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Processo n.º 821/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 3 de Novembro de 2008, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra (TRC), de 16 de Julho de 2008, que negou provimento ao recurso por ele
interposto da sentença do Tribunal Judicial de Pombal, de 18 de Fevereiro de
2008, que, por seu turno, negara provimento ao recurso da decisão administrativa
que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120
dias, pela prática de uma contra‑ordenação prevista e punida pelo artigo 27.º,
n.º 2, com referência aos artigos 139.º e 146.º, todos do Código da Estrada.
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o
recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma do “artigo
132.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 114/94, de 3 de Maio,
e alterado pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro), por violação dos
artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa
(CRP), na medida em que o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não declarar a
verificação da prescrição do procedimento contra‑ordenacional, lançando mão,
para o efeito, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das
Contra‑Ordenações e Coimas/RGCOC), interpretou o citado artigo 132.º do Código
da Estrada (CE) no sentido de que as causas de suspensão e de interrupção
previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes do referido RGCOC se aplicam
subsidiariamente”, acrescentando:
«– Porém, o próprio Código da Estrada – na redacção que lhe foi
conferida pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro – veio dedicar,
específica e expressamente, um capítulo (Capítulo V) exclusivamente regulador
da prescrição do procedimento, das coimas e das sanções acessórias.
– Com efeito, o recurso às normas do RGCOC, após introdução de uma
norma expressa no próprio Código da Estrada reguladora da prescrição,
consubstancia uma violação dos direitos, liberdades e garantias e do direito de
defesa do arguido – artigo 32.º, n.º 10, da CRP –, dado que amplia, iníqua e
ilegitimamente, o período durante o qual o arguido poderá ver pender contra si
aquele procedimento («Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo
superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao
arguido a preparação da defesa, converte-se frequentemente em sofrimento
insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer
processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira
podem condicionar e comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo
a sua liberdade – in Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, Jorge Miranda e
Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, pág. 357); e dado que, por outro lado, essa
ampliação se sustenta na ‘repescagem’ de normas que se situam num plano de
exterioridade relativamente ao Código da Estrada, diminuindo, desta forma, a
extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.
– Concretizando: as garantias de defesa do arguido têm, não apenas
uma componente substancial, mas também uma componente formal e procedimental, a
qual aponta, inexoravelmente, para a impossibilidade de o julgador lançar mão,
baseado nos princípios da subsidiariedade, de um regime ‘ampliador’ dos prazos
de prescrição, quando, afinal, este prazo está devida e expressamente regulado
pela Lei que deve ser aplicada ao caso concreto (Código da Estrada – Capítulo
V).
– Assim, e em suma, o que se preconiza é que aquele artigo 132.º do
Código da Estrada deverá ser declarado inconstitucional – por violação do
conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, e, consequentemente, por violação do
artigo 18.º, n.º 3, in fine, ambos da CRP –, quando interpretado no sentido de
que, por via do mesmo, as causas de suspensão e de interrupção previstas nos
artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC têm aplicação subsidiária, no que a estas
matérias concerne em sede de Direito Estradal.»
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da
LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi,
das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
3. No presente caso, a questão de inconstitucionalidade foi
suscitada pelo recorrente na parte da motivação do recurso interposto para o
TRC sintetizada nas seguintes conclusões:
«A) Dos fundamentos a apreciar a título prévio:
1. Tendo em conta a data da alegada prática da infracção (11 de
Junho de 2005) e que sobre ela já passaram dois anos, o procedimento
contra‑ordenacional estradal encontra‑se extinto, por prescrição, nos termos do
artigo 188.º do Código da Estrada.
2. A existência neste de uma norma expressa relativa à prescrição
afasta, de acordo com o disposto no artigo 132.º do Código da Estrada, o regime
previsto nos artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC.
3. A aplicação das normas do RGCOC ao caso concreto, à luz dos
princípios informadores do direito contra‑ordenacional – enquanto restritivo de
direitos, liberdades e garantias –, consubstancia uma violação do previsto nos
artigos 18.º, n.º 3, e 32.º, n.º 10, da CRP, em conjugação com o artigo 188.º
do Código da Estrada.
4. Pugna‑se, portanto, pela inconstitucionalidade do disposto no
artigo 132.º do Código da Estrada – por violação dos referidos artigos 18.º e
32.º, n.º 10, da CRP –, na medida em que esse preceito (artigo 132.º) possa ser
interpretado no sentido de que ao regime da prescrição do procedimento por
contra‑ordenação rodoviária se aplicam, subsidiariamente, as causas de
suspensão e de interrupção previstas no artigos 27.º‑A e seguintes do RGCOC.
5. Tal entendimento amplia, iníqua e ilegitimamente, o período
durante o qual o arguido poderá ver pender contra si aquele procedimento,
ampliação essa que se sustenta na ‘repescagem’ de normas que se situam num plano
de exterioridade relativamente ao Código da Estrada, diminuindo, desta forma, a
extensão e o alcance do conteúdo essencial do artigo 32.º, n.º 10, da CRP.»
O acórdão recorrido julgou improcedente essa questão, com a seguinte
fundamentação:
«Prescrição do procedimento contra‑ordenacional:
Atenta a data da prática dos factos (11 de [Junho] de 2005) tem
aplicação o Código da Estrada na redacção introduzida […] pelo Decreto‑Lei n.º
44/2005, de 23 de Fevereiro.
Uma vez que entrou em vigor no dia 25 de Março de 2005, nos termos
do respectivo artigo 24.º
Em matéria de prescrição, o Código da Estrada apenas contém duas
normas – artigos 188.º e 189.º
Estas duas normas limitam‑se a definir o prazo da prescrição do
procedimento (artigo 188.º) e das penas aplicadas (artigo 189.º).
Definindo, para o que ora interessa, o artigo 188.º o prazo da
prescrição do procedimento contra‑ordenacional de 2 anos.
Não contendo o Código da Estrada qualquer norma relativa às causas
de suspensão ou interrupção da prescrição.
Ora, na falta de disposição especial sobre o regime da suspensão e
da interrupção ou de norma que afaste essa aplicação, é de aplicar o regime
geral definido para as contra‑ordenações e coimas, por efeito da articulação
entre o regime geral e o regime especial do Código da Estrada: onde não é
definido regime especial permanece o geral.
Em termos de interpretação sistemática, não faria qualquer sentido
o Código da Estrada definir um regime já definido no Regime Geral, a não ser que
quisesse afastar a sua aplicação – como sucede com a definição do prazo da
prescrição, em que houve a clara intenção de definir um regime diverso do Regime
Geral.
Aliás, o artigo 132.º do Código da Estrada, inserido no capítulo I,
relativo às ‘Disposições Gerais’ do Título VI (Da responsabilidade), prevê, de
forma expressa e inequívoca, a aplicação, às contra‑ordenações rodoviárias
reguladas pelo Código da Estrada, ‘subsidiariamente, do regime geral das
contra‑ordenações’.
Em contrapartida, a interpretação sustentada pelo recorrente
levaria ao absurdo de que, em matéria de contra‑ordenações previstas no Código
da Estrada, não vigoraria qualquer causa de suspensão ou interrupção da
prescrição.
Acresce que constituiu propósito do legislador, quando definiu o
prazo de prescrição de 2 anos, evitar a prescrição de inúmeras infracções a que
por efeito do regime geral cabia o prazo de 1 ano.
O propósito claramente assumido pelo legislador de 2005 foi
claramente oposto. Veja‑se o preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 44/2005, onde se lê,
além do mais: ‘porque as infracções ao Código da Estrada são actualmente
cometidas em massa, assegurar um incremento da eficácia do circuito de
fiscalização/punição … porquanto este tipo de infracções permite o
prolongamento excessivo dos processos’.
Pelo que, ao contrário do que sustenta o recorrente, não sofre
dúvida nem da letra nem do espírito do preceito a aplicação do regime da
suspensão e da interrupção da prescrição às contra‑ordenações previstas no
Código da Estrada.
Não sendo a interpretação sufragada, que emerge claramente do texto
e espírito da lei, desproporcionada e injustificada. Ao invés, a interpretação
proposta pelo recorrente é que redundaria numa ‘excepcionalidade’ de todo em
todo destituída de fundamento, ao conceder às contra‑ordenações previstas no
Código da Estrada um benefício de ‘extra‑territorialidade’, passando a caso
único de inexistência de causas de interrupção ou suspensão.
Sendo assim o entendimento, interessado, proposto pelo recorrente,
contrariado, além do texto explícito da lei, pela clara intenção do legislador
do Código da Estrada de conferir maior rigor ao regime sancionatório e impedir
a prescrição por efeito do abuso de expedientes processuais.
Aplica‑se, assim, o regime geral das causas de interrupção e
[suspensão da] prescrição.»
4. Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a
correcção da interpretação do direito ordinário feita pelas instâncias, antes
lhe cumpre aceitar a interpretação feita como um dado da questão de
constitucionalidade que lhe cabe sindicar. Isso é: no caso, não cabe ao
Tribunal Constitucional intrometer‑se na questão da atribuição, a nível da
interpretação do direito ordinário aplicável, de carácter subsidiário,
relativamente às normas sobre prescrição das contra‑ordenações constantes do
Código da Estrada, das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição
constantes do regime geral das contra‑ordenações.
Ora, o que, em rigor, o recorrente sustenta é que o acórdão
recorrido, ao atribuir essa aplicabilidade subsidiária a tais normas do regime
geral, teria violado normas e princípios constitucionais. Mas, assim sendo,
imputando o recorrente a violação da Constituição à decisão judicial recorrida,
em si mesma considerada, o recurso interposto surge como inadmissível, dado
que, como se referiu, só a questão da inconstitucionalidade de normas e já não a
questão da inconstitucionalidade de decisões judiciais constitui objecto idóneo
de recurso para o Tribunal Constitucional.
A isto acresce que a questão de constitucionalidade suscitada, se
fosse cognoscível, sempre seria de reputar manifestamente infundada, não se
vislumbrando como possa reputar‑se violador dos «direitos de audiência e
defesa» assegurados ao arguido em processo contra‑ordenacional pelo n.º 10 do
artigo 32.º da CRP, a mera extensão ao regime de prescrição das
contra‑ordenações previstas no Código da Estrada das regras sobre suspensão e
interrupção dos prazos prescricionais existentes – sem que, como tais, alguma
vez hajam sido arguidas de inconstitucionais – no regime geral do ilícito de
mera ordenação social.
Este Tribunal já teve oportunidade de, no Acórdão n.º 629/2005, «não
julgar inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos
143.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 114/94,
de 3 de Maio (com as alterações introduzidas pelos Decretos‑Leis n.ºs 2/98, de 3
de Janeiro, e 265‑A/2001, de 28 de Setembro), 29.º, n.ºs 1, alínea b), e 2,
30.º, alínea a), 31.º e 32.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (com
as alterações introduzidas pelo Decreto‑Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, e
pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), e 57.º, n.º 2, e 125.º, n.º 2, do
Código Penal, segundo a qual, em matéria contra‑ordenacional, nos casos de
suspensão da execução da sanção acessória, a suspensão da prescrição dessa
sanção, prevista na alínea a) do referido artigo 30.º, se mantém até ao
trânsito em julgado da decisão que revoga aquela suspensão da execução”, tendo,
para fundamentar essa decisão, expendido a seguinte argumentação:
«2.2. O recorrente, no requerimento de interposição de recurso,
fundou a arguição de inconstitucionalidade da aludida interpretação na violação
dos ‘artigos e princípios constitucionais consagrados no n.º 1 do artigo 30.º e
no artigo 32.º, n.ºs 1 e 8 (sic), da Constituição da República Portuguesa,
essencialmente, por ser violador do princípio e do instituto da não existência
de penas com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida e, nessa
base, das garantias de defesa do arguido’.
O fulcro da tese de inconstitucionalidade radica, portanto, na
configuração da sanção aplicada como uma sanção de duração indefinida, daí
derivando, reflexamente, uma diminuição das garantias de defesa.
Assim perspectivada, a questão de inconstitucionalidade suscitada
surge como manifestamente infundada.
Mesmo admitindo a extensão às sanções acessórias de natureza
contra‑ordenacional dos limites que o n.º 1 do artigo 30.º da CRP directamente
estatui para as penas e medidas de segurança, com postergação das de carácter
perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, o certo é que, no caso em
apreço, a sanção aplicada ao recorrente é de duração bem definida: 30 dias de
inibição de conduzir.
A questão de inconstitucionalidade que, em rigor, o recorrente
suscita respeita, pois, não à natureza indefinida da duração da sanção, mas ao
que ele designa por ‘uma sorte de imprescritibilidade das penas’.
Como é sabido, no ordenamento constitucional português, não existe
nenhuma norma constitucional que explicitamente consagre a regra da
imprescritibilidade das penas ou dos procedimentos criminal ou
contra‑ordenacional. No entanto, no Acórdão n.º 483/2002 (com dois votos de
vencido), tendo por objecto a questão da inconstitucionalidade de conjunto
normativo segundo o qual, no crime de propagação de doença contagiosa agravada
pelo resultado, o início do prazo de contagem da prescrição do procedimento
criminal é referido ao último resultado agravativo ocorrido, o Tribunal
Constitucional, embora não reconhecendo aos arguidos um verdadeiro ‘direito
subjectivo à prescrição’, fez realçar:
‘– que o instituto da prescrição se encontra sedimentado no
ordenamento jurídico português há variadíssimas décadas, não podendo, por
conseguinte, o legislador constituinte de 1976 ter sido alheio à respectiva
previsão tal como, em linhas gerais, se desenhava naquele ordenamento, ou seja,
não podendo o legislador do Diploma Básico ser indiferente à política criminal
e à dogmática que lhe estava subjacente, no que toca à repercussão que o
decurso do tempo tinha quanto à não efectivação do poder punitivo do Estado;
– que existem razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da
ideia de certeza e de paz jurídica, do Estado de Direito democrático e do
progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do
tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias
garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como
aquele;
– que estes valores têm assento constitucional e reclamam, por si,
que o citado instituto tenha de ser visto com um próprio valor constitucional
para o comum dos ilícitos, designadamente tratando‑se de crimes como aquele
cujo cometimento é assacado aos ora recorrentes;
– que é razoável que a sociedade, objectivamente considerada, possa
entender – ao menos enquanto se mantiverem em vigor na sua essencialidade os
preceitos que instituem a prescrição e rejam os respectivos prazos, modos de
ocorrência e contagem – que, uma vez decorrido o tempo previsto nesses
preceitos, não reclamam perseguição criminal os agentes de factos delituosos
cuja prática de há muito ocorreu, o que inculca que também é razoável que
aquela sociedade conte com que aquela perseguição não opere mediante normas ou
processos interpretativos de onde resulte, na realidade prática, a ineficácia
da actuação do instituto da prescrição.’
No caso concreto então em apreço, entendeu o Tribunal
Constitucional que ‘uma interpretação do conjunto normativo de que agora
tratamos (...) poderá, na prática, conduzir a verdadeiras situações de
imprescritibilidade, ou, na sua relevância jurídico‑constitucional, muito
próximas dela, por ter suspenso o termo inicial do prazo de prescrição até ao
último dos resultados agravativos, apesar de o crime já estar consumado com o
primeiro resultado’, que ‘levaria, na tese subjacente àquela interpretação, a
uma indeterminação do dies a quo do início do prazo prescricional,
indeterminação essa que era passível de se prolongar ad infinitum, não obstante
a acção indiciariamente ilícita, causadora daqueles posteriores eventos
agravativos, ter já de há muito ocorrido’, concluindo que ‘uma tal insegurança
e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível
decurso do tempo, aliadas, assim, à objectiva diminuição de garantias de defesa
dos arguidos, mostra‑se incompatível com aqueles mesmos princípios
constitucionalmente acolhidos’.
Independentemente da adesão que mereça este entendimento, é seguro
que ele não é transponível para o presente caso, desde logo porque então estava
em causa matéria criminal e o prazo de prescrição do procedimento criminal e
agora trata‑se de matéria contra‑ordenacional e do prazo de prescrição de uma
sanção acessória. Ao que acresce que não pode minimamente ser considerada
assimilável às situações referidas no Acórdão n.º 483/2002, em que seria
imprevisível a data em que iria ocorrer o último dos resultados agravativos, o
que foi entendido como significando uma ‘prática imprescritibilidade’ do crime
em causa, a situação dos presentes autos, em que a decisão judicial de
revogação da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir
foi proferida cerca de 7 meses após o momento em que, segundo o recorrente, se
teria consolidado o facto determinante daquela revogação, e num contexto em que
estão legalmente pré‑fixados os prazos máximos de prescrição, quer do
procedimento contra‑ordenacional (artigos 27.º, 27.º‑A e 28.º do RGCO), quer
das coimas e sanções acessórias (artigos 29.º a 31.º do RGCO). Na verdade, o
trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da sanção
acessória está, ele próprio, sujeito ao prazo máximo de prescrição do
respectivo procedimento contra‑ordenacional, pelo que não é exacta a afirmação
do recorrente de que não existe qualquer limite temporal para o início da
contagem do prazo de prescrição da sanção acessória, que a decisão ora
recorrida fez coincidir com aquele trânsito.
Conclui‑se, assim, no contexto da situação subjacente ao presente
recurso – que não pode deixar de ser tido em conta, uma vez que nos movemos no
âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade – que a interpretação
normativa acolhida na decisão recorrida não viola, nem os preceitos
constitucionais invocados pelo recorrente (artigos 30.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1,
da CRP), nem o invocado princípio da proibição da imprescritibilidade das penas
e sanções equiparáveis ou dos correspondentes procedimentos, pelo que se impõe
o improvimento do presente recurso.»
Também no presente caso se imporia a constatação, caso fosse
possível conhecer do objecto do recurso, do carácter manifestamente infundado
da questão de inconstitucionalidade suscitada. Com efeito, não existe qualquer
repercussão directa do entendimento, sufragado no acórdão recorrido, no sentido
da aplicabilidade subsidiária das normas sobre suspensão e interrupção dos
prazos prescricionais estabelecidos no regime geral do ilícito de mera
ordenação social aos prazos de prescrição relativos a contra‑ordenações
previstas no âmbito do Código da Estrada, nos direitos consagrados no n.º 10 do
artigo 32.º da CRP, a saber: os direitos de audição e defesa do arguido no
decurso do processo contra‑ordenacional, direitos estes (que se traduzem em ser
ouvido e poder‑se defender – apresentando prova em seu favor e questionando a
valia da prova produzida contra ele – no decurso desse processo) cujo efectivo
respeito no presente caso o recorrente não questiona.”
1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes
fundamentos:
“I – Da decisão sumária objecto de reclamação.
O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator, no âmbito do processo supra
referenciado, julgou inadmissível o recurso apresentado proferindo decisão
sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da
Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LCT).
Sustenta em síntese, que o recorrente imputa a violação da
Constituição à decisão judicial recorrida, sendo que só a questão da
inconstitucionalidade de normas e já não a questão da inconstitucionalidade de
decisões judiciais constitui objecto idóneo de recurso para o Tribunal
Constitucional.
Porém, essa conclusão não tem qualquer correspondência com o teor
dos fundamentos que sustentam o requerimento de interposição de recurso
apresentado pelo ora reclamante.
Vejamos:
II – Razões de discordância.
No requerimento de interposição do recurso – título B), foi indicada
pelo reclamante, não apenas a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal aprecie, mas também as razões sumárias que deveriam conduzir a esse
entendimento.
Nunca invocou o reclamante que tivesse sido violada a Constituição
por parte da decisão judicial que motivou o recurso.
Resulta evidente da leitura do requerimento de interposição de
recurso a invocação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica, in casu, o
artigo 132.º do Código da Estrada (CE), com referência às normas constitucionais
que se consideraram terem sido violadas, reproduzindo‑se aqui integralmente o
trecho desse requerimento, dada a importância que representa para a compreensão
do problema sub judice:
«B) Indicar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie e da norma constitucional que considera ter sido
violada:
– Artigo 132.º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
114/94, de 3 de Maio, e alterado pelo Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de
Fevereiro), por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 3, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que o Tribunal da
Relação de Coimbra, ao não declarar a verificação da prescrição do procedimento
contra‑ordenacional, lançando mão, para o efeito, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de
27 de Outubro (Regime Geral das Contra‑Ordenaçães e Coimas/RGCOC), interpretou o
citado artigo 132.º do Código da Estrada (CE) no sentido de que as causas de
suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes do referido
RGCOC se aplicam subsidiariamente.
(…)
– Assim, e em suma, o que se preconiza é que aquele artigo 132.º do
CE deverá ser declarado inconstitucional – por violação do conteúdo essencial do
artigo 32.º, n.º 10, e, consequentemente, por violação do artigo 18.º, n.º 3, in
fine, ambos do CRP –, quando interpretado no sentido de que, por via do mesmo,
as causas de suspensão e de interrupção previstas nos artigos 27.º‑A e seguintes
do RGCOC têm aplicação subsidiária, no que a estas matérias concerne em sede de
direito estradal.
(…).»
É, portanto, claro que o reclamante requereu a apreciação da
inconstitucionalidade de uma norma jurídica: o artigo 132.º do Código da Estrada
vigente, enquanto norma interpretada no sentido que se deixou supra consignado,
e que é aquele que resulta da sua respectiva aplicação ao caso concreto pelas
anteriores instâncias jurisdicionais comuns.
Não tem, por isso, a decisão sumária prolatada qualquer fundamento.
O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator sustenta, ainda, que não
compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção da interpretação do
direito ordinário feita pelas instâncias, antes lhe cumpre aceitar a
interpretação feita como um dado da questão de constitucionalidade que lhe cabe
sindicar.
Não foi pelo reclamante requerida a correcção da interpretação
efectuada acerca de uma norma, mas a declaração da inconstitucionalidade da
mesma, enquanto interpretada num certo sentido.
Concorda‑se que não cabe ao Tribunal Constitucional intrometer‑se na
questão da atribuição, a nível da interpretação do direito ordinário aplicável,
de carácter subsidiário, relativamente às normas sobre prescrição das
contra‑ordenações constantes do Código da Estrada, das normas sobre suspensão e
interrupção da prescrição constantes do regime geral das contra‑ordenações.
Efectivamente, compete‑lhe, tão‑só, apreciar a questão da
inconstitucionalidade da norma invocada, quando interpretada num certo sentido,
sem, contudo, atender às consequências que dessa apreciação possam advir. Ou
seja, não se pretende que este Tribunal tome uma posição acerca da aplicação
subsidiária (ou não) das normas relativas à suspensão e interrupção da
prescrição constantes do Regime Geral das Contra‑Ordenações ao direito
contra‑ordenacional estradal, mas que julgue a inconstitucionalidade da norma
supra referenciada, nos moldes em que a mesma foi interpretada pelo Tribunal da
Relação de Coimbra – tendo, no nosso entender, tal pretensão ficado
inequivocamente expressa no requerimento de interposição do recurso.
Com fundamento em tudo o que ficou exposto, reclama‑se pela
admissibilidade do recurso e conhecimento do correspondente objecto.
III – Conclusões
1.ª O Ex.mo Doutor Juiz Conselheiro Relator julgou inadmissível o
recurso apresentado, proferindo decisão sumária de não conhecimento.
2.ª Assim decidiu por julgar que o recorrente invocou a violação da
Constituição por parte da decisão proferida pelas instâncias comuns anteriores,
e não a uma concreta norma jurídica.
3.ª Este entendimento não tem qualquer correspondência com o teor do
requerimento de interposição de recurso apresentado.
4.ª Neste é expressamente invocada a inconstitucionalidade do artigo
132.º do Código da Estrada, por violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º
3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
5.ª Do mesmo se extrai que, ao contrário do alegado na decisão
sumária, não se pretende que o Tribunal tome uma posição acerca da aplicação
subsidiária (ou não) das normas relativas à suspensão e interrupção da
prescrição constantes do Regime Geral das Contra‑Ordenações ao direito
contra‑ordenacional estradal, mas que julgue a inconstitucionalidade da norma
supra referenciada, nos moldes em que a mesma foi interpretada pelo Tribunal da
Relação de Coimbra.
6.ª Reclama‑se, portanto, pela admissibilidade do recurso
interposto, com o consequente conhecimento do seu objecto.”
1.3. O representante do Ministério Público neste
Tribunal apresentou resposta, no sentido do indeferimento da reclamação, por ser
“manifestamente improcedente”, dado que “a argumentação do reclamante em nada
abala os fundamentos da decisão reclamada, que deverá ser inteiramente
confirmada”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como se evidenciou na decisão sumária ora reclamada,
a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente na motivação do
recurso endereçado ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (que constituiu
o momento e o local adequados para a suscitação da questão, atento o disposto no
n.º 2 do artigo 72.º da LTC, sendo obviamente irrelevante para o efeito o modo
como a questão foi identificada no requerimento de interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional) reporta‑se directamente à determinação, pelas
instâncias, do quadro legal tido por aplicável. O que se reputou simultaneamente
violador de princípios e normas de direito ordinário e dos artigos 18.º, n.º 3,
e 32.º, n.º 10, da CRP foi a decisão judicial de considerar aplicáveis ao
procedimento por contra‑ordenações estradais as normas sobre suspensão e
interrupção da prescrição constantes do regime geral das contra‑ordenações, face
à inexistência no Código da Estrada de normas especiais sobre essas matérias.
Carecendo a questão de inconstitucionalidade suscitada perante o tribunal
recorrido de natureza normativa, o recurso interposto surge como inadmissível.
A isto acresce que a decisão sumária ora reclamada
assentava num outro fundamento – o do carácter manifestamente infundado da
questão de inconstitucionalidade –, relativamente ao qual o recorrente não
formulou qualquer crítica.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos