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Processo n.º 946/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., arguido no processo que lhe move o Ministério Público e o assistente B.,
interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b), g) e
i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos
seguintes termos:
“[ … ]
A) Violação de Caso Julgado Constitucional – alínea i) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe é dada pela Lei 85/89, de 7 de
Setembro e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
1. O douto acórdão proferido nestes autos, pelo Tribunal Constitucional, em 26
de Janeiro de 2005, decidiu:
“b) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº1, da Constituição, e
do artigo 29º, nº 1, conjugado com o artigo 205º, nº1 da Constituição, a norma
do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de
permitir ao tribunal de recurso considerar não provados factos que foram
considerados irrelevantes pela primeira instância e por isso não apreciados,
relativos à exclusão da responsabilidade, nos termos do artigo 180º, nº 2 do
Código Penal;
c) Revogar a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o
presente juízo de inconstitucionalidade.” (sublinhado nosso)
2. Isto porque a sentença de primeira instância ali referida, havia considerado
“irrelevante a demais prova produzida em audiência – traduzida em numerosos
depoimentos acerca das características de ambos os terrenos, dos interesses
subjacentes ao negócio e vantagens de cada um, bem como das diversas atitudes
discriminatórias assumidas pelo assistente, enquanto Presidente da Câmara de
Vagos, por se julgar não poder constituir objecto do presente processo avaliar e
decretar a idoneidade e isenção (ou o inverso) do mandato exercido pelo
assistente”
Ou seja,
3. De forma explícita, o mencionado acórdão do Tribunal Constitucional ordenou
que o Tribunal da Relação de Coimbra reformulasse o acórdão então recorrido,
apreciando os factos “relativos à exclusão da responsabilidade, nos termos do
artigo 180º, nº2, do Código Penal”
4. O que significa que, aquele acórdão do Tribunal Constitucional, apenas
cometeu, ao Tribunal da Relação de Coimbra, a tarefa de apurar se, relativamente
àqueles factos com base nos quais condenara o arguido, se verificava, ou não,
“exceptio veritatis”
5. Manifestamente com o objectivo de salvaguardar o princípio da dupla
jurisdição em matéria de facto, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu
abster-se de apreciar a prova produzida e gravada na Primeira Instância, por
esta considerada irrelevante, e mandou baixar os autos ao Tribunal de Comarca
para que julgasse em conformidade com o ordenado pelo Venerando Tribunal
Constitucional.
6. Por obediência ao caso julgado constitucional, o novo julgamento só poderia
ter como objectivo e como limite a indagação de factos que pudessem configurar
“exceptio veritatis” relativamente àqueles outros que, nos termos do primeiro
acórdão da Relação, integravam o crime de difamação e pelos quais condenou o
arguido.
7. E não relativamente a quaisquer outros conteúdos do texto do arguido a que o
Tribunal da Relação (e antes dele o Tribunal de Comarca e o despacho de
pronúncia) não havia atribuído relevância penal, ainda que fazendo parte do
referido texto.
Assim,
8. Tendo o Tribunal da Relação no seu primeiro acórdão, julgado que preenchiam o
tipo legal de crime de difamação as imputações das alíneas E), F) e G) dos
factos ali dados como provados, só relativamente a estes factos cumpria indagar
os susceptíveis de preencherem “exceptio veritatis”
9. Sob pena de violação do acórdão do Tribunal Constitucional precedente.
Porém,
10. Ignorando os limites que lhe impunha o caso julgado constitucional – e
também o primeiro acórdão da Relação que definira quais os excertos difamatórios
do texto do arguido – o Juiz de Primeira Instância, em vez de se limitar a
apreciar factos susceptíveis de integrarem “exceptio veritatis” relativamente
àqueles que a Relação julgara difamatórios, voltou a apreciar todas as questões
de facto suscitadas nos autos, mesmo as já definitivamente decididas.
11. E acabou por condenar o arguido com base noutro excerto do seu texto, mais
concretamente, na suposta imputação, sob a forma de suspeita, de que o ofendido
teria decidido que a Câmara Municipal adquirisse um terreno, em detrimento de
outro, para beneficiar um amigo seu que, com o negócio, obteria vantagem
patrimonial.
14. Sendo certo que tal imputação não constava dos factos que o Tribunal da
Relação de Coimbra, no acórdão antecedente, julgara difamatórios.
15. O que significa que o acórdão recorrido faz a aplicação das normas dos
artigos 180º n.º 2 do Código Penal e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal em
desconformidade com o anteriormente decidido, sobre a questão, pelo Tribunal
Constitucional.
16. Na medida em que o Tribunal recorrido entendeu poder reformular o seu
acórdão anterior excedendo manifestamente os limites estabelecidos para essa
reformulação pelo acórdão do Venerando Tribunal Constitucional precedente, o que
constitui manifesta violação do Caso Julgado Constitucional.
B) Aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional – alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de
Novembro, na redacção que lhe é dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei
13-A/98, de 26 de Fevereiro.
1. O douto Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando-se no princípio da
imediação da prova, absteve-se de apreciar as questões suscitadas no recurso
penal pelo arguido quanto à matéria de facto dada como provada, limitando-se a
acolher de forma acrítica a decisão da 1ª Instância.
2. O que importa, a inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de
Processo Penal na citada interpretação que lhe é dada por este Tribunal da
Relação, por ofensa ao disposto nos artigos 32º n.º 1 e 20º n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa.
3. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu douto Acórdão de
16.02.2007, proferido no processo 522/2006.
4. Pelo que o acórdão recorrido faz a aplicação da norma do artigo 428º do
Código de Processo Penal com a interpretação que determinou que tal norma tenha
sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
C) Constitucionalidade das normas aplicadas e a seguir identificadas, na
interpretação que lhes é dada pelo acórdão recorrido, suscitada durante o
processo – alínea b), do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe é dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei 13-A/98, de
26 de Fevereiro.
Assim,
I – Inconstitucionalidade da norma do artigo 80º, nº2 da Lei 28/82, de 15 de
Novembro, na redacção que lhe é dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei
13-A/98, de 26 de Fevereiro, por violação das normas dos artigos 32º, nº 1,
205º, nº 1, 209º, nº 1 e 221º da Constituição da República Portuguesa.
1. Na interpretação que lhe dão a segunda sentença proferida nestes autos pela
Primeira Instância, e o acórdão da Relação que a confirma, agora recorrido, a
norma do citado artigo 80º, n.º 2 tem de ser considerada inconstitucional.
Na verdade,
2. Interpretada no sentido de que o Tribunal Recorrido não estava obrigado a
respeitar os limites definidos pelo acórdão anteriormente proferido nestes
autos, pelo Tribunal Constitucional, a citada norma é inconstitucional,
inconstitucionalidade que decorre da violação das normas dos artigos 32º, nº 1,
205º, nº 1, 209º, nº 1 e 221º da Constituição da República Portuguesa.
3. Na medida em que o Tribunal recorrido entendeu poder reformular o seu acórdão
anterior excedendo manifestamente os limites estabelecidos para essa
reformulação pelo anterior acórdão do Venerando Tribunal Constitucional.
4. Esta questão de constitucionalidade já foi suscitada, pelo ora recorrente,
nas suas alegações de recurso, para o Tribunal da Relação, páginas 33 a 35
dessas alegações e conclusões números 1 a 5.
II – Inconstitucionalidade das normas do artigos 358º, 379º, nº 1, alínea c),
segunda parte e 431º do Código de Processo Penal na interpretação do acórdão
recorrido, por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição de República
Portuguesa.
1. Como se disse, a última sentença proferida nestes autos pelo Tribunal
Judicial de Vagos e o acórdão recorrido, que a confirma, condenaram o arguido
por um excerto do seu texto que o despacho de pronúncia não considera
difamatório.
2. Esquecendo, aliás, como também já se referiu, que o precedente acórdão do
Tribunal Constitucional apenas determinara o apuramento de factos susceptíveis
de excluírem a responsabilidade do arguido, nos termos do artigo 180º, nº 2 do
Código Penal, com referencia àqueles factos pelos quais o arguido fora condenado
na Relação de Coimbra.
Assim,
3. Na interpretação que lhes dão a segunda sentença de Primeira Instância e o
acórdão da Relação de Coimbra que a confirma, as normas dos artigos 358º, 379º,
nº1, alínea c), segunda parte e 431º do Código de Processo Penal, têm de ser
consideradas inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32º, nº1 da
Constituição da República Portuguesa.
4. Na medida em que, com violação do caso julgado, o Tribunal de Primeira
Instância alargou ilegal e inesperadamente o espectro da matéria de facto sobre
a qual fez incidir a sua indagação,
5. E, desse modo, ofendeu gravemente as garantias constitucionais de defesa do
arguido.
De resto,
6. As referidas decisões nem sequer relevaram que a condenação do arguido por um
excerto do seu texto que o despacho de pronúncia não considera difamatório
sempre constituirá uma alteração não substancial dos factos que lhe eram
imputados.
7. O que também é limitativo das garantias constitucionais de defesa do arguido.
8. Esta questão de constitucionalidade foi igualmente suscitada, pelo ora
recorrente, nas alegações de recurso atrás citadas, páginas 35 a 38, conclusões
números 6 a 19.
III – Constitucionalidade das normas dos artigos 31, nº 1 e 2. al. b), 180º, nº
1; 183º, nº 2 e 184º do Código Penal e 30º e 31º da Lei 2/99. de 13 de Janeiro,
em confronto com as normas dos artigos 37º, 38º, 48º, 51º, nº 1 da Constituição
da República Portuguesa.
1. A sentença do Tribunal Judicial de Vagos que condenou o recorrente e o
acórdão recorrido, que a confirma, reconhecem que o texto em causa nestes autos
foi escrito na prossecução de interesses legítimos, quer de luta
político-partidária, quer de fiscalização pública da actuação do assistente,
enquanto Presidente da Câmara Municipal de Vagos.
2. E reconhecem, também, que o ora recorrente não incorreu em crítica caluniosa,
nem formulou juízos sobre a conduta do assistente, única e exclusivamente, com o
propósito de humilhar e rebaixar.
3. Tratou-se, pois, do exercício legítimo de um direito, do direito de opinião e
de crítica de cidadania e política, de livre expressão do pensamento, atento o
interesse público em causa, a objectividade das considerações tecidas pelo
arguido, face à estrita referência a um acto político praticado por político, o
que sempre justificaria a conduta do arguido, excluindo a ilicitude do seu
comportamento.
Assim sendo,
4. Tal como o acórdão recorrido as interpreta, as normas dos artigos 180º n.º 1,
183º n.º 2 e 184º do Código Penal e das normas constantes do artigo 31º, n.º 1 e
n.º 2 alínea b) do mesmo diploma legal, e, ainda, as normas dos artigos 30º e
31º da Lei nº 2/99 de 13/01, colidem com as normas dos artigos 16º, nº 2, 37º,
38º, 48º, 51º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
5. De acordo com as citadas normas constitucionais, aqueles artigos do Código
Penal e da Lei 2/99 têm de ser interpretados de forma a não prejudicar o direito
de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, bem como o direito
de informar, ser informado, sem impedimentos nem discriminações, a liberdade de
expressão e a liberdade de associação que compreende o direito de constituir ou
participar em associações ou partidos políticos e, através deles, concorrer
democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder
político.
6. Impondo-se, por força de tais normas constitucionais, a redução da tutela da
honra do assistente, no que à sua actividade política diz respeito, como é o
caso dos autos.
7. Uma vez que dessa actividade pública, voluntariamente assumida, decorre uma
particular e inevitável exposição à crítica dos seus concidadãos.
8. Que num Estado de Direito Democrático não pode ser coarctada.
9. Sendo certo que, nos termos do citado artigo 16º, nº 2 da Constituição, esta
compressão do direito à honra versus direito á liberdade de expressão é a que se
impõe por respeito ao artigo 10º da Convenção Universal dos Direitos do Homem
10. Esta questão de constitucionalidade foi suscitada pelo recorrente, em
audiência de julgamento na Primeira Instância, como resulta da respectiva acta e
nas suas alegações de recurso para a Relação, páginas 50 a 60 e 63 a 64,
conclusões números 20 a 22.
IV - Inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de Processo Penal,
na interpretação do acórdão recorrido, por violação dos artigos 20º, nº 1 e 32º.
nº 1 da Constituição de República Portuguesa.
1. Como já se disse, de forma completamente inesperada, o acórdão recorrido,
sustentando-se no princípio da imediação da prova, absteve-se de reapreciar a
prova produzida sobre aspectos da decisão de primeira instância, sobre a matéria
de facto, que mereceram a crítica do arguido.
2. A afirmação de que os julgadores do tribunal de recurso, por lhes estar
vedada a oralidade e a imediação da prova, estão inibidos de reapreciar a
decisão sobre a matéria de facto e de que a sua possibilidade de intervenção
nesta matéria se reduz à apreciação da fundamentação da decisão recorrida,
constitui gritante violação do princípio constitucional do duplo grau de
jurisdição em matéria de facto e das garantias constitucionais de defesa do
arguido.
Na verdade,
3. O douto Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando-se no princípio da
imediação da prova, absteve-se de apreciar as questões suscitadas no recurso
penal pelo arguido quanto à matéria de facto dada como provada, limitando-se a
acolher de forma acrítica a decisão da 1ª Instância.
4. O que importa, a inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de
Processo Penal na citada interpretação que lhe é dada por este Tribunal da
Relação, por ofensa ao disposto nos artigos 32º n.º 1 e 20º n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa.
5. Não sendo, aliás, previsível que o Tribunal recorrido fizesse a aplicação de
uma norma já anteriormente julgada inconstitucional.
6. Inconstitucionalidade que, por ser inesperada e imprevisível, o recorrente só
pode suscitar no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão recorrido, com
esse fundamento – o que fez de acordo com a jurisprudência do Venerando Tribunal
Constitucional.»
2. O relator proferiu “decisão sumária” ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º-A da LTC, com a seguinte fundamentação:
“[ Omitida agora a reprodução da decisão recorrida e do relato das
ocorrências processuais que a antecederam]
4. O presente recurso é interposto, em primeiro lugar, ao abrigo da alínea i) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (cf. ponto A) do mesmo
requerimento), invocando o recorrente que o acórdão recorrido faz aplicação das
normas dos artigos 180.º, n.º 2 do Código Penal e 374.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal, em desconformidade com o decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional, na medida em que o tribunal recorrido entendeu poder reformular
o seu acórdão anterior excedendo manifestamente os limites estabelecidos para
essa reformulação pelo acórdão do Tribunal Constitucional precedente, “o que
constitui manifesta violação do caso julgado constitucional” (cf. pontos A-15 e
A-16).
Ora, independentemente de se aferir se foi ou não violado o “caso julgado
constitucional”, certo é que não pode tomar-se conhecimento do objecto do
recurso, com fundamento na alínea i), porque não ocorrem os respectivos
pressupostos de admissibilidade.
Efectivamente, este preceito só abre a via do recurso de constitucionalidade de
decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com
fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem
em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional.
Não sendo invocado, nem ocorrendo no processo, qualquer recusa de aplicação
normativa por violação de norma de convenção internacional, o recurso só seria
admissível pela segunda parte do preceito se a decisão recorrida aplicasse norma
constante de acto legislativo que infringisse anterior jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre essa questão.
Só que, a questão a que se refere a segunda parte da alínea i) é sempre a que
respeita à relação de contrariedade de uma norma constante de acto legislativo e
uma convenção internacional, ou mais precisamente à específica questão
jurídico-constitucional ou jurídico-internacional respeitante a essa relação que
foi objecto da decisão anterior do Tribunal Constitucional invocada como
decisão‑fundamento. Como refere Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, 7ª ed., p. 1043), o sentido deste recurso é o de chamar o
Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre os problemas resultantes da
“abertura” do direito constitucional português ao direito internacional (artigo
8.º da CRP) e evitar, no interesse da segurança jurídica, posições judiciais
divergentes quanto à aplicação das regras de direito internacional.
Assim, como não é uma questão desta natureza que está em causa nos autos - mas
sim a eventual violação pela decisão recorrida do “caso julgado constitucional”
decorrente do acórdão n.º 47/2005 do Tribunal Constitucional, que julgou
inconstitucionalidade a interpretação dada ao artigo 374.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal, por desconformidade com os artigos 32.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1,
conjugado com o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição –, não pode tomar-se
conhecimento do objecto do recurso.
5. No ponto B) do requerimento de interposição o recurso vem interposto ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
sustentando-se ter sido aplicada a norma do artigo 428.º do Código de Processo
Penal, em sentido contrário ao decidido no acórdão do Tribunal Constitucional de
16 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 522/06, que corresponde ao
acórdão n.º 116/2007.
Alega o recorrente que o Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando-se no
princípio da imediação da prova, se absteve de apreciar as questões suscitadas
no recurso penal pelo arguido quanto à matéria de facto dada como provada,
limitando-se a acolher, de forma acrítica, a decisão da 1ª instância, o que
viola os artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, da Constituição, como o Tribunal
Constitucional decidiu no acórdão fundamento.
Como é sabido, o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea
g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pressupõe a
aplicação pela decisão recorrida como sua ratio decidendi de norma já
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
No acórdão n.º 116/2007, invocado como fundamento, foi decidido julgar
inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 428.º do Código de Processo Penal,
quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instância
apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso
interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a
afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto
de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos.
Contudo, não foi com esta interpretação que a Relação aplicou a norma em causa.
No acórdão recorrido, de 16 de Julho de 2008, a Relação, relativamente ao
recurso sobre a matéria de facto, começou por salientar que, nos termos do
artigo 412.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal, quando o recorrente
impugne a matéria de facto tem o ónus de especificar, (i) os pontos de facto que
considera incorrectamente julgados, (ii) as provas que impõe decisão diversa da
recorrida, e (iii) que estas especificações, quando as provas tenham sido
gravadas, devem ser feitas por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a
transcrição, entendendo, neste contexto, que o dever não é cumprido com a
remissão mais ou menos genérica para os depoimentos prestados em audiência,
«devendo antes especificar, ponto por ponto (pontos de facto e provas que impõem
a decisão) qual o concreto conteúdo material desses meios de prova,
relativamente a cada facto, que devem levar, apreciados de acordo com os
critérios legais em vigor, à decisão pretendida».
Pois, como se diz no aresto, «[O] recurso não pode ser confundido com um “novo
julgamento” do objecto do processo. Destinando-se antes à reapreciação de pontos
concretos de uma decisão prévia, motivada com o rigor imposto pelo artigo 374.º
do CPP. Tendo por fundamento as “questões de que pudesse conhecer a decisão
recorrida” – cfr. artigo 410.º, n.º 1 do CPP». «Devendo assim a motivação do
recurso rebater os fundamentos da decisão impugnada de forma a permitir ao
tribunal superior não só identificar o erro de julgamento apontado, como o
caminho alternativo adequado para remediar esse erro».
Em síntese, conclui-se neste aresto, que, da natureza do recurso e do dever de
especificação das provas (conteúdo) que impõem decisão diversa, com o dever de
indicar as concretas passagens da prova em que o recurso se fundamenta, resulta
que o recorrente tem que rebater a motivação da decisão recorrida relativamente,
aos pontos apreciados, demonstrando materialmente quais os concretos meios de
prova que impõem decisão diversa – para o que não é suficiente a remissão
genérica ou generalizante dos meios de prova produzidos em audiência, obrigando
o tribunal de recurso a realizar um “novo julgamento” da matéria de facto e uma
nova apreciação de toda a prova produzida, como se não existisse a decisão
prévia que se impugna e se pretende ver alterada –, «o que obriga à concreta
especificação (definição) de que a sentença em reapreciação repousa em meios de
prova que não foram produzidos ou têm conteúdo material diferente daquele que é
suposto pela decisão recorrida ou, por ultimo que os meios de prova convocados
foram valorados em desconformidade com os critérios legais de
valoração/apreciação.»
Após enunciar as pretensões do recorrente e os fundamentos por este invocados,
relativamente à impugnação da matéria de facto, entendeu-se no aresto recorrido
que o recorrente, “não situa os factos novos que pretende ver dados como
provados dentro da prova da exceptio veritatis que constituía objecto do segundo
julgamento e constitui objecto – exclusivo – do presente recurso”, e “indica
genericamente as provas (toda a prova produzida) que na sua perspectiva deveriam
levar à decisão pretendida”, sem especificar o conteúdo concreto dos meios de
prova convocados que deveriam “impor decisão diferente” para cada facto – vício
que manteve no requerimento de aperfeiçoamento.
Assim, concluiu que tal situação consubstancia vício genérico da motivação que
não era susceptível de correcção, sob pena de subversão do instituto do recurso.
Neste contexto, passou o aresto recorrido “à reapreciação dentro daquilo que é
possível determinar, da motivação apresentada”
Em suma, a verdadeira ratio decidendi invocada pela Relação como fundamento para
a limitação ao conhecimento do recurso da matéria de facto resultou da aplicação
ao caso dos autos das normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de
Processo Penal, com a interpretação acima referida, e não da aplicação da norma
do artigo 428.º, n.º 1, do mesmo código, com a interpretação apreciada no
acórdão n.º 116/2007.
Deste modo, por não ocorrerem os pressupostos do recurso com fundamento na
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não pode
tomar-se conhecimento do seu objecto.
6. Na parte C do requerimento de interposição o recorrente fundamenta o recurso
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, cuja admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos
de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o
processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2
do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade
perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se
considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma
legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão
recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o
recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo
essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de
constitucionalidade.
6.1. Pretende o recorrente a apreciação da inconstitucionalidade da norma do
artigo 80.º, n.º 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe é dada
pela Lei 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, por
violação das normas dos artigos 32.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, 209.º, n.º 1 e 221.º
da Constituição.
Para tanto, alega que, na interpretação que lhe dão a segunda sentença proferida
nestes autos pela 1ª instância, e o acórdão da Relação que a confirma, “no
sentido de que o tribunal de recurso não estava obrigado a respeitar os limites
definidos pelo acórdão anteriormente proferido nestes autos pelo Tribunal
Constitucional”, a norma do citado artigo 80.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, é
inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, 209.º, n.º
1 e 221.º da Constituição.
Porém, independentemente da questão de saber se efectivamente o acórdão
recorrido aplicou a norma em causa considerando que podia reformular o seu
anterior acórdão “excedendo manifestamente os limites estabelecidos para essa
reformulação pelo anterior acórdão do Tribunal Constitucional”, como se invoca,
não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso porque o recorrente não
suscitou durante o processo a respectiva questão de constitucionalidade
normativa.
Efectivamente, nem nas conclusões 1ª a 5ª, que acima se transcreveram, nem no
texto das alegações do recurso interposto para a Relação (págs. 33 a 35 desta
peça processual), que o recorrente indica, consta a invocação da
inconstitucionalidade da norma do artigo 80.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82.
6.2. Quanto às normas do artigos 358.º, 379.º, nº 1, alínea c), segunda parte e
431.º do Código de Processo Penal, invoca o recorrente que são
inconstitucionais, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, por
violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição de República Portuguesa.
Sustenta, a este respeito, que “a última sentença proferida nestes autos pelo
Tribunal Judicial de Vagos e o acórdão recorrido, que a confirma, condenaram o
arguido por um excerto do seu texto que o despacho de pronúncia não considera
difamatório”, esquecendo que o precedente acórdão do Tribunal Constitucional
apenas determinara o apuramento de factos susceptíveis de excluírem a
responsabilidade do arguido, nos termos do artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal,
com referencia àqueles factos pelos quais o arguido fora condenado na Relação de
Coimbra.
Acrescenta que, com violação do caso julgado, o Tribunal de Primeira Instância
alargou ilegal e inesperadamente o espectro da matéria de facto sobre a qual fez
incidir a sua indagação, e que a sentença da 1ª instância e o acórdão da Relação
“nem sequer relevaram que a condenação do arguido por um excerto do seu texto
que o despacho de pronúncia não considera difamatório sempre constituirá uma
alteração não substancial dos factos que lhe eram imputados”.
Não obstante o recorrente não enunciar com clareza qual a dimensão normativa
aplicada pela decisão recorrida que pretende impugnar em sede de recurso de
constitucionalidade, resulta manifesto que tal dimensão integra a consideração
de que a condenação do recorrente, na sequência da repetição do julgamento,
assentou num excerto de texto que o despacho de pronúncia não considerou
difamatório, nem foi considerado no anterior acórdão condenatório da Relação.
O recorrente condensou esta questão, como salientou no pedido de aclaração
contra o acórdão recorrido, nas conclusões 16ª a 18ª da sua motivação de
recurso, tendo o acórdão recorrido concluído que “[A] inconstitucionalidade
invocada pelo arguido improcede, quer porque não foi efectuada qualquer nova
valoração dos factos quer porque, ainda que tal pudesse ter acontecido sempre
resultaria do âmbito da discussão dos factos invocados pela defesa. Não só não
foi violado o direito de defesa, como seria efeito/consequência do exercício
desse direito de defesa”.
Tal conclusão assentou, em primeiro lugar, na consideração pelo acórdão
recorrido, além do mais, de que no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
transitado em julgado se havia referido que, designadamente, «não se verifica a
atipicidade da conduta porque “o arguido diz que o ofendido, enquanto presidente
da Câmara, preteriu a aquisição do terreno por razões particulares e decidiu
para beneficiar amigo correlegionário”», e que, por isso, «… a alegação do
recorrente de que o tribunal recorrido valorou na segunda decisão excerto de
texto (dado como provado desde a primeira sentença) que não tinha sido valorado
pelo Tribunal da Relação, não tem qualquer fundamento». As referencias feitas no
acórdão recorrido no sentido de que a terem sido valorados os factos em causa
tal não implicava a violação dos direitos de defesa do arguido, porque os mesmos
haviam resultado do âmbito “da prova da excepcio definido pelo próprio
recorrente”, que não se limitou a querer provar a “verdade das imputações” por
si escritas acerca do ofendido, mas, mais do que isso, quis provar “a falta de
verdade da acusação”, constituem uma segunda linha de argumentação em abono da
improcedência da pretensão do recorrente.
Deste modo, a verdadeira ratio decidendi consistiu no entendimento de que, no
caso, não foi efectuada qualquer nova valoração dos factos, e a consideração de
que a terem sido valorados factos não tidos anteriormente em conta tal não
violaria os direitos de defesa do arguido por resultarem “do âmbito da discussão
dos factos invocados pela defesa”, constitui um mero obiter dictum, não
susceptível de abrir a via do recurso de constitucionalidade.
6.3. Pretende ainda o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas
dos artigos 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 180.º, n.º 1; 183.º, n.º 2 e 184.º do
Código Penal e 30.º e 31.º da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, em confronto com as
normas dos artigos 37.º, 38.º, 48.º, 51.º, n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa.
Sustenta que o texto em causa nestes autos foi escrito na prossecução de
interesses legítimos, quer de luta político-partidária, quer de fiscalização
pública da actuação do assistente, enquanto Presidente da Câmara Municipal de
Vagos, no exercício legítimo de um direito, do direito de opinião e de crítica
de cidadania e política, de livre expressão do pensamento, atento o interesse
público em causa, a objectividade das considerações tecidas pelo arguido, face à
estrita referência a um acto político praticado por político, o que sempre
justificaria a conduta do arguido, excluindo a ilicitude do seu comportamento.
Acrescenta que à luz das normas dos artigos 16.º, n.º 2, 37.º, 38.º, 48.º e
51.º, n.º 1 da Constituição, os artigos impugnados do Código Penal e da Lei n.º
n.º 2/99 “têm de ser interpretados de forma a não prejudicar o direito de
exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, bem como o direito de
informar, ser informado, sem impedimentos nem discriminações, a liberdade de
expressão e a liberdade de associação que compreende o direito de constituir ou
participar em associações ou partidos políticos e, através deles, concorrer
democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder
político”, impondo-se “a redução da tutela da honra do assistente, no que à sua
actividade política diz respeito”, “uma vez que dessa actividade pública,
voluntariamente assumida, decorre uma particular e inevitável exposição à
crítica dos seus concidadãos”.
Conclui que “[T]al como o acórdão recorrido as interpreta, as normas dos artigos
180.º, n.º 1, 183.º, n.º 2 e 184.º do Código Penal e das normas constantes do
artigo 31.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do mesmo diploma legal, e, ainda, as normas
dos artigos 30.º e 31.º da Lei nº 2/99 de 13/01, colidem com as normas dos
artigos 16.º, n.º 2, 37.º, 38.º, 48.º, 51.º, n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa.”
Esta questão foi abordada pelo recorrente na motivação do recurso para a Relação
(cf. págs. 50 a 60 e 63 a 64, e nas conclusões 20º a 22º).
Sucede, porém, que à semelhança do que acontece com o requerimento de
interposição de recurso, o recorrente também na peça processual onde diz ter
suscitado a questão de constitucionalidade não equacionou de forma adequada a
questão de constitucionalidade normativa, limitando-se a invocar a
inconstitucionalidade das normas “tal como o acórdão recorrido as interpreta”,
sem nunca especificar qual a concreta interpretação que o acórdão fez das mesmas
normas em que fundou a condenação do arguido.
Na verdade, o que o recorrente faz na dita peça processual, em síntese, é
enunciar os princípios constitucionais que considera pertinentes ao caso para
daí retirar a conclusão de que ao produzir o escrito em causa actuou no
exercício de um direito fundamental, o direito a exprimir livremente o seu
pensamento, mormente acerca de actos de interesse público, e que, atenta a
relevância do interesse público em jogo, “a objectividade das considerações
tecidas pelo arguido e a sua estrita referência a um acto político praticado por
político, sempre justificaria a conduta do arguido, excluindo a ilicitude do seu
comportamento”.
Em suma, o recorrente não suscitou adequadamente durante o processo uma questão
de constitucionalidade normativa, antes orientou a sua argumentação contra a
própria decisão, que não considerou justificada a sua conduta, em termos de
excluir a incriminação do arguido, no que se traduz na sindicância do acto de
julgamento propriamente dito e não da interpretação normativa aplicada como
fundamento da condenação.
Neste modo, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
6.4. Por fim, pretende o recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma
do artigo 428.º do Código de Processo Penal, na interpretação do acórdão
recorrido, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição de
República Portuguesa.
Entende o recorrente que, de forma completamente inesperada, o acórdão
recorrido, sustentando-se no princípio da imediação da prova, se absteve de
reapreciar a prova produzida sobre aspectos da decisão de primeira instância,
sobre a matéria de facto, que mereceram a crítica do arguido.
Ora, não foi por via da aplicação do artigo 428.º do Código de Processo Penal
que o acórdão recorrido não reapreciou a prova produzida sobre aspectos da
decisão de primeira instância sobre a matéria de facto, que mereceram a crítica
do arguido. O Tribunal não procedeu àquela reapreciação, com a amplitude
permitida pelo artigo 412º, n.º3 do Código de Processo Penal, porque concluiu
que o recorrente não havia cumprido os ónus processuais exigidos neste preceito
e no n.º4 do mesmo artigo e, por isso, apenas procedeu “à reapreciação dentro
daquilo que é possível determinar, da motivação apresenta” (cf. ponto 5 da
presente decisão).
Deste modo, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
7. Em face do exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades
de conta.”
3. O recorrente reclama para a conferência com a seguinte fundamentação:
“ [ …]
A) Quanto à Violação de Caso Julgado Constitucional
1. Sob a alínea A) do seu requerimento de recurso, o ora reclamante suscita a
questão de violação do caso julgado constitucional, por entender que o acórdão
do Tribunal da Relação de Coimbra recorrido ofende a decisão proferida pelo
Tribunal Constitucional, no seu acórdão 47/2005.
2. Fundamenta este aspecto do seu recurso na alínea i) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, que estabelece que “ Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em
secção, das decisões dos tribunais: que recusem a aplicação de norma constante
de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma Convenção
Internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido
sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.”
3. Sucede que, no entender do Senhor Juiz Conselheiro Relator, «não ocorreram”,
no caso dos autos, “os pressupostos da admissibilidade” definidos na citada
norma pelo recorrente.
4. Sustentando o Ilustre Conselheiro que a questão “a que se refere a segunda
parte da mencionada alínea i) é, sempre, uma questão respeitante à relação de
contrariedade de uma norma constante de acto legislativo e uma convenção
internacional.”
5. A verdade é que tal entendimento não justifica a decisão de não tomar
conhecimento desta Questão do recurso.
6. A violação de caso julgado constitucional – entendida como “desobediência” do
Tribunal recorrido a anterior decisão do Tribunal Constitucional – constitui
fundamento de recurso, mesmo que se considere que não se enquadra na norma da
citada alínea i).
Isto é,
7. Enquadrável, ou não, na referida norma, a violação de caso julgado
constitucional sempre constituirá fundamento bastante de recurso, para este
Venerando Tribunal.
8. É o que resulta das normas dos artigos 2º, 69º e 80º do LTC e dos artigos
494º e 495º do Código de Processo Civil e ainda dos artigos 210º, 212º e 222º da
Constituição.
Com efeito,
9. O Tribunal Judicial de Vagos, por sua sentença de 14 de Novembro de 2002, deu
como provado que do teor do texto publicado pelo arguido resultou formulação do
seguinte juízo de facto que se transcreve: “Aquelas afirmações na medida em que
atribui ao assistente uma decisão sobre o negócio na compra de um terreno com
preterição de outro só pelo facto de alguém relacionado com o proprietário deste
ser militante de partido diferente do seu ofenderam o seu bom- nome e o seu brio
profissional” (ponto nº 7 da decisão sobre a matéria de facto, pág. 4, que
transitou em julgado com o primeiro acórdão da Relação proferido nos autos).
10. Mais adiante a mesma douta sentença considera “todavia, se equacionarmos
ponderada e globalmente os interesses convocados no caso, julga-se que se
chegará a solução inversa, ou seja, à conclusão da atipicidade da conduta do
arguido” (pág. 10, sexto parágrafo).
11. Na perspectiva da atipicidade da conduta imputada ao arguido, a mesma douta
sentença considerou “irrelevante a demais prova produzida em audiência –
traduzida em numerosos depoimentos acerca das características de ambos os
terrenos dos interesses subjacentes ao negocio e vantagens de cada um, bem como
das diversas atitudes discriminatórias assumidas pelo assistente, enquanto
presidente da Câmara Municipal de Vagos, por se julgar não poder constituir
objecto do presente processo avaliar e decretar a idoneidade e isenção (ou o
inverso) do mandato exercido pelo assistente” (pág. 6, sexto paragrafo).
12. Diferentemente, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nestes
autos, em 24 de Setembro de 2003, entendeu que “a justificação dos
comportamentos ofensivos da honra assumidos através da formulação de juízos de
valor, por via de recurso ás regras gerais, passa no caso de inclusão de juízos
de facto, pela verificação, por parte do julgador, da veracidade dos factos.”–
Cit. fls. 14
Porém,
13. Tendo concluído pela tipicidade da conduta do arguido, considerou não
provada toda a matéria susceptível de constituir exceptio veritatis,
designadamente aquela que o Tribunal da Primeira Instância decidira não
apreciar, por a considerar irrelevante – cfr. nota 12, pág. 16 do citado
acórdão.
14. Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, por não se
conformar que se pudesse dar como não provada a matéria susceptível de integrar
exceptio veritatis, quando o Tribunal de Primeira Instancia se abstiver de
apreciar tal matéria.
15. O mencionado recurso foi decidido pelo Tribunal Constitucional, pelo acórdão
nº 47/2005, que decidiu “julgar inconstitucional por violação do artigo 32, nº 1
da CRP e do artigo 29º, nº 1 conjugado com o artigo 205º, nº 1 da CRP, a norma
do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal interpretado no sentido de
permitir ao Tribunal de Recurso considerar não provados os factos que foram
considerados irrelevantes pela primeira instância e por isso não apreciados
relativos à exclusão da responsabilidade nos termos do artigo 180º, nº 2 do
Código Penal e revogar a decisão recorrida para ser reformulada de acordo com o
juízo de inconstitucionalidade”.
16. Em 18 de Maio de 2005, dando cumprimento à decisão do Tribunal
Constitucional, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu “remeter os autos ao
Tribunal ‘a quo’ para que proceda ao julgamento sobre os factos que
consubstanciem ‘exceptio veritatis”.
17. Em vez disso, em manifesto conflito com o douto acórdão do Tribunal
Constitucional atrás mencionado e com o subsequente acórdão da Relação de
Coimbra, o Tribunal da Comarca decidiu apreciar, além dos factos susceptíveis de
integrar “exceptio veritatis’ todos “os factos que no decurso da audiência foram
discutidos com relevo para a decisão” (sentença do Tribunal da Comarca de Vagos,
de 26/06/2007, pág. 5, parte final do terceiro paragrafo).
18. O acórdão agora recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra, confirmou a
referida sentença de Primeira Instância.
Ora,
19. Como facilmente se vislumbra, a sentença de Primeira Instância (para tal
além de ter violado o caso julgado quanto à matéria de facto) não acatou a
determinação do Tribunal Constitucional.
20. É esta violação do caso julgado constitucional que se pretende que este
Venerando Tribunal aprecie.
De resto,
21. A jurisprudência do Tribunal Constitucional é, aliás, no sentido de que a
violação de caso julgado constitucional, não só justifica que se tome
conhecimento do recurso interposto com base nessa violação.
22. Como é, até, de conhecimento oficioso deste Venerando Tribunal.
23. Nesse sentido, vejam-se os acórdãos 316/85, 269/98, 532/99, 340/00, 223/05 e
441/01.
B) Quanto à aplicação de norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional
1. Contrariamente ao que se lê no acórdão recorrido, na motivação do seu recurso
para o Tribunal da Relação de Coimbra, no que toca à decisão sobre a matéria de
facto, o ora reclamante deu integral cumprimento ao disposto nos artigos 410° a
412° do Código de Processo Penal.
Designadamente,
2. Especificou os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente
julgados.
3. E especificou as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Na verdade,
4. Na fundamentação do recurso para a Relação de Coimbra, o ora reclamante
indicou, ponto por ponto, os aspectos da matéria de facto que considera
erradamente decididos.
5. Indicou a forma como, em seu entender, seria correcto julgar tal matéria.
6. Indicou, especificadamente, os meios de prova que, ainda em seu entender,
justificam decisão diversa.
7. E especificou, também, a exacta localização, nas gravações correspondentes à
audiência de julgamento, de cada um dos excertos, dos depoimentos prestados, com
interesse para a decisão de cada um dos pontos da matéria de facto cuja decisão
questionava.
8. Apenas não procedeu à transcrição dos referidos excertos, sendo certo que não
lhe competia efectuar tal transcrição.
Assim,
9. Não é correcto dizer-se – como diz o acórdão recorrido – que o arguido, na
sua motivação de recurso e no respectivo requerimento de aperfeiçoamento,
“indica genericamente as provas (toda a prova produzida) que na sua perspectiva
deveriam levar á decisão pretendida”, “sem especificar o conteúdo concreto dos
meios de prova convocados que deveriam impor decisão diferente”.
10. Não é assim no requerimento de recurso da sentença da primeira instância
para a Relação de Coimbra.
11. E não é assim no requerimento de aperfeiçoamento – a convite do Senhor
Relator da Relação de Coimbra – onde se fez um enorme esforço de precisão
relativamente à localização exacta dos excertos dos depoimentos prestados com
interesse para a decisão de cada um dos pontos da matéria de facto em questão.
12. Sempre se indicando, aliás, o sentido dos aludidos depoimentos, com
referência a cada um daqueles pontos.
13. Cumpre sublinhar que a transcrição exemplificativa da “generalização”
imputada ao recorrente, e que figura no acórdão recorrido, é feita do
requerimento inicial de recurso (constante da motivação e das conclusões) e não
do requerimento de aperfeiçoamento – o que é inaceitável.
14. Já que, como se disse, o referido aperfeiçoamento importou uma rigorosa
particularização dos meios de prova, e respectivos excertos dentro de cada um
deles, a cada um dos factos em apreço.
Assim,
15. Uma análise atenta da motivação do recurso para a Relação de Coimbra,
mormente levando em conta o respectivo aperfeiçoamento, conduzirá,
necessariamente, à conclusão de que o ora reclamante deduziu, de forma adequada,
o seu recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto, com estrita observância
de todas as exigências da lei processual penal.
16. Sendo manifesto que a afirmação de que o recorrente “não especificou” os
meios de prova referentes a cada facto que entende incorrectamente julgado, não
corresponde à realidade.
17. Lamentavelmente, o Senhor Conselheiro Relator acreditou naquelas afirmações,
dando-lhes guarida na decisão sumária de que ora se reclama.
18. Chegando mesmo a transcrever parte das erróneas considerações que constam do
acórdão recorrido.
19. Sem se aperceber de que, ao contrário do que se diz naquele acórdão, o ora
reclamante, quando fundamentou o seu recurso para a Relação, não cometeu os
erros que o acórdão da Relação de Coimbra lhe imputa.
De todo o modo,
20. A verdade é que apesar daquelas considerações, o acórdão da Relação de
Coimbra propôs-se, mesmo assim, apreciar a matéria de facto questionada –
“Procede-se assim à reapreciação, dentro daquilo que é possível determinar, da
motivação apresentada.”
21. E é no âmbito desta “reapreciação” que a norma do artigo 428º do Código de
Processo Penal é efectivamente aplicada, com uma interpretação normativa já
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
22. Constituindo a aplicação da citada norma, não um mero obiter dictum, mas
efectivamente a ratio decidendi.
23. Como resulta, com meridiana clareza, de todas as considerações que o acórdão
recorrido tece, longamente, a este propósito e que constam na decisão sumária.
Aliás,
24. Não se pode deixar sem comentário a circunstância de o Tribunal da Relação
de Coimbra criticar, num primeiro trecho, aquilo a que chama de “generalização”
na indicação da prova susceptível de levar à decisão pretendida.
25. Para concluir depois, em flagrante contradição, que não pode emitir juízos
sobre a matéria de facto por não estar em contacto com a prova no seu conjunto!
26. Afinal, em que ficamos?
27. Por todo o exposto, se considera que a presente Questão deve ser conhecida
pelo Venerando Tribunal Constitucional.
C) Inconstitucionalidade das normas aplicadas e a seguir identificadas, na
interpretação que lhes é dada pelo acórdão recorrido, suscitada durante o
processo – alínea b), do n.º 1 do artigo 70º da LTC
– Normas dos artigos 31º, nº 1 e 2. al. b), 180º, 183º, n.º 2, e 184º do Código
Penal e 30º e 31º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, em confronto com as normas dos
artigos 37º, 38º, 48º; 51º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
1. O primeiro acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação de Coimbra
sustenta, a propósito da liberdade de expressão e de informação e do exercício
do direito de criação, discussão e crítica, que: «a justificação dos
comportamentos ofensivos da honra assumidos através da formulação de juízos de
valor, por via de recurso ás regras gerais, passa no caso de inclusão de juízos
de facto, pela verificação, por parte do julgador, da veracidade dos factos.” –
Cit. fls. 14 do Acórdão de 24.09.2003.
2. Esta interpretação normativa dos artigos 31º, n. º 1 e 2. al. b), 180º, 183º,
n.º 2, e 184º do Código Penal e 30º e 31º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, foi
acolhida em todas as decisões posteriores, proferidas nos autos, quer pelo
Tribunal de Comarca de Vagos, Sentença de 26.06.07, págs. 10 e 11, e pelo
Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão de 16.07.2008, pág. 44.
3. E foram estas normas, com aquela interpretação – aliás expressa de forma
lapidar – que foram objecto das sucessivas arguições de inconstitucionalidade,
por parte do ora reclamante.
4. A inconstitucionalidade suscitada mereceu sempre dos referidos Tribunais
decisão confirmativa da aplicação das citadas disposições legais, exactamente
com aquela interpretação normativa que aquele primeiro acórdão definiu e o
acórdão recorrido perfi1hou.
5. O que significa que não ocorreram dúvidas quanto ao sentido da arguição
deduzida pelo ora reclamante.
6. Podendo concluir-se que esta questão foi formulada de forma clara, precisa e
adequada.
7. Manifestamente, é com referência à aludida interpretação normativa das
citadas disposições legais, que o recorrente pretende ver apreciada a
constitucionalidade de tais normas, naquela interpretação – a da decisão
recorrida – por este Venerando Tribunal.
Ou seja,
8. O que se pretende, e sempre se arguiu, é ver declarada a
inconstitucionalidade das normas dos artigos 31º, nº 1 e 2. al. b), 180º, 183º,
n.º 2, e 184º do Código Penal e 30º e 31º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, na
interpretação normativa seguida pelo Tribunal recorrido, segundo a qual o
direito de expressão, na sua vertente de direito de oposição, opinião e crítica
política, caso redunde num comportamento típico, não se deve ter por justificado
sem curar de saber primeiro se as afirmações eram verdadeiras ou se o arguido
tinha fundadas razões para as reputar como tal, pois que apenas se tanto se
verificar, fica excluída a ilicitude da sua conduta, apesar de se concluir que o
texto foi escrito na prossecução de interesses legítimos, quer de luta
político-partidária quer de fiscalização pública da actuação do ofendido e o
agente não ter incorrido nem na crítica caluniosa nem na formulação de juízos de
valor aos quais subjazia, única e exclusivamente, o propósito de rebaixar e
humilhar.
9. Entendemos, tal como a maioria da jurisprudência nacional e a uniformizada do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que – tratando-se, pois, de exercício
legítimo de um direito, do direito de opinião e de crítica de cidadania e
política, de livre expressão do pensamento, atento o interesse público em causa,
a objectividade das considerações tecidas, face à estrita referência a um acto
político praticado por político, sempre se justifica a conduta, excluindo-se a
ilicitude do comportamento – é esta a interpretação normativa daquelas
disposições legais que a Constituição acolhe.
10. Na formulação do requerimento de recurso para este Venerando Tribunal está
assim implícita a concreta interpretação normativa das citadas disposições
legais que justifica o presente recurso.
11. O recorrente suscitou adequadamente – embora de forma implícita – durante o
processo e no próprio requerimento de recurso constitucional, uma questão de
constitucionalidade normativa.
12. Tal sempre se alcançaria por oposição aos termos utilizados no requerimento
de recurso.
13. No sentido de que o recurso para o Tribunal Constitucional não deve, nem
pode ser inviabilizado por questões meramente formais, vejam-se, entre outros,
os acórdãos deste Venerando Tribunal nº 375/98 e 99/2000, no primeiro dos quais
se escreve, de forma muito clara e impressiva, o seguinte: “Cuidou, na verdade,
o legislador de não inviabilizar a interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional por deficiências formais do respectivo requerimento.”
14. Pelo que a questão aqui suscitada deverá ser conhecida.
Diga-se finalmente que,
15. O Estado Português vem sendo, sucessivamente, condenado pelo TEDH com base
em decisões dos Tribunais Portugueses que aplicam normas constantes de acto
legislativo em desconformidade com convenção internacional.
16. Designadamente, com a Convenção Internacional dos Direitos do Homem, em
situações muito semelhantes à dos autos.
17. É que, por força do artigo 10° da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, ocorre uma verdadeira compressão do direito à honra, versus direito à
liberdade de expressão, a que a mencionada norma dá, manifesta prevalência.
18. Prevalência esta que encontra suporte na norma do nº2 do artigo 16º da
Constituição, segundo a qual “Os preceitos constitucionais e legais relativos
aos direitos fundamentais, devem ser interpretado e integrados de harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem”
Ora,
17. Sendo o Tribunal Constitucional é o órgão ou o Tribunal a quem compete
especificamente administrar a Justiça em matéria de natureza
jurídico-constitucional (artigo 221º da CRP) – competência que exerce
definitivamente, como decorre dos artigos 210º, n.º 1 e 212º, n.º 1, da
Constituição – cabendo-lhe definir nos termos da Constituição e da Lei o âmbito
da sua própria competência.
18. Sempre se justificará que conheça – até oficiosamente – da
inconstitucionalidade em causa fundada em violação de Convenção Internacional,
por força da citada norma do nº 2 do artigo 16º da Constituição.
Termos em que se reclama da decisão sumária que antecede e se requer sejam
conhecidas, por esse Venerando Tribunal Constitucional, as questões atrás
suscitadas.”
4. O Ministério Público respondeu nos termos seguintes:
“O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem responder-lhe nos termos
seguintes:
1. Na reclamação apresentada é dada grande relevância à violação do caso
julgado, pelo que teceremos algumas considerações sobre esta matéria.
1.1 Em primeiro lugar diremos que o reclamante tem razão quando afirma que o
Tribunal Constitucional tem competência para verificar o cumprimento das suas
decisões e que o recurso para esse efeito não tem que preencher os requisitos
constantes do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Trata-se de um
recurso “atípico”, sendo inclusivamente de conhecimento oficioso, a violação do
caso julgado de constitucional (cfr. Acórdão nº 223/2005).
Apliquemos, então, tal entendimento ao caso dos autos.
1.2 O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 47/2005 julgou inconstitucional a
norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de permitir ao tribunal de recurso considerar não provados factos que
foram considerados irrelevantes pela primeira instância e por isso não
apreciados, relativos à exclusão da responsabilidade, nos termos do artigo 180º,
nº 2, do Código Penal.
O tribunal recorrido – Relação de Coimbra – reformando o acórdão de acordo com
aquele juízo de inconstitucionalidade entendeu que não competia à Relação
proceder à produção e apreciação da prova e ordenou a remessa dos autos ao
tribunal de primeira instância para que procedesse ao julgamento sobre aqueles
factos que poderiam levar à exclusão de responsabilidade.
Ora, foi precisamente esta a decisão que executou a decisão do Tribunal
Constitucional. Portanto, só ela poderia não respeitar ou não respeitar
integralmente o decidido pelo Tribunal.
Ou seja, era exclusivamente pela análise daquela decisão que se poderia apurar
se ocorrera ou não, violação do caso julgado.
Respeitar o caso julgado não significa que haja uma única via para cumprir o
decidido, gozando, ao invés, o tribunal recorrido, de ampla liberdade na forma
como executa a decisão.
No caso dos autos é certo que o reclamante preferia outra – ser a própria
Relação a apreciar a matéria de facto pertinente – no entanto, não recorreu para
o Tribunal Constitucional invocando a violação de caso julgado (o recurso
“atípico” de que atrás falámos).
Aliás, pela análise de jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria
constata-se que o recurso foi sempre interposto de decisão do tribunal
competente para cumprir o decidido pelo Tribunal Constitucional, o tribunal
recorrido no recurso de constitucionalidade (cfr. Acórdãos nºs 532/1999,
340/2000, 532/2001, 321/2003, 612/2003 e 223/2005).
Assim sendo, aquele acórdão da Relação de Coimbra (de 18 de Maio de 2005)
transitou, não podendo posteriormente, colocar-se tal questão.
1.3 Em consequência do que anteriormente dissemos, os procedimentos levados a
cabo na primeira instância poderão apenas traduzir-se numa execução mais ou
menos conforme ao que aquele acórdão da Relação determinou. É a execução desse
acórdão que, exclusivamente, está em causa.
É evidente que aí, nessa primeira instância, poderão levantar-se quaisquer
questões de inconstitucionalidade normativa das quais caiba recurso para o
Tribunal Constitucional, como ocorreu no caso dos autos. No entanto, como já não
estamos no âmbito do recurso atípico, a sua admissibilidade depende da
verificação dos pressupostos de admissibilidade constantes do artigo nº 70º da
Lei do Tribunal Constitucional, o que não ocorreu nos presentes autos.
2. Quanto ao não conhecimento do recurso respeitante à inconstitucionalidade das
normas dos artigos 358º, 379º, nº1, alínea c), segunda parte e 431º do Código de
Processo Penal (ponto 6.2. da Decisão Sumária) o reclamante nada disse pelo que
a Decisão Sumária, nesta parte, tem de considerar-se transitada.
3. Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de Processo
Penal, o que o reclamando vem afirmar é que “contrariamente no que se lê no
acórdão” ele deu cabal cumprimento ao disposto nos artigos 410º e 412º do Código
de Processo Penal. No fundo o que ele considera é que, os poderes de cognição da
Relação no recurso (artigo 428º do Código de Processo Penal) foram auto -
limitados pela forma como foram aplicados aqueles artigos 410º e 412º.
Ora, se o grau de exigência por parte da Relação no cumprimento dos ónus
constantes daqueles artigos 410º e 412º, fosse excessiva e desproporcionada, tal
poderia, eventualmente, levar a que se questionasse, do ponto de vista da
constitucionalidade, uma tal interpretação daqueles preceitos.
O reclamante, no entanto, não o fez, pelo que restando-nos o artigo 428º do
Código de Processo Penal, a forma como ele foi interpretado e aplicado não está
em contradição com o decidido anteriormente pelo Tribunal constitucional, nem
corresponde à interpretação que o reclamante pretende ver apreciada.
4. No restante, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, no que respeita à inverificação dos pressupostos do recurso.”
5. Cumpre apreciar a reclamação.
A) Violação do caso julgado
A decisão sumária tomou por referência, na resposta que procurou dar à questão
da violação do caso julgado, o fundamento de interposição do recurso que o
recorrente invocou, onde não se enquadra a situação que o recorrente apresenta,
pelas razões que aí se expõem.
Porém, com essa resposta, que se queda no plano formal da não correspondência da
pretensão ao fundamento do recurso (caso de abertura) que foi invocado, não fica
esgotada a questão. Com efeito, à semelhança do que se decidiu, entre outros,
nos acórdãos n.ºs 340/2000 e 223/2005 (disponíveis em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), entende-se que o Tribunal
Constitucional é competente para conhecer do eventual incumprimento da sua
anterior decisão proferida neste mesmo processo, independentemente do
preenchimento dos pressupostos específicos de qualquer das alíneas do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Nesta perspectiva, admite-se que a decisão não devesse ser de rejeição do
recurso.
Mas isso não conduz a que o recurso deva prosseguir, porquanto ele é, nesta
parte, manifestamente infundado.
Com efeito, pelo acórdão n.º 47/2005, este Tribunal julgou inconstitucional a
norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal interpretada no
sentido de permitir ao tribunal de recurso considerar não provados factos que
haviam sido considerados irrelevantes pela primeira instância e por isso não
apreciados, relativos à exclusão da responsabilidade, nos termos do artigo 180º,
nº 2, do Código Penal. O Tribunal da Relação de Coimbra, reformando a sua
decisão no seguimento daquele juízo de inconstitucionalidade, entendeu que não
lhe competia proceder à produção e apreciação da prova e ordenou (acórdão de 18
de Maio de 2005) a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para que
procedesse ao julgamento sobre aqueles factos que poderiam levar à exclusão de
responsabilidade.
Sustenta o Ministério Público que, sendo esta a decisão que executou o acórdão
do Tribunal Constitucional, só ela poderia não respeitar, ou não respeitar
integralmente, o decidido pelo Tribunal Constitucional. Assim, como não foi
impugnado, aquele acórdão da Relação de Coimbra (de 18 de Maio de 2005)
transitou em julgado e não pode posteriormente colocar-se tal questão.
Em tese geral, não é isento de dúvidas que o caso julgado em recurso de
fiscalização concreta tenha o limitado alcance processual que o Ministério
Público parece propugnar, de tal modo que só aquela decisão em que o Tribunal da
causa imediatamente procede à reforma da decisão que o Tribunal Constitucional
apreciou seja susceptível de violar o caso julgado formado sobre a questão de
constitucionalidade. A decisão faz caso julgado no processo quanto à questão de
constitucionalidade ou ilegalidade apreciada (artigo 80.º, n.º 1 da LTC),
baixando o processo ao tribunal que proferiu a decisão recorrida a fim de que
este, conforme os casos, a reforme ou mande reformar em conformidade com o
julgamento sobre a questão de constitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2 do
artigo 80.º da LTC). Bem se concebe que haja situações em que, tendo a aplicação
da norma com o sentido julgado inconstitucional, condicionado as alternativas
decisórias, o tribunal que viu a sua decisão revogada por procedência do recurso
de constitucionalidade não disponha, seja de competência, seja de elementos,
para decidir a questão em que a norma julgada inconstitucional esteve
directamente implicada. Mas, além dessa hipótese em que o tribunal superior
incumbe outra instância da reforma, parece que em qualquer outra decisão
proferida no mesmo processo em que novamente se coloque a hipótese de aplicação
da mesma norma nunca ela pode ser aplicada com o sentido julgado
inconstitucional. O alcance do caso julgado constitucional em recurso de
fiscalização concreta parece ser o de que nenhuma decisão proferida no processo
pode reincidir no vício que o Tribunal Constitucional julgou procedente, isto é,
aplicar a norma com o sentido julgado inconstitucional. É o entendimento que
melhor garante a função de órgão último da fiscalização da constitucionalidade
de normas que a Constituição adscreve ao Tribunal Constitucional.
Todavia, o caso não exige compromisso definitivo ou maiores desenvolvimentos
acerca deste problema.
Com efeito, o âmbito objectivo do caso julgado é traçado pela decisão que
concedeu provimento ao recurso de constitucionalidade. E, o que o acórdão n.º
47/2005 julgou inconstitucional foi a norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código
de Processo Penal no sentido de permitir ao tribunal de recurso considerar não
provados factos que haviam sido considerados irrelevantes pela primeira
instância e por isso não apreciados, relativos à exclusão da responsabilidade,
nos termos do artigo 180º, nº 2, do Código Penal. O caso julgado formado no
processo veda uma “construção dos fundamentos da sentença criminal sem que o
tribunal aprecie todos os factos relevantes para a determinação da
responsabilidade, dando logo como não provados os que foram considerados
irrelevantes na perspectiva da atipicidade, seguida na primeira instância, mas
que poderiam ter relevância na perspectiva afirmada da tipicidade da conduta” ou
seja, uma dimensão normativa que torne possível “que o que é tido como
irrelevante por força do juízo de atipicidade se equipare ao não provado
referido ao juízo inverso de tipicidade”. Estava, pois, vedado à Relação,
proferir nova decisão condenatória sem apreciação da prova relativa aos factos
alegados para excluir a ilicitude. Mas da decisão do Tribunal Constitucional não
decorria, nem podia decorrer porque os seus poderes de cognição se restringem a
julgar inconstitucional a norma (dimensão normativa) que o acórdão então sob
recurso havia aplicado (artigo 79.º-C da LTC), a vinculação positiva quanto à
extensão da (re)apreciação da matéria de facto. O Tribunal Constitucional só
decide questões de constitucionalidade normativa, pelo que o caso julgado
formado sobre as suas decisões só a essas respeita. Deste modo, se o Tribunal da
Comarca de Vagos, perante o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de
Maio de 2005 que lhe remeteu os autos para que procedesse “ao julgamento sobre
os factos que consubstanciem exceptio veritas”, excedeu os limites de
reapreciação da causa que resultavam deste reenvio ou desconheceu a preclusão
decorrente de decisões anteriores, poderá ter violado o caso julgado formado
sobre essa ou essas decisões, mas não contrariou o caso julgado formado sobre o
decidido pelo acórdão n.º 47/2005.
B) Quanto à aplicação de norma já julgada inconstitucional pelo
Tribunal Constitucional
Mantém-se inteiramente o que se disse a este propósito no n.º 5. da
decisão reclamada. O recurso não pode ser admitido ao abrigo da alínea g) porque
o acórdão da Relação não aplicou o n.º 1 do artigo 428.º com o sentido julgado
inconstitucional no acórdão n.º 116/2007. O âmbito limitado da (re)apreciação da
matéria de facto pelo acórdão recorrido não resultou da aplicação da norma do
n.º 1 do artigo 428.º do Código de Processo Penal julgada inconstitucional pelo
acórdão n.º 116/2007, mas do modo como se entendeu que o recorrente (não) deu
cumprimento às exigência dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do memo Código.
Nas referências que neste capítulo faz à aceitação acrítica pela decisão
reclamada das afirmações do acórdão recorrido acerca do modo como a recorrente
satisfez ou deixou de satisfazer as exigências de motivação do recurso em
matéria de facto, a recorrente esquece que o que está em causa na
admissibilidade de um recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do
artigo 70.º é a verificação da identidade entre a norma anteriormente julgada
inconstitucional no acórdão fundamento e a norma aplicada pela decisão
recorrida. E não existe tal identidade
C) Quanto às normas dos artigos 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 180.º, 183.º, n.º
2, e 184.º do Código Penal e 30.º e 31.º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro, em
confronto com as normas dos artigos 37.º, 38.º, 48.º; 51.º, n.º 1 da
Constituição da República Portuguesa.
Sustenta o recorrente que a decisão do relator deve ser revogada
quanto ao não conhecimento da questão de inconstitucionalidade em epígrafe
porque o recurso de inconstitucionalidade não deve ser inviabilizado por
deficiências meramente formais do respectivo requerimento de interposição e
porque deve considerar-se suscitada de modo implícito a respectiva questão de
constitucionalidade normativa.
Embora sem esquecer que incumbe ao recorrente o ónus de definição
rigorosa do objecto do recurso logo no requerimento de interposição, é exacto
que deficiências formais desse requerimento susceptíveis de emenda ou suprimento
não devem conduzir à rejeição sem que ao interessado seja concedida oportunidade
de supri-las. É o que resulta dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC.
Porém, a recusa de conhecimento do recurso não resultou de deficiências
supríveis do requerimento de interposição. Decidiu-se pelo não conhecimento da
questão de inconstitucionalidade quanto a estas normas porque o recorrente não
suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e artigo 72.º, n.º 2, da
LTC), tendo-se limitado a censurar o julgamento do caso concreto.
Com efeito, percorridos os pontos da alegação de recurso para a Relação que o
recorrente aponta como contendo a suscitação da questão de inconstitucionalidade
normativa (págs. 50 a 60 e 63 a 64 e conclusões 20.ª a 22.ª), não se vislumbra
que uma questão dessa natureza esteja aí colocada de modo suficientemente
preciso, de modo a que a Relação devesse saber que tinha uma questão de
constitucionalidade a decidir. O recorrente critica a ponderação que a sentença
faz da tutela da honra em confronto com a liberdade de expressão de pensamento,
a liberdade de imprensa, a liberdade de informar e ser informado e o direito de
crítica política. E é certo que afirma que as referidas normas “na interpretação
que lhes dá a sentença recorrida” são inconstitucionais e requer que tal
inconstitucionalidade seja declarada. Mas nunca enuncia qual é esse sentido que
tem por inconstitucional, mediante uma proposição quer permita destacar o
problema da constitucionalidade da norma (do sentido normativo extraído do bloco
legal identificado) daquele outro da ponderação do caso concreto. Como este
Tribunal tem afirmado repetidas vezes, quando o interessado pretenda ver
apreciada a constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa deve
identificar essa interpretação com um mínimo de precisão, não sendo idóneo, para
esse efeito, o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão
recorrida” ou similares (cfr. a título de exemplo, acórdão n.º 367/94, publicado
no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994).
Por último, é manifestamente contrário ao sistema instituído de
fiscalização de constitucionalidade a pretensão de que o Tribunal deve conhecer
oficiosamente da questão, independentemente dos termos em que ela foi suscitada.
A Constituição [artigo 280.º, n.º 1, alínea a) da CRP] e a Lei [artigo 70.º,
n.º1, alínea b) e artigo 72.º, n.º 2, da LTC] exigem que a questão tenha sido
suscitada previamente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
Lx., 30/7/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão