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Processo n.º 355/09
Plenário
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Objecto
Um Grupo de Deputados à Assembleia da República requereu a apreciação e
declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, 6.º, 7.º, 9.º, n.os 1 e 3, e 10.º, n.º
3, todos do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que estabelece
um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se refere o
Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos
Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril.
O teor das normas questionadas é o seguinte:
Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro
Artigo 3.º
Âmbito da avaliação
1 — Na avaliação a efectuar pelo órgão de direcção executiva, a que se refere o
artigo 18.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, não se aplicam
os indicadores de classificação constantes da alínea c) do n.º 1 daquele artigo,
relativos aos resultados escolares e ao abandono escolar.
2 — A avaliação a cargo dos coordenadores de departamento curricular, a que se
refere o artigo 17.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro,
incluindo a observação de aulas, depende de requerimento dos interessados e
constitui condição necessária para a atribuição das menções de Muito Bom e de
Excelente.
Artigo 6.º
Formação
Para efeitos do disposto no presente decreto regulamentar e independentemente do
ano em que tenham sido realizadas, são contabilizadas todas as acções de
formação contínua acreditadas, desde que não tenham sido tomadas em consideração
em anteriores avaliações.
Artigo 7.º
Observação de aulas
Quando, a pedido dos interessados, haja lugar a avaliação a cargo do coordenador
do departamento curricular, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º, é calendarizada,
pelo avaliador, a observação de duas aulas leccionadas pelo avaliado, podendo
este requerer a observação de uma terceira aula.
Artigo 9.º
Entrevista individual
1 — A realização da entrevista individual, a que se referem a alínea d) do
artigo 15.º e o artigo 23.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de
Janeiro, só tem lugar desde que haja requerimento do avaliado nesse sentido.
2 — A proposta de classificação final é comunicada por escrito ao professor
avaliado.
3 — O requerimento a que se refere o n.º 1 deve ser apresentado no prazo máximo
de cinco dias úteis a contar da comunicação referida no número anterior.
4 — No caso de não ser requerida a entrevista individual ou de o avaliado a esta
não comparecer sem motivo justificado, considera-se a classificação proposta
como tacitamente aceite.
Artigo 10.º
Avaliação dos coordenadores de departamento curricular
e dos avaliadores com competência por eles delegada
1 — Os coordenadores de departamento curricular, bem como os professores
titulares, providos em concurso ou nomeados em comissão de serviço, em quem
aqueles tenham delegado competências de avaliação, são exclusivamente sujeitos à
avaliação a cargo da direcção executiva, nos termos do artigo 18.º do Decreto
Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, com excepção da alínea c) do n.º 1
daquele artigo, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 — Os coordenadores de departamento curricular e os avaliadores com competência
por eles delegada, a que se refere o número anterior, são avaliados nos termos
do disposto no artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 11/2008, de 23 de Maio,
com as necessárias adaptações decorrentes do presente decreto regulamentar.
2. Fundamentação do pedido
O requerente fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, das normas acima mencionadas, nos seguintes termos,
que aqui integralmente se transcrevem:
'1. O Decreto Regulamentar n.º 1- A/2009, de 5 de Janeiro, tem por objectivo, de
acordo com o seu artigo 1.º, definir o regime transitório de avaliação de
desempenho do pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e
secundário, sem prejuízo da aplicação do disposto nos Decretos Regulamentares
n.os 2/2008, de 10 de Janeiro, e 11/2008, de 23 de Maio, naquilo em que não o
contrariem.
2. A regulamentação contida no Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009 é feita ao
abrigo dos n.os 4 e 5 do artigo 40.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de
Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente).
3. É uma constatação legítima a verificação de que os n.os 1 e 2 do artigo 3.º,
o artigo 6.º, o artigo 7. º, os n.º s 1 e 3 do artigo 9.º e o n.º 2 do artigo
10.º, todos do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que
«Estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se
refere o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos
Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de
Abril», contrariam disposições legais contidas no Estatuto da Carreira dos
Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, e que tal facto
consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação do artigo 112.º da
Constituição da República Portuguesa, por violação do principio da legalidade.
Das Inconstitucionalidades:
A) N.º 1 do artigo 3.º
Este normativo do Decreto Regulamentar n.º 1- A/2009, de 5 de Janeiro, vem
dispensar a avaliação a que se refere o artigo 18.º do Decreto Regulamentar n.º
2/2008, de 10 de Janeiro, que «regulamenta o sistema de avaliação de desempenho
do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário»,
efectuada pelo órgão de direcção executiva, e cujos indicadores de classificação
ponderam [alínea c)] “o progresso dos resultados escolares esperados para os
alunos e redução das taxas de abandono escolar, tendo em conta o contexto
sócio-educativo — aprecia os dados apresentados pelo docente na ficha de
auto-avaliação os quais são objecto de avaliação pelos avaliadores.”
Por sua vez o n.º 2, deste mesmo artigo 3.º, vem condicionar, ao pedido do
interessado, a observação de aulas a que se refere o artigo 17.º do mesmo
Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, no âmbito da avaliação a
cargo dos coordenadores de departamento.
Ora, a aplicação do n.º 1 deste artigo 3.º vem contrariar o disposto na alínea
d), do n.º 1, e na alínea c), do n.º 2, do artigo 45.º do Estatuto da Carreira
Docente.
Com efeito, de acordo com as normas do Estatuto da Carreira Docente, na
avaliação efectuada pelo coordenador do departamento curricular ou do conselho
de docentes, é ponderado o envolvimento e a qualidade científico-pedagógica do
docente, designadamente com base na apreciação do “processo de avaliação das
aprendizagens dos alunos” (alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do Estatuto).
Por outro lado, a alínea c) do n.º 2 do artigo 45º do Estatuto, determina que na
avaliação efectuada pelo órgão de direcção executiva são ponderados, em função
de elementos disponíveis, entre outros indicadores de classificação, o
“progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e taxas de abandono
escolar tendo em atenção o contexto sócio — educativo”.
Assim sendo, o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de
Janeiro, ao determinar a não aplicação dos indicadores de classificação
constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto Regulamentar n.
2/2008, de 10 de Janeiro, no que se refere ao resultado escolar dos alunos e
abandono escolar, contraria expressamente os citados preceitos legais do
Estatuto da Carreira Docente, que exigem a sua ponderação obrigatória na
avaliação do pessoal docente.
B) N.º 2 do artigo 3.º
O n.º 2 do artigo 3.º ao estabelecer que a avaliação a cargo dos coordenadores
de departamento curricular, a que se refere o artigo l7.º do Decreto
Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, fica condicionada, viola directamente
o estipulado pela alínea c) do n.º 3 e pelo n. 4 do [artigo 45.º do] Estatuto da
Carreira Docente.
Com efeito, estes normativos determinam que, com vista à classificação dos
parâmetros definidos para a avaliação de desempenho, deve atender-se, entre
outros elementos, à observação de aulas, devendo o órgão de direcção executiva
calendarizar para o efeito, a observação pelo avaliador de “pelo menos, três
aulas leccionadas pelo docente por ano escolar”.
Decorre, portanto, do Estatuto da Carreira Docente que este elemento avaliativo
é obrigatório para todos os docentes sem excepção, não dependendo de
requerimento do avaliado, e, ainda, é exigível que, independentemente da menção
qualitativa a aplicar, a observação não seja inferior a três aulas.
Assim, ao estipular que a observação de aulas fica dependente do requerimento do
docente avaliado só sendo obrigatória para efeitos de atribuição das menções de
“Muito Bom” e de “Excelente”, o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto
Regulamentar n.º 1 - A/2009, de 5 de Janeiro, também diverge do disposto na
alínea c) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 45.º do Estatuto.
C) Artigo 6.º
O n.º 5 do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente, relativamente aos itens
de classificação, determina que para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 2
do mesmo artigo (na avaliação efectuada pelo órgão de direcção executiva são
ponderados, entre outros indicadores de classificação, as “acções de formação
contínua concluídas”) limita as acções de formação que incidam sobre conteúdos
de natureza científico-didáctica com ligação à matéria curricular leccionada e
às relacionadas com necessidades da escola definidas no respectivo projecto
educativo ou plano de actividades.
Este artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1 - A/2009, de 5 de Janeiro, apenas
não inclui as acções de formação que já tenham sido tomadas em consideração em
anteriores avaliações.
Diverge-se, assim, do expressamente disposto pelo n.º 5 do artigo 45.º do
Estatuto da Carreira Docente, ao estipular que, em matéria de formação, se
consideram, para efeitos de avaliação, todas as acções de formação contínua
acreditadas, independentemente do ano em que tenham sido realizadas, apenas
excepcionando as que tenham sido consideradas em avaliações anteriores.
D) Artigo 7.º
Ao dispor que, na situação prevista no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto
Regulamentar n.º 1 - A/2009, de 5 de Janeiro é apenas calendarizada pelo
avaliador a observação de duas aulas leccionadas pelo avaliado, ficando
dependente de requerimento deste a observação de uma terceira, este artigo 7.º
do Decreto Regulamentar viola também o n.º 4 do artigo 45.º do Estatuto da
Carreira Docente, que expressamente determina a obrigatoriedade de observação
de, pelo menos, três aulas leccionadas pelo docente.
Pelo exposto, também esta norma viola o princípio da legalidade consagrado no
artigo 112.º da Constituição, ao violar de forma inequívoca o n.º 4 do artigo
45.º do Estatuto da Carreira Docente.
E) N.os 1 e 3 do artigo 9.º
Os n.º s 1 e 3 do artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 1/2009, de 5 de
Janeiro, contrariam o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto
da Carreira Docente.
De facto, ao determinar que a realização da entrevista individual a que se
referem a alínea d) do artigo 15.º e o artigo 23.º do Decreto Regulamentar n.º
2/2008, de 10 de Janeiro, só tem lugar desde que haja um requerimento do
avaliado nesse sentido, está, dessa forma, a atribuir um carácter facultativo à
entrevista pessoal.
Ora, na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto da Carreira Docente,
desenvolvida nessa matéria pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de
Janeiro, explicita-se claramente que o processo de avaliação do desempenho
compreende várias fases entre as quais está a “entrevista dos avaliadores com o
avaliado para conhecimento da proposta de avaliação e apreciação do processo, em
particular da ficha de auto-avaliação”. Atribui-se, desta forma, à referida
entrevista individual, entre avaliador e avaliado, um carácter obrigatório,
enquanto fase do processo de avaliação do desempenho.
Nessa medida, constata-se uma violação clara da norma constante do Estatuto da
Carreira Docente.
F) N.º 2 do artigo 10.º
No âmbito da avaliação dos coordenadores de departamento curricular e dos
avaliadores com competência por eles delegada, também esta norma diverge do
estipulado pelo n.º 2 do artigo 43.º do Estatuto da Carreira Docente, no que
respeita à avaliação dos docentes titulares que exerçam competências de
coordenadores de departamento curricular.
Com efeito, enquanto no primeiro diploma tal competência é atribuída a um
inspector da área departamental do avaliado, o Estatuto da Carreira Docente
atribui tal competência exclusivamente ao conselho executivo ou director, nos
termos do artigo 29º do Decreto Regulamentar n.º 11/2008 de 10 de Janeiro'.
Termina o requerente concluindo:
'Por tais razões, parece evidente que as inovações e interpretações legislativas
introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, se
afiguram inconstitucionais por violação do artigo 112.º da Constituição da
República Portuguesa.
Sendo o regime de avaliação de desempenho dos docentes uma matéria de reserva de
lei, como expressamente consta do Estatuto da Carreira Docente, em todas as
normas em que um decreto regulamentar disponha, interprete ou permita
interpretar, altere, integre, de forma diversa alguma das suas normas ou
introduza inovações relativamente àquele, ou revogue alguma das suas
disposições, por violação do Estatuto da Carreira Docente, essas normas são
manifestamente ilegais.
A esta disposição constitucional está subjacente o princípio da hierarquia das
normas que não permite que um diploma de “valor inferior” promova modificações,
sob qualquer forma, em normas contidas num outro diploma de “valor superior”, ou
seja, as normas estatuídas pelo Estatuto da Carreira Docente só podem ser
alteradas ou contrariadas por normas constantes de um diploma legislativo de
igual valor.
Desta forma, na aplicação dos preceitos legais supra identificados do Decreto
Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, é violado o princípio da legalidade,
imposição constitucional estatuída pelo n.º 1 e pelo n.º 5 do artigo 112.º da
Constituição da República Portuguesa'.
3. Resposta do órgão autor da norma
Notificado para responder, o Primeiro-Ministro veio, em síntese, alegar o
seguinte:
O Tribunal Constitucional não é competente para conhecer do pedido apresentado.
No processo sub judice é pedido a esse douto Tribunal que aprecie e declare, com
força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas contidas no artigo
3.º, nos 1 e 2, no artigo 6°, no artigo 7°, no artigo 9°, nos 1 e 3, e no artigo
10.º, n° 2, do Decreto Regulamentar n° 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que estabelece
um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal docente de educação
pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
Este pedido é formulado ao abrigo do disposto no artigo 281°, n.º 2, alínea f),
da Constituição da República Portuguesa (CRP), e tem como fundamento a “violação
do princípio da legalidade, consagrado no n°1 e no n°5 do artigo 112° da CRP.”
Verifica-se, contudo, que não é isso que está em causa no processo em apreço.
O que está em causa é o facto de, alegadamente, os artigos acima referidos do
Decreto Regulamentar n° 1-A/2009 violarem o Estatuto da Carreira dos Educadores
de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo
Decreto-Lei n° 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção dada pela Lei n° 15/2007,
de 19 de Janeiro (adiante designado ‘“Estatuto”).
Efectivamente, os fundamentos invocados prendem-se todos eles com a violação de
várias disposições dos artigos 43.º, 44.º e 45.º do Estatuto.
Sendo assim, o que está em causa é a ilegalidade de uma norma administrativa − o
decreto regulamentar − por violação de uma norma legal − o Estatuto.
Ora, esta ilegalidade não pode ser objecto de análise pelo Tribunal
Constitucional, uma vez que a competência deste Tribunal para apreciar e
declarar ilegalidades limita-se aos casos das alíneas b) a d) do n° 1 do artigo
281°, da CRP.
Este tem sido, aliás, o entendimento adoptado unanimemente pelo Tribunal
Constitucional em sucessivas decisões (cfr. os Acórdãos n° 113/88, de 1 de
Junho, n° 145/88, de 29 de Junho, n° 169/88, de 13 de Julho, n° 577/96, de 16 de
Abril, e n° 375/01, de 18 de Setembro).
Não se discute que existem, efectivamente, discrepâncias entre os preceitos do
Decreto Regulamentar e as disposições do Estatuto.
Mas estas diferenças resultam única e exclusivamente do facto de o Decreto
Regulamentar em apreço definir um regime transitório, cujos efeitos terminam no
final do 1° ciclo de avaliação, ou seja, no fim do ano civil de 2009 − como é,
aliás, referido no artigo 14° daquele diploma.
Não se trata, assim, de alterar o modelo de avaliação definido no Estatuto, mas
sim de introduzir algumas correcções pontuais que visam aperfeiçoar e
simplificar o processo de avaliação no 1° ciclo de avaliação, tendo em conta as
dificuldades suscitadas nesta fase inicial de implementação do modelo.
A natureza transitória do Decreto Regulamentar confere-lhe uma especificidade
que não pode deixar de ser tida em consideração.
Efectivamente, o diploma que regulamenta em geral o Estatuto é o Decreto
Regulamentar n° 2/2008, de 10 de Janeiro, sendo que o Decreto Regulamentar sub
judice apenas vem alterar o regime transitório, que já constava, por sua vez, de
um outro diploma especial − o Decreto Regulamentar n° 11/2008, de 23 de Maio.
Aliás, também este último diploma continha normas diferentes das que resultam do
Estatuto e do Decreto Regulamentar n° 2/2008 — veja-se, por exemplo, os artigos
5°, 6° e 7° − e que se justificam exactamente pelo facto de se tratar de um
regime transitório, sendo que não é do nosso conhecimento que a validade do
Decreto Regulamentar n° 11/2008 tenha alguma vez sido posta em causa.
Ora, também no caso do Decreto Regulamentar n° 1-A/2009 é a natureza meramente
transitória do regime por si estabelecido que justifica a especificidade das
soluções e, por isso mesmo, admite alguns afastamentos relativamente ao regime
geral, sem que isso acarrete a ilegalidade das normas daquele diploma.
Termina, pois, o Primeiro-Ministro requerendo que: o pedido seja rejeitado por
falta de competência do Tribunal Constitucional para conhecer do mesmo; ou, se
assim não se entender, que o Tribunal Constitucional não declare a
inconstitucionalidade, nem a ilegalidade das normas contidas nos artigos 3.º,
nos 1 e 2, 6°, 7.º, 9.º, nos 1 e 3, e 10°, n.º 2, do Decreto Regulamentar n°
1-A/2009, de 5 de Janeiro.
4. O memorando
Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 63º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação
do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.
II. Fundamentação
5. O Tribunal está colocado perante a questão da possível violação
dos artigos 43.º a 45.º do Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei n.º
139-A/90, de 28 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
15/2007, de 19 de Janeiro), por parte de diversos preceitos do Decreto
Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro.
O requerente alega que o facto de na avaliação a efectuar pela
direcção executiva não se aplicarem os indicadores de classificação relativos
aos resultados escolares e ao abandono escolar (art. 3.º, n.º 1, DR n.º
1-A/2009) contraria o artigo 45.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto da Carreira
Docente, e que, pelo contrário, o facto de se ponderarem acções de formação que
não incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica com ligação à
matéria curricular leccionada ou que não estejam relacionadas com necessidades
da escola definidas no respectivo projecto educativo ou plano de actividades
(art. 6.º, DR n.º 1-A/2009) contraria o disposto no artigo 45.º, n.º 5, do mesmo
Estatuto.
Considera, também, que viola o disposto no artigo 45.º, n.º 1,
alíneas d) e e), e no n.º 4, desse mesmo preceito do Estatuto da Carreira
Docente o facto de a avaliação, através da observação de aulas, depender de
requerimento do interessado (artigo 3.º, n.º 2, DR n.º 1-A/2009) e o facto da
observação de uma terceira aula e da entrevista pessoal estarem igualmente
dependentes de requerimento do interessado (artigos 7.º e 9.º DR n.º 1-A/2009).
Finalmente, considera o requerente que a atribuição da competência
para avaliar, prevista no artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, aos
coordenadores de departamento curricular e aos professores titulares em quem
estes tenham delegado competências de avaliação, viola o preceituado no artigo
43.º, n.º 2, do já referido Estatuto da Carreira Docente.
O requerente invoca a violação do princípio da legalidade, tal como,
segundo alega, apareceria consagrado no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da
República Portuguesa.
Cumpre, no entanto, começar por dizer que os vícios que o requerente
imputa ao DR n.º 1-A/2009 não se reconduzem ao preceito invocado.
O sentido do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição é o de garantir a
tipicidade dos actos legislativos, tendo as seguintes implicações: 'só a
Constituição, e não a lei, podem criar categorias de actos legislativos ou actos
com força e valor idênticos a actos legislativos' e, consequentemente, 'o acto
legislativo não pode assumir contornos de fonte de habilitação de modo a
consentir a intervenção de actos regulamentares que lhe determinem o conteúdo
através de interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação'
(veja-se Alexandre Sousa Pinheiro/Pedro Lomba, in Comentário à Constituição
Portuguesa, coord. Paulo Otero, Vol. III: Princípios Gerais da Organização do
Poder Político, Coimbra 2008, p. 209). Nesta hipótese, sim, poderia
questionar-se se haveria inconstitucionalidade do acto legislativo.
Mas não é disso que aqui se trata.
O requerente não alega (nem tal efectivamente ocorreu) que algum
acto legislativo (como seja o Estatuto da Carreira Docente agora em causa) tenha
habilitado um regulamento a alterar o seu conteúdo. Alega, pura e simplesmente,
que um determinado decreto regulamentar contraria uma série de normas da lei, e
que há portanto − nas suas palavras − uma violação do 'princípio da legalidade'.
É claro que se poderá, com razão, dizer que é possível retirar da
Constituição um princípio de legalidade administrativa, que imporá a
subordinação dos regulamentos administrativos à lei (artigos 112.º, n.º 7, e
199.º, alínea c)).
Todavia, o controlo jurisdicional do efectivo respeito por um tal
princípio não se situa no âmbito da esfera de actuação do Tribunal
Constitucional.
Com efeito, a nossa Constituição é muito clara ao distinguir, a
respeito da competência do Tribunal Constitucional, entre inconstitucionalidade
e ilegalidade. O Tribunal aprecia e declara, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade de quaisquer normas (artigo 281.º, n.º 1, alínea a)), mas
só terá competência para declarar a ilegalidade de uma norma nos casos em que
tal ilegalidade resulta da violação de uma lei de valor reforçado (artigo 281.º,
n.º 1, alínea b) e, ainda, alíneas c) a d)).
O Estatuto da Carreira Docente que agora está em causa não é,
todavia, uma lei de valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição).
Desta forma, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar uma eventual
desconformidade entre o referido Estatuto da Carreira Docente e o Decreto
Regulamentar que pretende definir os termos da sua aplicação transitória.
E não é suficiente a invocação de uma disposição como o artigo
112.º, n.º 5 ou 7, para transformar essa questão de legalidade numa questão de
constitucionalidade.
Quando a Constituição prescreve a subordinação de uma norma
infraconstitucional a outra norma infraconstitucional, por exemplo, a
subordinação dos regulamentos às leis (segundo os artigos 112.º, n.º 7, e 199.º,
alínea c)), a eventual ocorrência de uma contradição normativa, como confirma
Jorge Miranda, 'é um problema de ilegalidade (ou de ilegalidade sui generis) e
não de inconstitucionalidade'. De facto, 'o que está em causa, em qualquer das
hipóteses, é, primariamente, a contradição entre duas normas não
constitucionais, não é a contradição entre uma norma ordinária e uma norma
constitucional […]' (Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 3ª ed., p. 27).
O requerente coloca ao Tribunal tão-só a questão da desconformidade
entre um acto regulamentar e um acto legislativo. Não se trata, portanto, de uma
questão de constitucionalidade.
Tem sido esta a conclusão a que reiteradamente tem chegado a
jurisprudência deste Tribunal: a eventual contradição entre um regulamento e uma
lei é um problema de mera ilegalidade (ilegalidade simples) e não de
inconstitucionalidade. Não cabe, pois, no âmbito da sua competência.
Disse, a este propósito, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º
113/88, cujos termos foram posteriormente repetidos e transcritos nos acórdãos
145/88 e 375/01:
“O desrespeito das normas constitucionais de hierarquia ou de
preferência normativa não é, em princípio, uma inconstitucionalidade, nem sequer
para efeitos do sistema de jurisdição constitucional. Quando teve de qualificar
tais situações, a CRP adoptou claramente a qualificação de ilegalidade, mesmo
nos casos especiais em que atribuiu ao TC competência para conhecer delas.
Os artigos 280º e 281º da CRP, ao distinguirem nitidamente entre as
figuras da inconstitucionalidade e da ilegalidade, não deixam dúvidas sobre o
conteúdo e alcance da distinção: em princípio, só existe inconstitucionalidade
quando, num conflito de duas normas de hierarquia diferente, uma das normas em
confronto directo seja uma norma constitucional; quando, ao invés, o conflito de
normas ponha em confronto duas normas infraconstitucionais, então não há
inconstitucionalidade.
É certo que a CRP não atribui ao TC apenas a resolução de conflitos
entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais mas identificou
explicitamente os tipos de outros conflitos para cujo conhecimento deu
competência ao TC, não havendo nenhuma razão para equiparar aos especiais casos
de ilegalidade expressamente previstos na Constituição os casos comuns de
ilegalidade dos regulamentos (situação que, além do mais, transformaria o TC em
tribunal comum de última instância em matéria de contencioso da legalidade dos
regulamentos, o que, além das indesejáveis consequências práticas, não seria uma
solução congruente com o sistema constitucional de jurisdição constitucional e o
sistema de fiscalização de legalidade administrativa).”
Em suma, não compete ao Tribunal Constitucional conhecer de
eventuais vícios de desconformidade entre regulamentos e actos legislativos, que
são vício de ilegalidade. O Tribunal não tem, portanto, à luz da Constituição,
competência para conhecer do pedido apresentado.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional não toma conhecimento do
pedido.
Lisboa, 30 de Julho de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Pamplona de Oliveira
Mário José de Araújo Torres
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos