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Processo n.º 381/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A. interpôs, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pedido de
“intimação para defesa de direito pessoal”, formulado ao abrigo do disposto nos
artigos 16.º, 31.º e 36.º e 109.º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA), contra o Conselho Directivo da Ordem dos Revisores
Oficiais de Contas, concluindo que:
i) A decisão do Conselho Directivo da Ordem dos R.O.C. de cancelar na sua base
de dados para correspondência o endereço postal escolhido pelo R.O.C. signatário
carece totalmente de fundamento legal, mais se mostrando, até, de todo
injustificável no plano moral;
ii) A decisão do Conselho Directivo da Ordem dos R.O.C. de não atender a
solicitação expressa para que reintroduza na sua base de dados para
correspondência o endereço postal do domicilio profissional do R.O.C. signatário
viola, flagrantemente, o direito pessoal, com tutela constitucional, ao
domicílio electivo na titularidade irredutível e intransmissível deste.
E, consequentemente, peticionando que o Tribunal intime o requerido a que:
A) reintroduza na sua base de dados para correspondência o endereço postal –
que bem conhece – do domicílio profissional do R.O.C. signatário, para onde
deverá recomeçar, de imediato, a remeter toda a correspondência destinada à
pessoa deste,
B) sob pena de condenação ao pagamento duma sanção pecuniária adequada até
cumprimento efectivo do sentenciado.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (ao qual foram remetidos os autos
em cumprimento do despacho de fl. 24), por sentença de 8 de Agosto de 2007, ao
abrigo do disposto no artigo 109.º do CPTA, rejeitou a intimação, por “entender
não estarem verificados os pressupostos ou requisitos para utilização do meio
processual de intimação utilizado, que é subsidiário”.
Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, concluiu o
recorrente nas inerentes alegações:
1.°) Nenhuma questão pré-judicial existe in casu susceptível de impedir ou
sequer condicionar ou retardar a decisão final;
2.°) Os direitos pessoais cuja violação vai provada têm efectivo jus à tutela
jurisdicional preceituada no art. 109.° do Código aplicável;
3.º) O processo de intimação é o único que faculta plenamente, de modo
suficiente, a tutela jurisdicional efectiva do direito pessoal in concreto
ofendido, pelo que é esta, precisamente, a forma de processo a interpor
normalmente no caso.
A Secção de Contencioso Administrativo (2.º Juízo) do Tribunal Central
Administrativo Sul, por acórdão de 25 de Outubro de 2007, negou provimento ao
recurso, fundamentando-se para tal em que:
(…)
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias cujos
pressupostos estão contidos no art° 109° do CPTA, é um meio processual urgente,
de natureza principal e não cautelar, consistindo numas “das novidades
absolutas” do CPTA, no dizer do Prof. Mário Aroso de Almeida e do Juiz
Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ..., 2ª Ed., 2007,
pág. 629 e ss), sendo um inovador meio processual urgente que se destina a
salvaguardar o exercício de direitos, liberdades e garantias, mas cujo êxito
está dependente da verificação dos pressupostos legalmente previstos.
Dispõe o art° 109°, n° 1 do CPTA que: “1 – A intimação para protecção de
direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de
uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta
positiva ou negativa se revele indispensável ao exercício, em tempo útil, de um
direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas
circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar,
segundo o disposto no artigo 131°”.
Da leitura deste normativo extrai-se que estamos perante um processo principal,
processo de intimação, cuja finalidade é a obtenção, por parte do interessado de
uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma
conduta, que tanto pode consistir numa acção (conduta positiva ou de facere),
como consistir numa abstenção (conduta negativa de non facere) – cfr. art° 109°
citado, n°s 1 e 2.
De igual modo se extrai que estamos perante um processo destinado a proteger
direitos, liberdades e garantias, sejam eles pessoais ou patrimoniais, posto que
se verifique o preenchimento dos requisitos (dois) contidos no n° 1 do art° 109°
do CPTA: situação de especial urgência carecida de tutela definitiva através da
prolação de uma decisão de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil,
de um direito, liberdade ou garantia (1°), que a célere intimação se revele
indispensável por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento
provisório de uma providência cautelar (2°), de acordo com o disposto no artigo
131.º, nº 1 do CPTA.
Ora, se atentarmos neste 2° requisito – indispensabilidade da célere intimação –
vemos que a consagração legal deste processo de intimação para protecção de
direitos, liberdades e garantias não permite usar tal processo de intimação como
uma “(...) via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de
lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reacção é a da
propositura de uma acção não urgente (acção administrativa comum ou acção
administrativa especial), associada à dedução de um pedido de decretamento de
providências cautelares, destinadas a assegurar a utilidade da sentença que, a
seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa acção. Só quando, no caso
concreto, se verifique que a utilização da via normal não é possível ou
suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou
garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação. (...)”. (Cfr. Prof.
Mário Aroso de Almeida e do Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha,
in “Comentário ..., 2ª Ed., 2007, pág. 631 e ss). Daí o carácter subsidiário do
processo de intimação previsto no art° 109° do CPTA.
No caso dos autos ficou por demonstrar, por parte do ora recorrente, que no seu
caso concreto, em que pretende que a sua correspondência seja enviada pela
autoridade ora recorrida para o seu endereço postal, a utilização da via normal
de reacção à conduta da ora recorrida em lhe enviar a correspondência para o seu
escritório, numa das modalidades processuais supra referidas, não é possível ou
suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito que se arroga –
direito pessoal à escolha do domicílio.
Ora, incumbia ao requerente da intimação, ao abrigo do disposto no art° 109° do
CPTA, a demonstração de tal pressuposto, sem o qual a sua pretensão judicial não
pode ser satisfeita no âmbito de tal meio processual, o [que] equivale a dizer
que estamos, prima facie, perante uma situação de impropriedade do meio
processual usado, o que configura uma excepção dilatória inominada insuprível, a
determinar a não convolação do processo em outro meio processual, face aos
concretos fundamentos em que o requerente alicerça a sua pretensão e vertidos na
petição inicial dos autos.
Assim sendo, é quanto basta para que o pedido de intimação mereça ser rejeitado,
tal como o foi pelo tribunal a quo.
Em suma, improcedem as conclusões das alegações de recurso, merecendo provimento
o recurso jurisdicional, confirmando-se o decido
em 1ª instância, que não se apresenta violador de qualquer norma legal e a não
merecer censura.
Notificado desta decisão, o recorrente veio requerer a sua reforma, considerando
então:
A. Da análise cuidada do aresto sub judicio concluir-se-á, linearmente, que o
não provimento do recurso em causa decorre, no essencial, de duas razões, uma de
facto e outra de jure:
prima – o Requerente não demonstrou que, «no seu caso concreto, (...) a
utilização da via normal de reacção à conduta da ora recorrida (…) não é
possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito que
se arroga» (sic; sublinhado do R.), falta absolutamente insuprível, porquanto:
secunda – o 2.º dos dois requisitos contidos no n.º 1 do art. 109.º do CPTA
consagra o «carácter subsidiário do processo de intimação previsto» nesse
artigo, sendo o processo normal de reacção a «propositura de uma acção não
urgente (acção administrativa comum ou administrativa especial), associada à
dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a
assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no
âmbito dessa acção>, e só quando «se verifique que utilização da via normal não
é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito,
liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação» (sic;
ditto).
B. Ora, um pouco mais de reflexão bastará, se bem se julga, para se concluir em
definitivo pela inconstitucionalidade material desta norma jurídica in concreto
aplicada: a norma do n.º 1 do art. 109.º do CPTA, segundo uma dimensão
hermenêutica ofensiva da garantia fundamental de acesso ao direito e aos
tribunais; mais precisa e objectivamente, uma norma jurídica ... inaplicável,
porque efectivamente revogatória da norma legal cuja interpretação materializa!
Na verdade,
C. quais, ou antes: qual o caso, um só, em que não será realmente possível, ou
não será suficiente, o recurso com pleno sucesso à dita “via normal”? Nenhum,
absolutamente nenhum, e a história longa de quase 30 anos da vigência da Lei de
Processo aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16-VII-1985, aí está para o
demonstrar! Na realidade,
D. nem um só caso de tutela jurisdicional necessária à defesa de qualquer
direito, liberdade ou garantia ocorreu durante todo esse tempo em que uma
providência cautelar – desde a suspensão da eficácia de actos, eventualmente
provisória (arts. 76.° seqq.), à intimação para a adopção ou a abstenção de um
comportamento, eventualmente com tramitação acelerada (arts. 82. seq.) – não
resultasse plenamente eficaz. E,
E. evidentemente, o mesmo se dirá agora – numa posição doutrinal não dogmática,
racional: fazendo apelo às instruções deixadas pelo legislador no n.º 3 do art.
9.º do Código Civil – do decretamento provisório de uma providência cautelar,
«segundo o disposto no artigo 131.º», por remissão do antecitado artigo l09.º,
n.º 1, do actual CPTA.
F. Em resumo e conclusão: o douto aresto em exame acusa no seu cerne, salvo
todo o devido respeito, um manifesto lapso do Colectivo judicante na
determinação da norma aplicável à factualidade jurídica sub judice.
Por acórdão de 6 de Dezembro de 2007, foi indeferido o pedido de reforma
apresentado, com os seguintes fundamentos:
Nos termos do disposto no art° 669°, n° 2-a) do CPC, quanto ao pedido de reforma
de uma decisão judicial, “2. E ainda lícito a qualquer das partes requerer a
reforma da sentença quando: a) tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, (...).”
No caso dos autos, o requerente da reforma do acórdão identifica tal manifesto
lapso na determinação da norma aplicável com a inconstitucionalidade material da
norma do n° 1 do art° 109° do CPTA, concretamente aplicada pelo acórdão ora sob
reforma.
Todavia, o que o requerente pretende não se enquadra no preceito contido no art°
669°, n° 2-a) do CPC, pois não ocorreu, por parte do julgador qualquer lapso
manifesto na aplicação da norma contida no art° 109° do CPTA, no sentido de erro
evidente, patente, indiscutível, imediatamente perceptível.
O que, efectivamente, o requerente pretende é que se reforme a fundamentação do
acórdão em causa, invocando agora a inconstitucionalidade concreta da aplicação
do disposto no art° 109° do CPTA, pelo referido acórdão, o que, de todo, o
preceito legal invocado – art° 669°, n° 2-a) do CPC – não permite, pois tal
norma visa apenas os lapsos manifestos, não se destinando a emendar erros de
julgamento.
Ora, e em conclusão, a eventual aplicação de uma norma desconforme à
Constituição “não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional,
como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso
do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos
factos.” (cfr. Ac. nº 418/98 do TC, de 03.06.98, in DR, II, de 20.07.98, pág.
10106, citado por Abílio Neto in CPC Anot., 17ª Ed., nota 28, ao art° 669°).
2. Inconformado, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão
em causa, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), invocando que
“reiterada é a aplicação in casu do normativo que o signatário previamente
arguíra de inconstitucional.” Mais requereu que lhe fosse prestada a seguinte
aclaração:
i) Qual o significado de «4/10» (quatro décimas) referente a «procuradoria»?
ii) Qual o fundamento legal da aplicação dessa tributação em «custas» num
processo como o presente?
A Secção de Contencioso Administrativo (2.º Juízo) do Tribunal Central
Administrativo Sul, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2008, não admitiu o
recurso interposto para o Tribunal Constitucional e reformou o acórdão de fls.
285 e 286, nos seguintes termos:
I – quanto à interposição de recurso “de constitucionalidade”, nos termos do
disposto no art° 70°, n° 1-b) da Lei do TC (Lei n° 28/82, de 15.11, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26.11, Lei n° 85/89, de 07.09,
Lei n° 88/95, de 01.09 e Lei n° 13‑A/98, de 26.02), refere esta norma que: “1.
Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção das decisões dos
tribunais: (...) b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo;
Nos termos do disposto no art° 72°, nº 2 da Lei do TC (Lei n° 28/82, de 15.11,
com as alterações introduzidas pela Lei n° 143/85, de 26.11, Lei n° 85/89, de
07.09, Lei n° 88/95, de 01.09 e Lei n° 13-A/98, de 26.02), “2. Os recursos
previstos nas líneas b) e f) do n° 1 do artigo 70° só podem ser interpostos pela
parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de
modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.”
Ora, nos presentes autos, o recorrente suscitou a “questão da
inconstitucionalidade material do art° 109°, n° 1 do CPTA, in concreto aplicada”
aquando do pedido de reforma do acórdão de fls. 261/265, ou seja, já depois da
prolação do acórdão que recaiu sobre o recurso jurisdicional interposto, não
constando de tal acórdão qualquer juízo de constitucionalidade sobre a norma em
causa – art° 109°, n° 1 do CPTA – quer por o recorrente não ter suscitado,
anterior e expressamente, a questão da inconstitucionalidade posteriormente
levantada, quer por tal questão de inconstitucionalidade não se ter apresentado
a este tribunal de forma minimamente perceptível ou por forma a que este
tribunal tivesse consciência de que tal questão estava colocada e sobre ela se
devesse pronunciar.
Assim, e face ao disposto no art° 72°, n° 2 da Lei do TC supra citado, carece o
recorrente de legitimidade para interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
nos termos do disposto no art° 72°, n° 2 da Lei do TC supra referida.
II – Quanto ao pedido de aclaração da condenação em custas: nos termos do
disposto no art° 73°-C do CCJ, não há lugar a custas “(...) e) Nos processos de
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.” Esta isenção
objectiva de custas tem cabal aplicação aos presentes autos que são de intimação
para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Assim sendo, face à pretendida aclaração da condenação em custas e porque ao
recorrente era lícito pedir a reforma do acórdão de fls. 285/286, quanto à
condenação em custas que o mesmo contém – cfr. art° 669°, n° 1-b) do CPC –
importa reformar tal acórdão, ao abrigo do disposto no art° 716° do CPC, por
forma a que onde consta “b) – condenar o requerente nas custas com procuradoria
em 4/10”, passe a constar: “b) – sem custas.”
Notificado desta decisão, o recorrente veio requerer a sua reforma, dizendo o
seguinte:
I. Assenta o aresto sub judicio, na parte em que se decide, a final, «não
admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional», no argumento de
jure expendido nos seguintes exactos termos:
«(...) nos presentes autos, o recorrente suscitou a “questão da
inconstitucionalidade material do art. 109.º, n.º 1 do CPTA, in concreto
aplicada” aquando do pedido de reforma do acórdão de fls. 261/265, ou seja, já
depois da prolação do acórdão que recaiu sobre o recurso jurisdicional
interposto, não constando de tal acórdão qualquer juízo de constitucionalidade
sobre a norma em causa – art. 109.º, n.º 1, do CPTA – quer por o recorrente não
ter suscitado, anterior e expressamente, a questão de inconstitucionalidade
posteriormente levantada, quer por tal questão de inconstitucionalidade não se
ter apresentado a este tribunal de forma minimamente perceptível ou por forma a
que este tribunal tivesse consciência de que tal questão estava colocada e sobre
ela se devesse pronunciar» (sic; sublinhado da presente citação).
II. Das competentes alegações de direito do Recorrente apreciadas nos trâmites
daquele julgamento consta, todavia, bem explícita – na secção E da parte 1 –, a
seguinte arguição:
«Quanto, finalmente, à segunda mais importante questão suscitada: a da
idoneidade da intimação requerida como forma processual legalmente ajustada à
protecção dos concretos direitos pessoais do Requerente comprovadamente
ofendido, diga‑se desde já que a peregrina tese doutrinal colada na Sentença em
discussão, pretendendo que «o meio de intimação a que alude o art. 109.º do CPTA
é um “meio subsidiário de tutela”, vocacionado para intervir como válvula de
segurança do sistema de garantias contenciosas», exalta uma interpretação
desmesuradamente restritiva – aplicada, sem embargo, na decisão impugnada – e,
dessarte, materialmente inconstitucional por violação da garantia de acesso ao
direito, das normas do citado n.º 1 do art. 109º e, inclusivamente, do art.
131.º do Código de Processo vigorante» (sic; ditto).
III. Ou seja: só, patentemente, por «lapso manifesto, usando a terminologia da
al. b) do n.º 2 do art. 669.° do Código de Processo Civil – norma que caberá
outrossim aplicar in casu, sob pena de nova inconstitucionalidade material: a
perpetrada por via da interpretação positiva da mesma segundo uma dimensão
(revogatória) violadora da garantia de acesso ao direito e aos tribunais –, que
o Alto Tribunal decidente se não deu conta de que a inconstitucionalidade da
norma do n.° 1 do art. 109.º do C.P.T.A. se encontra claramente arguida nas
alegações de recurso que julgou no Acórdão, de resto douto, de 25 de Outubro
transacto.
Por acórdão de 3 de Abril de 2008, foi indeferido o pedido de reforma deduzido,
com base nos seguintes fundamentos:
Nos termos do disposto no art° 669º, n° 2-a) do CPC, quanto ao pedido de reforma
de uma decisão judicial, “2. É ainda lícito a qualquer das partes requerer a
reforma da sentença quando: a) tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos actos, (...).”
No caso dos autos, o requerente da reforma do acórdão identifica tal manifesto
lapso na não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, pelo
acórdão ora sob reforma. Todavia, o que o requerente pretende não se enquadra no
preceito contido no art° 669°, n° 2-a) do CPC, pois não ocorreu, por parte do
julgador qualquer lapso manifesto na aplicação a norma em que fundamenta tal não
admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, no sentido de erro evidente,
patente, indiscutível, mediatamente perceptível.
Assim sendo, e sendo certo que contra a não admissão de tal recurso a lei do TC
prevê específico meio de reacção contra tal decisão, atentos os fundamentos
invocados, improcede a requerida reforma do acórdão dos autos.
3. A. vem agora reclamar para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional, através de
requerimento com o seguinte teor:
1) Cabe esta pertinente via de impugnação do douto Acórdão de 14 de Fevereiro,
integrado pelo de 4 de Abril, nos presentes autos, que, conjuntamente, decidem
«não admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional» pelo
signatário em 20 de Dezembro transacto.
2) Patentemente, assenta o dessarte decidido no argumento segundo o qual, «nos
presentes autos, o recorrente suscitou a “questão da inconstitucionalidade
material do art. 109º, nº 1 do CPTA, in concreto aplicada” aquando do pedido de
reforma do acórdão de fls. 261/265, ou seja, já depois da prolação do acórdão
que recaiu sobre o recurso jurisdicional interposto, não constando de tal
acórdão qualquer juízo de constitucionalidade sobre a norma em causa – art.
109º, nº 1, do CPTA – quer por o recorrente não ter suscitado, anterior e
expressamente, a questão de inconstitucionalidade posteriormente levantada, quer
por tal questão de inconstitucionalidade não se ter apresentado a este tribunal
de forma minimamente perceptível ou por forma a que este tribunal tivesse
consciência de que tal questão estava colocada e sobre ela se devesse pronunciar
(sic; sublinhados da presente citação). Porém,
3) manda a verdade material do caso se diga que, logo nas competentes alegações
de direito apreciadas, necessariamente, nos trâmites daquele julgamento, fez o
Recorrente constar, bem explícita – na secção E da parte I –, a seguinte
arguição:
«Quanto, finalmente; à segunda mais importante questão suscitada: a da
idoneidade da intimação requerida como forma processual legalmente ajustada à
protecção dos concretos direitos pessoais do Requerente comprovadamente
ofendidos diga‑se desde já que a peregrina tese doutrinal colada na Sentença em
discussão, pretendendo que «o meio de intimação a que alude o art 109º do CPTA é
um um “meio subsidiário de tutela”, vocacionado para intervir como válvula de
segurança do sistema de garantias contenciosas», exalta uma interpretação
desmesuradamente restritiva – aplicada, sem embargo, na decisão impugnada – e,
dessarte, materialmente inconstitucional por violação da garantia de acesso ao
direito, das normas do citado nº 1 do art. 109º e, inclusivamente, do art. 131º
do Código de Processo vigorante» (sic; ditto).
4) Resultam, portanto, de todo indefensáveis quer a tese de o Recorrente «não
ter suscitado, anterior e expressamente, a questão de inconstitucionalidade» em
causa, quer a tese de tal questão de inconstitucionalidade «não se ter
apresentado a[o Alto Tribunal a quo] de forma minimamente perceptível ou por
forma a que [o mesmo] tivesse consciência de que tal questão estava colocada e
sobre ela se devesse pronunciar», pois que, perante esta transcrição de
fidelidade plenamente comprovanda, dúvidas nenhumas, absolutamente, se consentem
de que a questão de inconstitucionalidade controvertida foi previamente
suscitada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
O Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, em vista do
processo, pronunciou-se nos seguintes termos:
O requerimento de interposição do recurso não obedece, por um lado, ao
preceituado no nº 2 do artigo 75º‑A da LTC e por outro, surge como via de
reacção ao Acórdão proferido a fls. 285 e 286, que não aplica a norma cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, pelo que se me afigura não
estar em condições de poder ser admitido.
4. Antes mesmo de apreciar a verificação dos requisitos processuais que permitem
ao Tribunal Constitucional admitir e conhecer do objecto de um tal recurso, a
relatora convidou o recorrente a constituir advogado, uma vez que sendo
obrigatória a constituição de advogado nos recursos para o Tribunal
Constitucional, a Ordem dos Advogados informara o Tribunal que o recorrente se
encontrava na situação de “inscrição suspensa, por incompatibilidade, desde 24
de Setembro de 1993”, não podendo praticar actos inerentes ao exercício da
advocacia, “ainda que em causa própria”.
Em resposta a este despacho veio o reclamante dizer que (fls. 18):
1. Observação prévia: protesto!
Uma breve nota, apenas, para contestar in limine a alegada causa de o signatário
«não pod(er) praticar actos inerentes ao exercício da advocacia»: os presentes
autos procedem, declaradamente, do Proc. N.° 3074/07 do Tribunal Central
Administrativo Sul, tribunal superior essoutro que, como é bem patente,
respeitou, exemplarmente, o caso julgado formado na 1ª Instância sobre a
regularidade do exercício da advocacia pela pessoa do Recorrente desde logo em
causa própria.
Mais palavras para quê? Não vale a pena gastar mais cera: depois disto – recte:
depois, sobretudo, do Acórdão n.° 289/08, da 1ª Secção –, a conclusão será,
forçosamente, a de que o Tribunal Constitucional de Portugal não é somente no
quadro da previsão do n.° 2, in fine, do art. 134.° do Código do Procedimento
Administrativo que, deliberada e conscientemente, se assume como um «não
tribunal» de direito pleno.
Fica, portanto, apenas – para memória futura – o veemente protesto, com esteio
no Estatuto da Ordem, do advogado em causa.
2. O mandado (ilegítimo) recebido
Correspondendo contra vontade, portanto, ao “convite” formulado no Despacho sub
judicio, o signatário nomeia sua mandatária nos presentes autos a Advogada
Dra. B.,
portadora da cédula profissional nº …-P, que dentro de, no máximo, cinco dias
firmará e comunicará ao Tribunal, como lhe cumpre, a aceitação do mandato.
Deu entrada ainda no Tribunal um requerimento assinado pela Dra. B. com o
seguinte teor (fls 19):
A advogada
Dra. B.
DECLARA
aceitar o mandato forense conferido por
Dr. A.,
Reclamante nos presentes autos, em cumprimento do mandado de 12 de Junho último,
consequentemente ratificando o processado.
Tendo a signatária do requerimento referido fornecido ainda ao Tribunal o seu
endereço postal, o seu telefaxe e o seu e-mail.
5. Em 16 de Julho de 2008 foi proferido despacho pela relatora pelo qual se
determinou a notificação do reclamante para, no prazo de dez dias, juntar a
procuração aos autos a favor da profissional forense signatária do requerimento
a fl. 19 que se deixou já referido.
Notificado do despacho mencionado, veio o reclamante em requerimento subscrito
por si, a fls. 25 dos autos, dizer o seguinte:
1. No seu requerimento de 30 de Junho último, declarou o signatário que «nomeia
sua mandatária nos presentes autos» a profissional forense que assinou o
requerimento de fls. 19,
2. sendo, por certo, incontroverso que constitui esse seu escrito, nos termos de
toda e qualquer legislação (inclusive, portanto, na indicada na al. a) do art.
35.° do Código de Processo Civil), um «documento particular»..
Termos por que REQUER seja:
i) reformado, radicalmente, o decidido naqueles dois Despachos, em
reconhecimento de ter neles, mais precisamente no primeiro, ocorrido um
manifesto lapso do julgador,
ou, caso assim se não entenda,
ii) aclarada ao signatário a razão por que não será, então, aquele seu escrito
um documento particular nos termos legais.
6. Ordenou‑se posteriormente que fosse a mandatária do reclamante notificada do
visto do Ministério Público (referido supra, ponto 3), para que respondesse,
caso quisesse, aos fundamentos de não admissão do recurso de constitucionalidade
aí exarados. A resposta consta de fls. 29.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
7. A fl. 19, a mandatária do recorrente ratificou o processado. Tem, pois,
seguimento a presente reclamação, considerando-se sem efeito o despacho de fl.
20.
8. Não se conhece do requerimento de fl. 25, o qual, para além de não
consubstanciar qualquer dos meios típicos de impugnação de despachos, não é
subscrito pela mandatária do recorrente.
9. Pretende o reclamante que o Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma
contida no artigo 109.º do CPTA.
Como tem sido entendimento seguido sem discrepâncias por este Tribunal, tendo em
conta o que se preceitua no n.º 4 do artigo 77.º da Lei do Tribunal
Constitucional, aquando da apreciação das reclamações a que se refere esse
artigo, incumbirá a este órgão de administração de justiça verificar se se
congregam todos os pressupostos e condições de admissibilidade do recurso, não
se devendo, consequentemente, tão só ater na análise do fundamento que conduziu
à prolação da decisão de não admissão.
Como se sabe, são pressupostos específicos para se poder tomar conhecimento do
recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional – recurso de decisões dos tribunais que “apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” –, além do
esgotamento dos recursos ordinários, que se tenha suscitado durante o processo a
inconstitucionalidade da norma impugnada no recurso de constitucionalidade e que
essa norma tenha sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi.
Este último pressuposto explica-se, desde logo, pela necessidade, para a decisão
do recurso de constitucionalidade poder ter algum efeito útil, de aplicação como
ratio decidendi, na decisão recorrida, da norma que o Tribunal Constitucional
vai apreciar; se existiu outra ratio decidendi, a decisão do recurso de
constitucionalidade não teria a virtualidade de vir a projectar-se na decisão
recorrida.
Ora, no caso vertente (independentemente do eventual não preenchimento de outros
pressupostos de admissibilidade), é manifesto que falha este último pressuposto
quanto à decisão que se impugnou, que é o acórdão de 6 de Dezembro de 2007,
proferido pela Secção de Contencioso Administrativo (2.º Juízo) do Tribunal
Central Administrativo Sul. Segundo o entendimento adoptado neste aresto pelo
tribunal recorrido, “o que o requerente pretende não se enquadra no preceito
contido no art° 669°, n° 2-a) do CPC, pois não ocorreu, por parte do julgador
qualquer lapso manifesto na aplicação da norma contida no art° 109° do CPTA, no
sentido de erro evidente, patente, indiscutível, imediatamente perceptível.”
Sendo que “a eventual aplicação de uma norma desconforme à Constituição «não
configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da
inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.» (cfr.
Ac. nº 418/98 do TC, de 03.06.98, in DR, II, de 20.07.98, pág. 10106, citado por
Abílio Neto in CPC Anot., 17ª Ed., nota 28, ao art° 669°).”
Daqui resulta que se não verifica o pressuposto, indispensável para se poder
tomar conhecimento do recurso, consistente na aplicação como ratio decidendi,
pela decisão recorrida, da norma impugnada no recurso de constitucionalidade,
referida, por remissão para o “normativo que o signatário previamente arguíra de
inconstitucional”, ao artigo 109.º do CPTA.
É que, de acordo com a decisão recorrida, a circunstância que conduziu à
conclusão de que, no caso, não havia que reformar o acórdão proferido nos autos,
nos termos do disposto no artigo 669.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo
Civil, consistiu em não ter ocorrido, por parte do julgador, qualquer lapso
manifesto na aplicação da norma contida no artigo 109.° do CPTA, no sentido de
erro evidente, patente, indiscutível, imediatamente perceptível.
Ao Tribunal Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal
recorrido como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e
interpretação, independentemente de questões de constitucionalidade normativa,
não compete a este Tribunal controlar. E não há dúvida de que o tribunal a quo
não aplicou, na decisão recorrida, qualquer norma atinente ao artigo 109.º do
CPTA.
Assim, a decisão que o Tribunal Constitucional viesse a proferir sobre a norma
impugnada – uma certa dimensão normativa do artigo 109.º do CPTA –, ainda que
fosse no sentido da inconstitucionalidade, não teria a virtualidade de alterar a
decisão recorrida. Tanto basta para que se não possa tomar conhecimento do
recurso, confirmando‑se por isso a decisão reclamada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide‑se indeferir a presente reclamação. Custas
pelo reclamante, que se fixam em 20 (vinte) unidades de conta de taxa de
justiça.
Lisboa, 29 de Julho de 2009
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão