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Processo n.º 190/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.a Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo Juiz
Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de
constitucionalidade interposto do Acórdão de 4 de Dezembro de 2008, proferido
nesse Tribunal.
2 – Com interesse para a decisão, colhe-se dos autos:
2.1 – Inconformado com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de
12 de Março de 2008, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão
prolatada no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, que condenara o arguido na
pena de 8 (oito) anos de prisão, o ora reclamante interpôs recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, sintetizando as conclusões impugnatórias nos
seguintes termos:
“1.º - É de admitir o presente recurso, nos termos do artigo 400.°, n.º 1,
alínea f) do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto.
2.º - O recurso interposto é de proceder quanto ao erro notório na apreciação da
prova, que resulta do texto da decisão recorrida, por si só.
3.º - Com efeito, ao olvidar da existência de mais dois arguidos na audiência de
julgamento, ou, pelo menos, ao não atender a essa circunstância na valoração das
declarações do co-arguido Duarte Sérgio, ficou artificialmente afastada a dúvida
que, na realidade permanece quanto à identidade do indivíduo que cometeu os
factos dados como provados nas alíneas 1 a 21, 25, 27, 28, 30, 31, 33 a 36 a 38
da fundamentação do acórdão proferido em 1ª instância.
4.º - A condenação do recorrente apesar da dúvida de inegável existência, por se
tratar de uma inevitabilidade face à inexistência de real e directa
individualização da pessoa a quem se imputam os factos, quanto ao indivíduo
(pelo menos de entre os três arguidos) que terá levado a cabo tais factos é
grosseiramente violadora do princípio constitucionalmente protegido in dubio pro
reo.
5.º - Deste modo, é de decidir no sentido de se ter verificado a violação do
princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.°, n.º 2, da CRP, por não
ser concebível, face à prova produzida, a saída do julgador do estado de dúvida
insanável e que, face a este, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
6.° - Pois a saída dessa dúvida só se concebe, no caso presente, pela errada
configuração da inexistência de outros co-arguidos “ali presente(s), ao seu
lado, a ver e a ouvir, o que se passava e dizia” - o plural em presente foi
acrescentado por nós.
7.º - Resulta do texto da decisão recorrida, por si só, a existência de erro
notório na apreciação da prova, que, como tal, deve ser conhecida no presente
recurso, conforme previsto pelo artigo 410.°, n.º 2, do CPP.
8.° - Sendo que a correcção desse erro notório na apreciação da prova implica a
absolvição do recorrente dos crimes de roubo, roubo qualificado e dano com
violência por que foi condenado em 1a instância.
Ou, caso assim se não entenda,
9° - É injusta a condenação e consequente pena aplicada ao Arguido Recorrente.
10.º - A medida da pena aplicada entende-se ter sido desproporcional e
inadequada aos factos provados em audiência de julgamento, não tendo sido
devidamente ponderadas para o caso em concreto a culpa do agente, a ilicitude
dos factos e da sua actuação e as exigências de prevenção geral e especial e as
condições pessoais do Arguido, havendo assim uma clara violação do disposto nos
arts. 70° e 71° do Código Penal.
11.º - Os elementos de que o Tribunal se socorreu para criar a sua convicção,
entre eles e com muita relevância, a escuta telefónica entre alegadamente a
namorada do aqui Recorrente e do outro co-Arguido, são de teor difuso e pouco
esclarecedor e não deviam permitir ao Tribunal extrair as conclusões que tirou
tanto ao nível do enquadramento jurídico, como ao nível da pena aplicada.
12° - Não pode pois, com a devida vénia, condenar-se o aqui Arguido a uma pena
de oito anos de prisão efectiva, com base em todas estas dúvidas, todas estas
incertezas, todas estas contradições.
13° - É a vida de um jovem que se encontra perfeitamente integrado na sociedade,
que se encontra a trabalhar, que se encontra a viver maritalmente, mas numa
relação estável com a sua namorada, prestes a ser pai, e de que desde os factos
que lhe são imputáveis, não lhe são conhecidos quaisquer reparos quer a nível de
ilícito criminal, quer seja de mera ordenação social.
14° - Na verdade, no douto Acórdão recorrido foram violados os direitos do
Recorrente, nomeadamente ao nível da não aplicação especial de pena (artigos 72°
e 73° do Código Penal)”.
2.2 – Analisando as questões equacionadas pelo recorrente, o Supremo
Tribunal de Justiça, julgou improcedente o recurso, salvo quanto à medida da
pena que fixou em 7 (sete) anos de prisão.
2.3 – Na sequência, o arguido interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas a) e c), da LTC, fazendo constar do
respectivo requerimento as seguintes indicações:
“(...)
O presente recurso no âmbito do artigo 71° da Lei que definiu a Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, é apresentado por quem tem
legitimidade para recorrer (nº 2 do artigo 72° do citado diploma legal).
Porque é admissível e está em tempo (cf. artigo 75º do mesmo diploma),
Requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso, ao abrigo das alíneas a)
e c) do artigo 70º do supracitado diploma legal.
Pretende-se assim, que esse Tribunal Superior, aprecie a inconstitucionalidade e
a ilegalidade das seguintes normas:
1. O Recorrente ao ser condenado, sem que se tenha obtido qualquer certeza
quanto à responsabilidade do mesmo nos factos criminosos porque é condenado,
viola-se de forma grosseira o princípio da presunção de inocência (artigo 32° N°
2 da C.R.P.), bem como o princípio “in dubio pro reo”.
2. O Recorrente foi condenado, tendo o Tribunal recusado a aplicação ao mesmo do
regime especial previsto no Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro, pois à data
dos factos, o aqui Recorrente não tinha ainda atingido os 21 anos.
3- Pelo que o Tribunal recorrido, fez tábua rasa, das normas constantes nos
artigos 70° e seguintes do Código Penal, bem como das disposições previstas nos
artigos 1º e 3º do atrás citado diploma legal (Regime Especial para Jovens
Delinquentes), arguindo-se pois aqui a ilegalidade de tal medida aplicada pelo
Tribunal.
4- Por fim, o Acórdão que condenou o aqui Recorrente é revelador de falta de
imparcialidade, pois para a mesma factualidade, utiliza, medidas diferentes para
o arguido Duarte Teixeira e para o aqui Recorrente, ou seja,
5- Violou assim, o Acórdão, o artigo 12° e artigo 13° da Constituição da
República Portuguesa, ao negar (N° 1 do artigo 12° da CRP) que ao cidadão aqui
Recorrente o usufruir dos direitos que estão consignados na Constituição, por
não aplicação (N° 1 do artigo 13° da CRP) do principio da igualdade, o que desde
já se requer tal apreciação de inconstitucionalidade”.
2.4 – Por despacho de 28 de Janeiro de 2009, o Juiz Conselheiro relator
considerou o recurso inadmissível, não o tendo admitido.
Essa decisão encontra-se fundamentada do seguinte modo:
“Não admito o recurso interposto, porquanto o recorrente, para além de não ter
indicado a peça em que suscitou o problema de inconstitucionalidade, pretende
apenas pôr em causa a decisão recorrida, como se se tratasse de um recurso
ordinário. Ou seja, o recorrente visa que o Tribunal Constitucional sindique a
decisão recorrida por, pretensamente, ter violado o princípio in dubio pro reo e
por não ter aplicado o regime penal especial para jovens, sendo certo que essas
questões foram tratadas por este Tribunal, em termos de não dar provimento ao
recurso interposto.
Ora, o recorrente não identifica qualquer interpretação ou dimensão normativa
que tenha violado um princípio ou norma constitucional, limitando-se a alegar
que foi condenado «sem que se tenha obtido qualquer certeza quanto à
responsabilidade do mesmo nos factos criminosos», o que, no seu entender, só por
si, postergaria o principio da presunção de inocência, contido no art. 32.°, n.º
2 da Constituição. Não diz, porém, qual foi a interpretação feita por este
Tribunal de uma dada norma do Código de Processo Penal ou de qualquer outro
ordenamento jurídico que acarretasse violação do citado princípio.
Por outro lado, quanto ao regime penal especial para jovens, limita-se a dizer
que o tribunal «fez tábua rasa das normas constantes dos arts. 70.° e ss. do
Código Penal, bem como das disposições previstas nos arts. 1.º e 3.º (...) do
Regime Especial para Jovens Delinquentes».
Assim, mesmo que tivesse suscitado durante o processo qualquer
inconstitucionalidade, não o fez por forma adequada”.
2.5 – Discordando desse despacho, o arguido reclamou nos termos supra
descritos, deixando consignada a argumentação que se transcreve:
“(...)
1°
Em 04/12/2008, foi proferido ACÓRDÃO pela 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal
de Justiça no âmbito de recurso interposto pelo aqui Reclamante.
2°
Não se conformando com o teor do douto ACÓRDÃO, dele o aqui Reclamante, interpôs
recurso para esse Tribunal Superior.
3°
De acordo com a lei orgânica e processual, o requerimento de interposição de
recurso, foi entregue no Supremo Tribunal de Justiça.
4°
Por despacho de 28/01/2009, ou seja, de fls. 1494, o Exmo. Sr. Conselheiro
Relator, não admitiu o recurso interposto.
5°
E, quanto a nós, mesmo com a devida vénia, fê-lo incorrectamente.
6°
De facto, argumenta aquele Ilustre Conselheiro, que o aqui Reclamante no indicou
a peça processual em que foi suscitado o problema da inconstitucionalidade.
7°
No entanto, na sequência do douto despacho do mesmo Sr. Conselheiro - Relator de
08/01/2009, a fls. 1480, o aqui Reclamante, veio cumprir tal despacho.
8°
R tanto assim foi, que por requerimento entregue em 29/01/2009, o aqui
Reclamante veio indicar as peças processuais em que suscita as questões da
inconstitucionalidade.
9°
E elas foram:
a) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente já arguida nas suas
Conclusões, pontos 11. a 14; e
b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente os pontos indicados sob
o nº 4 e 5 do requerimento de interposição do presente recurso.
10º
Na verdade no seu requerimento de interposição de recurso para esse Tribunal
Superior, o aqui Reclamante, suscitou a questão da inconstitucionalidade do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ao não considerar, que se mostrou violado
o principio “in dúbio pró reo”.
11º
E tal argumento encontra-se espelhado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, a fls. 14 da referida peça processual.
12°
Aliás, já nas alegações de Recurso entregues no Venerando Tribunal da Relação do
Porto, o aqui Reclamante argúi a inconstitucionalidade do Acórdão da 1a
instância ao violar a norma prevista no nº 2 do artigo 32° da C.R.P..
13°
Por outro lado, o Tribunal recorrido, violou o princípio constitucional da
igualdade de todos os cidadãos perante a Lei.
14°
Ou sei a, todos devem ter os mesmos direitos e serem tratados de igual forma
perante a lei.
15°
E o aqui Reclamante não o foi.
16°
Porque motivo é que o Tribunal recorrido, fez completa tábua rasa, das normas
constitucionais do artigo 70º e seguintes do Código Penal?
17°
Porque motivo é que o Tribunal recorrido, não aplicou, conforme devia, as
disposições previstas no nº 1 e 3 do diploma que regula o Regime Especial para
Jovens Delinquentes, conforme prevê o nº 1 art. 12 da C.R.P..
18°
O aqui Reclamante argúi ainda no seu recurso a violação de normas
constitucionais, nomeadamente o artigo 12° e 13º do CRP.
19°
Pelo que não se aceita, com a devida vénia, que o Exmo. Sr. Conselheiro —
Relator tenha recusado a admissão do recurso interposto.
20°
O aqui Reclamante, indicou pois, quais as peças processuais, em que suscitou as
questões de inconstitucionalidade.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá
a presente RECLAMAÇÃO proceder, e o recurso interposto ser admitido e
conhecido”.
2.6 – Já neste Tribunal, o representante do Ministério Público, pugnou
pelo indeferimento da reclamação com base nas seguintes razões:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério, apenas
revelando que o recorrente não tem na devida conta, nem a tipologia dos recursos
de fiscalização concreta, previstos no nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, nem a
natureza normativa do controlo da constitucionalidade cometido a este Tribunal
Constitucional.
Assim – e como é evidente – o STJ não recusou com fundamento em
inconstitucionalidade ou ilegalidade qualificada, a aplicação de qualquer norma,
o que só por si deita liminarmente por terra a reclamação ora deduzida”.
Cumpre agora ajuizar.
B – Fundamentação
3 – Os argumentos expendidos na presente reclamação não logram
proceder em termos de comprometer a bondade da decisão aqui em crise.
Desde logo, a reclamação sindicanda olvida os contornos da
intervenção do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização concreta da
constitucionalidade ou ilegalidade normativas.
Ora, sendo o objecto desse constituído por normas jurídicas que violem
preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de
constitucionalidade, a decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça
aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que
importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação
normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério
normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do
caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos
para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de
normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da
Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub
species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais
tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação
(directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este
Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in
concreto pelo tribunal a quo.
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide, pois, sobre a correcção
jurídica do concreto julgamento, mas, apenas, sobre a conformidade
constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, A este
propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3,
p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa
formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como
foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é
a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas
circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de
valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou
a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do
direito […]».
Ora, no presente caso concreto, é manifesto que a questão de
“constitucionalidade”, aportada a este Tribunal, carece da referida dimensão
normativa, pois, apenas, se controverte a aplicação do direito ordinário feita
pelas instâncias, assacando-se recta via à decisão recorrida, no seu juízo
aplicativo, a violação dos parâmetros constitucionais, sendo que, por mor da
competência cognitiva do Tribunal Constitucional, essa matéria encontra-se
subtraída à sua apreciação.
Por outro lado, tendo em conta que o recurso se encontra interposto
ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é
manifesto que não se encontram preenchidos os pressupostos da sua
admissibilidade, dado que o Supremo Tribunal de Justiça não recusou a aplicação
de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, ou em ilegalidade,
por violação de lei com valor reforçado, não podendo confundir-se com tal
realidade o juízo jurisdicional relativo à definição do regime legal aplicável à
factualidade emergente dos autos.
C – Decisão
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte)
UCs..
Lisboa, 2/04/2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos