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Processo n.º 463/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Fevereiro de 2009, não
foi admitido um recurso de revista interposto por A. de um acórdão do Tribunal
Central Administrativo Sul, por se ter considerado que não se verificavam os
pressupostos processuais previstos no artigo 150.°, n.º 1, do Código de Processo
nos Tribunais Administrativos.
Dessa decisão reclamou o recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo, que entendeu ser de não tomar conhecimento da reclamação por
inadmissibilidade.
A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“[…]não se conformando com o acórdão proferido nos autos que determinou a não
admissão do recurso de revista do Acórdão do TCA do Sul e posterior decisão do
Senhor Juiz Presidente do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu a
Reclamação interposta do referido acórdão, vem recorrer para o Tribunal
Constitucional, com fundamento no n.° 1, alínea i) do artigo 70° da Lei n.°
28/82, de 15 de Novembro, com a redacção da Lei 1 3-A/98 (Lei do Tribunal
Constitucional), tendo as decisões recorridas violado os princípios
constitucionais do direito de defesa, acesso ao direito, tutela jurisdicional,
in dubio pro reo e da presunção da inocência, respectivamente previstos nos
artigos 20°, n.° 1 e 32°, n.°s 1 e 2 da CRP, com subida imediata nos autos e
efeito suspensivo”.
Por decisão sumária de 22 de Junho de 2009, não se tomou conhecimento do recurso
de constitucionalidade, pelos seguintes fundamentos:
“Como decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional – nomeadamente da alínea i) deste preceito, invocada pelo
recorrente no requerimento de interposição do presente recurso -, o recurso de
constitucionalidade só pode ter como objecto normas, a estas se podendo
equiparar as interpretações normativas.
Sucede, todavia, que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie
a conformidade constitucional das próprias decisões recorridas, pois que,
naquele requerimento, declara que as decisões recorridas violaram determinados
princípios constitucionais.
O objecto do presente recurso – ou seja, a questão da conformidade
constitucional de certas decisões judiciais – extravasa, assim, a competência do
Tribunal Constitucional, pelo que dele não pode tomar-se conhecimento”.
Da decisão sumária reclama agora A. para a conferência, ao abrigo do disposto no
artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte
(fls. 7 e seguintes):
“1º Considerou o Exmo, Senhor Juiz Conselheiro Relator que o Recorrente pretende
que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional das próprias
decisões recorridas, pois que, no seu requerimento de interposição de recurso,
declara que as decisões recorridas violaram determinados princípios
constitucionais.
2° E que, o objecto do presente recurso — ou seja, a questão da conformidade
constitucional de certas decisões judiciais — extravasa, assim, a competência do
Tribunal Constitucional.
3º Considerando, pois, o Exmo Senhor Juiz Conselheiro Relator, que não se pode
tomar conhecimento do presente recurso, dado que o recurso de
constitucionalidade só pode ter por objecto normas, a estas se podendo equiparar
as interpretações normativas.
4º Ora, a verdade é que ao contrário do invocado pelo Exmo. Senhor Juiz
Conselheiro Relator, o Recorrente pretende precisamente com o presente recurso,
demonstrar a inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo Supremo
Tribunal Administrativo de normas legais.
Com efeito,
5º não foi admitido o recurso apresentado pelo Recorrente para o Supremo
Tribunal Administrativo, por se ter considerado não verificarem os pressupostos
acolhidos no n.° 1 do artigo 150º do CPTA, por não se evidenciar que o acórdão
recorrido enferme de erro grosseiro susceptível de legitimar a admissão da
revista no quadro de uma hipotética necessidade de melhor aplicação do direito,
não se verificando, qualquer das situações excepcionais tipificadas na segunda
parte do n° 4 do artigo 150º do CPTA e, além do mais, por as situações
apreciadas no acórdão recorrido, não terem uma particular projecção externa,
antes se circunscrevendo aos interesses do Recorrente, nelas não se
surpreendendo um interesse comunitário significativo, com o que se afasta,
também, a hipotética relevância social das mencionadas questões.
6° Ora, no âmbito do referido recurso de revista, veio o Recorrente, em sede de
conclusões, dizer:
“16. O acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos factos dados como
provados e do artigo 3º da Lei n° 4/83, tendo Invertido o ónus da prova do
incumprimento culposo.
17 O acórdão recorrido violou o princípio constitucional in dubio pro reo e da
presunção da inocência, previstos no artigo 32°, n° 1, da CRP”
7º Assim, precisamente o que se pretende no presente recurso, é declarar a
inconstitucionalidade cometida pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir
o recurso de revista, permitindo que se aplicasse uma interpretação do artigo 3°
da Lei nº 4/83, contrária o princípio constitucional in dubio pro reo e da
presunção da inocência, previstos no artigo 32°, n° 1 da CRP.
8º Por outro lado, não tendo o recurso de revista sido admitido, por se ter
considerado não se verificarem os pressupostos acolhidos no n.° 1 do artigo 150º
do CPTA, pretende o Recorrente que se declare a inconstitucionalidade da
interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao âmbito do referido n° 1
do artigo 150º do CPTA, designadamente face à interpretação violadora dos
princípios constitucionais de igualdade perante a lei e de acesso ao direito,
respectivamente previstos nos artigos 13°, nº 1 e 20°, nº 1 da CRP, que o
Tribunal fez do referido dispositivo, concretamente aos conceitos contidos no n°
1 do artigo 150º do CPTA, que consubstanciem os pressupostos do recurso de
revista”.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
à reclamação, sustentando o seguinte (fls. 11):
“1º A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º Na verdade, em tal reclamação não são adiantados quaisquer argumentos que
possam abalar o teor da decisão sumária, quanto à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso.
3º Aliás, da própria reclamação resulta, clara e inequivocamente, que o que se
questiona é a constitucionalidade da decisão e não de qualquer norma ou
interpretação normativa”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos termos do artigo 75º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, é o
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que delimita o
respectivo objecto, e nesse requerimento, foi o recorrente claro ao afirmar que
as decisões recorridas haviam violado os princípios constitucionais do direito
de defesa, acesso ao direito, tutela jurisdicional, in dubio pro reo e da
presunção de inocência – dando consequentemente a entender, sem qualquer margem
para dúvidas, que o objecto do recurso de constitucionalidade eram decisões
judiciais, e não normas ou interpretações normativas.
Assim, além de não poder sustentar que, nesse requerimento, indicou uma
interpretação normativa como objecto do recurso de constitucionalidade, não pode
agora pretender modificar o objecto deste recurso, que passaria a ser
constituído, como afirma na reclamação, por “uma interpretação do artigo 3º da
Lei n.º 4/83, contrária ao princípio constitucional in dubio pro reo e da
presunção da inocência, previstos no artigo 32º, n.º 1 da CRP” e, bem assim,
pela “interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do
referido n.º 1 do artigo 150º do CPTA”.
Ao que ficou exposto acresce que, como refere o Ministério Público na resposta à
reclamação, da própria reclamação ressalta que o que o reclamante e recorrente
verdadeiramente censura não são normas ou interpretações normativas perfilhadas
pelo tribunal recorrido, mas antes a própria decisão recorrida: é o que decorre
da afirmação segundo a qual “precisamente o que se pretende no presente recurso,
é declarar a inconstitucionalidade cometida pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao
não admitir o recurso de revista […]”; é o que decorre, ainda, da referência que
o reclamante faz às suas próprias conclusões do recurso de revista, nas quais
havia sustentado que o “[o] acórdão recorrido violou o princípio constitucional
in dubio pro reo e da presunção de inocência, previstos no artigo 32º, n.º 1 da
CRP”.
Assim sendo, improcede a presente reclamação.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, mantém-se a decisão sumária
reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 23 de Julho de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão