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Processo nº 609/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e são reclamados o Ministério Público, B. e C. e outro, reclamou o
primeiro, nos termos do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão do Supremo
Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2009, que não admitiu recurso interposto
para o Tribunal Constitucional.
2. Por acórdão de 30 de Abril de 2009 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo ora reclamante.
Em 27 de Maio de 2009 requereu a notificação deste acórdão, nos termos do nº 9
do artigo 113º do Código de Processo Penal, e em 28 de Maio de 2009 recorreu
para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC.
Foram então proferidos os seguintes despachos:
«1.
A., arguido nos presentes autos vem requerer a sua notificação, nos termos do n.
9 do art. 113.º do CPP, do acórdão proferido em recurso por este Supremo
Tribunal de Justiça.
Sucede, porém, que vem entendendo este Tribunal que não há, então, lugar a essa
notificação, sendo que a notificação já foi efectuada ao seu mandatário.
Com efeito, como se decidiu no acórdão de 25/06/2008, proc. n.º
3057/06-5(Relator Conselheiro Souto Moura que e acompanha:
(…)
IX - Deve, assim, concluir-se não ser necessária a notificação pessoal do
arguido, nesta fase processual.»
Vai, pois, indeferido aquele requerimento.
2.
Em requerimento separado o mesmo arguido interpõe recurso para o Tribunal
Constitucional do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça.
Mas a decisão já transitou em julgado pois já decorreu o prazo de interposição
de recurso a partir da notificação do acórdão ao mandatário do arguido.
Assim não se admite tal recurso».
3. Foi então deduzida a presente reclamação, com os seguintes fundamentos:
«A., arguido/recorrente no processo à margem referenciado e nele melhor
identificado, notificado do despacho do Ilustre Relator junto do Supremo
Tribunal de Justiça, de 2 de Junho de 2009 que indeferiu o requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional por extemporaneidade e
não se conformando com o mesmo vem, nos termos do disposto no artigo 76°, nº 4
da Lei 28/82 de 15 de Novembro vem
RECLAMAR
ao abrigo das alíneas g) e i) in fine, do n° 1 do artigo 70°, da Lei 28/82 de 15
de Novembro do citado despacho do Ilustre Relator junto do Supremo Tribunal de
Justiça, de 2 de Junho de 2009 que indeferiu o requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional por extemporaneidade em clara oposição
com o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 435/2005 de 4 de Agosto (JusNet
4375/2005).
Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1°
Decidiu o Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, Prof.
Simas Santos, por despacho de 2 de Junho de 2009, não admitir o recurso
interposto pelo arguido A. por entender que o mesmo é extemporâneo, “pois já
decorreu o prazo de interposição de recurso a partir da notificação do acórdão
ao mandatário do arguido.”
2°
A mandatária do arguido foi notificada do Acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça nos autos supra referenciados, por carta registada, datada
de 4 de Maio de 2009.
3°
Acontece que, no entanto, o arguido A. apenas teve conhecimento pessoal da
decisão de recurso no dia 27 de Maio de 2009, data em que solicitou junto do
Supremo Tribunal de Justiça fosse pessoalmente notificado do Acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça.
4º
De facto, estando o arguido sujeito à medida de coação de permanência na
habitação, ficou impedido de se deslocar ao escritório da sua mandatária, a qual
apesar de se ter deslocado à sua residência, não logrou contactar o arguido, que
alegou que tal se terá ficado a dever ao facto de a citada moradia ser bastante
grande e caso este se encontre nas traseiras, onde passa grande parte do tempo
(facto que a mandatária desconhecia) não consegue ouvir a campainha.
5º
Por outro lado também teve o arguido o telefone desligado por muitos dias facto
que se ficou a dever a uma avaria que a mandatária desconhecia.
6°
Nos termos do disposto no artigo 75°, n° 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, o
prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias.
7º
Ora, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional a contagem do
prazo para a interposição de recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 4 de Maio de 2009 começa a correr a partir da notificação pessoal ao arguido
do citado Acórdão, facto que ainda não ocorreu, sendo que, no entanto, o mesmo
arguido tomou conhecimento pessoal do seu conteúdo em 27 de Maio de 2009.
8°
No entanto, e em oposição à jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendeu
o Ilustre Relator Prof. Simas Santos, como se lê no despacho de que se reclama,
que não há lugar à notificação pessoal do Arguido A., nos termos do disposto no
artigo 113°, n° 9 do C.P.P., do Acórdão Proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça a 30 de Abril de 2009, porquanto o citado preceito legal “não tem
aplicação nos Tribunais Superiores”, mas apenas na 1ª Instância,
9°
Concluindo que a notificação prevista no art. 425°, nº 6, do CPP, se consuma com
a notificação efectuada na pessoa do seu mandatário.
10º
O artigo 425°, no 6 do CPP determina que os acórdãos proferidos pelos Tribunais
Superiores devem ser notificados, entre outros aos recorrentes, estabelecendo o
artigo 113°, nº 9 do CPP que as notificações ao arguido podem ser feitas ao
respectivo defensor, ressalvadas, nomeadamente as notificações respeitantes à
Sentença.
11º
Percebe-se, como aliás vem sendo sufragado pelos Tribunais da Relação, que o
legislador ressalvou, na segunda parte do artigo 113°, n° 9 do CPP, os actos que
considera de maior relevância processual, salvaguardando que se dará
conhecimento desses actos ao visado, procurando, assim, garantir que ele seja
informado da evolução processual notada e possa reagir adequadamente.
12°
Ora, caberá nesta previsão legal, não só a Sentença propriamente dita, como as
alterações supervenientes do seu conteúdo decisório - como é sem dúvida o caso
do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
13º
De facto, não faria sentido que uma decisão tão importante para a vida do
arguido, que implica a privação da sua liberdade, fosse tomada sem que este,
previamente não tivesse oportunidade de se pronunciar, ou de discordar, depois
de a conhecer, pelas vias colocadas ao seu dispor, como é o caso do recurso.
14°
“E tal só se consegue com a notificação pessoal do condenado. Só assim se
satisfazem os princípios básicos de um processo equitativo (artigo 20º, n° 4 da
Constituição da República Portuguesa e artigo 6° da Convenção Europeia dos
Direitos do homem), fazendo com que o processo penal além de justo seja leal”
15°
Como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 632/99 de 17 de Novembro de
1999 “A exigência de um processo equitativo... impõe... que as normas
processuais proporcionem aos interessados meios de defesa dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que
elas protagonizam no processo.”
16°
Ora, seria, como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 422/05 de 17 de
Agosto, “intolerável” que - como no caso dos presentes autos, onde o Supremo
Tribunal reduz a pena de prisão aplicável ao arguido apenas em 2 anos, mas não
conhece da inconstitucionalidade invocada, que poderia levar a uma maior redução
da pena aplicada - uma decisão com esta relevância processual, que tem por
efeito directo a privação da privação de liberdade do arguido, se cumprisse com
a mera notificação ao defensor, ficcionando-se a cognoscibilidade do acto pelo
arguido.
17º
Nos termos do disposto no artigo 32° n° 1 da Constituição da República o
processo criminal assegura todas as garantias de defesa do arguido.
18°
O recurso de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional constitui uma
efectiva possibilidade de defesa do arguido constitucionalmente assegurada.
19º
Ao não tomar conhecimento pessoal da decisão não pode o arguido discordar da
mesma, nomeadamente, mediante decisão de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, decisão essa que terá, necessariamente, que ser devidamente
ponderada, nomeadamente em virtude mesmo dos custos que acarreta.
20º
Ao negar a notificação pessoal ao arguido da decisão proferida, violou o Supremo
Tribunal as mais elementares garantias de defesa do arguido constitucionalmente
consagradas, nomeadamente no artigo 32°, n°s 1 e 5 da Constituição.
21°
De facto e como já havia ocorrido anteriormente (citado Ac. do Tc nº 435/2005 de
4 de Agosto) “O Tribunal recorrido...(..)... entendeu como bastante o critério
normativo segundo o qual a comunicação ao defensor do conteúdo decisório
definiria o momento a partir do qual se contaria o prazo para a interposição de
recurso, sem quaisquer outras condições ou requisitos.”
22°
Ora, “... O Tribunal Constitucional considera que aquele critério, ao considerar
irrelevante o efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório de uma
decisão judicial, não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao
recurso consagrada no artigo 32°, nº 1 da Constituição. Assim, não pode ser
indiferente para a plenitude daquela garantia, constitucionalmente consagrada,
que o recorrente não tenha tido conhecimento pessoal do conteúdo decisório no
momento a partir do qual se iniciaria o prazo para ponderar o exercício do
direito ao recurso.”
23°
Assim, é inconstitucional, como já julgado diversas vezes pelo Tribunal
Constitucional,- Acórdão 476/2004 (JusNet 6899/2004) e Acórdão n° 435/2005 de 4
de Agosto de 2005 (JusNet 4375/2005) -, por violação do artigo 32°, n° 1 da
Constituição da República Português, a interpretação e aplicação das normas dos
artigos 113°, n° 9 e 425°, n° 6 no sentido de que é irrelevante e dispensável a
notificação pessoal de acórdão condenatório ao arguido, bastando a notificação
na pessoa do seu defensor ou mandatário.
24°
Do mesmo modo é inconstitucional, também por violação do disposto no artigo 32°,
n° 1 da Constituição, o entendimento daqueles preceitos do CPP “no sentido de
que a notificação de uma decisão condenatória relevante para a contagem do prazo
de interposição de recurso é apenas a notificação ao defensor,
independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido...” -
Acórdão do Tribunal Constitucional n° 435/05 (Relator: Paulo Cardoso Correia da
Mota Pinto) de 4 de Agosto de 2005 (JusNet 4375/2005).
25°
Ao interpretar os artigos 113°, n° 9 e 425, nº 6, como o fez o Ilustre Relator,
que expressamente se bastou com a notificação ao mandatário do arguido,
prescindindo da notificação pessoal deste, violou o disposto no artigo 32°, nº 1
da Constituição, e feriu o despacho proferido de inconstitucionalidade.
26°
Como refere o Tribunal constitucional no já citado Acórdão nº 422/2005 de 17 de
Agosto “Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n°
1 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de
interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de
ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia
no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal
simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a
cognoscibilidade da decisão impugnada.”
CONCLUSÕES:
1- Vem a presente reclamação interposta, ao abrigo das alíneas g) e i) in fine,
do n° 1 do artigo 70°, da Lei 28/82 de 15 de Novembro, do despacho do Ilustre
Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Junho de 2009 que
indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional por extemporaneidade, “entendendo como bastante o critério
normativo segundo o qual a comunicação ao defensor do conteúdo decisório”, do
Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 30 de Abril de 2009, define
o momento a partir do qual se conta o prazo para a interposição de recurso, sem
quaisquer outras condições ou requisitos, em clara oposição com o Acórdão do
Tribunal Constitucional n° 435/2005 de 4 de Agosto (JusNet 4375/2005).
2- Apesar de a mandatária do arguido ter sido notificada do Acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça nos autos supra referenciados, por carta
registada, datada de 4 de Maio de 2009, certo é que o arguido A. apenas teve
conhecimento pessoal da decisão de recurso no dia 27 de Maio de 2009, nos termos
melhor expostos no corpo da presente reclamação.
3- De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional a contagem do prazo
para a interposição de recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de
Maio de 2009 começa a correr a partir da notificação pessoal ao arguido do
citado Acórdão, facto que ainda não ocorreu, sendo que, no entanto, o mesmo
arguido tomou conhecimento pessoal do seu conteúdo em 27 de Maio de 2009.
4- Como refere o Tribunal Constitucional no já citado Acórdão n° 422/2005 de 17
de Agosto “Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no
n° 1 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de
interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de
ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia
no presente caso...”
5- O entendimento perfilhado no despacho reclamado, em oposição à jurisprudência
do Tribunal Constitucional (Acórdão 476/2004 (JusNet 6899/2004) e Acórdão n°
435/2005 de 4 de Agosto de 2005 (JusNet 4375/2005), de que não há lugar à
notificação pessoal do Arguido A., nos termos do disposto no artigo 113°, nº 9
do C.P.P., do Acórdão Proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 30 de Abril
de 2009, porquanto o citado preceito legal “não tem aplicação nos Tribunais
Superiores”, mas apenas na 1ª Instância, consumando-se a notificação prevista no
art. 425°, n° 6, do CPP, com a notificação efectuada na pessoa do seu
mandatário, sem quaisquer outras condições ou requisitos, é inconstitucional por
violação do artigo 32°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
5- Do mesmo modo é inconstitucional, também por violação do disposto no artigo
32°, nº 1 da Constituição, o entendimento daqueles preceitos do CPP “no sentido
de que a notificação de uma decisão condenatória relevante para a contagem do
prazo de interposição de recurso é apenas a notificação ao defensor,
independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido...” -
Acórdão do Tribunal Constitucional n° 435/05 (Relator: Paulo Cardoso Correia da
Mota Pinto) de 4 de Agosto de 2005».
O reclamante conclui requerendo que:
“seja admitida a presente reclamação, interposta ao abrigo do artigo 76º nº 4 e
das alíneas g) e i) in fine, do nº 1 do artigo 70º, da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, e declarada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 113º, nº 9
e 425, nº 6 do CPP, entendidas no sentido de que a notificação de uma decisão
condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso é
apenas a notificação ao mandatário ou defensor, independentemente, em qualquer
caso, da notificação pessoal ao arguido, e em consequência do despacho do
Ilustre Relator de 2 de Junho de 2009, por violação do artigo 32º, nº1 da
Constituição, revogando-se o citado despacho e admitindo-se a interposição de
recurso feita pelo arguido em 27 de Maio de 2009».
4. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público que se
pronunciou nos seguintes termos:
«1. O reclamante requereu que o Acórdão do Supremo Tribunal lhe fosse
pessoalmente notificado. Antes de ver apreciado tal requerimento, no dia
seguinte, veio interpor recurso, daquele Acórdão, para o Tribunal
Constitucional.
O Exmº Senhor Conselheiro Relator, apreciando a pretensão do reclamante,
indeferiu o requerido, porque, com base na jurisprudência daquele Supremo
Tribunal, entendeu que não era necessária a notificação pessoal aos arguidos dos
acórdãos proferidos pelo Supremo, bastando a notificação ao mandatários.
Na segunda parte da decisão, o Exmº Senhor Conselheiro, aplicando um tal
entendimento, não admitiu o recurso de constitucionalidade, porque, contando-se
o prazo para a sua interposição de data da notificação ao mandatário, aquele
prazo havia sido ultrapassado.
2. Comecemos por abordar o requerimento do arguido em que ele solicita que o
Acórdão lhe seja pessoalmente notificado, invocando o artigo 113º, nº 9, do CPP.
Perante a decisão do Supremo que lhe indeferiu o pretendido, o reclamante podia
ter reclamado para a Conferência, daquela decisão Exmº Senhor Conselheiro
Relator, que poderia, ou não, confirmá-la.
Evidentemente que também aí, nessa reclamação, poderia ter suscitado a questão
da inconstitucionalidade de interpretação do artigo 113º, nº 9, do CPP, que
dispensasse a notificação pessoal aos arguidos dos acórdãos do Supremo, levado a
cabo na decisão do Exmº Senhor Conselheiro Relator.
Foi o reclamante que autonomizou esta questão e, portanto, ela tem de ser
tratada autonomamente.
Aliás, e no sentido do que dissemos, é o próprio reclamante que na reclamação do
despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade vem requer que seja
“declarada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 113º, nº 9 e 425º, nº
6 do Código de Processo Penal, entendidas no sentido de que a notificação de uma
condenação relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso é
apenas a notificação ao mandatário ou defensor”.
Portanto, prévia a admissibilidade do recurso, está a questão de obrigatoriedade
da notificação pessoal, sendo a admissibilidade uma mera consequência do
entendimento perfilhado quanto a esta última questão.
Ora, não tendo o reclamante impugnado tal decisão, quer quanto à interpretação
do direito ordinário, quer enquanto aplicou normas que ele reputava de
inconstitucionais, ela transitou.
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
3. Mas podemos enfrentar a presente reclamação numa outra perspectiva,
eventualmente menos formalista.
Assim, se desvalorizarmos, ou mesmo ignorarmos, o primeiro requerimento do
reclamante, estamos perante uma não admissão de recurso de constitucionalidade
porque considerado interposto para além do prazo, contando-se esse prazo, quanto
aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, da notificação ao mandatário, não
sendo necessária a notificação pessoal do arguido.
Aqui temos de recorrer ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 512/2004 que,
precisamente também num processo de reclamação em que a questão era idêntica,
veio dizer o seguinte:
“Por outro lado, no disposto no artigo 113º, nº 9, do Código de Processo Penal
não resulta a obrigação da notificação do Acórdão proferido pelos tribunais
superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação
ao advogado.
Aliás na perspectiva da sua constitucionalidade, já o Tribunal Constitucional
decidiu tal interpretação não colide em regra, com a Constituição (Acórdão nº
59/99).”
No citado Acórdão nº 59/99, decidiu-se:
“Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental,
a norma constante do nº 5 do artº 113º do Código de Processo Penal, quando
interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal
de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para
substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, n
qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever
ser, para ela convocado.”
Como se vê, determinante para ser proferido o juízo de inconstitucionalidade foi
o facto de o defensor notificado da decisão, ter sido apenas nomeado para o
acto.
Ora, não constam deste processo os elementos necessários para se poder concluir
se a defensora do arguido (Drª D..) foi ou não apenas nomeada para o acto.
Sabemos, no entanto, que é a mesma que interpôs o recurso para este Tribunal.
Sabemos também, e tal parece-nos relevante, que ela informou o arguido do
Acórdão, pois é o próprio que afirma o seguinte:
“Tomou o recorrente conhecimento através da sua mandatária que foi proferido
Acórdão nos autos à margem referenciados
O recorrente não foi notificado do citado Acórdão, direito que a lei lhe
confere” (fls. 31).
O seja, o reclamante afirma, ter tido conhecimento do Acórdão pela sua
mandatária e que apenas exige o cumprimento de uma formalidade: ser pessoalmente
notificado.
Assim, não tendo sido questionado – antes pelo contrário – o cumprimento pelo
mandatário, de dever de comunicar ao arguido, poderá aplicar-se o entendimento
perfilhado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 275/2006, que não julgou
inconstitucional “os artigos 113º, nº 9, 411º, nº 1 e 425º, nº 6 (interpretadas
no sentido de o prazo para a interposição de recurso do Supremo Tribunal de
Justiça se contar a partir do Acórdão da Relação ao advogado constituído do
arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de
comunicar ao arguido”.
É certo que na reclamação apresentada perante este Tribunal o reclamante vem com
uma versão algo diferente, pouco credível e contraditória com o que havia
afirmado anteriormente.
Por tudo o exposto, pensamos que este será um dos casos que se deverá aplicar a
regra geral, enunciado no já citado Acórdão nº 512/2004, de que do artigo 113º,
nº 9, do CPP, não resulta a obrigação de notificação do Acórdão proferido pelos
tribunais superiores ao arguido.
Assim sendo, e contando-se o prazo de notificação ao mandatário, é evidente que
o recurso de inconstitucionalidade foi interposto quando o prazo já havia
expirado.
Deve, em consequência, a reclamação ser indeferida».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Segundo o disposto no nº 4 do artigo 76º da LTC cabe reclamação para o
Tribunal Constitucional do despacho que indefira o requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional.
Nos presentes autos, a decisão que não admitiu o recurso de constitucionalidade
interposto pelo ora reclamante foi objecto de reclamação ao abrigo daquela
disposição legal. A este Tribunal não cabe, por isso, apreciar a
constitucionalidade das normas dos artigos 113º, nº 9, e 425º, nº 6, do Código
de Processo Penal na dimensão interpretativa identificada. A peça processual
adequada para requerer a apreciação de tais normas, ao abrigo das alíneas
invocadas pelo reclamante – alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 70º da LTC –, é a
prevista no artigo 75º-A da LTC (Interposição de recurso).
2. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na intempestividade do mesmo. De acordo com a
decisão, o acórdão recorrido já tinha transitado em julgado, pois já tinha
decorrido o prazo de interposição de recurso a partir da notificação do acórdão
ao mandatário do arguido.
O reclamante sustenta que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional deve ser contado nos termos do disposto no artigo 113º, nº 9,
segunda parte, do Código de Processo Penal. Ou seja, no caso contar-se-ia a
partir da notificação que lhe fosse feita, na qualidade de arguido, do acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2009.
O nº 1 do artigo 75º da LTC estabelece que o prazo de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional é de dez dias e a disposição legal convocada pelo
recorrente determina que a notificação do arguido pode ser feita ao respectivo
defensor ou advogado, com ressalva, entre outras, da notificação da sentença, a
qual, porém, deve igualmente ser notificada ao advogado ou defensor nomeado;
neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a
partir da data da notificação efectuada em último lugar (nº 9 do artigo 113º do
Código de Processo Penal).
Como bem se conclui no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 512/2004,
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “do disposto no artigo 113º nº 9
do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos
tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da
notificação ao advogado”. Desta disposição legal resulta que apenas a sentença –
e não também o acórdão proferido em sede de recurso – constitui um desvio àquele
princípio, apontando neste sentido quer a utilização do termo “sentença” nos
artigos que disciplinam a fase de julgamento (do artigo 311º ao 380º) por
contraposição ao uso do vocábulo “acórdão” nos que dispõem sobre recursos
ordinários (do artigo 399º ao 436º); quer a razão de ser dos casos que são
ressalvados no nº 9 do artigo 113º do Código de Processo Penal, por referência à
função processual dos recursos ordinários.
O Tribunal Constitucional até já se pronunciou pela não inconstitucionalidade
deste preceito legal, quando interpretado no sentido de a notificação da decisão
tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor
do arguido, não tendo, assim, de lhe ser notificada pessoalmente. No Acórdão nº
59/99 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), lê-se, com relevo para a
presente decisão, o seguinte:
«O processo criminal terá (…) de perspectivar-se como um due process of law,
permitindo, pois, que nele haja sempre a possibilidade de o arguido se defender
(cfr. Acórdão deste Tribunal nº 61/88, no Diário da República, 2ª Série, de 20
de Agosto de 1988).
E essa defesa, inclusivamente, pode abarcar, quando esteja em causa uma decisão
jurisdicional tomada em última instância por um tribunal superior - da qual,
consequentemente, já não caiba recurso ordinário -, a colocação em crise,
confrontadamente com a sua validade constitucional, da normação com base na qual
foi prolatada a decisão condenatória (se, como é claro, estiverem congregados os
respectivos pressupostos processuais).
Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as
garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for
dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi
tomada.
Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das
garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu
defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do
primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal
de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse
defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no
sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com
propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal
superior.
De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do
conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará
ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como
agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que
lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi».
Assim sendo, há que concluir pela intempestividade do recurso de
constitucionalidade interposto, atento o prazo de dez dias estabelecido no
artigo 75º, nº 1, da LTC, uma vez que o acórdão recorrido foi proferido em 30 de
Abril do corrente ano, que a mandatária do reclamante foi notificada por carta
expedida em 4 de Maio de 2009 (fl. 84) e que o recurso de constitucionalidade
foi interposto em 28 de Maio de 2009.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir o requerido e, consequentemente,
confirmar a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade
interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Julho de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão