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Processo n.º 120/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 9 de Março de 2009, que decidiu,
no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer do
objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o despacho do Presidente
do Tribunal da Relação de Évora, de 19 de Dezembro de 2008, que indeferiu
reclamação, deduzida nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil
(CPC), contra o despacho da Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Tavira,
de 25 de Janeiro de 2008, que não admitira, por extemporaneidade, recurso de
agravo do despacho que ordenou se procedesse a licitações, proferido no decurso
da conferência de interessados, realizada no âmbito dos autos de inventário a
que se procede por óbito de B..
O recorrente refere no requerimento de interposição de recurso:
«O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, porque, no entendimento do recorrente, a decisão,
ao aplicar ao caso sub judice o n.º 2 do artigo 685.º do CPC, é
inconstitucional, porquanto interpreta erradamente a norma em causa
determinando a inconstitucionalidade da decisão por erro na interpretação do
preceito, cuja inconstitucionalidade o recorrente levantou na sua peça
processual.
Com efeito, a decisão ora atacada socorre‑se da previsão do n.º 2 do artigo
685.º do CPC para não atender a pretensão do recorrente, norma que o referido
recorrente suscitou de inconstitucionalmente interpretada na sua peça
reclamação, designadamente o direito ao recurso, o qual vai previsto na
Constituição da República no artigo 20.º e ainda insertos no artigo 6.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos.
O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a
inconstitucionalidade da interpretação da norma acima aludida (artigo 685.º,
n.º 2, do CPC), segundo a qual a parte, ainda que faltosa, fica notificada para
todos os actos e despachos proferidos na sua ausência em diligência a que não
compareceu, impondo‑se a contagem, desde logo, do prazo de impugnação, não
obstante a notificação postal a posteriori.
Sem prejuízo de o recorrente suscitar a inconstitucionalidade da própria norma
do n.º 2 do artigo 685.º do CPC, para além da inconstitucionalidade na sua
interpretação, como acima dito.»
O recurso foi admitido pelo autor do despacho recorrido, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recursos interpostos ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
3.1. No presente caso, o despacho da Juíza do Tribunal Judicial da
Comarca de Tavira, de 25 de Janeiro de 2008, que não admitiu o recurso de agravo
interposto pelo ora recorrente para o Tribunal da Relação de Évora, assentou na
seguinte fundamentação:
«Nos presentes autos de inventário, procedeu‑se, no dia 18 de Julho
de 2007, à conferência de interessados, na qual, pelas ilustres mandatárias dos
interessados, foi requerido que a mesma fosse adiada, por se mostrar viável a
obtenção de acordo nos autos. Assim, foi a conferência adiada para o dia 21 de
Novembro de 2007, tendo sido as ilustres mandatárias notificadas (fls. 335).
No dia 21 de Novembro de 2007, realizou‑se a conferência de
interessados, tendo a ilustre mandatária do interessado A. faltado à mesma.
Esta ilustre mandatária fez chegar aos autos um fax, referindo estar
‘com enxaqueca’, o que a impediria de se deslocar ao Tribunal.
A conferência de interessados foi realizada, atento o facto de não
ter sido alcançado qualquer acordo nos autos, desde o dia 18 de Julho de 2007
até à presente data, não se mostrando assim viável que o mesmo fosse alcançado
com novo adiamento.
Foram então, na falta de obtenção de acordo entre todos os
interessados, licitadas as verbas constantes da relação de bens.
Assim, notificada a ilustre mandatária faltosa, nos termos e para os
efeitos do artigo 1373.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, veio a mesma
interpor recurso de agravo ‘(…) do despacho de V. Ex.ª que ordenou que se
procedesse a licitações (…)’, porque ‘com o mesmo não se conforma’.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 685.º, n.º 1, do CPC que ‘O prazo para a
interposição dos recursos é de 10 dias, contados da notificação da decisão
(…)’, sendo que o seu n.º 2 preceitua que ‘Tratando‑se de despachos ou
sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram
proferidos, se a parte esteve presente ou foi notificada para assistir ao acto
(...)’ (sublinhado nosso).
A lei, no n.º 2 do citado artigo, ao preceituar que o prazo para
interposição de recurso corre do dia em que foi proferido, se a parte foi
notificada para comparecer, equipara a ausência da parte à sua presença, ou
seja, o legislador atribui à parte notificada e faltosa o ónus de se informar do
que aconteceu nesse acto, pois a mesma teria de partir do princípio que se foi
notificada teria de partir do princípio que o acto poderia se realizar e que no
mesmo poderiam ser produzidos despachos que à parte seriam desfavoráveis, e
contra os quais poderia recorrer no prazo legal, contado nos termos do n.º 2 do
artigo 685.º do CPC.
Compulsados os elementos disponíveis nos autos, verifica‑se que a
ilustre mandatária foi notificada para comparência na conferência de
interessados que se realizou no dia 21 de Novembro de 2007, faltou à mesma,
tendo interposto recurso de um despacho oral reproduzido no processo (conforme
acta de fls. 343), que deu entrada, via fax, na secretaria de processos deste
Tribunal Judicial no dia 13 de Dezembro de 2007.
Conclui‑se, assim, sem necessidade de mais considerações, atenta a
data da realização da conferência de interessados – 21 de Novembro de 2007 –,
que o recurso deveria ter sido interposto até ao dia 3 de Dezembro de 2007 – uma
vez que o último dia do prazo era não útil – o que não sucedeu, sendo o mesmo
extemporâneo.
Pelo exposto, indefere‑se o requerimento de recurso apresentado pela
ilustre mandatária do interessado A., por ter sido interposto fora de tempo
(artigo 685.º, n.ºs 1 e 2, e 687.º, n.º 3, ambos do CPC).»
3.2. Na reclamação deduzida contra esse despacho, o ora recorrente
desenvolveu a seguinte argumentação:
«Vem a presente reclamação do despacho do Sr. Magistrado. Judicial
que não admitiu o recurso de agravo interposto pelo reclamante, o qual não está
de acordo com o mesmo e por isso alega como abaixo segue:
O Sr. Juiz sustenta o seu ponto de vista em dois motivos, a saber:
1. O interessado, estando notificado, faltou à conferência de
interessados, apesar de ter atempadamente justificado a sua ausência;
O prazo de recurso conta‑se a partir da data em que teve lugar a
dita conferência e não a partir da data em que o reclamante foi notificado
para o que resultou daquela conferência.
O raciocínio do Sr. Juiz a quo vai estribado no normativo do artigo
685.º, n.º 2.
Sucintamente historiamos os factos:
Nos presentes autos procedera‑se a uma primeira conferência, a mesma
adiada para se tentar chegar a acordo.
Marcada a segunda, faltou a mandatária do ora reclamante, tentou,
como resulta dos autos, enviado fax a dizer que se encontrava doente, com
enxaqueca e que não poderia comparecer.
A conferência realizou‑se com a presença de apenas duas das
interessadas, sem a presença, quer da mandatária do reclamante, quer deste
próprio, tendo concluído pelas licitações. Ao ser notificado para os termos do
artigo 1373.º, n.º 1, do CPC, o ora reclamante interpôs recurso do despacho
proferido oralmente na conferência e que mandou se procedesse a licitações por
não haver possibilidade de acordo.
O despacho reclamado entende que o recurso deveria ter sido
interposto 10 dias após a conferência e não quando o interessado teve
conhecimento do que se passou na dita conferência, isto é, quando foi para tal
notificado.
Ora, se o reclamante não esteve presente na referida conferência,
claro está que não teve conhecimento dos actos que aí foram praticados. Diz,
porém, o Sr. Juiz que era dever do mesmo ter tido conhecimento, o que significa
que o mesmo deveria ter ido ao tribunal ou à secretaria consultar os autos, para
se inteirar.
Tal argumento não pode proceder e isto por vários motivos:
Primeiro, a ser assim, também não se imporia a notificação para os
termos e efeitos do artigo 1373.º, n.º 1, do CPC, posto que tal ordem de
notificação foi também proferida oralmente e no âmbito da conferência.
Segundamente, a circunstância de os autos tramitarem na comarca de
residência do reclamante não é motivo para assim se decidir, porquanto são
inúmeros os processos que tramitam em comarcas distantes e para os quais os
mandatários ou interessados não estão obrigados a irem pessoalmente tomar
conhecimento do que se passa nas audiências, aguardando ser notificados.
Ao que resulta do texto reclamado, a conferência não podia ser
adiada mais uma vez para tentativa de acordo, por impossibilidade legal.
Porém, tal assim não é, porque se pode admitir que tal acordo ainda
fosse possível, dada a ausência da parte interessada, ficou‑se sem saber se era
ou não possível o tal acordo.
O Sr. Juiz entende que o reclamante deveria ter tomado como uma
certeza a realização da conferência, porque a mesma tinha que se realizar face
a ter havido um já primeiro adiamento. Ora, tal primeiro adiamento não obsta que
se fizesse um segundo ou mais adiamentos pelo mesmo motivo.
Na Comarca de Santo Tirso, correm, pelo 2.º Cível, autos de
inventário sob o n.º 729/99, em que por coincidência a mandatária do ora
reclamante também é ali mandatária.
No âmbito de[sses] autos foram já proferidos vários adiamentos, seja
por motivo de doença de uma das partes, seja por se pretender chegar a acordo
(cf. documentos que junta sob os n.ºs 1 a 5 e que dão aqui por inteiramente
reproduzidos).
Por isso, não se pode conceber como procedente o raciocínio do
despacho reclamado quando dá como inexorável a realização da conferência
porque já houvera um adiamento na primeira diligência.
O reclamante admitiu que a segunda conferência fosse adiada por tal
motivo.
Por isso, não poderia, com tal premissa, pressupor o contrário.
A alegação de que o reclamante teria que se dirigir ao Tribunal para
se inteirar dos eventos ou actos ocorridos na conferência também não faz
sentido, apenas porque reside na própria comarca.
E tanto assim que, e como resulta dos documentos acima juntos, é o
Tribunal que deve notificar o conteúdo do ocorrido na conferência, como resulta
do documentos acima.
O que é não só legal e objectivo, como lógico – no caso que tomamos
por exemplo, se a mandatária tivesse que se deslocar de Tavira a Santo Tirso
para se inteirar das ocorrências processuais, teria que perfazer, em ida e
volta, 2000 km.
Tal não vai previsto na lei. E o que vai previsto é a notificação, a
observar‑se nos termos do artigo 685.º, n.º 1.
O n.º 2 diz respeito a outros actos, como, por exemplo, audiências
de julgamento que já não possam ser adiadas e por isso se realizam a despeito
da falta de quem não pode faltar, como já o fizera antes.
E se assim não fosse, não haveria qualquer motivo para haver
notificação para os termos do artigo 1373.º, n.º 1, do CPC, porque vem na
senda do despacho que mandou se procedesse a licitação. Esta só se realizou
porque a senhora magistrada judicial não adiou a conferência, pondo de lado a
possibilidade de acordo, sem ter ouvido o reclamante.
Porque o ora reclamante não esteve presente havia que dar‑lhe conta
do ocorrido. Daí a razão de ser da notificação, nos termos do artigo 228.º, n.º
2, do CPC.
E daí, contar‑se o prazo de interposição de recurso desde essa data.
Inclusivamente, até se pode aceitar que a mandatária faltosa, que
alegou doença, podia muito bem ter estado doente no decurso dos dez dias
seguintes à conferência. Por isso é que importa dar relevo à notificação a este
prazo.
Admitir‑se como no despacho reclamado, está o mesmo a violar o
conceito de notificação, posto que lhe rouba a sua eficácia e ao mesmo tempo a
fazer a sua errada aplicação. Deste modo, a notificação, como se aludiu acima,
artigo 228.º, n.º 2, deixa de ter razão de ser.
E exige‑se que a parte tenha conhecimento de actos e despachos aos
quais não esteve presente.
O despacho reclamado colide ainda com o preceito constitucional, o
qual garante a todos o direito ao recurso (artigo 20.º).
Bem como colide com o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, o qual garante a todos um processo equitativo e o direito de ver os
seus interesses em discussão judicial.
Mais colide com o artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, o qual também prevê a mesma tutela judicial ao indivíduo.
Sendo necessário compreender que o n.º 2 do artigo 685.º não cabe no
caso sub judice, mas apenas para aqueles casos ou processos em que sabe a parte
que a sua falta não adiará a diligência, como no caso de julgamento onde tal
motivo ou fundamento de falta fora já invocado.
Não é o que sucede no caso sub judice.
Por isso, é de revogar o despacho reclamado, substituindo‑o por
outro que diga que o prazo de interposição de recurso de despacho proferido em
conferência de interessados, à qual não compareceu o interessado, porque [lá
não] esteve, conta‑se a partir da data em que de tal seja notificado e não a
partir da data da dita conferência, à qual não assistiu.
Requerendo ser atendido na sua reclamação, admitindo‑se o recurso no
efeito aí requerido.»
3.3. Essa reclamação foi indeferida pelo despacho ora recorrido
pelas seguintes razões:
«II.2. Vejamos qual das posições em conflito deve prevalecer.
A decisão recorrida foi proferida oralmente e reproduzida na acta
respectiva, em 21 de Novembro de 2007, tendo a ilustre mandatária do ora
reclamante sido notificada para assistir ao acto.
Estatui o artigo 685.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à
introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 303/2007, aplicável ex vi artigo 11.º deste
último diploma, que, ‘tratando‑se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos
nos processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve
presente ou foi notificada para assistir ao acto; no caso contrário, corre nos
termos do n.º 1’.
Assim, interposto em 13 de Dezembro de 2007 e sendo de dez dias o
respectivo prazo (artigo 685.º, n.º 1, do CPC), contados a partir de 21 de
Novembro de 2007, há muito se havia exaurido o prazo de interposição do recurso.
Argumenta, porém, o reclamante, em substância, que o ‘primeiro
adiamento [da conferência de interessados] não obsta que se fizesse um segundo
ou mais adiamentos pelo mesmo motivo’, invocando em abono da sua tese, aliás
douta, os ‘vários adiamentos, seja por motivo de doença de uma das partes, seja
por se pretender chegar a acordo’, no âmbito dos autos de inventário n.º 729/99,
que correm termos no 2.º Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso, em que, por
coincidência, a ilustre mandatária do ora reclamante é também mandatária.
‘Por isso, não se pode conceber como procedente o raciocínio do
despacho reclamado quando dá como inexorável a realização da conferência porque
já houvera um adiamento na primeira diligência.
O reclamante admitiu que a segunda conferência fosse adiada por tal
motivo.’
Salvo o devido respeito, o entendimento, aliás douto, do reclamante
não pode ser acolhido.
Com efeito, as decisões do 2.º Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso
não vinculam, é óbvio, o Tribunal de Tavira (ou qualquer outro tribunal), nem
vem demonstrado o bem fundado dos adiamentos no âmbito dos autos de inventário
que correm termos naquele tribunal (questão que, aliás, extravasa, de todo, o
âmbito da presente reclamação). Norma alguma impõe, in casu, o adiamento da
conferência. Daí que a ilustre mandatária do ora reclamante não devesse contar
com o adiamento.
Na verdade, tendo sido notificada de que a conferência de
interessados estava marcada para o dia 21 de Novembro de 2007, a ilustre
mandatária do ora reclamante teria de partir do princípio de que tal acto ia
realizar‑se nesse dia e nela poderiam ser proferidas decisões que lhe eram
desfavoráveis. Logo, se – infundadamente, repete‑se – confiou que a conferência
seria adiada, sibi imputet.
A lei equipara a notificação da parte para assistir ao acto à sua
presença (1.º segmento do n.º 2 do artigo 685.º). Para a lei tudo se passa como
se a parte estivesse presente. O mesmo é dizer que a prolação da decisão em
causa equivale à sua notificação às partes que deverem considerar‑se presentes
nesse acto.
Na hipótese contemplada no 1.º segmento do n.º 2 do artigo 685.º, a
lei estabeleceu para a parte que estava notificada, mas não compareceu ao acto,
o ónus de se informar do que aconteceu nesse acto.
E para se informar do que se passou na conferência não tinha a
ilustre mandatária do reclamante, necessariamente, de se deslocar,
pessoalmente, ao tribunal.
É certo que o artigo 254.º, n.º 1, do CPC determina que os
mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório
ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo
funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal. Só que, in casu, como
se referiu, o ora reclamante considera‑se notificado da decisão recorrida, após
ter sido proferida, contando‑se o prazo de interposição do recurso a partir da
data da prolação da decisão.
Daí não ser necessário notificá‑la posteriormente.
O artigo 137.º do CPC – que proclama em termos genéricos o
princípio da economia processual – proíbe mesmo a prática de actos inúteis no
processo, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os
pratiquem.
Se, em casos como o vertente, o prazo para interposição do recurso
se iniciasse – não com a prolação da decisão – mas com a subsequente
notificação da decisão, tornar‑se‑ia letra morta o segmento do normativo do n.º
2 do artigo 685.º que estabelece que, tratando‑se de despachos ou sentenças
orais reproduzidos no processo, o prazo de interposição do recurso corre do dia
em que foram proferidos.
Flui das considerações expostas que a transferência do início do
prazo de interposição do recurso, por uma das partes que não estivesse presente
no acto da prolação dos despachos ou sentenças orais, para a data da sua
posterior notificação (desnecessária, insiste‑se) beneficiaria,
injustificadamente, essa parte relativamente às demais que estivessem presentes
no mesmo acto.
Enfim, a admissão do recurso pelo ora reclamante interposto
significaria a prorrogação ilegal do prazo – peremptório – de interposição do
recurso.
II.3. Quanto à alegada violação do preceito do artigo 20.º da
Constituição da República Portuguesa, ‘o qual garante a todos o direito ao
recurso’, importa sublinhar que o reclamante não suscita qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa ou interpretação normativa, limitando‑se a
censurar a inconstitucionalidade do ‘despacho reclamado’, por violação do
‘direito ao recurso’, sem que, todavia, identifique qualquer norma (ou
interpretação normativa) naquela decisão aplicada que, na sua óptica, seja
incompatível com a Lei Fundamental.
Se pretende sustentar a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do
artigo 685.º do CPP, dir‑se‑á que – pese embora o reclamante não fundamente
minimamente o juízo de inconstitucionalidade que formula – que o princípio do
direito ao recurso das decisões dos tribunais, por forma a que haja um duplo
grau de jurisdição, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1 (este em
matéria penal), da Lei Fundamental, não é absoluto, mesmo em matéria penal,
dispondo o legislador de uma ampla liberdade de conformação na definição das
decisões susceptíveis de ser impugnadas por via de recurso, bem como no
estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos e das condições
de exercício do direito ao recurso. Como pode ler‑se no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 31/87, de 28 de Janeiro de 1987 (publicado in Diário da
República, II série, de 9 de Fevereiro de 1987, e Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 363, p. 191), há‑de admitir‑se que ‘essa faculdade de recorrer
seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a
certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não
atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa
do arguido’.
Se assim é em processo penal, por maioria de razão tal doutrina vale
em processo civil.
E as normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos não consagram, em matéria de acesso
à justiça, direitos e princípios que não estejam já contidos nos artigos 20.º,
n.º 1, e 13.º da CRP (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 163/90,
210/92, 346/92, 275/94, 403/94 e 739/98, e Carlos Lopes do Rego, ‘Acesso ao
Direito e aos Tribunais’, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional, 1993, p. 83).
Conclui‑se, pois, que o recurso foi tardiamente interposto.
III. Face ao exposto, indefere‑se a reclamação.»
4. Como resulta das precedentes transcrições, o recorrente, na
reclamação endereçada ao Presidente do Tribunal da Évora, não suscitou nenhuma
questão de inconstitucionalidade normativa, não imputando a qualquer norma de
direito ordinário ou a uma sua qualquer interpretação, dotada de generalidade e
abstracção, devidamente identificada, a violação de normas ou princípios
constitucionais.
O que o recorrente aduziu foi que o despacho de não admissão de
recurso reclamado, em si mesmo considerado, teria feito uma errada
interpretação do direito ordinário aplicável e, ao fazê‑lo, teria, ele mesmo,
entrado em colisão com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP), além de colidir com outros preceitos de diplomas internacionais.
Isto é: o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da norma
do artigo 685.º, n.º 2, do CPC, na sua directa estatuição, nem em qualquer
interpretação (dotada de generalidade e abstracção) adequadamente identificada
de modo a que, se o recurso merecesse provimento, pudesse vir a ser inserida na
decisão do Tribunal Constitucional, «em termos de, tanto os destinatários desta,
como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para
dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por,
deste modo, violar a Constituição».
Por falta de adequada suscitação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, o presente recurso surge como inadmissível, o
que determina o não conhecimento do seu objecto.”
1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta
nos seguintes fundamentos:
“A questão do reclamante respeita ao direito ao recurso, o qual lhe
tem sido negado desde a 1.ª instância. Para melhor compreensão dos factos
historiamos sucintamente:
Notificado que foi o reclamante para todo o conteúdo da acta de
Conferência de Interessados (processo de inventário), interpôs o mesmo recurso
de agravo de despacho ali proferido que mandou se procedesse a licitações.
O Sr. Juiz não admitiu o recurso por considerar ser o mesmo
extemporâneo, já que, na interpretação que fez do n.º 2 do artigo 685.º do CPC,
o recurso tem que ser interposto no prazo de 10 dias contados sobre a
Conferencia de Interessados e não sobre a data da notificação.
Deste despacho reclamou para o Tribunal da Relação de Évora, ali
alegando, entre outros motivos, que a decisão judicial, na interpretação que
dava à norma do n.º 2 do artigo 685.º do CPC, era inconstitucional por colidir
com o normativo constitucional do direito ao recurso, ínsito no artigo 20.º da
CRP.
Foi tal reclamação julgada improcedente e da qual o ora reclamante
recorreu, interpondo recurso a este TC, pela forma que no mesmo texto vai dita.
No Tribunal de Évora foi o recurso admitido para subir a este TC.
Uma vez aqui autuado, o Sr. Relator, em apreciação liminar,
considerou o mesmo inadmissível porque entendeu que a inconstitucionalidade
normativa não foi suscitada adequadamente.
É deste despacho que ora se reclama.
O reclamante entende que o despacho do Sr. Relator foi prematuro e
como tal não poderia ter sido proferido.
Aferir se o recorrente suscitou ou não adequadamente a
inconstitucionalidade da norma não cabe apenas na leitura do requerimento de
interposição de recurso, porque este, apesar de fundamentado, deve ser sucinto.
Somente nas alegações e através delas pode o recorrente expor, com
clareza, a lógica do seu raciocínio.
No requerimento de interposição o recorrente, em obediência ao
artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, da Lei deste Tribunal, há‑de indicar o preceito
constitucional que considere violado e a peça processual em que suscitou tal
inconstitucionalidade.
Ora, da leitura do requerimento do reclamante resulta que este
indicou o preceito da Constituição (artigo 20.º – tutela jurisdicional) e mais
indicou a peça processual em que antes levantara tal questão.
Se o reclamante suscitou tal inconstitucionalidade deficientemente,
então seria caso de o Sr. Relator, ao invés de não admitir o recurso, convidar a
parte a suprir tal deficiência.
É o que dispõe o artigo 75.º‑A, n.º 5, da Lei do TC.
O despacho de que ora se reclama colide com o preceito acima. E mais
uma vez aqui o recorrente fica prejudicado no seu direito ao recurso por falta
de obediência ao que no mesmo vai previsto, ou seja, o convite à parte por
aperfeiçoar o seu requerimento.
O que não se concede, pois o reclamante entende que suscitou a
inconstitucionalidade adequadamente.
A questão que o reclamante pretende ver apreciada respeita ao
ordenamento jurídico no seu todo e não ao seu caso pessoal.
Não existem inconstitucionalidades pessoais, na medida em que uma
decisão judicial não é e não pode ser personificada.
Isto é, a decisão judicial há‑de ser abstracta, na sua orientação,
para ser aplicada a todos os indivíduos e não àquela pessoa.
O recorrente pretende que o TC aprecie a forma de se aplicar o
normativo do artigo 685.º, n.º 2, do CPC, no sentido de que tal preceito não
colida com a Constituição da República, designadamente com o artigo 20.º da CRP.
Se a lei garante a todo o individuo o acesso aos tribunais e à
justiça para defesa dos seus interesses, interessa saber, não só ao recorrente,
como a qualquer outro cidadão, qual é o momento em que a lei considera o
individuo conhecedor de um acto que foi praticado contra si, ou os seus
interesses, e à sua revelia.
O que está em causa é determinar, em termos abstractos, e por isso
para toda a comunidade jurídica, o momento em que a parte se torna conhecedora
de um acto judicial praticado na sua ausência, isto é, se é no momento da
prática do acto (à revelia da parte) ou se é no momento em que esta é notificada
desse acto.
Porque, como é óbvio, sendo o recurso uma impugnação, a parte só
pode impugnar o acto quando do mesmo se torna conhecedora.
Daí, o tal direito ao recurso nasce quando a parte não se conforma
com o acto e esta só não se conforma quando o conhece e não antes.
É que este direito só se torna um direito quando se pretende usar do
mesmo.
Entende o ora reclamante que suscitou adequadamente a
inconstitucionalidade, por forma a que a questão aproveite a todos e não apenas
ao seu caso.
Pretende o mesmo discutir o seu direito ao recurso já que em 1.ª
instância, ao agravar do despacho, fê‑lo no exercício do seu direito e para
protecção e defesa dos seus interesses na herança aberta por óbito de seu pai.
Deixar o reclamante sem poder exercer o seu direito ao recurso é
privá‑lo dos seus bens, pois a licitação, operada como foi, atribuirá ao mesmo,
numa herança de cerca de mais de 6 milhões de euros, a pequena quantia de 100
mil euros, o que é uma injustiça social, beneficiando outros em proporções
gritantes.
Deve, pois, a presente reclamação ser atendida, revogando o despacho
reclamado e substituída por outra que mande o reclamante apresentar as suas
alegações por forma a conhecerem V. Ex.ªs do objecto do recurso.”
1.3. Os recorridos não apresentaram resposta à
reclamação deduzida.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não
conhecimento do recurso na falta de adequada suscitação, pelo recorrente,
perante o órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida e antes da
prolação desta, de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Estando em
causa a falta de verificação de um requisito de admissibilidade do recurso, e
não de qualquer deficiência formal do requerimento de interposição do recurso,
não havia lugar à formulação do convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º‑A da
LTC, até porque o requisito em falta (adequada suscitação da questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida) era, por
definição, insusceptível de ser suprido em fase processual posterior à prolação
da decisão recorrida. Pela mesma razão, improcede a acusação de a decisão
sumária ter sido prematura, por ao recorrente dever ser concedida a
oportunidade de, nas alegações a apresentar neste Tribunal, suscitar
adequadamente a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada: a
falta de suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa,
que motivou a decisão de não conhecimento do recurso, reportava‑se a uma fase
processual (anterior à prolação da decisão recorrida) já inexoravelmente
ultrapassada.
Ora, como se demonstrou na decisão sumária ora
reclamada, o recorrente, na reclamação endereçada ao Presidente do Tribunal da
Relação de Évora, não suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo
685.º, n.º 2, do CPC, na sua directa estatuição, nem em qualquer interpretação
(dotada de generalidade e abstracção) adequadamente identificada de modo a que,
se o recurso merecesse provimento, pudesse vir a ser inserida na decisão do
Tribunal Constitucional, “em termos de, tanto os destinatários desta, como, em
geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual
o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo,
violar a Constituição”. Na verdade, o recorrente limitou‑se a aduzir que o
despacho de não admissão de recurso então reclamado, em si mesmo considerado,
teria feito uma errada interpretação do direito ordinário aplicável e, ao
fazê‑lo, teria, ele mesmo, entrado em colisão com o artigo 20.º da CRP, além de
colidir com outros preceitos de diplomas internacionais, o que, pelas razões
expostas, não constitui uma questão susceptível de integrar o objecto de um
recurso de constitucionalidade, cognoscível pelo Tribunal Constitucional.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel de Moura Ramos