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Processo n.º 602/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I ? Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrida B., SA, foi proferido, em 15 de Abril de 2008, um
acórdão que, concedendo provimento a ambos os recursos então interpostos pelos
ora recorrente e recorrida, alterou a sentença apelada e condenou ?a
expropriante a pagar ao expropriado a indemnização no montante que corresponder
ao acréscimo das actualizações sobre a quantia de ? 239.490,00 e sobre a que
resultar da subtracção do valor já recebido pelo expropriado [...]?.
2. Desta decisão foi interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), recurso, através do seguinte
requerimento:
?[...] vem, nos termos do art. 70°, n° 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional,
requerer a admissão de recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.04.2008
para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos
seguintes:
1. Nos termos dos arts. 70°, n° 1, b e 75°-A, n° 1 da LTC, a norma jurídica cuja
inconstitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional e
que foi efectivamente aplicada na Decisão recorrida é a que resulta do art. 25°,
n° 1, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir
que a avaliação de um solo apto para a construção seja estruturalmente idêntica
à avaliação do mesmo terreno sem ser considerada qualquer aptidão edificativa,
em especial se esse terreno se situar na periferia de uma grande cidade.
Neste processo essas avaliações são as seguintes: a avaliação do solo apto para
construção é aquela que os Peritos do Tribunal efectuaram em 14.07.2005 (? 239.490);
a avaliação do mesmo terreno sem ser considerada qualquer aptidão edificativa é
a que os mesmos Peritos efectuaram em Fevereiro de 2001 (46.124.000$00 ?230.079).
2. A referida interpretação é inconstitucional por violação dos direitos
fundamentais dos expropriados à igualdade e a uma justa indemnização, bem como
dos princípios do Estado de Direito e da proporcionalidade (arts. 2°, 13° e 62°,
n°2, da Constituição).
3. A inconstitucionalidade desta interpretação foi suscitada no n° 12 das Contra-alegações
do Expropriado de 03.12.2007, na sequência do recurso interposto pela Entidade
Expropriante da Sentença de 25.10.2006, onde se questionou a bondade da decisão
do Tribunal de Sintra quanto ao índice médio de construção da zona em que se
integrava o prédio expropriado ponderado no cálculo indemnizatório:.[...]?
3. Na sequência, foi proferida pelo relator neste Tribunal, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora
relevante, o seu teor:
?3. Cumpre, antes de mais, decidir se se pode conhecer do objecto do recurso,
uma vez que a decisão que o admitiu não vincula este Tribunal (artigo 76º, n.º 3,
da LTC).
A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º LTC ?
interposto pelo ora recorrente ? pressupõe, nomeadamente, que a questão colocada
ao Tribunal seja de constitucionalidade normativa, tenha sido suscitada de modo
processualmente adequado e que a decisão recorrida tenha aplicado, como ratio
decidendi, a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
Ora, como vai sumariamente ver-se, é manifesto que tal não aconteceu.
3.1. Na verdade, é, desde logo, questionável que se possa considerar como sendo
de constitucionalidade normativa a questão identificada nos dois parágrafos do
ponto 1. do requerimento de interposição do recurso e reputada de
inconstitucional no ponto 2. do mesmo requerimento. Na verdade, o que está em
causa será o montante da indemnização, matéria excluída da competência deste
Tribunal, o que, por si só, conduz, à impossibilidade de conhecimento do objecto
do recurso.
3.2. Mas mesmo que assim se não entendesse, e ainda que se admitisse que uma
questão de constitucionalidade teria sido suscitada ? o que também não é
evidente, uma vez que, sem qualquer invocação de nulidade por omissão de
pronúncia, o Acórdão recorrido nada diz sobre uma tal inconstitucionalidade, o
facto é que a decisão recorrida ? o acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Abril
de 2008 ? manifestamente não fez uso, como ratio decidendi, da referida
interpretação. Na verdade, não só a própria fundamentação da decisão recorrida
afirma que ?para o efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o
legislador de 1991 (art. 24º) classificou o solo em apto para construção e apto
para outros fins. No caso dos autos, dúvidas não restam, neste momento, que o
prédio em causa tem que ser considerado apto para construção, conforme já foi
decidido com trânsito em julgado?, mas também em ponto algum desse aresto se
encontra traço de que o art. 25°, n.º 1, do Código das Expropriações deva ser
normativamente interpretado ?no sentido de permitir que a avaliação de um solo
apto para a construção seja estruturalmente idêntica à avaliação do mesmo
terreno sem ser considerada qualquer aptidão edificativa?.
4. Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente
que não é possível conhecer-se do objecto do recurso que o recorrente pretendeu
interpor.
4. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, dizendo, em síntese,
quanto ao facto de se não tratar de questão de constitucionalidade normativa:
?7. Em primeiro lugar, importa evidenciar uma constatação: qualquer recurso com
fundamento em inconstitucionalidade normativa que seja interposto para o
Tribunal Constitucional no âmbito de processos expropriativos terá sempre,
directa ou indirectamente, legítimas pretensões indemnizatórias por parte do
Recorrente, seja ele o expropriado, seja a entidade expropriante. O mesmo se
passa, aliás, com os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça que,
embora também não possam ter por objecto o valor da indemnização devida (cfr.
art. 66°, no 5, do Código das Expropriações), versam, as mais das vezes, sobre
aspectos que condicionam ou influenciam o cálculo da mesma: pensamos, a título
de exemplo, nos recursos interposto para o STJ que tenham por objecto a violação
da força de caso julgado, como, aliás, se verificou no âmbito deste processo
expropriativo que nos ocupa (cfr., supra, n° 3, e.).
8. Com efeito, porque a interpretação da norma cuja constitucionalidade se
pretende ver aqui apreciada envolve uma análise comparativa do valor de mercado
de diferentes tipos de solos (com e sem capacidade edificativa), isto é, a
teleologia e fundamento da classificação dos solos operada no Código das
Expropriações (os Expropriados defendem que a distinção dos solos como aptos
para a construção ou como aptos para outros fins não é vazia de conteúdo,
devendo conduzir a valores indemnizatórios distintos), terá de se concluir que a
decisão que vier a ser proferida nesse recurso tem necessária repercussão sobre
o valor indemnizatório a atribuir aos Expropriados, sem que por essa razão se
possa concluir pelo não conhecimento do recurso.
9. Por outro lado, assente que ficou que o presente recurso tem por objecto, não
o valor indemnizatório, mas sim a teleologia/espírito da norma do Código das
Expropriações que classifica os terrenos expropriados em solos aptos para a
construção ou para outros fins (art. 25°, n° 1, do referido Diploma Legal) e a
consequente interpretação do Tribunal da Relação de Lisboa, importa igualmente
salientar que no presente recurso, ao contrário de algumas dúvidas do Despacho
reclamado, não está em causa uma apreciação dos vícios da decisão judicial
impugnada, mas sim o conhecimento da constitucionalidade de uma norma aplicada
no Acórdão recorrido.
De facto, o que se pretende não é a sindicância dos termos e fundamentos da
decisão recorrida que conduziram à fixação do valor indemnizatório ? dimensão
excluída da competência do Tribunal Constitucional ?, mas sim da interpretação e
aplicação do art. 25°, n° 1, do Código das Expropriações, que o Tribunal da
Relação de Lisboa adoptou, ainda que o possa não ter feito de forma expressa (sobre
esta matéria, cfr. infra o que se dirá a propósito da análise do último dos
fundamentos que determinaram o não conhecimento do presente recurso).
Por outras palavras: porque o que está em causa neste recurso é apreciar se a
teleologia/espírito da norma, nos termos em que foi interpretada e aplicada,
respeita os parâmetros constitucionais a que deve obediência (como se referiu,
os Expropriados defendem que a classificação dos solos como aptos para a
construção ou para outros fins não é despida de conteúdo e que, por essa razão,
deve determinar valores indemnizatórios distintos, ao contrário do que se
verificou neste processo expropriativo, onde, como se referiu, o Tribunal da
Relação de Lisboa, não obstante a classificação do solo expropriado como apto
para a construção, atribuiu uma indemnização que em pouco difere da que
anteriormente havia sido fixada para este mesmo solo e atendendo à sua
classificação como apto para outros fins ? cfr. supra n° 3, a. e f., e n° 4
desta Reclamação), não podem subsistir dúvidas quanto ao facto de estarmos
perante uma questão de constitucionalidade normativa: o que se pretende é sempre
a apreciação da norma aplicada (o espírito e a teleologia da norma fazem parte
integrante da mesma e suportam/condicionam a interpretação e aplicação da mesma.
Mais do que a letra, importa apreciar esse espírito/teleologia, pois foi esta a
dimensão normativa que o Tribuna! da Relação de Lisboa desrespeitou e cuja
interpretação padece da inconstitucionalidade que aqui se suscita.
[...]
10. Assim, pelo que ficou exposto, a conclusão de que o presente recurso
interposto para o Tribunal Constitucional deve ser admitido e conhecido: trata-se
efectivamente de uma questão de constitucionalidade normativa, ainda que o
conhecimento e a decisão sobre a mesma possa vir a ter repercussões no valor da
justa indemnização que os Tribunais recorridos venham a fixar. 11. Em qualquer
caso, se é certo que o presente recurso, pelo seus específicos contornos, poderá,
numa primeira análise, estar afastado do âmbito da competência e fiscalização do
Tribunal Constitucional, não é menos verdade que esse facto não deve, sob pena
de violação do direito de acesso à Justiça e ao Direito, ser sobrelevado e
funcionar como um limite meramente abstracto.
A este propósito, cumpre relembrar o que ficou referido no Acórdão do Tribunal
Constitucional n° 233/94, Processo 238/89, 1ª Secção (www.tribunalconstitucional.pt):
?(...) a destrinça entre vícios imputáveis a normas jurídicas e vícios
reportáveis às próprias decisões que, com base em tais normas, determinam a
competência e o âmbito de poderes de cognição das instâncias jurisdicionais, não
se compadece, pelo menos à partida e num juízo liminar, com distinções
especiosas ou excessivamente formalistas, uma vez que neste tipo de situações
sempre haverá zonas de sobreposição e de penumbra entre o que constitui
estatuição normativa fornecida ao intérprete (e portanto susceptível de
apreciação nesta sede de controlo de constitucionalidade), e que comporta uma
determinada dinâmica interpretativa-aplicativa, em si mesma também fiscalizável,
e o que já representa valoração própria do órgão julgador exclusivamente
imputável à latitude da própria conformação interna da decisão judicial, e que,
inexistindo uma acção constitucional de defesa, entre nós se encontra excluída
de um específico controlo de constitucionalidade? (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, RUI MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, Os autores,
o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Universidade
Católica Editora, pág. 336:
?A solução adoptada reforça a conclusão de que o Tribunal Constitucional
controla, não apenas a lei em si mesmo considerada, mas também os resultados da
sua interpretação. E, não sendo o juiz apenas a bouche qui prononce les paroles
de la loi, a norma fiscalizável não é um simples dado, mas antes um produto do
processo interpretativo seguido pelo juiz a quo?.
[...]
E quanto ao argumento da não aplicação da norma questionada, afirma:
?13. Salvo o devido respeito, [o] entendimento do Senhor Conselheiro Relator não
pode merecer acolhimento, pois se é certo que em ponto algum do Acórdão
recorrido se faz menção expressa da interpretação do art. 25°, n° 1, do Código
das Expropriações, cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada neste
recurso, não é menos certo que a questão da inconstitucionalidade que aqui se
suscita já era nesse recurso uma questão suscitada controvertida e a decidir. De
facto, essa questão foi expressamente retratada nas págs. 6 e 7 das Contra-Alegações
de recurso da Sentença apresentadas em 03.12.2007 pelo aqui Reclamante para o
Tribunal recorrido. Assim, o Acórdão recorrido tinha plena consciência que nesse
recurso também estava em causa a interpretação normativa que aqui se pretende
julgada. O Tribunal recorrido decidiu nos termos em que o fez, sabendo que essa
decisão implicava a adesão à interpretação do art. 25°, n° 1, do Código das
Expropriações, cuja inconstitucionalidade vem questionada, isto é, que a
indemnização devida pela expropriação de um solo classificado como apto para a
construção é idêntica à indemnização devida pela expropriação de um solo
classificado como apto para outros fins, sem qualquer capacidade edificativa, em
particular situado na periferia da cidade de Lisboa e próximo de importantes
núcleos habitacionais.
Esta conclusão resulta evidente da comparação das 2 avaliações efectuadas pelos
Senhores Peritos indicados pelo Tribunal que, não obstante os diferentes
pressupostos e metodologia indemnizatória seguidos nos Relatórios de Avaliação
de 1996/2001 e no de 2005, calcularam uma indemnização praticamente idêntica nos
2 cenários considerados, com uma diferença de apenas ? O,27/m2 (cfr. supra n° 3,
a. e f., e n° 4 desta Reclamação). Ora, como constitui facto notório, este
entendimento dos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e adoptado pelo
Tribunal recorrido, contraria expressamente a realidade do mercado e as
necessárias igualdade, proporcionalidade e justiça que suportam a indemnização
expropriativa, pois um solo sem qualquer capacidade edificativa nunca poderá
valer no mercado o mesmo valor que um solo apto para a construção, em especial
na periferia de Lisboa, onde o valor dos terrenos se mede quase exclusivamente
pela sua aptidão construtiva. De facto, por mais que se distorça a realidade e
os princípios jurídico-constitucionais, é notório que um solo apto para
construção nunca poderia valer apenas mais ? O,27/m2 do que o mesmo solo sem
aptidão edificativa (foi, aliás, esta constatação que impediu a 1ª Instância, na
nova Sentença proferida em 25.10.2006, de aderir ao valor adoptado pelos
referidos Peritos do Tribunal ? cfr. supra n° 3, g., desta Reclamação).
14. Com efeito, como se referiu, a aplicação da letra da norma no caso concreto
? neste caso, o art. 25°, n° 1, do Código das Expropriações ? não pode ser
dissociada dos seus pressupostos, espírito e teleologia, pelo que, mais do que
classificar o solo expropriado como apto para a construção, importa avaliá-lo e
indemnizá-lo de acordo com esse pressuposto, que envolve sempre uma análise
comparativa. Se assim não for, torna-se irrelevante a classificação dos solos
expropriados em aptos para construção e aptos para outros fins, o que não foi a
intenção do legislador, nem respeita, desde logo, o princípio da igualdade que
deve existir entre os expropriados: o proprietário de um terreno classificado
como apto para outros fins não pode receber uma indemnização idêntica à
atribuída ao proprietário do terreno classificado como apto para a construção,
pois isso implica tratar de igual forma realidades absolutamente distintas e com
tratamento normativo igualmente diferente.
15. Foi a teleologia da norma e o fundamento que suporta a classificação dos
solos expropriados como aptos para a construção que o Tribunal recorrido não
atendeu, violando assim a tutela constitucional, não obstante o Recorrente, nas
suas Contra-Alegações de recurso da Sentença, de 03.12.2007, ter alertado para
esta consequência jurídica (cfr. págs. 6 e 7 dessa peça processual).
16. O Tribunal recorrido fez uma aplicação literal do art. 25°, no 1, do Código
das Expropriações, limitando-se a aderir ao relatório de avaliação subscrito
pelos Peritos indicados pelo Tribunal, sem antes fazer uma análise dos critérios
legais e das consequências jurídicas da decisão que pretendia adoptar, o que não
é admissível nem tolerado pelo Direito: o Julgador e aplicador do Direito não
pode bastar-se com a prolação da decisão, abstraindo-se das respectivas
consequências e repercussões no sistema normativa, designadamente em processos
como o que nos ocupa, em que estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos,
como o direito de propriedade privada e o direito a uma indemnização justa pela
expropriação dos seus bens imóveis.
17. Assim, ainda que se possa admitir que no Acórdão recorrido não é
expressamente referida a interpretação normativa que se reputa inconstitucional,
a verdade é que não se pode ignorar, ao contrário do que fez o Tribunal da
Relação de Lisboa, que a interpretação e aplicação adoptadas do referido
preceito do Código das Expropriações conduz, efectivamente, à invocada
inconstitucionalidade, pelo que deve o recurso interposto ser admitido e julgado.?
5. Notificada para responder, querendo, à reclamação apresentada, a B., SA, nada
disse.
II ? Fundamentação
6. Na decisão sumária reclamada, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso
que o ora reclamante interpôs, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, do
art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para este Tribunal. Para assim
concluir, considerou-se, no essencial, que nem o reclamante colocou
adequadamente qualquer questão de constitucionalidade normativa, nem, mesmo que
assim não fosse, a decisão recorrida tinha aplicado, como ratio decidendi, a
norma que pretendia ver apreciada. Com a presente reclamação, o ora reclamante
pretende contestar que assim seja. Vejamos.
7. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da LTC tem por
objecto admissível, única e exclusivamente, a apreciação da constitucionalidade
de normas jurídicas ? ou, se for o caso, de uma determinada interpretação
normativa. Está, por conseguinte, constitucionalmente vedada a este Tribunal a
apreciação das decisões judiciais em si mesmas consideradas, ainda que venha
invocada a sua inconstitucionalidade, e, naturalmente, a apreciação da matéria
de facto objecto de pronúncia na decisão judicial para ele recorrida. Além disso,
o recurso em causa ? previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da
Constituição e no artigo 70º da LTC ? pressupõe, nomeadamente, não só que o
recorrente tenha suscitado ?de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida? (cf. artigo 72º, n.º 2, do mesmo diploma) a
exacta questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada mas
também que, não obstante, a decisão recorrida tenha aplicado tal norma ou
interpretação normativa, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Ao que
acresce que, dada a natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito
do processo de fiscalização concreta, restrita à apreciação da questão de
constitucionalidade da norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada
na decisão recorrida, tal norma surge a este Tribunal como um dado, não estando
em causa no recurso para ele interposto, nem podendo estar, a determinação de
qual a ?melhor interpretação? das normas infraconstitucionais questionadas. Ao
Tribunal Constitucional cumpre apenas aferir a compatibilidade com a
Constituição da interpretação normativa efectivamente aplicada pela decisão
recorrida. Ora, tudo isto inviabiliza a apreciação não só dos elementos de facto
referidos mas também dos argumentos de direito infraconstitucional aduzidos pelo
ora reclamante, conduzindo, nessa parte, à manifesta improcedência da reclamação.
De facto, saber se o diferencial do montante indemnizatório entre terrenos aptos
para construção e terrenos não aptos para construção é ou não adequado ou
correcto é um problema que, dado o que antecede, obviamente não pode ser
considerado por este Tribunal. Para efeitos de apreciação da constitucionalidade,
importa apenas considerar a norma que a decisão recorrida aplicou e a distinção
que efectuou entre terrenos aptos e não aptos à construção. Se, ao invés, se
pretende questionar o concreto montante pecuniário compensatório ? o que, em
última instância, é a pretensão do reclamante -, não é perante o Tribunal
Constitucional que tal se pode fazer. Não corresponde à verdade, portanto, que ?o
que se pretende é sempre a apreciação da norma aplicada?; ao contrário, a
pretensão do reclamante é a de discutir ?quantidades? e não ?qualidades?.
8. Por outro lado, ainda que porventura se pudesse admitir que assim não fosse,
o que só por exercício de raciocínio se concede, como igualmente se afirmou na
Decisão Sumária ora reclamada e resulta do que antecede, não corresponde tão-pouco
à verdade que, na decisão recorrida, se tenha em algum lugar sustentado, como
afirma o reclamante, ?que a indemnização devida pela expropriação de um solo
classificado como apto para a construção é idêntica à indemnização devida pela
expropriação de um solo classificado como apto para outros fins, sem qualquer
capacidade edificativa, em particular situado na periferia da cidade de Lisboa e
próximo de importantes núcleos habitacionais?. Inversamente, como o próprio
reclamante aliás reconhece, a decisão recorrida distinguiu efectivamente tais
situações.
III ? Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto dos
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos