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Processo n.º 621/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I ? Relatório
1. Nos presentes autos, em que figura como Recorrente o Ministério Público e
como Recorrida A., Lda., na sequência de recurso de decisão condenatória
proferida pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, proferiu o Tribunal da Relação
de Évora a seguinte decisão:
?Estão em causa duas infracções a disposições do art.° 273° do C.T., preceito
que enuncia as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança, higiene
e saúde no trabalho.
Como se referiu, a violação de qualquer dessas obrigações configura, por força
do art.° 671°, também do C.T., a prática de um ilícito contra?ordenacional
qualificado de muito grave, punido nos termos do art.° 620°, n° 4, do mesmo
diploma.
O citado C.T., aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27/8, veio no entanto a ser
entretanto revogado pelo art.° 12°, n° 1, al. a), da Lei n° 7/2009, de 12/2, que
aprovou um novo Código do Trabalho, já entrado em vigor. Coloca-se assim uma
questão de aplicação de leis no tempo, de modo a saber?se qual é o regime que,
na prática, se revela ser o mais favorável às arguidas (cfr. art.° 3°, n° 2, do
RGCO ? Dec.-Lei n° 433/82, de 27/10)
Ora, do n° 3, al. a), do citado art.° 12° da Lei n° 7/2009, resulta que, não
obstante a revogação do C.T. de 2003, se mantêm transitoriamente em vigor os
respectivos arts.° 272° a 312°, enquanto não entrar em vigor o diploma que venha
a regular a mesma matéria. Com efeito, a disciplina jurídica respeitante a
princípios gerais de segurança e saúde no trabalho, de acidentes de trabalho e
doenças profissionais, será regulado em legislação específica, tal como
expressamente prevê o art.° 284° do C.T. de 2009.
Significa isto que se mantém por ora em vigor o art.° 273° do C.T. de 2003, cuja
violação vem imputada à recorrente. O mesmo não sucede porém com o seu art.° 671°,
n° 1, que tipificava essa violação como contra-ordenação muito grave. Com efeito,
a referida Lei n° 7/2009, que revogou em globo o código de 2003, não contém
qualquer ressalva que implique a vigência transitória de qualquer disposição do
Capitulo II do seu Livro II, respeitante á responsabilidade contra-ordenacional
em matéria laboral. Por outro lado, o Código aprovado por essa Lei n° 7/2009
também não contém norma sancionatória equivalente àquele art.° 671°, já que,
como se disse, a matéria de higiene e segurança no trabalho não é nele objecto
de tratamento específico.
Ou seja: não há hoje disposição legal em vigor que tipifique como contra-ordenação
a conduta nos autos imputada à recorrente. A consequência, como parece óbvio, só
pode ser uma: à luz daquele art.° 3.º, n° 2, e bem assim do art.° 2°, n° 2, do
Código Penal, (aplicável subsidiariamente por força do art.° 32° do RGCO), o
facto deve ser considerado eliminado do número das infracções, e por essa via
extinto o respectivo procedimento contra-ordenacional.
Ainda que se admita tratar-se de lapso ocorrido no processo legislativo, dada a
relevância que assume hoje em dia a matéria da higiene e da segurança no
trabalho, cumprirá aos responsáveis políticos, e não aos Tribunais, assumirem a
falha e suprirem a omissão.?
2. O Ministério Público deduziu subsequentemente pedido de reforma de tal
decisão com o seguinte fundamento:
?Por douto acórdão lavrado nos autos em epígrafe em 10 de Março corrente, ficou
decidido, mui doutamente, que, com a entrada em vigor do novo C. do Trabalho
aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, o art. 12° desta Lei 7/2009 apenas
ressalvou a norma violada pela arguida TALTAILE ? Telecomunicações Unipessoal,
Lda., e que era o art. 273° do C. do Trabalho anterior, mas já não o art. 671°,
n.° 1 deste mesmo CT anterior, que tipificava a conduta da arguida como contra-ordenação,
norma essa, pois, que se encontraria revogada, tal como a globalidade do antigo
CT, com as excepções ali apontadas, pela Lei 7/2009 citada.
Acontece que, pela ?Declaração de Rectificação n.° 21/2009?, publicada em 18 de
Março, da Lei 7/2009 citada, vem rectificada a al. a) do n.° 3 do art. 12° da
seguinte forma com os negritos da minha responsabilidade: onde se lê: «artigos
272° a 312.º, sobre higiene e saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças
profissionais, na parte não referida na actual redacção do Código», deve ler-se:
«Artigos 272.º a 280° e 671°, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, na
parte não referida na actual redacção do Código».
Ora, tendo em conta o disposto no art. 5.º, n.° 4 (cuja norma, no que diz
respeito a ilícitos penais ou equivalentes, suscitam-me sérias reservas quanto à
sua constitucionalidade) da Lei 74/98, de 11 de Novembro, republicada pela Lei
42/2007, de 24 de Agosto, ?as declarações de rectificação reportam os efeitos à
data da entrada em vigor do texto rectificado?.
Quer isto, dizer, venerandos Desembargadores, que houve erro na aplicação do
direito, erro que há que ser reparado com a reforma do, repito, mui douto
acórdão, tendo em conta o disposto no art. 669°, n.° 2, al. a) do C. Processo
Civil, ex vi art. 4° do C. Processo Penal, ex vi art. 41° do RGCO (DL 433/82, de
27 de Outubro).?
Indeferindo o pedido de reforma assim deduzido, o Tribunal da Relação de Évora
decidiu com os seguintes fundamentos:
?(...) E decidindo, importa antes de mais notar que, como parece evidente, e ao
invés do alegado pelo Digno requerente, a hipótese dos autos não pode de forma
alguma reconduzir-se à previsão do referido art.° 669°, n° 2, al. a) . Admitindo-se
em tal normativo a reforma de uma sentença quando ?tenha ocorrido manifesto
lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos
factos?, não é manifestamente esse o caso, desde logo porque à data da
publicação do acórdão (10/3/2009) era obviamente desconhecido o teor de um
instrumento rectificativo apenas dado à luz no dia 18 seguinte.
A subsistência da decisão proferida, nos termos em que o foi, declarando extinto
o procedimento contra-ordenacional, é aliás a única que se coaduna com os
valores da certeza e da segurança da ordem jurídica, cuja preservação é
essencial em qualquer sociedade civilizada e democrática. Como a propósito
ensina o Prof. Oliveira Ascensão?, ?... a publicação da rectificação não surge
como verdadeira revogação do diploma incorrectamente publicado. A primeira
formulação verá cessar automaticamente os seus efeitos com a publicação da
rectificação. Mas é um facto que à sombra deles se podem ter celebrado actos e
constituído direitos, que merecem respeito por assentarem na garantia muito
particular que é dada pelo jornal oficial. Por isso têm de se considerar
ressalvados os efeitos aparentemente produzidos pelo texto incorrectamente
publicado? (sublinhado nosso)
O caso dos autos, no entanto, assume outros contornos, que nos suscitam uma
diferente abordagem e reflexão.
Vejamos:
Como se sabe, a disciplina jurídica sobre a publicação, a identificação, e o
formulário de diplomas, consta da Lei n° 74/98, de 11/11, cujo art.° 5°,
versando sobre a rectificação de textos legais já publicados, estatui:
1 ? As rectificações são admissíveis exclusivamente para correcção de lapsos
gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção
de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto
de qualquer diploma publicado na 1.ª série do Diário da República e são feitas
mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, publicada na mesma
série.
2 ? As declarações de rectificação devem ser publicadas até 60 dias após a
publicação do texto rectificando.
3 ? A não observância do prazo previsto no número anterior determina a nulidade
do acto de rectificação.
4 ? As declarações de rectificação reportam os efeitos à data da entrada em
vigor do texto rectificado.
Ora, analisando a referida Declaração de Rectificação n° 21/2009, a primeira
impressão é clara:
relativamente a um diploma com a dimensão do Código do Trabalho, envolvendo 566
artigos, as ?inexactidões? encontradas, que constituem o objecto da pretendida
rectificação, incidem apenas sobre os n.ºs 3, 4 e 6, do art.° 12° da Lei
preambular que aprovou o código, todas elas configurando a ressalva da vigência
de disposições do C.T. de 2003, e do respectivo Regulamento, relativas a
responsabilidade contra? ordenacional, e que haviam sido objecto de revogação
pelo n° 1 do mesmo art.° 12°.
Ou seja: a Declaração de Rectificação visou suprir um óbvio lapso legislativo,
traduzido na eliminação de numerosas contra?ordenações, configuradas pela
violação de disposições da lei laboral em variados domínios, como o da segurança,
higiene e saúde no trabalho, que está em causa nestes autos.
A solução adoptada afigura-se-nos porém ilegítima, representando mesmo um
procedimento que não hesitamos em qualificar como grave e inadmissível num
Estado de direito subordinado à Constituição, e fundado na legalidade
democrática.
Com efeito, e como resulta do art.° 50, n.º 1, da referida Lei n° 74/98, acima
transcrito, as rectificações só são admissíveis para correcção de lapsos
gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção
de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto
de qualquer diploma publicado.
E esse não é, manifestamente, o caso da Declaração de Rectificação no 21/2009.
Basta atentar no texto do Decreto da Assembleia da República (n° 262/X,
publicado no Diário da AR, II série A, n° 61/X/4, de 26/1/2009), que aprovou a
revisão do Código do Trabalho, e cuja redacção, pelo menos no que toca ao art.°
12° do diploma preambular, corresponde exactamente ao texto original do art.° 12°
da Lei n° 7/2009.
A citada Declaração de Rectificação não corporiza pois a correcção de um lapso
gramatical ou ortográfico, ou a correcção de um erro material proveniente de
divergências entre o texto original e aquele que foi publicado na 1.ª série do
Diário da República, como seria suposto acontecer. Representa sim uma ilegítima
e abusiva alteração de fundo do texto aprovado, promulgado e publicado, e a
utilização indevida e lamentável de um expediente legal, em manifesta fraude à
lei, porventura para assim contornar as implicações da regra da não
retroactividade das leis penais, e obviar às responsabilidades políticas que
decorreriam do conhecimento público do modo deficiente como foi empreendido o
processo legislativo.
Se dúvidas houvesse a tal respeito, bastaria para o efeito consultar a acta n°
84/x/4a, da Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Administração
Pública (in www.parlamento.pt), onde o assunto foi discutido.
Independentemente de outras consequências que advenham do procedimento assim
acolhido em sede parlamentar, há que enquadrar juridicamente o documento em
causa, por forma a dele extrair as implicações que daí decorram para o caso dos
autos, e para situações análogas que no futuro venham a colocar-se.
Tratando?se de uma modificação substancial de um texto legal aprovado pela
Assembleia da República, que nessa medida não foi objecto de promulgação pelo
Presidente da República, entendemos que a consequência só pode ser a mesma que
resulta do art.° 137° da Constituição: a inexistência jurídica.
É essa a conclusão que consideramos dever ser adoptada pelos Tribunais, em
estrita observância do princípio da separação dos poderes do Estado, e em
homenagem às mais elementares regras que devem regular a feitura das leis num
Estado de direito democrático.
Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta
Secção Social em indeferir a reforma que vem requerida, assim mantendo, na
íntegra, o texto do acórdão proferido a 10/3 p.p.?
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de
Évora interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte:
?O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação vem, nos
autos em epígrafe, e ao abrigo do disposto nos artigos 71°, n.° 1, e 72°, n.°s 1,
alínea a) e 2, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do acórdão de 05/05/2009 a fls. 340 a 345 dos autos.
O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 70°
da supra citada Lei em virtude de a Declaração de Rectificação n° 21/2009 da
Assembleia da República, de 18 de Março, ao art° 12° n° 3 alínea a) da Lei 7/2009
de 12 de Fevereiro que mantém em vigor a norma do art° 671° do Código de
Trabalho de 2003 (lei 99/2003 de 27/08) cuja aplicação foi recusada por
inexistência jurídica com base no disposto no art° 137° da Constituição da
República Portuguesa.?
4. Notificado para alegar, veio o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do
Tribunal Constitucional, concluir nos seguintes termos:
?1. A Lei n° 74/98, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 2/2005, de 24
de Janeiro, n° 26/2006, de 30 de Junho e n.º 42/2007, de 24 de Agosto, define e
circunscreve rigorosamente o âmbito em que podem ser feitas rectificações a
diplomas legais.
2. Subjacente, a um tal quadro jurídico, está a preocupação de assegurar que se
não alterem diplomas fora do quadro definido pelos requisitos constitucionais e
legais que legitimem uma tal alteração.
3. A Declaração de Rectificação n° 21/2009, ao proceder, nos termos em que o fez,
a alterações substanciais no texto do diploma que, aparentemente, vinha
rectificar (Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do
Trabalho), designadamente ?recuperando? matéria contraordenacional que deixara,
entretanto, de vigorar no ordenamento jurídico, por força da versão inicial da
referida Lei, viola, assim, os princípios da não retroactividade da lei penal (e
contra-ordenacional, da segurança jurídica e da igualdade, decorrentes da
Constituição da República Portuguesa (cfr. artigos 9, alínea b), 13° e 29°, n°s
1, 3 e 4).
4. Com efeito, no presente recurso, muito embora o art. 273, do anterior Código
do Trabalho, se haja mantido em vigor (cfr. art. 12, n° 3, alínea a), da versão
original da Lei 7/2009), o mesmo não sucedeu com o art. 671 do mesmo Código, que
qualificava essa infracção como contra-ordenação muito grave (cfr. art. 12, n° 3,
alínea a), a contrario, da versão original da Lei 7/2009); a referência a esta
disposição apenas foi introduzida, na referida Lei 7/2009, pela Declaração de
Rectificação n° 21/2009, não constando do texto inicial aprovado pela Assembleia
da República.
5. Nestes termos, deve julgar-se inconstitucional a norma vertida na alínea a),
do n° 3, do artigo 12° do Código do Trabalho, na versão constante da Declaração
de Rectificação n° 21/2009, de 18 de Março de 2009, mantendo-se, assim, o juízo
de inconstitucionalidade feito pelo Tribunal a quo, com as consequências legais.?
5. Redistribuído o processo por o anterior Relator ter cessado funções neste
Tribunal, proferiu o actual Relator o seguinte despacho, suscitando questão
prévia eventualmente impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, e
convidando o Recorrente a pronunciar-se sobre a mesma:
?O conhecimento de processos de fiscalização concreta da constitucionalidade
pressupõe, iniludivelmente, a utilidade do conhecimento da questão suscitada no
sentido de a resolução da mesma, se bem que num estrito prisma da sua validade
constitucional, possuir a capacidade, ainda que virtual, de poder produzir um
reflexo útil nos autos.
No presente caso, existe a possibilidade de tal juízo acerca do efeito útil do
conhecimento do objecto do recurso não vir a proceder na medida em que o
problema de constitucionalidade terá surgido na decisão a quo enquanto
fundamento adjuvante ou adicional da mesma. Nesta medida, notifique-se o
Recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a questão prévia assim
configurada.?
O Recorrente apresentou resposta sustentando o conhecimento do objecto e
concluindo pelo seguinte modo:
?1.º O signatário não pode deixar de reconhecer, como V. Exa., que ?existe a
possibilidade de tal juízo acerca do efeito útil do conhecimento do objecto do
recurso não vir a proceder na medida em que o problema de constitucionalidade
terá surgido na decisão a quo enquanto fundamento adjuvante ou adicional da
mesma.?.
2.º No entanto, e apesar disso, atendendo aos contornos de que se reveste a
questão de constitucionalidade colocada, designadamente o procedimento anómalo
utilizado pelo legislador para reparar uma omissão de pronúncia, que não de
simples rectificação, relativamente a um diploma tão importante, quanto o Código
de Trabalho, julga o signatário de enorme utilidade, que esta questão seja
devidamente dilucidada por este Tribunal Constitucional.
Está em causa, com efeito, toda a actuação, na área contra-ordenacional, da
Autoridade para as Questões do Trabalho (ACT), com os reflexos que se imaginam
para a fiscalização de áreas tão essenciais quanto as da higiene, saúde e
segurança no trabalho.
3.º Acresce que, dado o elevado número de recursos que, sobre esta mesma questão
de direito, têm vindo a ser submetidos a este Tribunal Constitucional, importa
fixar, para as jurisdições a quo, a interpretação a dar a uma questão tão
sensível, quanto aquela que foi colocada nos presentes autos.
4.º Por último, há a referir o facto de este Tribunal, nos processos já
decididos sobre esta matéria, ter adoptado posições contraditórias sobre a mesma
questão de direito, o que levará, muito provavelmente, no futuro, à necessidade
de fixar jurisprudência sobre esta matéria.
5.º Por todas estas razões, permita-me V. Exa., Senhor Conselheiro, que junte, à
presente resposta, as alegações produzidas na reclamação para a conferência,
apresentada no âmbito do Proc. 625/09 (1.ª Secção) ? processo esse, aliás, já
decidido pela Ilustre Conselheira Relatora -, em que a questão, que agora me é
colocada foi, ao que se crê, devidamente analisada.?
Cumpre decidir.
II ? Fundamentação
Do objecto do recurso
6. Vem interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, ao abrigo do
artigo 70.º n.º 1, alínea a), da LTC, da decisão do Tribunal da Relação de Évora
proferida em 5 de Maio de 2009. Tal decisão indeferiu o pedido de reforma que
havia sido deduzido relativamente a decisão anterior em que aquele tribunal
havia julgado extinto o procedimento contra-ordenacional relativo aos factos
imputados à ora Recorrida. Essa extinção resultaria do facto de, na sequência da
revisão do Código de Trabalho aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro,
a qual não integrou disposição em vigor relativa à vigência transitória do
Capítulo II do Livro II sobre responsabilidade contra-ordenacional em matéria
laboral, tais normas terem sido revogadas. Acresce ainda o facto de que no novo
Código aprovado não existe norma sancionatória equivalente à que se pretendia
aplicar. Esta decisão foi proferida em 10 de Março de 2009. Oito dias depois, em
18 de Março, foi publicada a Declaração de Rectificação n.º 21/2009, dando nova
redacção ao artigo 12.º, n.º 3, alínea a), da referida Lei n.º 7/2009. Ao abrigo
desta rectificação, e com fundamento no artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do CPC,
requereu-se, então, a reforma daquela decisão.
6.1. Ora, o Tribunal da Relação de Évora, não obstante pronunciar-se sobre a
questão da validade de tal rectificação ? na medida em que a mesma não apenas
foi contestada pela arguida como também vinha logo questionada no próprio pedido
de reforma ? decidiu não deferir o pedido. Assim, a Relação entendeu não ser
aplicável o artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do CPC sendo, consequentemente, de
indeferir a reforma pelo facto de a publicação posterior de uma declaração de
rectificação não constituir um incidente pós-decisório abrangido pelo referido
preceito. E enfatiza a Relação que um tal entendimento seria o único compatível
com os princípios da segurança e certeza da ordem jurídica na medida em que,
mesmo com efeitos retroactivos, a publicação de uma tal declaração de
rectificação não poderá ter o condão de interferir com situações que entretanto
se tenham constituído à luz da redacção inicial.
6.2. Deste modo, as considerações tecidas subsequentemente quanto à ?validade?
ou ?legitimidade? de tal declaração de rectificação surgem como mero argumento
adjuvante, não integrando a ratio decidendi do acórdão recorrido ? a mesma
reside nos fundamentos supra mencionados. Assim se conclui que, face à
instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, não pode haver conhecimento
da questão suscitada na medida em que a mesma não detém a capacidade, ainda que
virtual, de produzir qualquer efeito útil nos autos.
Verificando-se a procedência desta questão prévia, resta ao Tribunal concluir
pela impossibilidade de conhecimento do recurso interposto.
III ? Decisão
7. Nestes termos, face ao exposto, acordam em não tomar conhecimento do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos