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Processo nº 608/09
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho do Presidente daquele
Tribunal de 9 de Junho de 2009.
2. Em 23 de Julho de 2009, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC a suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade normativa que o
recorrente pretende que o Tribunal aprecie (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º,
nº 2, da LTC).
O recorrente requer a apreciação do nº 3 do artigo 42º da Lei 34/2004, de 29 de
Julho, interpretado no sentido que dele decorre que, no âmbito do apoio
judiciário no que concerne às disposições especiais sobre processo penal, os
pedidos de dispensa de patrocínio efectuados pelos defensores oficiosos, não
interrompem nem suspendem o prazo para o recorrente motivar o recurso.
Da reclamação apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra
resulta que, nesta peça processual, não foi questionada, de forma adequada, a
constitucionalidade da norma indicada no requerimento de interposição de recurso.
Com efeito, o recorrente afirma apenas que o entendimento que o Tribunal a quo
deu ao artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004 se mostra contrário à interpretação
conjugada que dele deve ser feita com a ratio do artigo 32º, nº 1, da
Constituição da República Portuguesa. Sendo certo que, quando ?se suscita a
inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas)
normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos
de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na
decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em
geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um
tal sentido? (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt)».
3. Desta decisão reclama agora o recorrente para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«(?) 6°- O reclamante decidiu, por conseguinte, interpor recurso de
constitucionalidade para apreciação da:
?...inconstitucionalidade do n.° 3 do artigo 42° da Lei 34/2004 de 29 de Julho,
interpretado no sentido que dele decorre que, no âmbito do apoio judiciário no
que concerne às disposições especiais sobre processo penal, os pedidos de
dispensa de patrocínio efectuados pelos defensores oficiosos, não interrompem
nem suspendem o prazo para o recorrente motivar o recurso, facto ou
interpretação que constitui uma violação a direitos, princípios e garantias
constitucionalmente consagrados, como é o Direito de Acesso à Justiça e aos
Tribunais, plasmado no artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa,
questão suscitada aquando a reclamação do despacho que não admitiu o recurso
interposto.
7°- Do presente recurso foi proferida douta decisão sumária nos termos do n° 1
do artigo 78° - A LTC (redacção da Lei n° 13-A de 26 de Fevereiro), no sentido
de não tomar conhecimento do objecto do recurso,
8°- Fundamenta tal decisão no facto de que a ?reclamação apresentada perante o
Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra resulta que, nesta peça processual,
não foi questionada de forma adequada, a constitucionalidade da norma indicada
no requerimento de interposição de recurso,
9º- Uma vez que, quando ?se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada
interpretação de certa (ou de certas) norma jurídica, necessário é que se
identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de vir a julgar
inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários
delas e os operadores de direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas)
normas não podem ser aplicadas com um tal sentido (Acórdão do Tribunal
Constitucional n° 106/99).
10º- Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com a douta decisão
proferida.
11º- Na Reclamação apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de
Coimbra, discutia-se a questão de o recurso apresentado perante o Tribunal a quo
ter sido interposto extemporaneamente.
12°- A fundamentação, para se considerar o mencionado recurso extemporâneo,
residiu no facto de ao recorrente terem sido nomeadas diversas e sucessivas
defensoras oficiosas, após apresentação de iguais pedidos de dispensas de
patrocínio,
13°- Situação esta que não interrompeu o prazo de 30 dias de que o recorrente
dispunha para interpor recurso da decisão condenatória.
14°- Pelo que, quando o recurso foi apresentado em 30 de Abril de 2008, este não
foi admitido, por se considerar que o prazo para o efeito já se encontrava
esgotado.
15°- Ora, e porque o recorrente não partilha deste entendimento, reclamou,
alegando na aludida Reclamação que?(...) a cada novo pedido de dispensa de
patrocínio, o prazo que estava em curso deve considerar-se interrompido, devendo
considerar-se reiniciado a cada notificação da nova defensora nomeada pelo
Tribunal a quo (...),
16°- Sendo que, ?o entendimento que o Tribunal a quo deu ao artigo 42°, n° 3 da
Lei n° 34/2004, mostra-se contrário à interpretação conjugada que dele deve ser
feita com a ratio do artigo n° 32, n°1 da CRP?.
17°- Ora, com o devido respeito, entende o recorrente que na reclamação por ele
apresentada para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, explanou com
clareza o seu entendimento acerca da questão subjacente à extemporaneidade do
recurso interposto no tribunal a quo.
18°- Para o efeito, indicou a norma constitucional que considerava violada (artigo
32°, número 1 da Constituição da República Portuguesa),
19°- Indicou a norma (artigo 42°, n° 3 da Lei 34/2004), cujo entendimento da
mesma dado pelo Tribunal a quo considerava violadora daquela norma
constitucional,
20°- Assim como, mencionou claramente o sentido que deveria ser dado na
interpretação deste artigo com a norma constitucional mencionada,
21°- Ou seja, a interpretação que deveria ser dada ao mencionado artigo 42, n° 3
da Lei 34/2004, perante uma decisão de declaração de inconstitucionalidade da
mesma.
22°- Por conseguinte, entende o reclamante que, uma vez que expôs claramente a
interpretação que deve ser dada à norma pelo Tribunal, no caso daquela vir
julgada inconstitucional, deve o presente recurso de constitucionalidade ser
admitido (?)».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público pronunciou-se pela respectiva
improcedência, considerando que a argumentação do reclamante não altera a
adequação da decisão sumária proferida, antes a confirma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso,
por o recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do recurso previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Por o recorrente não ter questionado, de
forma adequada, a constitucionalidade da norma indicada no requerimento de
interposição de recurso, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, (artigos
70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
Para contrariar o decidido, o reclamante sustenta que, durante o processo, ?indicou
a norma (artigo 42º, nº 3 da Lei 34/2004), cujo entendimento da mesma dado pelo
Tribunal a quo considerava violadora? do artigo 32º, nº 1, da Constituição da
República Portuguesa; e ?mencionou claramente o sentido que deveria ser dado na
interpretação deste artigo 42º, nº 3, com a norma constitucional mencionada?.
Esta argumentação apenas confirma a fundamentação da decisão reclamada. Com
efeito, enunciar a dimensão que se pretende ver sindicada consiste sempre na
definição, pela positiva, da interpretação normativa cuja constitucionalidade se
questiona e não na indicação da única interpretação tida por constitucionalmente
possível, para assim excluir todas as demais (Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 509/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Como, durante o processo, o recorrente não definiu a norma cuja
constitucionalidade questionou no requerimento de interposição de recurso,
limitando-se a afirmar ? em termos que aliás mantém na presente reclamação ? que
era inconstitucional o entendimento dado pelo Tribunal a quo a determinado
preceito legal, resta confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do
recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão