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Processo n.º 34/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
(Conselheira Ana Guerra Martins)
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Na presente acção emergente de acidente de trabalho, o Tribunal da Relação do
Porto, por acórdão de 19 de Novembro de 2007, recusou a aplicação da norma do
n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, com fundamento na sua
inconstitucionalidade, no ponto em que determina que o pedido de revisão da
pensão por modificação da capacidade de ganho da vítima apenas pode ser
formulado dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
Interposto, pelo Ministério Público, recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, a então relatora proferiu decisão sumária, por remissão
para anterior jurisprudência, declarando a referida disposição inconstitucional
por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado no artigo
59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Contra essa decisão deduziu o Ministério Público reclamação para a conferência
por entender que a questão a decidir, dada a especificidade do caso, não poderia
ser qualificada como simples, para efeito de ser apreciada em decisão sumária.
Tendo sido deferida a reclamação, no prosseguimento do processo, o Ministério
Público veio a apresentar alegações em que conclui do seguinte modo:
1ª - A norma constante do nº 2 da Base XXII da Lei nº 2127, ao consagrar um
prazo – absolutamente preclusivo – de 10 anos, contados da fixação da pensão,
para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com
fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, é materialmente
inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f) da Constituição.
2ª - Não deverá – salvo melhor opinião – condicionar decisivamente tal
julgamento de inconstitucionalidade a circunstância “fáctica” de terem ou não
ocorrido actualizações intercalares da pensão: na verdade, sendo evidente que
estas indiciam a existência de um processo patológico evolutivo, tornando
absolutamente injustificada a aplicação rígida do referido prazo de caducidade,
não poderá excluir-se que – à semelhança do que ocorre no direito civil – seja
relevante um recidiva ou recaída tardia, desde que naturalmente o sinistrado
faça prova cabal do nexo causal existente entre o acidente e o agravamento das
lesões.
3ª - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
formulado no acórdão recorrido.
Não houve contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
2. Como resulta dos elementos dos autos, na presente acção emergente de acidente
de trabalho, foi atribuída ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial
para o trabalho de 20% por acidente de trabalho sofrido em 11 de Maio de 1993,
com o consequente abono da correspondente pensão, que foi fixada em 7 de Junho
de 1996.
Um primeiro pedido de revisão, formulado ainda dentro do prazo cominado no n.º 2
da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, foi indeferido, por
despacho de 10 de Março de 2003, por se considerar que se não tinha verificado
um agravamento das lesões que justificasse a modificação da capacidade geral de
ganho do sinistrado.
Um segundo pedido de revisão foi indeferido, em primeira instância, por ter
entretanto decorrido o prazo de dez anos a que se refere aquele preceito.
Em recurso, o Tribunal da Relação do Porto, através da decisão ora recorrida,
ordenou a admissão e o posseguimento do incidente de revisão, desaplicando a
referida norma da Base XXII, n.º 2, da Lei nº 2127, por inconstitucionalidade,
no ponto em fixa um prazo preclusivo de dez anos para a formulação do pedido de
revisão, baseando-se para tanto na fundamentação constante do acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 147/2006.
3. A Base XXII da Lei de Acidentes de Trabalho de 1965, ao caso aplicável, sob
a epígrafe «Revisão das pensões», dispunha o seguinte :
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente
de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem
à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as
prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia
com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da
fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois
primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente
pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo
requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá
ser requerida uma vez no fim de cada ano.
Esta norma, entretanto revogada, foi praticamente reproduzida no artigo 25º da
referida Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que estabelece o novo regime
jurídico dos acidentes de trabalho.
Estando em causa o prazo preclusivo mencionado naquele n.º 2, para efeito da
admissibilidade da formulação de um pedido de revisão de pensões, deve começar
por dizer-se que a situação versada no citado acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 147/2006, que serviu de fundamento à decisão recorrida, não é inteiramente
convergente com o caso dos autos.
Naquele aresto estava em análise uma hipótese em que tinha ocorrido um anterior
pedido de revisão de pensão, ainda dentro dos dez anos posteriores à fixação da
pensão inicial, vindo a formular-se o seguinte juízo de inconstitucionalidade:
«[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa
reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma
do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no
sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, contados a
partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao
sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente
das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o
termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se
ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado».
No caso vertente, porém, houve um primeiro pedido de revisão que foi indeferido
por ausência do respectivo pressuposto legal – alteração da capacidade de ganho
do sinistrado em resultado do agravamento da lesão -, pelo que tudo se passa
como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas da lesão
naquele período de dez anos, de tal modo que o segundo pedido de actualização
surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por
referência àquele período de tempo.
A situação dos autos é, nestes termos, similar à analisada no acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 155/2003, em que se considerou que não é
inconstitucional a norma n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127 quando aplicada a um
caso em que não tinha sido formulado qualquer pedido de revisão de pensão dentro
do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial.
Como observou um autor, os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º
2127, e mantidos na Lei n.º 100/97, surgiram da «verificação da experiência
médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior
incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível
requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o
legislador fixou generosamente em dez anos)» (Carlos Alegre, Regime Jurídico dos
Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
É nesta perspectiva que se entendeu, no acórdão agora citado, que a
impossibilidade de obter a revisão da pensão por parte de quem não sofreu
qualquer agravamento ou recidiva no prazo de dez anos, como decorre do disposto
no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, não representa uma violação do princípio
da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido
uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois
habilitados a requerer sucessivas actualizações dessa pensão, mesmo que para
além desse prazo.
E esse ponto de vista encontra-se fundamentado, no aresto em referência, nos
seguintes termos:
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do
legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da
pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente
que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução
justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada.
Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de
revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da
capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva
determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se
poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da
igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se
como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento
jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que
requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer
sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um
decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas
daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da
fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no
primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no
segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente
ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
4. A questão suscitada pode, no entanto, merecer um outro desenvolvimento,
mormente quando se pretenda cotejar o regime decorrente do referido n.º 2, para
os sinistrados de acidente de trabalho, com o estabelecido no subsequente n.º 3,
relativamente aos beneficiários de pensão por doença profissional, ou ainda com
o previsto no artigo 567º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por
alteração de circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a
forma de renda.
O n.º 3 da Base XXII da Lei n.º 2127, já há pouco transcrito, determina, na
parte que agora mais interessa considerar, que «[n]os casos de doenças
profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é
aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em
qualquer tempo (…)». O que poderia sugerir a existência de uma diferenciação de
tratamento legislativo entre os sinistrados de acidente de trabalho, que não
poderiam obter actualizações da respectiva pensão quando se não tivesse
verificado qualquer evolução da lesão no período de dez anos, e os beneficiários
de pensão por doença profissional, que já estariam dispensados desse requisito
temporal.
Não sofre nenhuma contestação que o direito à justa reparação por danos
derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59º, n.º
1, alínea f)), e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 4ª edição, Coimbra, pág. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade
quer as vítimas de acidente de trabalho quer as de doença profissional.
O ponto é que, revertendo ao caso em apreço, não se detecta qualquer
diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente
de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no acórdão n.º
147/2006 quer no acórdão n.º 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3 da Base
XXII para a revisão de pensões por doença profissional. A possibilidade de a
revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese,
circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que
são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças
que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de
implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por
si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da capacidade de
ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por
acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação pa pensão
inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além
desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no
primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser
efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da
capacidade de ganho.
É justamente esse o entendimento em que se baseiam os citados acórdãos n.ºs
155/2003 e 147/2006, que só aparentemente são contraditórios. No primeiro deles,
julgou-se não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII quando aplicada
num caso em que, no decurso do período de dez anos após a fixação da pensão,
não tenha sido requerida qualquer actualização, assentando tal entendimento no
pressuposto de que houve, nessa circunstância, uma estabilização das sequelas da
lesão; no segundo, julgou-se inconstitucional a mesma norma quando interpretada
no sentido de impossibilitar a revisão da pensão, nos casos em que tenham
ocorrido actualizações da pensão, nesse mesmo período de dez anos, por então se
poder dar-se como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
O critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter
evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às
pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da
correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa
ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de
ulteriores pedidos de revisão.
A situação não é, no entanto, diversa da prevista para as pensões por doença
profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível
qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a
possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência
factual – a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro
decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal
quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a
avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se
opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões.
Seja como for, em qualquer das hipóteses consideradas e em última análise, terá
sempre de ser feita a demonstração processual, pelo interessado, de que a lesão
ou a doença é susceptível de agravamento que implique uma modificação da
capacidade de ganho e torne justificável a revisão da pensão independentemente
de qualquer limite temporal.
O que leva a concluir que não há, no essencial, mesmo do ponto de vista da
posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre
os regimes do n.º 2 e do n.º 3 da Base XXII que permita considerar verificada a
violação do princípio da igualdade.
5. A mesma consideração é aplicável quando se estabeleça como termo comparativo,
em relação ao disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, o que estatui, em
geral, o artigo 567º do Código Civil, no que concerne à indemnização cível sob a
forma de renda.
Essa é uma norma atinente à obrigação de indemnizar, aplicável, designadamente,
nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito, que permite ao tribunal,
atendendo à natureza continuada dos danos, e a requerimento do lesado, dar à
indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária (n.º
1), e que faculta a qualquer das partes a posibilidade de exigir a modificação
da sentença quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou,
quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração (n.º 2).
Trata-se de uma modalidade de que pode revestir-se a indemnização, quando não
seja possível assegurar a reconstituição natural, e que surge como contraposição
à indemnização em montante fixo. Tem lugar quando, em face das circunstâncias
concretas do caso, o tribunal considere preferível, havendo também interesse do
lesado, em fixar a indemnização em renda por virtude de a lesão ter provocado
uma diminuição permanente das possibilidades de trabalho do lesado ou um aumento
continuado das suas necessidades. E, no uso dessa faculdade, o julgador não pode
deixar de ter em conta a previsão do n.º 2 do artigo 567º, que abre a
possibilidade de o montante da renda ser corrigido em função de modificação
superveniente das circunstâncias relacionadas com a lesão.
Deste modo, a possibilidade de modificação do montante indemnizatório em que se
traduz a renda vitalícia, em resultado do agravamento das sequelas da lesão,
como prevê esse n.º 2, está, desde logo, condicionado a um juízo de prognose do
julgador, que tem por base a natureza continuada dos danos e a sua futura
evolução. E, neste ponto, não há essencialmente distinção entre o regime do
artigo 567º, n.º 2, do Código Civil e o da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127.
O ponto de dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de
revisão de pensões por acidente de trabalho (que pode justificar-se por simples
razões de segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito
civil.
Note-se, em todo o caso, que, considerado globalmente, o regime de efectivação
dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se apresenta objectivamente
mais desfavorável que o de responsabilidade civil por facto ilícito.
Desde logo, o direito de indemnização cível está sujeito a um prazo
prescricional curto, nos termos do artigo 498º do Código Civil, e segue as
regras processuais comuns, ao passo que o direito à reparação por acidente de
trabalho segue o processo especial regulado nos artigos 99º e seguintes do
Código de Processo de Trabalho, com patrocínio oficioso do Ministério Público e
sem sujeição a prazo de caducidade, com diversos outros mecanismos de garantia
de efectivação dos direitos, como seja a existência de uma fase conciliatória
preliminar.
Por outro lado, mesmo no domínio da Lei n.º 2127, a que pertence a norma arguida
de inconstitucional, a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está
fortemente orientada para assegurar o efectivo ressarcimento do trabalhador,
quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade
de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação
pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (Bases IX a
XIXI), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um
sistema de obrigatoriedade de seguro (Base XLIII), bem como uma forma de
responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (Base
XLV). Acresce que o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil
objectiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarciblidade
de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte
do empregador (Base XVII). Sendo que, em todo o caso, verificando-se os
pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, não está vedado ao
trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer
funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar-se,
em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e,
designadamente, o mencionado regime de fixação da indemmnização em renda, com
possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da
alteração de circunstâncias (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II
Vol., 2º Tomo, 3ª edição, Lisboa, pág. 190).
Em todo o caso, também neste plano de consideração, não é evidente que o regime
definido no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, represente uma violação do
princípio da igualdade.
6. Certo é que, conforme observa o Exmo Procurador-Geral Adjunto nas suas
alegações, um sistema juridico de revisão de pensões está sempre dependente da
demonstração do nexo causal entre o acidente e o agravamento da lesão, pelo que
a possibilidade de invocação de danos futuros adicionais resultantes do
acidente, independentemente de qualquer prazo de caducidade, apenas agravaria o
ónus processual do lesado que teria mais dificuldade em estabelecer a correlação
do dano superveniente com o acidente. Poderia assim não haver nenhum motivo para
o estabelecimento de um prazo limite, quando o lesado tem sempre o ónus de
provar que o agravamento posterior do dano está ainda relacionado com o
acidente.
O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na
concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças
profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá
colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação de um prazo
de dez anos para a admissibilidade da revisão – que, como se viu, tanto é
aplicável aos pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença
profissional não evolutiva -, é susceptível de violar o próprio direito
constitucional previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental.
Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação
por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos
na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao
modo de exercício do direito.
E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas
restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e
alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir
pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de
exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental».
Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar
efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar
gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão n.ºs 413/89,
publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Setembro de 1989, cuja
doutrina foi refirmada, designadamente, no acórdão n.º 247/02).
Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que,
segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo
sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se
mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos
na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil
dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados.
E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra
excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o
princípio da proporcionalidade.
Não há, pois, motivo para manter o julgado que, como se viu, assenta num
entendimento do Tribunal Constitucional que não é inteiramente transponível para
o caso dos autos.
III. Decisão
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e revogar a decisão
recorrida para que seja reformada em conformidade com o juízo agora formulado
quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins (tendo partido de uma interpretação liberal
da norma, considerei-a inconstitucional).
Gil Galvão