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Processo n.º 505/08
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281º, n.º 2,
alínea d), da Constituição da República, veio requerer ao Tribunal
Constitucional, em fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de
inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º
187/2007, de 10 de Maio, conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo
diploma, por violação dos princípios da protecção da confiança, da
proporcionalidade e da igualdade, e, bem assim, a declaração de ilegalidade das
mesmas normas, por violação do princípio da contributividade concretizado no
artigo 54º da Lei de Bases da Segurança social.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
- O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, veio estabelecer o regime jurídico
de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral da segurança
social.
- O diploma prevê, no seu artigo 101.º, n.º 1, um limite superior,
correspondente a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), para uma das
parcelas ('P1') da fórmula de cálculo da pensão a atribuir aos beneficiários
inscritos até 31 de Dezembro de 2001. Essa fórmula de cálculo consta do artigo
33.º e a parcela que aí se inclui, e que o artigo 101.º limita, é calculada nos
termos do artigo 34.º, todos do mesmo Decreto-Lei n.º 187/2007.
- As pessoas mais afectadas por aquele limite imposto, no artigo 101.º, a uma
das parcelas da fórmula de cálculo do artigo 33.º, são aquelas que estão mais
próximas de receber a pensão, ou seja, as pessoas que iniciem a pensão entre 1
de Julho de 2007 (data de entrada em vigor da lei, nos termos do seu artigo
115.º) e 31 de Dezembro de 2016 (data em que os beneficiários inscritos até 31
de Dezembro de 2001 passarão a estar sujeitos a uma nova fórmula de cálculo).
- As pessoas visadas pela limitação imposta no artigo 101.º, são, na prática, e
no que às pensões por velhice diz respeito, aquelas que terão agora uma idade
compreendida entre os 56 e os 64 anos, e estarão portanto já próximas do final
da sua carreira contributiva.
- Com o limite imposto pelo artigo 101.º, n.º 1, essas pessoas sofrem uma
redução assinalável, em muitos casos drástica, das suas pensões face ao valor
expectável antes da aprovação das regras neste momento em vigor.
- De entre os casos que foram apresentados na Provedoria, encontra-se um, por
exemplo, em que a pensão seria de € 7318,00 e, por efeito da aplicação do limite
imposto pelo artigo 101.º, ficará reduzida a € 4986, 56, implicando uma perda
correspondente a 46,7 % do valor que seria considerado segundo cálculo
anteriormente previsto.
- Note-se que estas alterações se aplicam inclusivamente a beneficiários com 64
anos de idade e 40 anos de carreira contributiva que, à data da entrada em vigor
da lei, estavam à beira de poderem solicitar a correspondente pensão.
- A situação é particularmente chocante quando se aplique a limitação do valor
das pensões aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, pois
estes foram legalmente autorizados (pelo artigos 11.º e 12.º do DL n.º 327/93 de
25 de Setembro, nas redacções e na interpretação dadas pelos DL n.º 103/94, de
20 de Abril, e 571/99, de 24 de Dezembro) a fazer o pagamento das suas
contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o
limite máximo da base de incidência fixado naquele diploma.
- Quando essas pessoas optaram por descontar um valor superior ao limite máximo
da base de incidência, fizeram-no baseadas no pressuposto de que o valor da
pensão que iriam futuramente receber teria correspondência nesse acréscimo de
descontos autorizados pelo legislador.
- A limitação do valor máximo das pensões poderá ter consequências, ainda, na
situação dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, mas que apenas
iniciem a sua pensão após 31 de Dezembro de 2016, embora seja de reconhecer que,
nestes casos, os beneficiários se encontravam, à data da entrada em vigor da
solução legal contestada, mais longe da reforma, sendo as respectivas
expectativas neste sentido, naturalmente menos exigentes ao nível da tutela
jurídica.
- O regime estabelecido no artigo 101.º viola os princípios constitucionais da
confiança, da proporcionalidade e da igualdade, o primeiro podendo ser extraído
do conceito de Estado de Direito democrático a que alude o artigo 2.º da
Constituição da República Portuguesa, o segundo decorrendo explicitamente, a
propósito dos direitos liberdades e garantias, do artigo 18.º, n.º 2, do texto
constitucional, o último estando estabelecido, de forma genérica, no artigo 13.º
da Lei Fundamental.
- Contraria, também, os princípios da contributividade e do respeito pelos
direitos adquiridos e em formação consignados na Lei de Bases da Segurança
Social.
- Na verdade, decorre do artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social
actualmente em vigor, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que o sistema
previdencial deve ter por base uma relação sinalagmática directa entre a
obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.
- E o artigo 58.º da mesma lei apenas permite a limitação dos valores das
pensões pela limitação prévia dos valores das contribuições.
- A relação sinalagmática entre a pensão e a contribuição é objectivamente
comprometida pela nova lei, em especial, no caso dos membros dos órgãos de
pessoas colectivas que descontaram para além do limite máximo da base de
incidência, sem que a lei preveja a devolução dos montantes pagos.
- o regime viola ainda o princípio da tutela da confiança, tendo em consideração
que os beneficiários que são atingidos pela limitação do valor das suas pensões
já não poderão reorientar a sua estratégia de planeamento das respectivas
pensões.
- As excepções previstas no artigo 101.º, n.º 2 e 3, dificilmente terão
repercussão no que respeita aos beneficiários mais perto da reforma (isto é, aos
inscritos até 31 de Dezembro de 2001 que iniciem pensão até 31 de Dezembro de
2016) pois o peso da parcela da fórmula de cálculo que está sujeita ao limite do
artigo 101.º é decisivo para o cálculo da pensão podendo mesmo corresponder,
para uma carreira contributiva de 40 anos, à proporção de 39/40, no caso das
pessoas que se reformem logo em 2008.
- Do preceituado no artigo 101.º, incluindo as suas excepções, conclui-se que
foi objectivo do legislador penalizar as situações dos beneficiários que
obtiverem remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva.
- Contudo, na medida em que o regime instituído no artigo 101.º, n.º 1, tenha
por objectivo atingir apenas as pessoas que terão manipulado o futuro valor da
pensão, viola o princípio da proporcionalidade, pois não atinge apenas essas
pessoas mas também todas as outras, incluindo os trabalhadores por conta de
outrem cujos descontos em nada dependem da sua vontade.
- A medida estabelecida pelas normas do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º
187/2007, visa uma 'maior moralização do sistema' (cf. preâmbulo do diploma),
mas a verdade é que abrange, de forma arbitrária, pensionistas que, beneficiando
de remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva não
tiveram qualquer intervenção na fixação desses montantes.
- Há, além disso, violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º
da Lei Fundamental, pois o limite do valor das pensões apenas se aplica a uma
categoria bem determinada de destinatários (os inscritos até 31 de Dezembro de
2001 e, entre estes, de forma mais gravosa atendendo ao nível da expectativas
criadas, para os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016).
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro
veio defender a não inconstitucionalidade e a não ilegalidade das normas
contidas no artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, juntando dois pareceres
jurídicos em abono dessa posição.
Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.
II. Fundamentação
Enquadramento legal e evolução legislativa
2. O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, em desenvolvimento do regime
jurídico estabelecido pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as
Bases Gerais do Sistema da Segurança Social, veio consignar um regime
diferenciado de cálculo das pensões de reforma, no âmbito do regime geral da
segurança social, estipulando, como regra geral, para os beneficiários inscritos
a partir de 1 de Janeiro de 2002, o apuramento do montante da pensão mensal com
base nas remunerações auferidas durante todo o período contributivo, até ao
limite de 40 anos (artigo 32º), e para os beneficiários inscritos até 31 de
Dezembro de 2001, uma fórmula proporcional que implica a combinação de uma
parcela calculada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira
contributiva (P1), e outra calculada com base na totalidade da carreira
contributiva (P2), com um ajustamento em relação ao cômputo de anos civis a
considerar, em cada uma dessas parcelas, consoante os beneficiários iniciem a
pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou a partir desta data (artigo 33º).
No âmbito desta fórmula proporcional, o artigo 34º concretiza as regras de
cálculo da designada P1, isto é, da parcela da pensão que é apurada com base nos
10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva. No entanto, a
disposição transitória do artigo 101º introduz um limite superior às pensões
calculadas nesses termos, fazendo-o corresponder a 12 vezes o Indexante dos
Apoios Sociais (IAS), com as excepções que aí são consideradas.
É esta disposição transitória, interpretada conjugadamente com as normas dos
artigos 33º e 34º, que vem arguida de inconstitucionalidade, por violação dos
princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e de
ilegalidade, por violação do princípio da contributividade, e que cabe agora
analisar.
As normas em causa ostentam a seguinte redacção:
Artigo 33.º
Regras aplicáveis aos beneficiários inscritos
até 31 de Dezembro de 2001
1—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e
que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016 resulta da aplicação da fórmula
seguinte:
P=(P1×C1+P2×C2)
C
2—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e
que iniciem pensão após 1 de Janeiro de 2017 resulta da aplicação da fórmula
seguinte:
P=(P1×C3+P2×C4)
C
3—Para efeitos da aplicação das fórmulas referidas nos números anteriores,
entende-se por:
«P» o montante mensal da pensão estatutária;
«P1» a pensão calculada por aplicação da regra de cálculo prevista no artigo
seguinte;
«P2» a pensão calculada por aplicação das regras de cálculo previstas no artigo
anterior;
«C» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações
relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão;
«C1» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações
relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de
Dezembro de 2006;
«C2» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações
relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de
1 de Janeiro de 2007;
«C3» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações
relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de
Dezembro de 2001;
«C4» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações
relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de
1 de Janeiro de 2002.
4— Para efeitos de determinação de C1, C2, C3 e C4, previstos nas fórmulas dos
números anteriores, considera-se a totalidade dos anos de carreira contributiva,
ainda que superior a 40 anos.
5— Aos beneficiários previstos no n.º 1 que à data em que requeiram a pensão
possuam, pelo menos, 46 anos civis com registo de remunerações relevantes para
efeitos de taxa de formação da pensão é garantido o valor de pensão resultante
das regras de cálculo previstas no artigo anterior, caso este lhes seja mais
favorável.
Artigo 34.º
Regras de cálculo para determinação de P1
1— P1 é igual ao produto da taxa global de formação da pensão pelo valor da
remuneração de referência, determinada nos termos dos n.os 3 e seguintes do
artigo 28.º
2—A taxa anual de formação da pensão é de 2% por cada ano civil com registo de
remunerações.
3—A taxa global de formação da pensão é o produto da taxa anual pelo número de
anos civis com registo de remunerações, tendo por limites mínimo e máximo,
respectivamente, 30% e 80%.
Artigo 101.º
Limite superior das pensões
1—Nas pensões calculadas nos termos do artigo 34.º, P1 fica limitada a 12 vezes
o IAS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2—Sempre que P2 seja superior a P1, não é aplicado qualquer limite a esta
parcela.
3—A limitação referida no n.º 1 também não é aplicável se o valor de P1 e de P2
for superior a 12 vezes o valor do IAS e o P1 for superior a P2, situação em que
a pensão é calculada nos termos do artigo 32.º.
Pela própria natureza dos argumentos que foram aduzidos, a análise das questões
de constitucionalidade e de legalidade que vêm suscitadas implica o confronto
com os regimes jurídicos precedentes e o necessário enquadramento da nova
legislação no seu contexto histórico, com uma referência, ainda que sucinta, à
mais recente evolução legislativa.
O Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, reflectindo as profundas mudanças
que então já se faziam sentir nos aspectos sociais, demográficos e económicos,
com múltiplas e pesadas interferências nos sistemas de segurança social,
procedeu a uma ampla reformulação do método de cálculo das pensões, que, em
grande medida, não obstante os significativos aperfeiçoamentos e modificações
introduzidos pela Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei
n.º 24/84, de 28 de Agosto, ainda assentava em princípios consagrados na Lei n.º
2115, de 18 de Junho de 1962, e nos diplomas regulamentares (n.ºs 1 e 2 do
preâmbulo). E, nesse sentido, preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado
em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos
últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprim[isse] de forma
mais ajustada o último período de actividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e
artigo 33º, n.º 1).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 327/93, da mesma data, veio regular o
enquadramento dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas no
regime geral da segurança social, estabelecendo como base de incidência das
contribuições o valor das remunerações efectivamente auferidas, com o limite
mínimo igual ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por
lei à generalidade dos trabalhadores e o limite máximo igual a 12 vezes o valor
da mesma remuneração mínima (artigo 9º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei
n.º 571/99, de 24 de Dezembro). O diploma consignou, no entanto, uma base de
incidência optativa, permitindo que os membros dos órgãos estatutários das
pessoas colectivas abrangidas pelo diploma efectuassem o pagamento de
contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o
limite máximo da base de incidência fixado naquele artigo 9° (artigo 11º, na
redacção do Decreto-Lei n.º 104/94, de 20 de Abril).
O regime de determinação dos montantes das pensões, dentro do quadro definido
pelo Decreto-Lei n.º 329/93, foi, no entanto, posto em crise pela Lei n.º
17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Solidariedade
e de Segurança Social, revogando a anterior Lei n.º 24/84, de 28 de Agosto, e
que passou a ditar, no que concerne ao respectivo quadro legal, o princípio
segundo o qual «[o] cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e
progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a
carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º 3).
Foi entretanto formalizado, em 20 de Novembro de 2001, no âmbito do Conselho
Económico e Social, um Acordo para a Modernização da Protecção Social, em que o
Governo e os parceiros sociais se comprometeram a adoptar medidas a partir de 1
de Janeiro de 2003 destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de
segurança social, e em que se inclui a reformulação do cálculo das pensões do
subsistema previdencial em termos de o montante da pensão passar a ser aquele
que resultar da consideração da média das remunerações revalorizadas da
totalidade da carreira contributiva (cfr. III, n.º 5.)
As partes justificam a adopção dessa medida do seguinte modo:
Há duas razões pelas quais a nova Lei de Bases sustentou a necessidade de contar
com toda a carreira contributiva para a fórmula de cálculo de pensões do regime
previdencial. Uma é de justiça. Só assim não se prejudicam aqueles que ao longo
da vida cumpriram escrupulosamente os seus deveres perante a colectividade face
àqueles que manipulam o sistema maximizando as contribuições nos últimos 15 anos
da sua vida profissional. Só assim não se prejudicam aqueles, cujo último terço
da sua vida activa não foi remunerado ao mesmo nível que atingiram
anteriormente. A outra é financeira. É uma medida que a prazo promove a
sustentabilidade do regime porque tem como resultado encorajar mais pessoas a
descontarem mais para a segurança social durante mais tempo.
Na sequência, e no desenvolvimento da Lei n.º 17/2000, as novas regras de
cálculo para as pensões de invalidez e velhice foram definidas pelo Decreto-Lei
n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, que, como resulta da respectiva nota
preambular, pretendeu sobretudo regulamentar a referida disposição do artigo
57.º, n.º 3, da Lei de Bases, introduzindo, como aí se refere, «uma mudança de
vulto perante o sistema até aqui vigente, resultante do Decreto-Lei n.º 329/93,
de 25 de Setembro».
Esse propósito foi especialmente concretizado através do disposto no artigo 4º,
n.º 1, desse diploma legal, que sob a epígrafe «Remuneração de referência»,
estabelece o seguinte:
A remuneração de referência, para os efeitos do cálculo da pensão estatutária, é
definida pela fórmula TR/(n×14), em que TR representa o total das remunerações
anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis
com registo de remunerações, até ao limite de 40.
Por outro lado, a medida surge explicada na exposição de motivos nos seguintes
termos:
Esta alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflecte
uma dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior
fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e
intenta-se, por outro, também numa óptica de equilíbrio financeiro do sistema, a
eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda
permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo
aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do
sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das
remunerações nos últimos 15 anos da sua carreira.
Estas novas regras pretendem, pois, representar “uma alteração estruturante do
sistema de solidariedade e segurança social, porquanto visam contribuir não
apenas para o reforço, a médio e longo prazo, da sua sustentabilidade
financeira, já que são elas mesmas, um incentivo à contributividade, como também
para um exercício mais responsável, por todos, dos respectivos direitos e
deveres de cidadania.
Não obstante, o Decreto-Lei 35/2002, que produzia efeitos desde 1 de Janeiro de
2002 (artigo 23º), «tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de
direitos em formação, nos termos, aliás, previstos nos artigos 59.º e 104.º da
Lei n.º 17/2000», como se explica no respectivo exórdio, veio garantir aos
beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos
regimes jurídicos o montante de pensão que lhes seja mais favorável.
E, desse modo, em relação aos beneficiários que se tivessem inscrito até 31 de
Dezembro de 2001 e que tivessem completado o prazo de garantia (5 anos para
pensões de invalidez e 15 anos para pensões de velhice) ou cuja pensão tenha
início entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2016 – e, portanto, em
relação a beneficiários que já integravam o sistema à data em que foi
introduzida a alteração da fórmula de cálculo das pensões – foi atribuído o
montante da pensão mais elevado que resultasse ou da aplicação das regras de
cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 329/93, ou da aplicação das regras de
cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 35/2002, ou da aplicação proporcional das
regras de cálculo de um e outro desses diplomas (artigos 12º e 13º).
No entanto, ulteriormente, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os
parceiros sociais, no seio do Conselho Económico e Social, que teve
essencialmente em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que assentou,
para além do mais, nas duas seguintes linhas de actuação: (i) aceleração do
prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introdução
de um limite superior exclusivamente para o cálculo das pensões baseado nos
últimos anos da carreira contributiva, por forma a limitar os efeitos para o
sistema de segurança social da concentração dos descontos na parte final da
carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de
Outubro de 2006).
No que respeita ao primeiro dos objectivos enunciados, o Governo e os parceiros
sociais sustentam que importa «potenciar os efeitos da nova fórmula de cálculo
das pensões, mais justa porque ao considerar toda a carreira contributiva
permite reduzir os indesejáveis fenómenos de gestão das carreiras contributivas
no período final da vida profissional». Não ignoram, todavia, que «a transição
para a nova fórmula de cálculo pode comportar variações no rendimento dos novos
pensionistas que terão maior dificuldade em compensar os seus efeitos nos
últimos anos da vida activa», razão pela qual preconizam uma aplicação gradual
dessa nova fórmula (pág. 6).
Por sua vez, no que se refere à introdução de um princípio de limitação às
pensões mais altas, as partes consignaram o seguinte (págs. 9-10):
Num quadro de desejável reforço da sustentabilidade da segurança social, e em
ordem a complementar a dimensão de solidariedade profissional da fórmula de
cálculo das pensões, mas tendo também em conta a contributividade do sistema,
considera-se adequado proceder a uma limitação superior e a um congelamento
nominal de todas as pensões com valores muito elevados, mas sempre em patamares
socialmente aceitáveis.
Desde logo, o Governo e os parceiros sociais afirmam, contudo, que a justiça
contributiva impõe que as pensões formadas com base em descontos correspondentes
à média de toda a carreira contributiva não deverão conhecer limite
contributivo, uma vez que resultam directamente da consideração de todos os
descontos dos trabalhadores. Deste modo, os descontos dos trabalhadores por
salários superiores ao limite estabelecido serão relevantes e integralmente
considerados no âmbito da nova fórmula de cálculo das pensões, mesmo durante o
período de transição estabelecido, pelo que se reafirma o carácter transitório
desta medida.
Nessa ordem de considerações, as partes acordaram, no que se refere àqueles dois
mencionados aspectos, na implementação de medidas legislativas que se encontram
assim descritas:
(a) a pensão dos inscritos na Segurança Social até 2001, inclusive, e que se
reformem até 31 de Dezembro de 2016, será calculada a partir de uma fórmula
transitória onde sejam proporcionalmente tidos em linha de conta o peso da
carreira decorrida até 2007 e o peso da carreira subsequente, de acordo com a
seguinte fórmula P=(P1×C1+P2×C2);
(b) para todos os outros contribuintes inscritos até 2001, que se reformarem
depois de 2016, a nova pensão resultará do cálculo através do mecanismo de média
ponderada da nova e da antiga fórmula de cálculo, nos termos previstos no
Decreto-Lei nº 35/2002, com referência aos períodos contributivos decorridos até
31 de Dezembro de 2001 e aos períodos posteriores a essa data;
(c) continuar-se-á a prever que a pensão dos novos inscritos na Segurança Social
a partir de 2002 seja totalmente calculada com base em toda a sua carreira
contributiva;
(d) será introduzido um limite superior no cálculo das novas pensões a vigorar a
partir de 2007, que será aplicado exclusivamente à parcela do cálculo da pensão
que considera os melhores 10 dos últimos 15 anos de carreira contributiva,
desincentivando desta forma a gestão das carreiras para maximizar benefícios na
reforma;
(e) em ordem a preservar o princípio da contributividade, sempre que se
verifique, no cálculo da pensão com base na nova fórmula de cálculo (P2), que
considera toda a carreira contributiva, um valor superior ao que resulta da
aplicação da antiga fórmula de cálculo (P1), não será aplicado qualquer limite
superior a esta parcela;
(f) haverá congelamento nominal de todas as pensões já atribuídas de valor
superior ao limite fixado, a reavaliar quinquenalmente, tal como das restantes
regras de actualização das pensões;
(g) como limite superior a que se referem as alíneas anteriores é fixado o valor
de 12 IAS, equivalente a 12 SMN.
São estes novos critérios, consensualizados entre o Governo e os parceiros
sociais, que surgem reflectidos no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio,
através dos preceitos que foram há pouco transcritos.
O artigo 33º concretiza o princípio da aceleração da transição para a nova
fórmula de cálculo de pensões, para todos os contribuintes inscritos até 31 de
Dezembro de 2001 (a que se aplicava o regime transitório previsto no Decreto-Lei
n.º 35/2002), mediante a aplicação de uma fórmula proporcional de cálculo em que
se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma
parcela calculada de acordo com as regras de cálculo previstas no Decreto-Lei
n.º 329/93, em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira
contributiva (P1), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em
toda a carreira contributiva, em conformidade com o que já dispunha, em geral, o
Decreto-Lei n.º 35/2002 (P2); prevendo, por outro lado, para os contribuintes
inscritos até àquela data, mas que se reformem só a partir de 2016, uma fórmula
ponderada de cálculo em que se toma como ponto de referência o número de anos
civis da carreira contributiva anteriores (C3) e posteriores a 1 de Janeiro de
2002 (C4), data a partir da qual passou a vigorar o novo regime de cálculo de
pensões definido naquele diploma.
Por outro lado, a fórmula proporcional de cálculo, conforme o previsto no artigo
33º, é aplicável imperativamente a todos os que por ela se encontrem abrangidos
(contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001), ficando excluída a
garantia de aplicação do montante de pensão mais favorável, que havia sido
estabelecida, transitoriamente, pelo artigo 13º do Decreto-Lei n.º 35/2002.
Por sua vez, o princípio da limitação das pensões de montante elevado foi
consagrado através da disposição transitória do artigo 101º, que impõe que a
parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93,
para os efeitos de integrar a fórmula proporcional do cálculo da pensão, fique
limitada a 12 vezes o IAS (n.º 1). Limite que só não é aplicável nas situações
previstas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, isto é, quando o valor de P2 (entendido
como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei n.º 187/2007) for superior
ao valor de P1 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei
n.º 329/93), caso em que a pensão é calculada pela fórmula proporcional sem
qualquer limite, ou quando esses valores (P1 e P2) sejam superiores a 12 vezes o
IAS, e P1 for superior a P2, caso em que a pensão é calculada de acordo com as
novas regras constantes do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007.
Por via deste novo regime legal, a aceleração do período de passagem à nova
fórmula de cálculo das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19
de Fevereiro, é assegurada através da eliminação da garantia da atribuição da
pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos
sucessivos regimes de cálculo (agora substituída pela aplicação de uma fórmula
proporcional que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas
regras de cálculo), mas também pelo aumento progressivo do peso relativo da
carreira contributiva no apuramento do montante da pensão, mediante a
ponderação, na taxa de formação da pensão, de anteriores períodos contributivos
(o completado até 31 de Dezembro de 2006, para os que se reformem até de 31 de
Dezembro de 2016, e o completado até 31 de Dezembro de 2001, para os que iniciem
a pensão a partir daquela data).
Por outro lado, a limitação das pensões de montante elevado, tal como o previsto
no artigo 101º, tem em vista uma maior moralização do sistema, «garantindo o
respeito integral pelo princípio da contributividade, designadamente através das
salvaguardas que contempla». Assim se compreende que não haja lugar à aplicação
do limite superior da pensão quando o montante a considerar resulte, em boa
medida, da aplicação das regras de cálculo fixadas através do Decreto-Lei n.º
35/2002, tendo, por conseguinte, por base toda a carreira contributiva.
Importa, por fim, sublinhar que o Decreto-Lei n.º 187/2007 foi publicado como
diploma legal de desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº
4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança
social, substituindo a anterior lei de bases constante da Lei n.º 32/2002, de 20
de Dezembro.
A Lei nº 4/2007, na parte que agora mais interessa considerar, manteve os traços
essenciais do anterior regime jurídico, mormente no tocante ao princípio da
contributividade, ao quadro legal das pensões e à tutela dos direitos adquiridos
e dos direitos em formação.
Assim é que o artigo 54.º, referindo-se ao princípio da contributividade,
reproduz a formulação verbal já constante do artigo 30º da Lei n.º 32/2002: «[o]
sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base
uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o
direito às prestações».
Mantém-se também, em idênticos termos, no artigo 63.º, n.º 4, o critério segundo
o qual «[o] cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os
rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva», que já
provinha do artigo 40º, n.º 3, daquela Lei.
A nova Lei reafirma ainda o princípio da conservação dos direitos adquiridos e
em formação (artigo 20º), que concretiza - em plena correspondência com o que já
resultava do artigo 121º, n.º 1, da Lei n.º 32/2002 - na disposição transitória
do artigo 100º, com o seguinte enunciado: «[o] desenvolvimento e a
regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos
de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de
pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação».
Contempla, no entanto, uma norma específica referente ao regime transitório de
cálculo de pensões (artigo 101º), pela qual se determina, sem prejuízo do
disposto no n.º 4 do artigo 63.º, que «deve fazer-se relevar, no cálculo das
pensões e com respeito pelo princípio da proporcionalidade, os períodos da
carreira contributiva cumpridos ao abrigo de legislação anterior, bem como as
regras de determinação das pensões então vigentes, quando aplicáveis à situação
do beneficiário».
É na linha deste critério legal que poderão entender-se as disposições dos
artigos 33º, 34º e 101º do Decreto-Lei n.º 187/2007, que vêm questionadas pelo
requerente.
Princípio da protecção da confiança
3. O que o requerente discute relativamente às referidas disposições legais, é
– recorde-se – a circunstância de a norma do artigo 101º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 187/2007, interpretada conjugadamente com aquelas outras, vir estabelecer um
limite superior para uma das parcelas da pensão que integra a fórmula de cálculo
(P1), em termos tais que implica uma redução assinalável do montante da pensão
para as pessoas que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
Situação que considera ser particularmente injusta em relação aos membros dos
órgãos estatutários das pessoas colectivas, que foram legalmente autorizados a
efectuar o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações
quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência (artigos 11.º e
12.º do DL n.º 327/93 de 25 de Setembro). E sublinha ainda que a limitação da
pensão traz também consequências desvantajosas para os beneficiários que iniciem
a pensão a partir de 31 de Dezembro de 2016, embora, nesse caso, por se
encontrarem mais longe da situação de reforma, a necessidade de tutela das suas
expectativas jurídicas não se torne tão evidente.
No ponto em que frustra as expectativas jurídicas de pessoas que se encontram
mais próximas do termo da actividade profissional e que não poderão já redefinir
a sua estratégia de planeamento de reforma, a solução legal é, desde logo,
incompatível, no entender do requerente, com o princípio da protecção da
confiança ínsito no Estado de direito democrático.
É essa questão que primeiramente interessa dilucidar.
Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito,
a que alude o artigo 2º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos
jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e
princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de
sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos
liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não
está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa
em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência
imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito
democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio
e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República
Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 205-206).
É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma
projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério
jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a
partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2º da
Constituição.
A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa
vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares
relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da
segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em
exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e,
especialmente, ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma
especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições
jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados
de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional,
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2,
2000, pág. 625).
Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à
manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os
particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente
contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as
expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro
ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja
indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas,
geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não
possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do
desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes
da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263). No entanto, face ao valor
constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também
vinculado, o autor reconhece que «o alcance prático do princípio da protecção da
confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as
circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável
dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência». E no
plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que
«as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer
relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões
indevidas do Estado» (idem, págs. 264 e 267)
Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o
princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da
confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do
Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas
e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à
consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável,
arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança
jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como
dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida
como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade
inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90, teve também já
oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para
efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da
confiança, por referência a dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível,
quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os
destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes
(deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente
consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo
18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos)
são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para
que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em
primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado
comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade;
depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas
razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em
conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é
ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em
ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de
expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º 128/2009).
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e
da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do
Estado.
Não há, no entanto, como se afirmou no já citado acórdão nº 287/90, «um direito
à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em
relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já
parcialmente realizados». O legislador não está impedido de alterar o sistema
legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no
momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária
decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se
poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na
manutenção do regime legal.
4. Recentrando a questão no seu âmbito mais específico, não pode deixar de
reconhecer-se, como a jurisprudência constitucional tem também já considerado,
que o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na concretização do
direito à segurança social (cfr., entre outros, o acórdão n.º 509/2002).
Este princípio é também aceite inequivocamente pela doutrina, tal como a
propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., pág. 819):
A Constituição é omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de
segurança social, bem como sobre os critérios da sua concessão e do seu valor
pecuniário, ficando essa matéria na livre disposição do legislador, observados
os princípios constitucionais pertinentes (igualdade, proporcionalidade, etc.).
Isso inclui o direito de alterar as condições e requisitos de fruição e de
cálculo das prestações (designadamente das pensões) em sentido mais exigente,
desde que por motivos justificados (nomeadamente a sustentabilidade financeira
do sistema) e desde que isso só valha para o futuro (proibição de
retroactividade das restrições de direitos fundamentais) (no mesmo sentido,
Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, 2005, págs.
63-64).
Mesmo o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, nesta linha geral de
entendimento, que os contribuintes para os sistemas de segurança social não
possuem qualquer expectativa legítima na pura e simples manutenção do status quo
vigente em matéria de pensões (cfr. o acórdão n.º 99/99 e a jurisprudência nele
citada e, mais recentemente, os acórdãos n.ºs 302/2006 e 351/2008).
Como se deixou já referido, o regime de determinação dos montantes das pensões,
que provinha do Decreto-Lei n.º 329/93 e em certa medida era ainda tributário do
modelo concebido nos anos 60, foi profundamente alterado pela Lei de Bases da
Segurança Social aprovada pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que estipulou o
princípio segundo o qual o cálculo de pensões de velhice devia ter por base os
rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
O Governo e os parceiros sociais, através do Acordo para a Modernização da
Protecção Social, de 20 de Novembro de 2001, comprometeram-se entretanto a
adoptar medidas destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de
segurança social, incluindo no que se refere à reformulação do cálculo das
pensões, e nessa sequência foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de
Fevereiro, que veio estabelecer como regra a consideração, para efeitos do
cálculo da pensão, das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira
contributiva, medida que era justificada não só pela necessidade de assegurar
sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, mas também por
razões de justiça social.
Como a Lei de Bases preconizava, no entanto, que o novo regime de cálculo de
pensões fosse implementado de modo gradual e progressivo, o Decreto-Lei 35/2002
previa uma norma transitória, destinada a salvaguardar os direitos em formação,
pela qual os beneficiários já inscritos à data da entrada em vigor dessa lei
(até 31 de Dezembro de 2001) poderiam optar pelo montante de pensão que fosse
mais favorável, considerando as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93, ou
do Decreto-Lei n.º 35/2002, ou ainda uma combinação proporcional de ambas
(artigos 12º e 13º).
Posteriormente, porém, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os
parceiros sociais, que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que
pretendeu realizar dois objectivos essenciais: (i) acelerar o prazo de transição
para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introduzir um limite superior
para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva
(Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de Outubro de 2006).
São precisamente esses objectivos que surgem plasmados no novo regime
transitório do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
Os artigos 33º e 34º, como já se explanou, visam dar concretização prática ao
princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões,
tornando aplicável aos contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (e,
portanto, àqueles cuja carreira contributiva decorreu em parte ainda na vigência
do Decreto-Lei n.º 329/93) uma fórmula proporcional de cálculo da pensão em que
se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma
parcela calculada de acordo com as antigas regras de cálculo (em que relevam os
melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva), e uma outra parcela
cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, segundo o
regime que já provinha do Decreto-Lei n.º 35/2002.
Entretanto, os beneficiários que se tenham inscrito a partir de 1 de Janeiro de
2002, e, portanto, já no domínio do Decreto-Lei n.º 35/2002, ficam integralmente
sujeitos às novas regras de cálculo que haviam sido instituídas por esse diploma
legal, em que se tem apenas em linha de conta as remunerações registadas de toda
a carreira contributiva (artigo 32º).
Em todo este contexto, a limitação do montante da pensão nos termos do artigo
101º, n.º 1, não é mais do que um factor de correcção da parcela da pensão que
deva ser calculada ainda segundo as antigas regras do Decreto-Lei n.º 329/93,
destinado a impedir que, apesar da interferência de uma fórmula proporcional de
cálculo, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser excessiva em termos
de equidade contributiva.
Sublinhe-se a este propósito que a norma do artigo 101º não impõe um limite
absoluto ao montante das pensões, permitindo antes, através das excepções
contempladas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, que a parcela da pensão que deva ser
calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93 (P1) possa ultrapassar 12 vezes
o IAS quando ela seja inferior à parcela que resulta da aplicação das regras do
Decreto-Lei n.º 187/2007 (P2), e que, de outro modo, a pensão seja calculada
segundo o critério geral do artigo 32º, quando ambos os valores (P1 e P2)
excedam o limite de 12 vezes o IAS.
A introdução destes desvios evidencia que o limite superior da pensão, tal como
previsto no artigo 101º, n.º 1, tem apenas como objectivo uma maior moralização
do sistema, deixando de funcionar nos casos em que o montante da pensão, ainda
que de valor elevado, espelha de uma forma uniforme a carreira contributiva do
beneficiário e cumpre assim de uma forma aproximativa o princípio da
contributividade.
Analisando toda a evolução legislativa na perspectiva da protecção da confiança,
à luz dos parâmetros já há pouco enunciados, há diversas ordens de considerações
que deverão ser tidas em linha de conta:
(a) a fórmula do artigo 33.º, n.º 1, e o limite imposto no artigo 101.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 187/2007 inserem-se no quadro de uma política geral de
sustentação do sistema de segurança social que saiu reforçada, em especial, a
partir da Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei n.º 17/2000, de 8 de
Agosto) e que dá cumprimento ao imperativo de sustentabilidade financeira do
sistema de segurança social, consagrado no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição;
(b) o legislador pretendeu instituir um regime globalmente mais justo, assente
na necessidade de basear o cálculo do montante das pensões nas remunerações
valorizadas de toda a carreira contributiva, e não apenas num intervalo de tempo
limitado, evitando situações de injustiça relativa entre beneficiários;
(c) o regime de cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva
passou a ficar imperativamente consagrado na Lei de Bases de 2002, que fixou
também o princípio da contributividade nos termos em que se encontra actualmente
formulado (artigos 30º e 40.º, n.º 3, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro),
mas remonta já à Lei de Bases de 2000, que preconizou uma transição gradual e
progressiva para essas novas regras de cálculo (artigo 57, n.º 3, da Lei n.º
17/2000);
(d) quer as medidas legislativas referentes à reformulação do cálculo das
pensões (estabelecida pela Lei n.º 32/2002), quer as relativas à aceleração do
prazo de transição para a nova fórmula de cálculo e à limitação do montante das
pensões (decorrentes da Lei n.º 4/2007) foram acordadas entre o Governo e os
parceiros sociais no âmbito do Conselho Económico e Social, tendo obtido, nesse
plano, legitimação política e social;
(e) o legislador institui um sistema gradual de transição para o novo regime de
cálculo, estabelecendo primeiramente uma garantia de montante de pensão mais
favorável (artigo 13º da Decreto-Lei n.º 35/2002) e depois um regime transitório
baseado numa fórmula proporcional de cálculo em que relevam as antigas e as
novas regras de cálculo;
(f) o estabelecimento de um limite superior ao montante da pensão é justificado,
pelo legislador, por razões de justiça social e de equidade contributiva;
g) a pensão fixada nos termos do artigo 101º, n.º 1, é, apesar de tudo, mais
favorável do que a que resulta, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de
Janeiro de 2002, da aplicação do critério geral do artigo 32º, que tem em
consideração toda a carreira contributiva.
Não pode dizer-se, em todo este condicionalismo, que a mutação da ordem jurídica
tenha afectado de forma inadmissível as expectativas das pessoas abrangidas por
esse novo regime de transição e que essa tenha sido uma alteração legislativa
com que, razoavelmente, os destinatários não poderiam contar.
E não pode deixar de reconhecer-se que a limitação do montante da pensão,
entendida no quadro mais geral da reforma do sistema de segurança social, se
encontra justificada pela necessidade de salvaguardar interesses
constitucionalmente protegidos que devem considerar-se prevalecentes, como o
princípio da justiça intergeracional e o princípio da sustentabilidade.
Não assume particular relevo, neste contexto, a circunstância de o Decreto-Lei
n.º 327/93, ao pretender efectivar o direito à segurança social dos membros dos
órgãos estatutários das pessoas colectivas, ter vindo a permitir que estes
pudessem optar pelo pagamento de contribuições com base no valor real das
respectivas remunerações (artigo 11º).
Na verdade, os titulares de órgãos das pessoas colectivas estavam dispensados de
contribuir para a segurança social em função das remunerações efectivamente
auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua obrigação contributiva tomando
como base de incidência um limite mínimo correspondente ao valor da remuneração
mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e
um limite máximo igual a 12 vezes o valor dessa mesma remuneração mínima (artigo
9º, n.º 1). No entanto, essa limitação desaparecia por livre opção dos
interessados, desde que exercida até aos 55 anos, permitindo-se que procedessem
ao pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações na fase
final da sua actividade profissional (artigo 11º).
Essas pessoas podiam assim beneficiar de um tecto remuneratório durante grande
parte da carreira contributiva, podendo mesmo efectuar descontos para a
segurança social por referência à remuneração mínima legalmente permitida, e
aumentar exponencialmente as suas contribuições no limiar da entrada no período
relevante para o cálculo da pensão, segundo o regime então vigente, por forma a
obterem uma pensão mais elevada (que seria calculada com base nos melhores 10
anos dos últimos 15 da carreira contributiva).
Independentemente das situações de manipulação deliberada do cálculo do montante
da pensão, que a lei objectivamente potenciava, o regime legal permitia a uma
categoria de contribuintes obter pensões de valor elevado que não tinham
correspondência com os rendimentos médios declarados ao longo da carreira
contributiva.
Em todo o caso, importa notar que a fórmula de cálculo da pensão aplicável a
esses beneficiários, segundo o novo regime, é mais favorável que a que resulta
da aplicação do critério geral, visto que permite que uma parcela da pensão seja
ainda apurada em função dos últimos anos da carreira contributiva. E, por outro
lado, o limite superior da pensão imposto pelo artigo 101º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 187/2007 tem um efeito correctivo, destinando-se a impedir que a
ponderação da parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as antigas
regras conduza a um valor desproporcionado, por virtude da concentração de
contribuições mais elevadas nos últimos anos da actividade profissional, não
sendo já aplicável, por força das excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo
101º, nas situações em que se efectuaram descontos elevados durante toda a
carreira contributiva ou houve uma regressão do volume das contribuições na fase
final da actividade profissional.
Sendo certo que os titulares de órgãos de pessoas colectivas beneficiavam de um
regime privilegiado, e de sinal diametralmente oposto às exigências da
sustentabilidade do sistema, não é possível afirmar que seria expectável, contra
toda a evidência, a continuidade, no futuro, desse regime.
Para além de que não estamos aqui perante quaisquer direitos adquiridos mas
meros direitos em formação, relativamente aos quais o legislador apenas estava
vinculado a estabelecer um regime transitório que, com respeito pelo princípio
da proporcionalidade, permitisse relevar os períodos contributivos cumpridos ao
abrigo da legislação anterior.
A norma do artigo 101º, n.º 1, não viola, por conseguinte, o princípio da
protecção da confiança.
Princípio da proporcionalidade
5. Alega, ainda, o Provedor de Justiça que o limite do artigo 101.º, n.º1, viola
o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso na medida em que o
seu objectivo seja sancionar quem geriu ou manipulou as contribuições para a
segurança social descontando desproporcionadamente mais nos anos da carreira
contributiva relevantes para o cálculo da pensão do que nessa carreira
contributiva considerada no seu todo.
Nesta medida, entende o requerente que a norma não é adequada pois abrange,
também, todas as pessoas que não determinaram (por não poderem ou quererem) o
valor da sua pensão, o que sucede nomeadamente com a generalidade dos
trabalhadores por conta de outrem.
Neste caso, parece ter-se pretendido pôr em causa a própria idoneidade ou
aptidão do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei.
Como observa Reis Novais, o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que
as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais
rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente
do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objectiva
e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial
da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea
quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do
resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente
dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será susceptível de ser
invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham
a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a
aproximação do fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República
Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167-168).
No caso vertente, seria uma petição de princípio afirmar que o objectivo da
regra é sancionar situações de manipulação de pensão. Na verdade, o objectivo da
norma é repor, na medida do possível, a equidade contributiva, efectuando uma
aproximação ao princípio da equivalência entre as contribuições e as prestações.
Objectivamente o regime precedente propiciava a obtenção de pensões mais
elevadas através do aproveitamento, para efeito do cálculo do montante da
pensão, do período contributivo mais favorável da fase final da actividade
profissional. A nova lei intentou uma alteração estruturante do sistema de
segurança social, com base em razões de justiça social e de sustentabilidade
financeira, visando assegurar que a pensão reproduza com maior fidelidade as
remunerações auferidas ao longo da vida profissional.
O regime legal não foi pois estabelecido em vista de exigências pragmáticas de
combate a situações de aproveitamento de deficiências legais para obtenção de
benefícios injustificados, mas é antes a decorrência de um critério de cálculo
do montante de pensões que se entende socialmente mais justo e que pretende
responder, nesse plano, às modificações resultantes das alterações demográficas
e económicas que têm reflexo no sistema de segurança social.
Não pode dizer-se, neste contexto, que a fixação de um limite superior da
pensão, abrangendo indistintamente quem tenha ou não manipulado o cálculo da
pensão, deixe de contribuir para esse desígnio legislativo, nada permitindo
concluir no sentido da invocada violação do princípio constitucional da
proporcionalidade.
Princípio da igualdade
6. Alega o requerente que a limitação do valor das pensões não é genericamente
estabelecida pelo legislador, antes se destina a uma categoria bem determinada
de destinatários - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - e, entre estes, de
forma mais gravosa, atendendo ao nível das expectativas criadas, os que iniciem
a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a
direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade.
Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento
normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que
realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não
significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que
ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam
a definição de um novo regime legal.
Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico
a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar
com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para
situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade
não opera diacronicamente (acórdãos nº 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros
publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7º vol, pág. 42, e 11º vol.,
pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos
n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08).
É elucidativo, a esse propósito, o acórdão n.º 99/04, onde se discutia um caso
de sucessão de regimes de aposentação e se concluía:
Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime
decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma
apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante
para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão nº
467/03, publicado no Diário da República – II Série, de 19/11/03, págs.
17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de
comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão
no tempo, vistos – tal como aqui sucede – na perspectiva do princípio da
igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto
constitucional, “em termos diacrónicos”.
Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa
proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido
de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar
qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de
destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como
a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam praticamente eliminadas
se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado
a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os
direitos por ele criados (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, págs. 408-409).
É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela
jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do acórdão
n.º 509/2002:
Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a
generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da
concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a
liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se
distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar,
suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar,
com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir
exequibilidade» (cfr. acórdão nº 474/02), a margem de liberdade do legislador
para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já
que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa
pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e
terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso
tratado no já referido acórdão nº 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode
funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância
democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal,
inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas
assumam o carácter de opções legislativas fundamentais.
A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir
«o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos
ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou
aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Coimbra, págs. 339-340). Ou,
ainda, como sustenta Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo
do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo
do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade
manifesta do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., págs.
410-411).
Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O
que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio
da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste
sentido, também, Reis Novais, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais –
o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10).
No caso concreto, já vimos que o novo regime legal não envolve uma directa
violação do princípio da protecção da confiança e do princípio da
proporcionalidade.
Assente, por outro lado, que o legislador dispõe de liberdade de conformação
para modificar o sistema legal, designadamente em matéria de direitos sociais, e
estabelecer aí diferenciações de regime (fora das situações limite em que se
encontre condicionado pelo princípio da proibição do retrocesso social), a única
questão que pode colocar-se, no estrito plano da igualdade é a possível violação
da proibição do arbítrio.
É patente, porém, que a delimitação do campo subjectivo de aplicação da fórmula
proporcional do cálculo do montante das pensões, bem como do limite superior do
valor da pensão, apenas por referência aos beneficiários inscritos até 31 de
Dezembro de 2001 não é, de nenhum modo, uma medida arbitrária.
O novo critério do cálculo das pensões, tomando por base os rendimentos de
trabalho revalorizados de toda a carreira contributiva, foi estabelecido pelo
Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, para produzir efeitos a partir de 1
de Janeiro de 2002. E esse diploma passou, desde logo, a prever um regime de
transição para os interessados que a essa data se encontrassem já inscritos no
regime de segurança social, de modo a tutelar os direitos em formação, e que
permitia, na prática, que continuassem a ser aplicadas, quando mais favoráveis,
as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93 (artigos 12º e 13º).
O Decreto-Lei n.º 187/2007, no ponto em que tinha como objectivo a aceleração do
período de passagem à nova fórmula de cálculo e a introdução de um limite às
pensões mais elevadas, não poderia deixar de incidir sobre o universo de
contribuintes que se encontravam abrangidos pelo regime transitório do anterior
diploma - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - , visto que todos os demais
beneficiários, tendo efectuado a sua inscrição no sistema previdencial
posteriormente a essa data, e, portanto, já na vigência do novo regime de
cálculo das pensões instituído pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, estavam já sujeitos
ao regime geral decorrente deste diploma.
Por outro lado, através da segmentação dos períodos de transição, aplicando
cálculos com diferentes modulações para os que iniciem a pensão até 31 de
Dezembro de 2016 ou após essa data, o legislador mais não pretendeu, em ordem ao
objectivo traçado, do que assegurar que a parcela da pensão que deverá ser
calculada segundo as novas regras (P2) venha a assumir proporcionalmente um
maior peso relativo na média ponderada das duas fórmulas de cálculo.
Como logo se entrevê, não faz qualquer sentido pretender que a limitação do
montante da pensão (que integra o regime transitório aplicável aos inscritos até
31 de Dezembro de 2001) devesse ser genericamente prevista para todos os
beneficiários.
Por um lado, a aplicação de um factor correctivo do limite da pensão só tem
cabimento em relação àqueles que, por se encontrarem abrangidos pelo regime de
transição, beneficiam ainda da aplicação parcial do regime de cálculo, mais
favorável, do Decreto-Lei n.º 329/93, e que propiciava, especialmente em relação
aos titulares de órgãos de pessoas colectivas (que estavam dispensados de
qualquer limite contributivo), a obtenção de pensões muito elevadas.
Por outro lado, o novo critério de cálculo das pensões, baseado no princípio da
contributividade e justificado por razões de sustentabilidade financeira do
sistema, aplicável integralmente aos beneficiários inscritos a partir de 1 de
Janeiro de 2002, integra ele próprio já mecanismos de contenção do valor da
pensão, quer através da ponderação das remunerações auferidas durante toda a
carreira contributiva (artigo 28º), quer por via da aplicação de taxas de
formação regressivas para os níveis remuneratórios mais elevados (artigo 32º),
quer ainda pela introdução de um factor de sustentabilidade relacionado com o
indicador de esperança média de vida (artigo 35º).
Acresce que através do regime previsto no artigo 33º, o legislador prolongou o
período de transição para além do limite temporal de 31 de Dezembro de 2016 (que
era estipulado no Decreto-Lei n.º 35/2002) para, mediante uma diferenciação de
fórmulas de cálculo por referência a essa data, assegurar uma progressiva e
gradual aproximação do montante da pensão daquele que resultaria da aplicação
das novas regras de cálculo.
E, desse modo, garante a aplicação de um princípio de proporcionalidade,
salvaguardando de forma mais intensa as expectativas daqueles que se encontram
mais próximos da situação de reforma.
Não há, por conseguinte, qualquer motivo para considerar verificada a violação
do princípio da igualdade.
Princípio da contributividade
7. O requerente entende, ainda, que a norma do artigo 101.º, n.º 1, enferma de
ilegalidade, por violação do princípio da contributividade consagrado no artigo
54º da Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, no ponto em que impõe
um limite superior à parcela da pensão calculada nos termos do Decreto-Lei n.º
329/93 sem prever a correspondente devolução das contribuições que tenham sido
pagas e deixem de ter reflexo no cálculo do montante da pensão.
Neste caso, o pedido parece fundamentar-se em ilegalidade por violação de lei de
valor reforçado – a que se reconduziria a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro,
enquanto caracterizável como lei de bases -, correspondendo a um pedido de
declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, nos termos do artigo
281º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
Independentemente da correcção da qualificação do vício apontado, o argumento
mostra-se ser improcedente.
A Constituição é omissa sobre o financiamento do sistema de segurança social,
limitando-se a dizer que cabe ao Estado subsidiar esse sistema, implicando que
este constitua, em parte, um encargo estadual que deverá ser suportado pelo
respectivo orçamento (artigo 63º, n.º 2). O que pressupõe - ou, pelo menos, não
exclui -, um financiamento privado directo através das contribuições dos
beneficiários.
A norma abre, por conseguinte, um amplo campo de liberdade de conformação
legislativa, quer quanto à concretização das fontes e formas de financiamento,
quer quanto à afectação dos recursos financeiros aos objectivos de protecção
social (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob cit., pág. 817; Jorge Miranda/Rui
Medeiros, ob cit., pág. 648).
A actual Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, contempla um sistema de
protecção social, que engloba os subsistemas de acção social, de solidariedade e
de protecção familiar, cujos objectivos são de prevenção e reparação de
situações de carência, erradicação de situações de pobreza e de exclusão, e
compensação de encargos familiares acrescidos (artigos 26º a 49º), e um sistema
previdencial, que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de
rendimentos de trabalho por virtude de certas eventualidades definidas na lei
(artigos 50º a 66º). Mas prevê igualmente um sistema complementar, que
compreende um regime público de capitalização, de adesão voluntária individual,
e cuja organização e gestão é da responsabilidade do Estado, e regimes de
iniciativa colectiva ou de iniciativa individual, de instituição facultativa,
que, em qualquer caso, deverão articular-se com o sistema previdencial, e estão
sujeitos a mecanismos de regulação, supervisão e garantia (artigos 81º a 86º).
Os subsistemas de protecção social, destinados a garantir direitos básicos dos
cidadãos e a promover a igualdade de oportunidades (artigo 26º), são regimes não
contributivos, que, como tal, são financiados por transferências do Orçamento do
Estado e por consignação de receitas fiscais (artigo 90º, n.º 1). Os regimes
complementares são da responsabilidade financeira das pessoas ou entidades
instituidoras, embora o seu desenvolvimento possa ser estimulado através de
incentivos estaduais (artigo 81º, n.º 2). Por seu lado, as prestações
substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito
do subsistema previdencial, são financiadas por quotizações dos trabalhadores e
por contribuições das entidades empregadoras (artigo 90º, n.º 2).
O princípio da contributividade está consignado no artigo 54º da Lei de Bases da
Segurança Social, disposição que se insere no capítulo referente ao sistema
previdencial (Capítulo III), e encontra-se enunciado nos seguintes termos: «[o]
sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base
uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o
direito às prestações».
O mesmo princípio estava consagrado, em idênticos termos, na precedente Lei de
Bases (art. 30.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro), e constava ainda da
anterior Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, através da seguinte formulação: «[o]
subsistema previdencial tem por base a obrigação legal de contribuir».
A referência legal a uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal
de contribuir e o direito às prestações parece pressupor um princípio
contratualista de correspectividade entre os direitos e obrigações que integram
a relação jurídica de segurança social. Mas diversos outros indicadores apontam
no sentido de que o legislador pretendeu apenas referir-se à necessária
interdependência entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir, o
que não significa que exista uma directa correlação entre a contribuição paga e
o valor da pensão a atribuir (cfr. Ilídio das Neves, Direito da Segurança
Social. Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996, págs.
303 e segs.).
Em primeiro lugar, o âmbito material do sistema previdencial não se circunscreve
às pensões de invalidez e velhice, mas abrange diversas outras eventualidades
que determinam perda de rendimentos de trabalho, como a doença, maternidade,
paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças
profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que a protecção social
que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em função da
necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52º da Lei n.º
4/2007).
E, pela natureza das coisas, não há, em relação a cada situação e categoria de
beneficiários, uma plena correspondência pecuniária entre os valores
comparticipados ao longo da carreira contributiva e os benefícios obtidos em
consequência da verificação das eventualidades que se encontram cobertas pelo
sistema previdencial.
Por outro lado, a obrigação de contribuir não impende apenas sobre os
beneficiários, mas também, no caso de exercício de actividade profissional
subordinada, sobre as respectivas entidades empregadoras (obrigação que para
estas se constitui com o início do exercício da actividade profissional dos
trabalhadores ao seu serviço - artigo 56º, n.ºs 1 e 2), sendo o respectivo
montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às remunerações
que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57º, n.º 1).
Além disso, a lei pode prever limites contributivos, quer através da aplicação
de limites superiores aos valores das remunerações que servem de base de
incidência, quer por via da redução da taxa contributiva, isto é, do valor em
percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a determinação do
quantitativo exacto da contribuição ou quotização (artigo 58º).
Acresce que a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de
exercício de actividade dos trabalhadores por conta de outrem, que lhes não seja
imputável, não prejudica o direito às prestações (artigo 61º, n.º 4), e na
determinação dos montantes das prestações podem ser tidos em consideração, para
além do valor das remunerações registadas, que constitui a base de cálculo,
outros elementos adicionais, como a duração da carreira contributiva e a idade
do beneficiário (artigo 62º, n.ºs 1 e 2).
A lei garante ainda a atribuição de uma pensão mínima quando a prestação
resultante da aplicação das normais regras de cálculo se mostre inferior ao
valor legalmente previsto (artigo 62º, n.º 3) e, no sentido inverso, introduziu
um factor de sustentabilidade no cálculo do montante da pensão, que permite uma
regressão do seu valor em função da alteração da esperança média de vida (artigo
64º).
O Decreto-Lei n.º 187/2007 veio concretizar alguns destes princípios gerais,
definindo o regime de atribuição do valor mínimo de pensão (artigo 44º), fixando
em 40 anos o limite máximo de duração da carreira contributiva relevante para a
formação da pensão, e que será considerado ainda que esta tenha excedido de
facto esse período temporal (artigos 28º, n.º 2, e 29º, n.º 2), e estabelecendo
a fórmula pela qual o factor de sustentabilidade interfere no cálculo do
montante da pensão (artigos 26º, n.º 2, e 35º). Mas estipulou também critérios
diferenciados de cálculo das pensões que permitem o favorecimento das carreiras
mais longas, através da progressão da taxa de formação da pensão (artigos 29º,
n.º 1, 30º, 31º e 32º, n.ºs 1 e 2), e, bem assim, o favorecimento dos titulares
de menores rendimentos por via da regressão da taxa de formação na proporção
inversa do nível de grandeza da remuneração de referência (artigos 31º, n.º 1, e
32º, n.º 2, alíneas a) a e)).
Todos os referidos aspectos do regime legal conduzem a concluir que o cálculo do
montante da pensão não corresponde à aplicação de um princípio de
correspectividade que pudesse resultar da capitalização individual das
contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num
princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade
colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se
concretiza, num dos seus vectores, pela transferência de recursos entre cidadãos
– cfr. artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei n.º 4/2007 (neste sentido,
João Loureiro, ob. e loc. cit.).
O sinalagma a que se alude no artigo 54º da Lei de Bases não pretende
significar, por conseguinte, a existência de um vínculo de correlatividade entre
o montante da pensão e o valor das remunerações sobre que incidiram as
contribuições; antes revela um nexo de dependência recíproca que se estabelece
entre duas obrigações: a obrigação contributiva, que recai sobre os
beneficiários e entidades empregadoras, e a obrigação prestacional, que incumbe
ao Estado, através das instituições de segurança social (quanto a estes
conceitos, Ilídio das Neves, ob. cit., págs. 354-357 e 440-441).
Nestes termos, o princípio da contributividade, tal como se encontra formulado
no artigo 54º da Lei n.º 4/2007, pretende caracterizar essencialmente a ideia de
autofinanciamento do sistema previdencial, distinguindo essa modalidade de
protecção social, daquelas outras que assentam em regimes não contributivos.
E o que é da maior importância notar é que, por força do novo critério do
cálculo das pensões, baseado nos rendimentos de trabalho de toda a carreira
contributiva, o princípio da contributividade passa igualmente a pressupor que a
relação sinalagmática, com o já assinalado sentido compreensivo, se estabelece
entre o direito à atribuição de uma pensão e a obrigação de contribuir durante
toda a actividade profissional de acordo com as remunerações reais que tiverem
sido auferidas.
Por isso que a alteração legislativa apareça justificada por considerações de
justiça social e de equidade contributiva (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º
35/2002).
Em todo este contexto, bem se compreende que o legislador não tenha previsto a
devolução das contribuições que, em resultado do disposto no artigo 101º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 187/2007, não devam ser consideradas por efeito do
estabelecimento do limite superior da pensão.
Na verdade, essa disposição integra o regime transitório aplicável aos
beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (antes do início de vigência
das novas regras de cálculo) e cuja pensão de reforma é calculada através da
fórmula proporcional prevista nos artigos 33º e 34º, em que releva uma parcela
que é ainda apurada segundo o critério do Decreto-lei n.º 329/93, para a qual
apenas interessa considerar os 10 melhores dos últimos 15 da carreira
contributiva.
E é sobre essa parcela que recai o referido limite, que é fixado em 12 vezes o
Indexante dos Apoios Sociais.
Esse regime é, ainda assim, mais favorável do que aquele que resulta da
aplicação das regras gerais do artigo 32º, em que se tem em linha de conta, para
efeito do cálculo do montante da pensão, as contribuições de toda a carreira
contributiva.
Visando o legislador, como se deixou esclarecido, acelerar a transição para a
nova fórmula de cálculo, a desconsideração de parte das contribuições efectuadas
sobre as remunerações mais elevadas de um determinado período da actividade
profissional, por efeito da imposição de um valor máximo ao montante da pensão,
constitui uma (outra) medida legislativa de concretização do princípio da
contributividade tal como é hoje entendido. No ponto em que, em relação a esse
universo de beneficiários, atenua a disparidade do sistema, por via da
introdução de um factor correctivo, e possibilita uma aproximação ao regime
geral.
Não estando aqui em causa uma qualquer violação dos princípios da protecção da
confiança, da proporcionalidade ou da igualdade, como se constatou, a norma em
apreço não contraria também o princípio da contributividade, e antes constitui
um expediente jurídico destinado a realizar, de um modo mais eficiente, em
relação àquele conjunto de beneficiários, a aplicação desse princípio.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a
inconstitucionalidade nem a ilegalidade das normas resultantes do artigo 101.º
do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, quando conjugadas com as dos artigos
33.º e 34.º do mesmo diploma.
Lisboa, 22 de Abril de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Mário José de Araújo Torres
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos