissão quanto à inconstitucionalidade do artigo 18° e 32° do CRP
29 ? O ora reclamante nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça invocou a inconstitucionalidade do artigo 18° e 32° da CRP quanto refere:
30 ? Bem como o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora ? vd. Ponto XX do
acórdão - é mencionado a invocação da inconstitucionalidade por violação do
artigo 32° do CRP.
31 - Ora a na douta decisão sumária não refere o facto de o ora reclamante ter
invocado expressamente a inconstitucionalidade o artigo 18° do CRP.
32 ? Por esse facto há clara omissão na decisão sumária proferido pela
Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora».
4. Da decisão sumária reclama também o recorrente B., ao abrigo do disposto no
nº 3 do artigo 78º-A da LTC, em peça processual da qual se extrai o seguinte:
«18 ? Nas alegações de recurso do reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça,
são aduzidos argumentos que são aplicáveis à ora suscitada inconstitucionalidade
do artigo 432° alínea d) e 410º, n.° 2, tendo o ora reclamante direito a fazê-lo
por ser um direito fundamental que lhe assiste, mesmo que expressamente não o
tenha invocado.
19 - A luta jurídica pelo reconhecimento do duplo grau de jurisdição, em matéria
de facto, no processo penal, é antiga.
20 ? Nas suas motivações, bem como nas suas conclusões para o Supremo Tribunal
de Justiça o ora reclamante refere e expõe matéria de facto e o erro notório na
apreciação da prova: ?12. Ora, face aos factos e a todas as provas produzidas em
sede de audiência de julgamento, ficou unicamente provado a posse do produto
estupefaciente relativamente ao ora recorrente.
13. Mais ficou provado que o ora recorrente no teste à urina acusou o consumo de
produto estupefaciente.
14. A pena aplicada foi uma pena muito superior à pena que se aplicaria, neste
caso em concreto, pela posse de produto estupefaciente.
15. Ficou provado que o ora recorrente B. era consumidor e o pouco que vendeu
era para pagar o produto estupefaciente para seu consumo.
16. Bem como dos factos apurados em matéria de prova, não se apurou, se o ora
recorrente, distribuiu o produto estupefaciente, ou se até mesmo efectuou alguma
entrega, tendo-se provado unicamente a posse do recorrente.
17. É notória, que a factualidade dada como provada, não permite esta condenação.?
21 ? Pelo exposto, o ora reclamante desejaria a análise da matéria de facto pelo
Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe é permitida por força do artigo 410, n.°
2 e 432°, alínea d) do CPP, violando o disposto no artigo 32°, n.° 1 da CRP.
22 ? O artigo 32°, n.° 1 do CRP exige a possibilidade do recurso implicar o
reexame da matéria de facto.
23 ? Este reexame não foi feito pelo que esta é a questão fundamental da
inconstitucionalidade em apreço.
24 - Por este facto invocou a sua inconstitucionalidade e pretende ver garantido
esse direito.
(?)
III ? Omissão quanto à inconstitucionalidade do artigo 18° e 32° do CRP
29 ? O ora reclamante nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça invocou a inconstitucionalidade do artigo 18° do CRP quanto refere:
(?)
30 ? Bem como no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora ? vd. Ponto XX do
acórdão - é mencionado a invocação da inconstitucionalidade por violação do
artigo 32° do CRP.
31 - Ora a na douta decisão sumária não refere o facto de o ora reclamante ter
invocado expressamente a inconstitucionalidade o artigo 18° do CRP.
32 ? Por esse facto há clara omissão na decisão sumária proferido pela
Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora».
5. Notificado das reclamações, o Ministério Público respondeu pela forma
seguinte:
«1º
Os recorrentes pretendem ver apreciada a ?inconstitucionalidade do artigo 410°,
n° 2, do CPP, na medida em que a fundamentação deve ser de modo a permitir aos
sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou
racional que lhe subjaz, pela via de recurso, de matéria de facto?.
2°
A mesma questão é abordada na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, sensivelmente nos mesmos termos.
3º
Ora, assim sendo, parece-nos evidente que não foi suscitada, nem vem requerida,
a apreciação de qualquer dimensão inconstitucional daquele artigo 410º, nº 2, do
CPP.
4º
Aliás, nem sequer faz muito sentido dizer que o artigo 410°, n° 2, é exigente
quanto à fundamentação das decisões sobre matéria de facto e que essa exigência
decorre do artigo 208°, n° 1, da Constituição, e, ao mesmo tempo, falar em
inconstitucionalidade.
5º
Nas reclamações apresentadas, os recorrentes alargam-se em considerações sobre o
direito ao recurso, mas nada dizem quanto ao não cumprimento do ónus, que apenas
sobre eles impende, de suscitação prévia e adequada da questão de
inconstitucionalidade.
6°
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto dos
recursos interpostos por A. e por B. por não se pode dar como verificado, em
ambos os casos, o requisito da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade constante do requerimento de interposição de recurso.
1. Para contrariar o decidido, A. refere as alegações de recurso apresentadas
perante o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Não infirma, porém, a fundamentação da decisão reclamada, demonstrando que
cumpriu o ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade (artigos
70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
O reclamante sustenta também a existência de omissão na decisão reclamada, uma
vez que nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça invocou a
inconstitucionalidade do artigo 18º e 32º da Constituição da República
Portuguesa. O conteúdo desta alegação ? inconstitucionalidade de artigos da
Constituição (!) ? é demonstrativo, por si só, da falta de razão do reclamante.
Reiterando o decidido, é de concluir pelo indeferimento da reclamação.
2. Para contrariar o decidido, B. refere as alegações de recurso apresentadas
perante o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Não infirma, porém, a fundamentação da decisão reclamada, demonstrando que
cumpriu o ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade (artigos
70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
O reclamante sustenta também a existência de omissão na decisão reclamada, uma
vez que nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça invocou a
inconstitucionalidade do artigo 18º e 32º da Constituição da República
Portuguesa. O conteúdo desta alegação ? inconstitucionalidade de artigos da
Constituição (!) ? é demonstrativo, por si só, da falta de razão do reclamante.
Reiterando o decidido, é de concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir as presentes reclamações e, em consequência,
confirmar as decisões reclamadas.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 19 de Outubro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão