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Processo n.º 516/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Relatório
1. A fls. foi proferia a seguinte decisão sumária:
«Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se:
1. A Associação de Municípios do Vale do Sousa recorre para o Tribunal
Constitucional do acórdão proferido em 23 de Abril de 2009 no Supremo Tribunal
Administrativo pelo qual improcedeu o recurso que interpusera da sentença ditada
no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara parcialmente procedente
a acção de condenação intentada pela Junta de Freguesia de Lustosa. Pretende ver
apreciada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15
de Novembro (LTC), a conformidade constitucional da norma contida no nº 1 do
artigo 28º do Código de Processo Civil, por entender que viola o «principio do
Estado de Direito Democrático», na sua dimensão de «princípio do contraditório»,
consagrado no artigo 2º Constituição, com o «princípio da tutela jurisdicional
efectiva», consagrado no n°1 do artigo 20° da Constituição e com a «garantia de
um processo justo e equitativo», consagrada no nº 4 do artigo 20º da
Constituição.
No seu requerimento de interposição do recurso especifica:
[...] Tendo suscitado, no nº 1 do artigo 19º das suas Alegações de Recurso, com
fundamento em violação do «princípio do Estado de Direito Democrático»,
consagrado no artigo 2º da Constituição, na sua dimensão de «principio do
contraditório», com fundamento em violação do «princípio da tutela jurisdicional
efectiva», consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição, e com fundamento em
violação da «garantia de um processo justo e equitativo», consagrada no nº 4 do
artigo 20º da Constituição ? a questão da inconstitucionalidade da norma contida
no artigo 28º do Código do Processo Civil, quando interpretada, como a
interpretou o Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que, numa acção
administrativa comum de execução de um contrato, dois municípios podem ser (indirectamente)
condenados a pagar uma determinada quantia sem terem tido possibilidade de
intervir nesse processo, por o Tribunal considerar que não existia, nesse caso,
uma situação de litisconsórcio necessário, ou, dito de outro modo, no sentido de
que, numa tal acção administrativa comum, uma associação de municípios pode ser
condenada a pagar a uma Freguesia uma determinada quantia que tem de ser
suportada por dois Municípios que nem sequer puderam intervir no processo, por o
Tribunal ter considerado que não existia, nessa situação, litisconsórcio
necessário,
- Uma vez que a acção administrativa comum em causa tem como causa de pedir um «Protocolo»,
(que o acórdão «sub judice» reproduz integralmente) onde se diz expressamente
que «A Associação de Municípios do Vale do Sousa, na qualidade de primeiro
outorgante, pelo presente acorda entregar mensalmente à Junta de Freguesia de
Lustosa, directamente ou de forma indirecta, conforme for legalmente mais
adequada, para a finalidade supra mencionada, a quantia mensal de 3000000$00 (três
milhões de escudos) durante os primeiros cinco anos, e a quantia de 5000000$00 (cinco
milhões de escudos) nos cinco anos imediatos, a título de compensação pela
implantação do aterro sanitário na freguesia de Lustosa e que servirá os
Municípios supra, verba que será suportada, em partes iguais, pelos Municípios
de Paços de Ferreira e Felgueiras» (pág. 10 do douto Acórdão do STA),
- Dando-se o caso de nesse protocolo terem outorgado os presidentes das Câmaras
Municipais de Paços de Ferreira e de Felgueiras, Municípios estes, que mesmo sem
terem podido intervir no processo, terão de suportar, por força desse protocolo,
as verbas que o Supremo Tribunal Administrativa condenou a Associação de
Municípios do Vale do Sousa a pagar à Freguesia de Lustosa (1.569.782,52 ?,
acrescidos dos respectivos juros),
- Em face de tudo isto, a Associação de Municípios do Vale do Sousa vem, ao
abrigo do artigo 280º/1/b da Constituição e do artigo 70º/1/b da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, (Lei do Tribunal Constitucional), com a redacção que lhe foi
dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, interpor recurso desse douto
Acórdão, submetendo à apreciação do Tribunal Constitucional a questão da
conformidade da norma contida no nº 1 do artigo 28º do CPC, quando interpretada
nos termos em que a interpretou o Supremo Tribunal Administrativo, com o «principio
do Estado de Direito Democrático», na sua dimensão de «principio do
contraditório», consagrado no artigo 2º Constituição, com o «principio da tutela
jurisdicional efectiva», consagrado no n°1 do artigo 20° da Constituição e com a
«garantia de um processo justo e equitativo», consagrada no nº 4 do artigo 20º
da Constituição.
Para tanto, requer que o presente recurso jurisdicional seja admitido e que siga
os seus ulteriores trâmites legais.
2. O presente recurso tem carácter normativo, constituindo seu objecto a norma,
alegadamente inconstitucional, aplicada na decisão recorrida apesar da
suscitação da questão pelo recorrente. Ao Tribunal Constitucional não cabe
sindicar a própria decisão recorrida, ou as ponderações jurisdicionais nela
reflectidas, devendo tão somente verificar se a norma impugnada foi
efectivamente aplicada com um sentido violador da Constituição.
Ora, a questão apresentada ao Tribunal ? inconstitucionalidade da norma contida
no artigo 28º do Código do Processo Civil, quando interpretada, como a
interpretou o Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que, numa acção
administrativa comum de execução de um contrato, dois municípios podem ser (indirectamente)
condenados a pagar uma determinada quantia sem terem tido possibilidade de
intervir nesse processo, por o Tribunal considerar que não existia, nesse caso,
uma situação de litisconsórcio necessário, ou, dito de outro modo, no sentido de
que, numa tal acção administrativa comum, uma associação de municípios pode ser
condenada a pagar a uma Freguesia uma determinada quantia que tem de ser
suportada por dois Municípios que nem sequer puderam intervir no processo, por o
Tribunal ter considerado que não existia, nessa situação, litisconsórcio
necessário ? não tem, na verdade, natureza normativa, pois, embora apresentada
com referência ao artigo 28º do Código do Processo Civil, o conteúdo preceptivo
descrito identifica a decisão em si mesmo considerada e não a norma que aplicou.
Decorrente deste desvio, surge claramente na pretensão da recorrente o pedido,
implícito, de correcção do julgado, visando alterar o juízo ponderativo da
Supremo Tribunal Administrativo quanto considerar que não existia, no caso, uma
situação de litisconsórcio necessário que a recorrente entende, pelo contrário,
existir.
Finalmente, deve notar-se que o tribunal recorrido não adoptou, na sua decisão,
o entendimento de que numa acção administrativa comum de execução de um contrato,
dois municípios podem ser (indirectamente) condenados a pagar uma determinada
quantia sem terem tido possibilidade de intervir nesse processo.
O tribunal recorrido decidiu o seguinte:
[...] As únicas partes da relação obrigacional configurada nos autos, a qual
constitui a causa de pedir da condenação da Ré no pagamento das prestações
vencidas e vincendas nos termos e em cumprimento do referido Protocolo, são,
pois, a Associação de Municípios do Vale do Sousa ? Ré ? e a Junta de Freguesia
de Lustosa ? Autora.
Na verdade a decisão condenatória vincula tão só a AMVS, sendo insusceptível de
ser afectada por qualquer outra eventual decisão a proferir em acção como outras
partes, designadamente com os Municípios de Felgueiras ou de Paços de Ferreira.
[...]
3. Com estes fundamentos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. »
2. Inconformada com esta decisão, a recorrente reclama para a conferência nos
seguintes termos:
A Associação de Municípios do Vale do Sousa (de ora em diante AMVS) vem, nos
termos do n.º 3 do artigo 78º-A da L.T.C., reclamar para a Conferência da
decisão que determinou o não conhecimento do recurso de fiscalização concreta de
inconstitucionalidade a que se refere o processo n.º 308/03.
Fá-lo nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. A decisão sumária de que agora se reclama determinou o não conhecimento do
presente recurso, porque, no entender do Relator, a questão apresentada ao
Tribunal Constitucional não tem natureza normativa «pois, embora apresentada com
referência ao artigo 28º do Código do Processo Civil, o ?conteúdo preceptivo?
descrito identifica a decisão em si mesmo considerada e não a norma que aplicou.
Decorrente deste desvio, surge claramente na pretensão do recorrente o pedido,
implícito, de correcção do julgado, visando alterar o juízo ponderativo do
Supremo Tribunal Administrativo quanto a considerar que não existia, no caso,
uma situação de litisconsórcio necessário que a recorrente entende, pelo
contrário existir».
2. Ora, salvo o devido respeito, a AMVS não pode conformar-se com tal
entendimento do objecto do presente recurso, desde logo porque esse objecto foi
definido no requerimento de interposição do recurso nos seguintes termos: A AMVS
vem ?interpor recurso desse douto Acórdão, submetendo à apreciação do Tribunal
Constitucional a questão da conformidade da norma contida no nº 2 do artigo 28º
do CPC, quando interpretada nos termos em que a interpretou o Supremo Tribunal
Administrativo, com o «princípio do Estado de Direito Democrático», na sua
dimensão de ?princípio do contraditório?, consagrado no artigo n.º 1 do artigo
20º da Constituição, com o ?princípio da tutela jurisdicional efectiva ?,
consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição e com a ?garantia de um
processo justo e equitativo?, consagrada no n.º 4 do artigo 20º da Constituição».
3. A ora Reclamante não quer interpor um recurso de amparo, que o nosso
ordenamento jurídico não prevê, o que pretende é que o Tribunal Constitucional
se pronuncie acerca da questão da constitucionalidade desse nº 2 do artigo 28º,
quando interpretado como o STA o interpretou.
4. E o STA fez dessa norma uma interpretação segundo a qual, numa qualquer acção
administrativa comum de execução de um contrato, duas entidades podem ser (indirectamente)
condenadas a pagar uma determinada quantia sem terem tido possibilidade de
intervir nesse processo, por se entender que nesse caso não haverá, nos termos
do nº 2 do artigo 28º do CPC, uma situação de litisconsórcio necessário; ou,
dito de outro modo, no sentido em que, numa acção administrativa comum, uma
pessoa pode ser condenada a pagar a outra uma determinada quantia, que Tribunal
reconhece que tem de ser suportada por duas entidades terceiras, entidades essas
que não ficam obrigadas pela sentença a entregar esses montantes, porque que nem
sequer puderam intervir no processo, por se entender que, nos termo desse n 2 do
artigo 28º do CPC, não existiria, num caso desses, uma situação de
litisconsórcio necessário.
5. Ora, é desta norma do nº 2 do artigo 28º do CPC, quando interpretada nestes
termos, que a ora Reclamante pretende que seja apreciada a constitucionalidade.
6. E note-se que o Acórdão do STA considera que as verbas em causa devem ser
suportadas pelos dois municípios que não intervieram no processo, quando refere
que «O facto de no Protocolo se referir que as quantias em dinheiro a que a Ré
se obrigou a pagar à Autora seriam suportadas ?em partes iguais , pelos
Municípios de Paços de Ferreira e Felgueiras? (cláusula 1.ª in fine,), como bem
se refere na decisão recorrida, ?tem de entender-se como a forma como foi
distribuído tal encargo pelos Municípios em apreço no sentido de habilitarem a R.
com os valores necessários ao cumprimento do encargo mensal definido, o que
significa que tal elemento não tem qualquer ligação com a A. nem traduz qualquer
exoneração da R. perante a A com referência ao cumprimento das obrigações
emergentes do «Protocolo».
7. Ou seja, embora confirme que quem tem, ao fim e ao cabo, de pagar as verbas
em questão são os Municípios de Paços de Ferreira e de Felgueiras, o douto
Acórdão do STA considera, com base na interpretação que faz do nº 2 do artigo 28º
do CPC, que não era necessária a intervenção processual desses dois Municípios.
8. Uma tal interpretação do nº 2 do artigo 28º do CPC, iria permitir que uma
pessoa pudesse ser condenada a pagar a outra verbas que, no entender do Tribunal,
deveriam ser suportados por uma entidade terceira, sem que essa entidade fosse
condenada a entregar essas quantias, por nem sequer ter tido intervenção no
processo.
9. Recorde-se, a este propósito, que o douto Acórdão do STA transcreve e dá como
provada a seguinte cláusula do Protocolo em que se funda a pretensão da Autora:
«l.ª A Associação de Municípios do Vale do Sousa, e na qualidade de primeiro
outorgante, pelo presente acorda entregar mensalmente à Junta de Freguesia de
Lustosa, directamente ou de forma indirecta, confirme a firma legalmente mais
adequada, para a finalidade supra mencionada, a quantia mensal de 3 000 000$00 (três
milhões de escudos,), durante os primeiros 5 anos, e a quantia mensal de 5 000
000$00 (cinco milhões de escudos) nos cinco anos imediatos, a título de
compensação pela implantação do aterro sanitário na freguesia de Lustosa e que
servirá os Municípios supra, verba que será suportada, em partes iguais, pelos
Municípios de Paços de Ferreira e Felgueiras.» (sublinhado nosso).
10. Tendo, depois, concluído que, em face desse Protocolo, a AMVS tinha de pagar
à Autora as verbas que teriam de ser-lhe entregues pelos Municípios de Paços de
Ferreira e de Felgueiras.
11. Todavia, por força da tal interpretação que fez do citado nº 2 do artigo 28º
do CPC, o STA considerou que, mesmo assim, esta norma não impunha que fosse
obrigatoriamente dada a esses Municípios a possibilidade de intervir no processo.
12. Para um melhor enquadramento da questão talvez se justifique recordar que,
como consta do douto Acórdão do STA, a Associação de Municípios do Vale do Sousa
integra os Municípios de Castelo de Paiva, Penafiel, Paredes, Lousada, Paços de
Ferreira e Felgueiras.
13. Do que vem de ser enunciado parece resultar claro que a ora Reclamante
pretende apenas que o Tribunal Constitucional se pronuncia acerca da questão da
constitucionalidade do nº2 do artigo 28º do CPC, quando interpretado nos termos
em que o fez o STA, pronúncia essa que, dando-se o caso, poderá, isso sim,
implicar, como é natural, a correcção do julgado.
14. Por fim há que fazer uma pequena rectificação: quando, por lapso manifesto
de escrita, se refere, na parte final do requerimento de interposição do
presente recurso, o nº 1 do artigo 28º do CPC, pretendia-se referir, como
resulta do respectivo texto, o nº 2 desse artigo.
Nestes termos e nos demais de direito que serão superiormente supridos, requer-se
que seja revogada a decisão objecto da presente reclamação e que,
consequentemente, seja apreciada pelo Tribunal Constitucional a questão da
constitucionalidade da norma contida no nº 2 do artigo 28º do CPC, quando
interpretada com a dimensão interpretativa que lhe foi dada no douto Acórdão do
STA.
3. A reclamada Freguesia de Lustrosa respondeu, sustentando a improcedência da
reclamação e pedindo a condenação da reclamante, como litigante de má fé, em
multa e em indemnização.
Fundamentos
4. A reclamante não tem razão.
Na verdade, afirmar que se pretende sindicar a conformidade constitucional da
norma contida no n.º 1 (ou no n.º 2, para o caso é indiferente) do artigo 28º do
Código de Processo Civil enunciando-a com uma literalidade alheia ao preceito,
mas correspondente à decisão alegadamente tomada pelo tribunal recorrido, é, a
qualquer título, pretender sindicar aquela decisão e não a norma que ela aplica.
E o certo é que a pretensão da reclamante consiste, na substância das coisas, em
fazer inverter a decisão do tribunal recorrido na parte em que nela alegadamente
se sustenta que «numa qualquer acção administrativa comum de execução de um
contrato, duas entidades podem ser (indirectamente) condenadas a pagar uma
determinada quantia sem terem tido possibilidade de intervir nesse processo, por
se entender que nesse caso não haverá, nos termos do nº 2 do artigo 28º do CPC,
uma situação de litisconsórcio necessário; ou, dito de outro modo, no sentido em
que, numa acção administrativa comum, uma pessoa pode ser condenada a pagar a
outra uma determinada quantia, que Tribunal reconhece que tem de ser suportada
por duas entidades terceiras, entidades essas que não ficam obrigadas pela
sentença a entregar esses montantes, porque que nem sequer puderam intervir no
processo, por se entender que, nos termos desse n.º 2 do artigo 28º do CPC, não
existiria, num caso desses, uma situação de litisconsórcio necessário.»
Aliás, a pretensão de obter um novo julgamento desta questão, no Tribunal
Constitucional, resulta patente na reclamação, designadamente nos seus n.ºs 6. a
12.
É, por isso, inequívoco que o Tribunal não pode conhecer de recurso que
apresente um tal objecto.
5. Apesar disso, afigura-se ao Tribunal não ser caso de condenação da reclamante
como litigante de má-fé, como pede a reclamada freguesia de Lustosa; até este
momento, e no que concerne unicamente à presente instância de recurso (ao
Tribunal escapa competência para valorar, para este efeito, o comportamento
processual da reclamante durante a tramitação ocorrida nos tribunais comuns) a
actividade da reclamante, claramente improcedente, é certo, não pode ser tida,
em todo o caso, como maliciosa ou abusiva, julgamento que se mostra suficiente
para afastar tal condenação.
Decisão
6. Nestes termos, o Tribunal decide julgar improcedente a reclamação,
confirmando a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Lisboa, 12 de Outubro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão