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Processo n.º 154/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o
Tribunal Constitucional.
A reclamação tem o seguinte teor:
«[…] I. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do N.° 1 do
Art.º 70.º da Lei N.° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei N.°
85/89, de 07 de Setembro, e pela Lei N.° 13A/98, de 26 de Fevereiro;
II. Pretendia ver-se apreciada;
a.a.) - A inconstitucionalidade da norma que se extrai dos artigos 1.° N.º 2
Aln. b) do C.P.P. (na redacção anterior à do DL 48/2007) e 5.° do CPP,, na
interpretação, efectivamente aplicada pela decisão recorrida, de que a definição
de criminalidade violenta ou altamente organizada que resulta do primeiro
daqueles preceitos (determinante para efeitos da competência do tribunal de
júri) continua a ser aplicável aos processos pendentes à data da entrada em
vigor da nova redacção dada ao mesmo artigo 1.°Aln. m) do CPP, introduzida pela
Lei N.° 48/2007 de 29 de Agosto;
a.b.) - A inconstitucionalidade da norma que se extrai dos artigos 1.° N.° 1
Aln. m) do C.P.P. (na redacção dada pelo DL 48/2007) e 5.° do CPP, na
interpretação, efectivamente aplicada pela decisão recorrida, de que a definição
de criminalidade violenta ou altamente organizada que resulta do primeiro
daqueles preceitos (determinante para efeitos da competência do tribunal de
júri) não é imediatamente aplicável aos processos pendentes à data da sua
entrada em vigor;
b)- A inconstitucionalidade do artigo 400.º, N.º 1 Aln. F) do C.P.P., quando
interpretado, como foi na decisão recorrida no sentido da sua aplicabilidade
imediata a processos pendentes no momento da sua entrada em vigor, violando
desta forma o princípio da aplicação retroactiva da lei processual material mais
favorável ao arguido.
III.
a) -Tais normas no sentido da sua aplicação na decisão recorrida violam o Art.º
207.º, N.º 1 da C.R.P.
b) - Tal aplicação viola o Art.º 29.°,N.° 4 da C.R.P. e o Art.º 18.°, N.°3 da
C.R.P.
VI.
a) - A inconstitucionalidade no que à competência do tribunal de júri concerne
foi suscitada e apreciada nos autos a fls. 84.
c) - A questão de inconstitucionalidade no que à aplicação da lei mais favorável
no regime de recursos, foi suscitada na reclamação para o superior hierárquico
apresentada no S.T.J a fls….
VII. Veio o Ilustre Presidente do Supremo Tribunal de Justiça recusar a admissão
do interposto recurso, fundamentando com o facto de não ter a questão da
inconstitucionalidade sido suscitada de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida.
VIII. Salvo o devido respeito, que é aliás muito, não pode o recorrente
concordar e/ou aceitar a fundamentação apresentada porquanto;
1. As questões de constitucionalidade que se pretendiam ver apreciadas foram de
facto e na verdade, suscitadas tanto na reclamação apresentada no Supremo
Tribunal de Justiça, como no recurso interposto e apreciado pelo venerando
tribunal da Relação, tendo o recorrente na sua Motivação inclusive referido qual
o articulado onde requereu a análise da constitucionalidade normativa.
2. Ainda que se entenda que a forma como foram expostas as questões cuja
constitucionalidade normativa se pretendia ver apreciada, não reunia clareza nem
fora apresentada de forma processualmente adequada, sempre se dirá que a lei
confere formas de suprir tal lacuna, permitindo, senão mesmo impondo, o convite
ao aperfeiçoamento, o que não foi feito pelo ilustre tribunal de cuja decisão se
pretende reclamar.
3. Mais, no requerimento de interposição de recurso para este tribunal,
encontram-se plasmadas de forma clara e processualmente adequada as ditas
questões, cuja constitucionalidade se pretendia analisada, sempre podendo nessa
data o ilustre tribunal delas apreciar.
4. Diga-se aliás que só não se formulou de forma tão directa e clara a questão
da constitucionalidade, como posteriormente se terá feito no requerimento de
interposição de recurso para este ilustre tribunal, por entender modestamente o
recorrente que, na motivação apresentada (no que à lei processual penal
respeita) seria evidente a razão que, entendemos lhe assiste, não sendo sequer
de colocar como hipótese a necessidade de recorrer à apreciação mais profunda da
inconstitucionalidade.
5. Ainda que se entenda e concorde com o fundo e efeito pretendido com a
“recorrente” jurisprudência do Tribunal Constitucional acerca dos pressupostos
de admissão de recurso vertidos no Art.º 72.° n.° 2 e Art.º 75.° - A ambos da
LOTC, no sentido de muito restritivamente interpretar as referidas normas (por
forma a evitar os indesejáveis actos dilatórios e atrasos na realização de
justiça) a verdade é que mostrando-se, ainda que incipientemente, que no caso se
coloca uma qualquer questão de constitucionalidade normativa a aclarar, é
fundamental para o exercício e controlo do próprio Estado de direito democrático
a intervenção do Venerando Tribunal Constitucional, instituição competente e
única com tão nobre função designada. […]»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos
seguintes termos:
«A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que:
- por um lado, a decisão recorrida, proferida em procedimento de reclamação,
apenas aplicou as normas processuais penais relevantes para aferir da
recorribilidade para o STJ do acórdão condenatório − ou seja, a norma constante
do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP;
- por outro lado – e relativamente a esta norma − não se mostra suscitada, no
âmbito de tal reclamação, em termos processualmente adequados, qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo do
controlo da constitucionalidade cometido a este Tribunal Constitucional.»
3. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
− O arguido A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da 1ª instância que o
condenara pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo
art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de 7 anos e 6 meses de
prisão.
− Por despacho do Relator no Tribunal da Relação, esse recurso não foi admitido,
nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP (na redacção introduzida pela
Lei n.º 48/2007).
− Deste despacho o arguido reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça que, por
despacho de 08.01.2009, indeferiu a reclamação, considerando que o recurso não
era admissível, nos termos dos artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea
f), do CPP.
− Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso deste último despacho para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
para apreciação da constitucionalidade das seguintes normas: i) norma que se
extrai dos artigos 1.º, n.º 2, alínea b), do CPP (na redacção anterior à Lei n.º
48/2007) e 5.º do CPP; ii) norma que se extrai dos artigos 1.º, n.º 1, alínea
m), do CPP (na redacção dada pela Lei n.º 48/2007) e 5.º do CPP; iii) norma do
artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
- Por despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça, de 24.01.2009, o
recurso não foi admitido, com fundamento, em síntese, na não suscitação, pelo
recorrente, das questões de constitucionalidade de modo processualmente
adequado.
− É deste despacho que vem interposta a presente reclamação.
4. O recurso que o reclamante pretende interpor para o Tribunal Constitucional
visa a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
i) norma que se extrai dos artigos 1.º, n.º 2, alínea b), do CPP (na redacção
anterior à Lei n.º 48/2007) e 5.º do CPP;
ii) norma que se extrai dos artigos 1.º, n.º 1, alínea m), do CPP (na redacção
dada pela Lei n.º 48/2007) e 5.º do CPP;
iii) norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
No que respeita às normas identificadas nos pontos i) e ii), é manifesto que a
decisão do Supremo Tribunal de Justiça de que se pretende recorrer (despacho de
08.01.2009 que indeferiu a reclamação do arguido contra o despacho do Tribunal
da Relação que não admitira o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) não
aplicou tais normas, uma vez que se limitou a apreciar a recorribilidade para o
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da
Relação de Lisboa.
Não estão, por isso, reunidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade
quanto àquele conjunto de normas.
No que respeita à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP − que, de
facto, foi aplicada pelo despacho de que se pretende recorrer − verifica-se, tal
como salientado pelo Ministério Público, não ter o reclamante suscitado, perante
o tribunal recorrido, uma questão de constitucionalidade normativa, susceptível
de ser apreciada por este Tribunal Constitucional.
Na verdade, na reclamação que apresentou junto do Supremo Tribunal de Justiça
(fls. 29 a 32 dos autos) o ora reclamante não enuncia qualquer dimensão
normativa do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, para depois questionar a
sua conformidade com a Constituição. Limita-se a defender a admissibilidade do
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça invocando, entre outros argumentos,
os direitos de defesa constitucionalmente garantidos.
Não tendo o interessado suscitado uma questão de inconstitucionalidade, de modo
processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão de que
pretende recorrer, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, não pode,
também quanto à última norma citada, o recurso de constitucionalidade ser
admitido (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Março de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos