Imprimir acórdão
Processo n.º 45/2009
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de
Coimbra recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo
70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 8 de Dezembro de
2008, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo
189.º, n.º 2, alínea b) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (CIRE), cuja aplicação foi
recusada, por violação do artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa no segmento em que consagra o direito à capacidade civil.
Pode, entre o mais, ler-se no acórdão recorrido:
[…]
A qualificação da insolvência como culposa implica irremissivelmente duas
consequências principais para o sujeito que deve ser afectado por essa
qualificação: uma inabilitação temporária; uma inibição temporária para o
exercício do comércio e de certos cargos (art° 189 n° 2 b) e c) do CIRE).
Na verdade, o CIRE criou uma nova causa de inabilitação, que se soma às
previstas na lei geral (art° 152 do Código Civil).
Trata‑se, além disso, de uma causa absoluta ou peremptória de inabilitação, dado
que constitui consequência irrecusável da qualificação como culposa da
insolvência. A lei parece presumir, de forma inilidível, que o carácter culposo
da insolvência revela uma incapacidade, do devedor ou do administrador do
devedor, de reger convenientemente o património. A verdade, porém, é que esta
inabilitação não se funda numa diminuição da capacidade natural do atingido por
ela e, portanto, não é funcionalmente disposta para a sua a tutela, tendo antes
por fundamento final a punição do dolo ou da culpa grave daquele sujeito, e,
portanto, um carácter puramente sancionatório.
3.3. Inconstitucionalidade material do art° 189 n° 2 b) e c) do CIRE.
Já se examinou o problema da compatibilidade da norma contida no art° 186 n° 3
do CIRE com as normas e valores constitucionais. Resta, portanto, proceder a
esse exame no tocante às outras normas que o recorrente reputa de
constitucionalmente impróprias.
Recortado, pela forma indicada, o fundamento e a finalidade conspícuas da
inabilitação é bem de ver que a norma na qual surge disposta conflitua com o
direito fundamental à capacidade civil constitucionalmente consagrado (art° 26
n° 4 da Constituição da República Portuguesa). Decerto que a garantia do direito
à capacidade civil – entendida como o direito a ser pessoa jurídica e, portanto,
sujeito de relações jurídicas – não é ilimitada, visto que a Constituição,
embora proíba a sua exclusão total, admite, ela mesma, que lhe sejam apostas
restrições, ainda que só por via da lei. Mas é claro que, no exercício da sua
liberdade de conformação, o legislador permanece vinculado à observância de
outros princípios constitucionais pertinentes, como, por exemplo, o da dignidade
humana, da proibição do excesso ou da proporcionalidade (art°s 67 do Código
Civil e e 18 n°s 2 e 3 da CRP).
Em todo o caso, uma dimensão ineliminável do direito fundamental à capacidade
civil é, com certeza, a da proibição da sua restrição com um carácter ou com uma
finalidade estritamente sancionatória: a restrição da capacidade não pode servir
de pena ou de efeito de pena.
Nestas condições, é inteiramente transponível para o caso do recurso o juízo de
impropriedade constitucional do art° 189 n° 2 b) do CIRE encontrado pela
jurisprudência constitucional, que se contém no Acórdão n° 564/2007.
Sendo essa norma constitucionalmente imprópria outra coisa não resta que recusar
o sua aplicação (art°s 204 e 277 da CRP). Neste ponto a decisão impugnada – que
declaradamente aderiu à doutrina que, naquele acórdão, não obteve vencimento –
deve, naturalmente ser revogada.
[…]
Admitido o recurso, foi determinada a apresentação de alegações que o
representante do Ministério Público em funções neste Tribunal concluiu do
seguinte modo:
1°
É materialmente inconstitucional a norma constante do artigo 189°, n° 2, alínea
b) do CIRE, enquanto permite a aplicação de inabilitação ao gerente ou
administrador da sociedade insolvente, por violação do artigo 26°, n° 1, da
Constituição da República Portuguesa, no segmento em que consagra o direito à
capacidade civil.
2°
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida.
O recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentos
2. A norma que é objecto do presente recurso foi, recentemente, apreciada pelo
Plenário do Tribunal Constitucional.
Com efeito, no Acórdão n.º 173/2009 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) este Tribunal declarou com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto Lei nº 53/2004,
de 18 de Março, por violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que
qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador
da sociedade comercial declarada insolvente.
Aplicando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral,
nega‑se, no presente caso, provimento ao recurso.
III Decisão
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Maio de 2009
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão