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Processo n.º 830/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., S.A., tendo sido citada na execução que lhe foi instaurada pelo Chefe do
Serviço de Finanças de Tondela, para cobrança de uma dívida ao Instituto da
Vinha e do Vinho, deduziu reclamação, ao abrigo do artigo 276.º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Tribunal Administrativo e
Fiscal de Viseu.
Por sentença de fls. 115 a 120, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu
decidiu que não devia conhecer imediatamente do mérito do pedido, por não se
estar perante qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 3 do
artigo 278.º do CPPT, considerando que da reclamação «não consta a alegação de
quaisquer factos integradores da ocorrência de “prejuízo irreparável” por força
das ilegalidades contempladas nas alíneas daquele preceito.
O Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário), por
acórdão de fls. 159 a 161, negou provimento ao recurso interposto pela
executada, com os seguintes fundamentos:
«(…)
A questão dos autos é a da subida imediata (ao Tribunal Administrativo e Fiscal)
da reclamação para efeitos de decisão, também imediata, da reclamação, que não
apenas após a penhora ou a venda – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 29 de Janeiro de 2007 – recurso n.º 21.028.
O artigo 278.º do CPPT apenas a autoriza, taxativamente, quando esteja em causa
“prejuízo irreparável” derivado das vicissitudes da penhora e da prestação da
garantia, nele elencados.
Todavia, tal interpretação literal seria inconstitucional por violação do
princípio da tutela judicial efectiva constitucionalmente previsto – artigo
268.º, n.º 4 da CRP.
Por modo que há que procurar uma interpretação do preceito conforme à
Constituição.
“O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de
reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou
omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios
prejuízos, sempre que possível.
Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da
legalidade de um acto lesivo praticado pela administração puder provocar para os
interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a
possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é essa a única forma de
assegurar tal tutela.
Assim, a restrição aos casos previstos deste n.º 3 do artigo 277.º da
possibilidade de subida imediata das reclamações que se retira do seu texto,
será materialmente inconstitucional, devendo admitir-se a subida imediata sempre
que, sem ela, o interessado sofra prejuízo irreparável”.
Cfr. JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado,
4.ª ed., p. 1049, nota 5.
Como assinala o mesmo autor, estando em causa a cobrança de dívidas, não haverá,
em princípio, grave lesão do interesse público dada a possibilidade de a
Administração Fiscal promover arresto de bens, com «o mesmo efeito da penhora a
nível da eficácia em relação ao processo de execução fiscal dos actos do
executado (artigos 622.º e 819.º do Código de Processo Civil)».
«Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das
reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade».
Pois «nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à
reclamação, a imposição desse regime de subida reconduz-se à denegação da
possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que
seria incompatível com a Lei Geral Tributária e o referido sentido da lei de
autorização legislativa» (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), devendo, então,
aceitar-se, em tais casos, a subida imediata”.
Dando-se aí, como exemplos, segundo o mesmo autor, a “decisão que recuse
suspender o processo de execução” e “a fixação do valor base para a venda”.
Cfr. os acórdãos do STA de 16 de Agosto de 2006 – recurso n.º 0689/06 e de 2 de
Março de 2005 — recurso n.º 010/05.
A recorrente não invoca, na reclamação, prejuízos irreparáveis, referindo,
antes, “actos que, no mínimo, causam transtorno à reclamante” e ofensa dos seus
direitos, liberdades e garantias, em termos do seu bom nome e reputação, imagem
e protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
Em nenhum ponto, pois, há referência à necessária irreparabilidade dos prejuízos
que a citação lhe possa provocar, sendo imprópria – como bem adverte o
Ministério Público – a respectiva invocação no recurso jurisdicional da decisão
judicial que recusou tal subida imediata – cfr. o acórdão do STA de 7 de
Setembro de 2005 – recurso n.º 949/05.
Invoca, antes, que a referida subida diferida fará com que a reclamação perca
toda a sua utilidade.
Como acima se referiu, deve admitir-se a subida imediata das reclamações sempre
que, sem ela, elas percam toda a utilidade.
Trata-se de fórmula equivalente à da regra consagrada no artigo 724.º, n.º 2, do
Código de Processo Civil para os agravos: sobem imediatamente aqueles “cuja
retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
A predita inutilidade não pode todavia deixar de relacionar-se com a
irreparabilidade do prejuízo.
Como refere o acórdão deste tribunal de 9 de Agosto de 2006 – recurso n.º
0229/06, “a inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a
definir em presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. É seguro que o
legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja
retenção pode originar prejuízos.
Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se
estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja
susceptível de provocar um prejuízo irreparável.
Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil,
mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível
repará-lo.”
Ora, a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta
ou total inutilidade do recurso (reclamação), entendendo-se que a sua eventual
retenção deverá ter um resultado irreversível, não bastando a mera inutilização
de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual,
sem que aí se possa vislumbrar qualquer ofensa constitucional.
Cfr. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil anotado, vol. 3, pp. 115/116, e
jurisprudência aí citada.
Ora, não se vê que tal seja o caso dos autos.
A subida da reclamação após a penhora não a torna totalmente inútil, pelo
contrário, pois, se deferida a reclamação, o acto processual em causa – a
instauração da execução –, será anulado, ficando esta sem efeito.
Claro que com os prejuízos inerentes mas, como se disse, só a respectiva
irreparabilidade é fundamento da subida imediata.
A eventual ilegalidade da instauração da execução fiscal não leva, pois,
necessária e automaticamente, à subida imediata da reclamação respectiva.
No sentido de que não tem subida imediata a reclamação mediante a qual se
pretenda evitar a penhora em bens que o reclamante alega não responderem pela
dívida exequenda e de que só é completamente inútil a reclamação com subida
diferida quando o prejuízo eventualmente decorrente daquela decisão não possa
ser reparado, cfr. o recente acórdão do STA de 15 de Fevereiro de 2006 – recurso
n.º 41/06.
Termos em que se acorda, com a presente fundamentação, negar provimento ao
recurso.»
2. A executada interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
para apreciação da inconstitucionalidade orgânica e material da norma contida no
artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário “na dimensão
normativa encontrada pelo acórdão recorrido, segundo a qual a inutilidade não
pode deixar de relacionar-se com a irreparabilidade do prejuízo”.
Prosseguindo o recurso, ambas as partes alegaram, tendo a recorrente sustentado
as seguintes conclusões:
“1. O douto Acórdão recorrido faz uma aplicação da norma contida no art. 278º do
Código do Procedimento e Processo Tributário na dimensão normativa segundo a
qual a subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente
previstas nos seus nºs 3 e 5;
2. A dimensão normativa encontrada e aplicada e referida no ponto anterior
padece de inconstitucionalidade orgânica e material;
3. A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art. 278º do CPPT, na
dimensão normativa aplicada, resulta da violação do disposto no art. 51º da Lei
nº 87‑B/98, de 31 de Dezembro, normativo que autoriza o Governo a aprovar o CPPT
“no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral
tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam”
4. O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos
lesivos vem afirmado pelos arts. 95º nº 1 e nº 2, al. j) e 103º, nº 2 da LGT,
pelo que a referida limitação aos casos taxativamente consagrados no nº 3 do
art. 278º do CPPT, implica a falta de compatibilização dessa norma com as da lei
geral tributária, extravasando, por conseguinte, o âmbito da referida lei de
autorização legislativa e, por consequência, o âmbito da competência do Governo
nesta matéria, no quadro da reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República (art. 165º, nº 1, al. i) da CRP);
5. A inconstitucionalidade material da dimensão normativa extraída do art. 278º
do CPPT resulta da violação do disposto nos arts. 26º, nº 1 (direitos ao bom
nome e reputação, a imagem, e a protecção legal contra quaisquer formas de
discriminação), 103º, nº 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja
liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268º, nº 4 (garantia aos
administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos), todos da Constituição.”
Respondeu a recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso, nos seguintes
termos:
«(…)
Quanto às invocadas inconstitucionalidades:
No tocante à alegada inconstitucionalidade orgânica, o recorrente confunde a
direito de reclamação para o juiz de execução fiscal com o regime processual de
subida dessa reclamação, pelo que não existe nenhuma falha de “compatibilização”
entre a LGT e o CPPT. Neste não se coarcta aquele direito, antes se disciplina o
respectivo regime processual, motivo por que se encontra respeitada a lei de
autorização legislativa.
Quanto à invocada inconstitucionalidade material, certo é que o regime de subida
diferida da reclamação não é discriminatório nem ofende direitos ao bom nome e
reputação ou à imagem, não determina o pagamento de impostos cuja liquidação e
cobrança não se faça nos termos da lei e não ofende garantias de efectiva tutela
jurisdicional.
A questão resume-se, na sua simplicidade, à circunstância de a recorrente ter
desprezado na fundamentação de facto da sua reclamação, a invocação do prejuízo
irreparável e na de não lhe servir, por extemporânea e fora do instrumento
processual certo, a invocação de tal prejuízo no recurso jurisdicional.
É só disso que se trata. Erro no procedimento, lapso processual, para cuja
emenda não serve o presente recurso.»
3. Face aos termos da alegação da recorrente, o relator proferiu o seguinte
despacho:
“De acordo com o requerimento de interposição de recurso pretende a recorrente a
apreciação da inconstitucionalidade orgânica e material da norma contida no
artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário “na dimensão
normativa encontrada pelo acórdão recorrido, segundo a qual a inutilidade não
pode deixar de relacionar-se com a irreparabilidade do prejuízo”.
Porém, em sede de alegações a recorrente pronuncia-se sobre a
inconstitucionalidade orgânica e material da norma do artigo 278.º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, não na dimensão invocada no requerimento
de interposição, mas, sim, “na dimensão normativa segundo a qual a subida
imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente previstos nos seus
n.ºs 3 e 5”, que não corresponde à aplicada no acórdão recorrido.
Deste modo, perspectivando-se a hipótese de não se vir a conhecer do objecto do
recurso, por ter sido abandonada a questão de constitucionalidade, tendo em
conta que a recorrente não pode nas alegações ampliar/alterar o objecto do
recurso (só o pode restringir), que foi delimitado no requerimento de
interposição (cf. artigo 684.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil,
aplicável ex vi do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com
o n.º 1 do artigo 75.º-A desta Lei), notifique as partes para querendo, em dez
dias, se pronunciarem, sendo a recorrente, ainda, com cópia das contra‑alegações
da recorrida.”
A recorrente responde que os fundamentos constantes das alegações
permitem apreciar e decidir a questão de constitucionalidade identificada no
requerimento de interposição do recurso.
II – Fundamentação
4. Cumpre começar por apreciar e decidir a questão prévia levantada no despacho
do relator, acima transcrito.
Contrariamente ao que a recorrente afirma, não é possível interpretar as suas
alegações como impugnação do sentido normativo adoptado pelo Supremo Tribunal
Administrativo. Pelo contrário, aquilo que se diz no corpo das alegações é
coerente com as respectivas conclusões (cfr. conclusão 1ª), em que se ataca uma
dimensão normativa que o acórdão recorrido expressamente afastou.
Não há, portanto, deficiência das conclusões que possa suprir-se, mas
substituição do objecto do recurso por uma dimensão normativa que não
corresponde àquela que constitui a ratio decidendi do acórdão recorrido. Sobre o
sentido do artigo 278.º do CPPT efectivamente aplicado pelo Supremo Tribunal
Administrativo a recorrente nada alegou, tendo de considerar-se que abandonou o
recurso quanto a ele. E alegou sobre uma outra dimensão normativa que nem
integra o objecto inicial do recurso, nem corresponde à dimensão normativa
efectivamente aplicada.
Deste modo, pelas razões constantes do despacho do relator, não pode conhecer-se
do recurso.
III – Decisão
5. Termos em que se decide não tomar conhecimento do objecto do recurso e
condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 12 (doze)
unidades de conta.
Lx. 27/X/2009
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão