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Processo n.º 192/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente a Câmara Municipal de Estarreja e recorridos A. e Outros, foi
interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), para
apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 26.º, n.º
12, do Código das Expropriações.
2. Convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, a
recorrente veio dizer o seguinte:
«1°
Salvo o devido respeito a recorrente no seu requerimento de interposição de
recurso apresentado junto do Tribunal da Relação forneceu os elementos
solicitados no despacho em causa.
2°
No artigo 4.° de tal requerimento escreveu-se:
“… quer a sentença da 1.ª instância quer o douto acórdão desta Relação fazem uma
interpretação e aplicação do n.º 12 do art.° 26.° do CE que viola o principio da
justa indemnização consagrado no art.° 62.°-2 da CRP e ainda viola o principio
da igualdade contido no art.° 13.° da CRP.
Acrescentando-se no artigo 5.º:
“Assim pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a ilegalidade, por
violação dos artigos 62.°-2 e 13.° da CRP, da interpretação dada ao artigo
26.°-12 do CE quando é interpretado nos termos em que o foi nestes autos pelas
decisões já citadas.
A interpretação dada a tal preceito encontra-se nas decisões em causa e a
interpretação que entendemos por correcta sob pena de serem violados os citados
preceitos constitucionais está expendida nos nosso articulados nomeadamente no
ponto ´r´ das alegações que apresentámos nesta Relação e que aqui damos por
reproduzidas (nesse ponto).”
3.º
Pretende pois a recorrente que seja apreciada pelo TC a interpretação dada ao
artigo 26.°-12 do Código das Expropriações por violadora dos princípios da justa
indemnização e da igualdade consagrados nos artigos 62.°-2 e 13.° da CRP.
A interpretação dada pelo Tribunal da 1.ª instância e da Relação é no sentido
que deve ser avaliado um terreno nos termos do n.° 12 do artigo 26.° do CE desde
que o mesmo se situe em zona verde, independentemente de a parcela deter ou não
características que a possam classificar como solo apto para a construção.
O que defendemos, em consonância já com outras decisões deste Tribunal sobre
este assunto é que para que um prédio expropriado possa ser considerado como
solo apto para construção com base no n.° 12 do artigo 26.° têm de se verificar
os requisitos que o Código das Expropriações “faz depender a inclusão nesta
categoria, acrescentando-se por vezes, ser necessário haver uma expectativa
forte de ser possível construir nos mesmos”, sob pena de se violar os citados
princípios da igualdade e da justa indemnização.
A questão colocada a este Tribunal é a mesma que a abordada no acórdão 417/2006
deste Tribunal no processo 538/2005.»
3. O presente recurso emerge de processo de expropriação, em que foi declarada,
pela Assembleia Municipal de Estarreja, a utilidade pública de duas parcelas de
terreno para a construção do Parque Municipal de Antuã, classificadas, na carta
de zoneamento do Plano Geral de Urbanização de Estarreja, como zona verde, e
adquiridas, pelos recorridos, antes dessa classificação.
A expropriante, não concordando com as decisões arbitrais relativas àquelas duas
parcelas, delas recorreu para o Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja,
alegando, nomeadamente, que as parcelas não poderiam ser classificadas como solo
apto para construção e, mesmo que assim fosse, deveria ter sido levado em
consideração situarem-se em zona frequentemente inundada, sujeitas às restrições
do Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de Novembro. Mais alegou terem sido
inadequadamente dados por preenchidos os pressupostos do artigo 26.º, n.º 12, do
Código das Expropriações.
Tendo os recursos sido autuados como processos autónomos, para cada uma das
parcelas, foram proferidas sentenças pelo Tribunal Judicial da Comarca de
Estarreja, julgando os recursos totalmente improcedentes.
Destas decisões a expropriante interpôs recurso para o Tribunal da Relação do
Porto que, por acórdão de 05.11.2007, julgou improcedentes as apelações,
confirmando as sentenças proferidas.
Ainda inconformada, a expropriante pediu a aclaração deste acórdão, que foi
decidida por acórdão de 07.01.2008.
É destes dois acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que vem interposto o
presente recurso de constitucionalidade.
4. A recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1 - Numa expropriação a indemnização a atribuir ao expropriado deve ressarci-lo
da efectiva perda do bem expropriado não devendo o seu valor ser influenciado
por valores especulativos ou ficcionados.
2 - Para se apurar o valor do bem expropriado deve atender-se às suas reais
características, como se fosse posto à venda no mercado.
3 - Pelas características que resultaram provadas das parcelas expropriadas
constata-se que são terrenos interiores, sem acesso à via pública, com
potencialidades agro/florestais, em zona sujeita a cheias do rio e inserido em
zona verde de acordo com o Plano Geral de Urbanização. Não obstante, face a tais
características, a decisão em apreciação ter concluído pela classificação de
solo apto para outros fins entendeu ser de aplicar o n.° 12 do artigo 26.° do
Código das Expropriações e considerar o seu valor como terreno apto para a
construção.
4 - Ficcionou a construção de um edifício para o local não obstante dar por
assente que não seria ai possível de construir. Sendo certo que no perímetro de
300 metros encontramos terrenos em que é possível de se construir também
encontramos terrenos em que o não é nomeadamente por estarem inseridos em RAN e
REN.
5 - Decidir-se por uma indemnização como se de terreno para construção se
tratasse, é violador do principio da igualdade, nomeadamente relativamente a
todos os terrenos situados em tal perímetro e nos quais não é possível a
construção.
6 - É também violador do princípio da justa indemnização pois os expropriados
recebem um valor nunca alcançável no mercado.
7 - O direito de propriedade constitucionalmente consagrado não tem como
elemento necessário e natural o direito à edificação. Como tal a inclusão de um
terreno em zona verde não determina que, em caso de expropriação, sejam então os
expropriados ressarcidos de tal alegada restrição.
8 - Para se alcançar a justa indemnização é necessário, mesmo aplicando o n.° 12
do artigo 26.° do CE, atender a objectiva aptidão edificativa do terreno
expropriado de acordo com os elementos definidos no n.° 2 do artigo 25.° do
mesmo código.
9 - Se o terreno expropriado não tem as características enunciadas no n.° 2 do
artigo 25.° não pode, na expropriação, ser-lhe atribuído um valor como se de
terreno apto para construção se tratasse.
10- O n.° 12 do artigo 26.° do CE tem por escopo prevenir eventuais manipulações
de gestão urbanística nomeadamente transformando em zona verde terrenos com
efectiva potencialidade construtiva.
11 - Assim na sua aplicação haverá que atender ao instrumento de gestão
urbanística que classificou o uso de solo, sua data de aprovação, data da
expropriação e apurar das reais capacidades construtivas do terreno
independentemente da classificação de solo conferida pelo plano em questão.
Se o terreno não possui capacidade construtiva atenta a absoluta falta de infra
estruturas e inócuo que em termos de Plano ele seja classificado como zona verde
já que mesmo que assim o não fosse nunca seria possível de aí se construir
12 - A aplicação do n.° 12 do artigo 26.° do Código das Expropriações, em vigor,
avaliando como solo apto para construção solo que não dispõe de potencialidade
material nem jurídica para construir é inconstitucional já que viola os
princípios da igualdade e da justa indemnização consagrados nos artigos 13.° e
62.° da Constituição para além de violar o conceito de direito de propriedade
também aí consagrado.»
5. Os recorridos contra-alegaram, concluindo como se segue:
«1 − As decisões recorridas não violaram o princípio da justa indemnização, pois
tiveram em atenção o próprio entendimento do Tribunal Constitucional nessa
matéria;
2 − As parcelas em causa, tendo em atenção todas as características supra
referidas, devem ser avaliadas como solo apto para construção, nos termos do
disposto no n.° 12 do artigo 26 do CE;
3 − O valor apurado é o valor que os prédios teriam no mercado;
4 − É possível a construção no local tendo em atenção algumas especificidades,
sendo certo que poderia sempre ser em altura, como a existente á sua volta;
5 − Não foi violado o principio da igualdade, sendo certo que se fosse decidido
em sentido contrário ao do douto acórdão ora recorrido é que tal aconteceria,
pois os expropriados ficariam numa situação de manifesta desigualdade em relação
aqueles que nas suas imediações não haviam sido sujeitos à restrição” non
aedificandi “;
6 − Os valores atribuídos ás parcelas foram apurados por unanimidade dos peritos
e tiveram por base todos os critérios previstos na lei, sendo certo que o mesmo
ainda pecará por defeito, como bem entendeu a Sr.ª. Juíza do tribunal de 1.ª
Instância;
7 − Se o critério não fosse o de avaliar as parcelas como se de solos para
construção se tratasse seria violado o direito de propriedade dos expropriados,
pois existiria uma clara restrição a esse direito que abrange o direito de
construção.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Conforme se extrai da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, a recorrente
pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 12, do
Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com
as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de que um terreno
deve ser avaliado nos termos do n.° 12 do artigo 26.° do Código das
Expropriações desde que se situe em zona verde, independentemente de a parcela
deter ou não características que a possam classificar como solo apto para a
construção.
A uma primeira leitura, podem colocar-se dúvidas quanto a saber se esta foi
efectivamente a interpretação normativa adoptada na decisão recorrida, uma vez
que o acórdão não contém uma fórmula decisória sinteticamente indicativa, de
forma explícita, do fundamento da decisão.
Mas, numa segunda leitura, confirma-se ter sido essa, na realidade, a
interpretação normativa aplicada como ratio decidendi.
De facto, da análise conjugada do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de
05.11.2007, e do acórdão de 07.01.2008, proferido em resposta ao pedido de
aclaração da ora recorrente, pode retirar-se que o tribunal recorrido não
considerou pressuposto da aplicação da regra constante do n.º 12 do artigo 26.º
do Código das Expropriações a aptidão edificativa do solo, aferida nos termos do
artigo 25.º, n.º 2, do referido Código. Interpelado directamente pela
recorrente, naquele último acórdão (a fls. 627/628 dos autos), no sentido de
aclarar se “a avaliação das parcelas expropriadas tem ou não de aferir-se também
pelos factores descritos no n.º 2 do art. 25.º”, o tribunal recorrido limitou-se
a reiterar a aplicação da regra constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE, sem
qualquer referência ao disposto no artigo 25.º, n.º 2, entendendo «não se
justificarem as dúvidas apresentadas, porquanto na determinação do valor da
indemnização das parcelas expropriadas aplicou-se a regra constante do n.º 12 do
art. 26.º do CE, ou seja, embora devendo ser considerada cada uma delas
[parcelas] como solo apto para outros fins por não terem capacidade edificativa
em concreto por via da destinação a área verde, o montante deverá corresponder,
e passamos a citar tal preceito como o fizemos já anteriormente, ao “…valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite
da parcela expropriada”.» (cfr. o acórdão de 07.01.2008,
Ainda que relacionando a falta de aptidão edificativa, expressamente
reconhecida, com a destinação a área verde, e não com a inverificação de
qualquer dos requisitos fixados no artigo 25.º, n.º 2 (pelo que não poderá
dizer-se que esta se deu como provada), a resposta ao pedido de aclaração
permite concluir que, para o tribunal, o n.º 12 do artigo 26.º tem aplicação por
si só, independente da presença de algum dos factores enunciados na norma que
regula a aptidão para construção.
No mesmo sentido, depõe a seguinte passagem do acórdão de 05.11.2007: «A
conclusão a extrair portanto do que fica mencionado é que as duas parcelas
expropriadas devem ser caracterizadas como solos aptos a outros fins, sem que
isso acarrete de imediato que a respectiva indemnização tenha ser calculada com
o pressuposto dessa classificação, perante o disposto no artigo 26.º, 12, do
CE…» (cfr. fls. 613 dos autos).
Há a concluir, pois, que o tribunal recorrido nunca deu por assente estar a
aplicação desta norma condicionada pela satisfação dos requisitos gerais de
edificabilidade, em termos de ter que proceder a uma indagação cuidadosa da
ocorrência de qualquer das previsões do artigo 25.º, n.º 2.
Nessa medida, a interpretação normativa objecto do recurso coincide com a que
serviu de ratio decidendi, pelo que dá-se por verificado o pressuposto da
efectiva aplicação da norma questionada.
7. A questão objecto do presente recurso é, assim, a da constitucionalidade da
interpretação da norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações no
sentido de que deve obedecer à forma de cálculo nela prevista a indemnização por
expropriação de um terreno, qualificado como zona verde por plano de ordenamento
do território e adquirido pelo expropriado em data anterior a essa
classificação, sem que tenha que se dar como provada a satisfação dos requisitos
de edificabilidade, fixados no n.º 2 do artigo 25.º
A referida norma é do seguinte teor:
«Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou
para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal
de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à
sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite
da parcela expropriada».
Esta norma tem sido objecto de numerosas decisões deste Tribunal (um quadro
sinóptico desses arestos pode ser colhido no Acórdão n.º 469/2007).
Mas a dimensão interpretativa aqui em causa não coincide exactamente com a que
esteve presente na grande maioria desses acórdãos. Em relação a eles, duas notas
distintivas se destacam.
A primeira tem a ver com a classificação do terreno como “zona verde”, o que
remete para o âmbito da previsão expressa da norma em causa, assim directamente
aplicável. Em contraposição, as pronúncias anteriores do Tribunal incidiram, na
sua grande maioria, sobre terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, pelo
que só por analogia o critério do n.º 12 do artigo 26.º pôde ser chamado à
colação.
Em segundo lugar, e sobretudo, a questão da constitucionalidade desta norma
colocou-se, em tais decisões, num quadro normativo mais amplo, convocando
também, numa dimensão de conexão sistemática, o disposto no n.º 2 do artigo 25.º
do Código citado, quanto às condições de qualificação de um terreno como “solo
apto para construção”. De facto, a apreciação da constitucionalidade da regra do
artigo 26.º, n.º 12, reportou-se a terrenos em relação aos quais se demonstrou
estarem satisfeitos os critérios daquela norma. Isto é, o único obstáculo à
aptidão para construção vinha, nesses casos, da vinculação, por via
administrativa, a um outro destino. Se não fosse esse condicionamento
administrativo, esses terrenos teriam que ser classificados como solos “aptos
para construção”, em decorrência dos critérios legais de categorização, assentes
em certas características objectivas.
Tal não acontece, como se viu, no presente caso, pois, da caracterização dos
terrenos não se extraiu uma conclusão segura quanto à verificação dos requisitos
legais da aptidão para construção, fixados no artigo 25.º, n.º 2. Não obstante,
a sentença recorrida pronunciou-se por uma indemnização calculada de acordo com
a regra do artigo 26.º, n.º 12.
Deste ponto de vista, a situação agora em apreciação apresenta grande similitude
com a foi a decidida pelo Acórdão n.º 145/2005. Estava em causa, neste caso, um
solo classificado para instalação de infra-estruturas por plano municipal de
ordenamento do território. O Tribunal julgou inconstitucional (com um voto de
vencido) a norma do artigo 26.º n.º2, por violação do princípio da igualdade,
tendo proclamado:
«Na verdade, considerar-se como terreno apto para construção (como tal devendo
ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas
utilizações legalmente permitidas) um terreno onde o proprietário não pode
construir, por força da sua integração em área afectada à “implantação de
infra-estruturas e equipamento públicos”, sem averiguação da aptidão objectiva
para a edificabilidade do terreno expropriado – isto é, sem que na averiguação
da aptidão edificativa do terreno expropriado se tenham em conta os elementos
objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações —,
conduz a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados em tais zonas que não tenham sido objecto
de expropriação».
Tanto neste, como no caso dos autos, conferiu-se à norma do artigo 26.º, n.º 12,
uma dimensão interpretativa que a autonomiza do disposto no artigo 25.º, n.º 2,
atribuindo-se-lhe um âmbito aplicativo não condicionado pela satisfação dos
requisitos neste fixados.
O paralelismo de situações é, assim, manifesto, sendo incontroversa a identidade
de sentido da questão de constitucionalidade que suscitam: trata-se, em ambos os
casos, de apreciar a constitucionalidade do artigo 26.º, n.º 12, quando
interpretado no sentido de que a sua aplicação não tem como pressuposto a
concomitante aptidão edificativa determinada ao abrigo do disposto no n.º 2 do
artigo 25.º
8. Mesmo que não se tenha por absolutamente determinante do resultado da
apreciação da constitucionalidade (cfr. a posição expressa no supra mencionado
voto de vencido), não poderá contestar-se que a interpretação da norma
questionada negatória de qualquer interconexão sistemática com a do n.º 2 do
artigo 25.º e da eficácia condicionante desta última levanta específicos e
sérios obstáculos à sua validação constitucional.
Na verdade, como justificar a determinação da indemnização por um critério que
utiliza como factor de cálculo, em certos termos, a potencialidade edificativa,
quando concomitantemente se dá como comprovado que essa potencialidade não
existe, em face das regras gerais? Visando a “justa indemnização” imposta pelo
n.º 2 do artigo 62.º da CRP reparar as consequências lesivas da expropriação,
como se compreende que possa obedecer a esse parâmetro uma atribuição
patrimonial que inclua, no seu montante, o equivalente monetário de uma
utilidade de que o titular não é privado, pelo acto expropriativo (uma vez que
não a detinha, nos termos gerais)?
A justificação apresentada pela decisão recorrida assenta, decisivamente, na
seguinte reflexão:
«Entendemos portanto que em casos como o presente, ao expropriarem-se prédios
anteriormente destinados a área verde, deve neste momento ter lugar a
compensação do particular da restrição à capacidade construtiva que resultou
daquela anterior destinação, só assim fazendo sentido a indicação da
anterioridade da aquisição, a realizar-se através da indemnização justa
calculada nos termos do n.º 12 do art. 26.º do CE (…)».
Mas esta fundamentação dá como adquirido e já constante da esfera jurídica do
expropriado o direito de edificar, tendo subjacente, em último termo, a
concepção de que esse direito está automaticamente associado ao direito de
propriedade – concepção que está longe de reunir consenso, quer na doutrina,
quer na jurisprudência, podendo até dizer-se que é dominante a tese de que o jus
aedificandi resulta de uma atribuição pública (neste sentido, JORGE MIRANDA, in
JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005,
627-628). Partindo daquele pressuposto, a sentença recorrida trata o prejuízo
como um dano emergente de um facto passado: a classificação administrativa do
terreno. Ora, tal perspectiva, para além de associar a falta de edificabilidade
apenas àquela classificação, o que os dados da situação desmentem, não
identifica, com rigor, a lesão patrimonial que é objecto de indemnização. Esta
não visa compensar o titular, sem mais, do desvalor dos terrenos adveniente da
anterior classificação, com a consequente restrição ao jus aedificandi. Visa
antes reparar o prejuízo por ele sofrido com a perda do direito de propriedade
sobre o solo expropriado. Como essa perda resulta da expropriação (e não da
classificação administrativa), é forçoso estabelecermos um qualquer nexo de
causalidade adequada entre o acto expropriativo e o não ingresso, na esfera do
expropriado, dos valores correspondentes à potencialidade edificativa.
9. Poderia pensar-se, é certo, em estabelecer uma espécie de “efeito de retorno”
do fim justificativo da expropriação sobre a apreciação da existência ou não de
capacidade edificativa. Quando a utilização a dar ao solo pelo expropriante
implica a construção, poderá entender-se que essa afectação futura contraria e
suplanta a que anteriormente resultava da classificação administrativa, vendo-se
nela um “reconhecimento implícito de que os terrenos expropriados têm aptidão
edificativa”, como se exprime uma declaração de voto apensa ao Acórdão n.º
469/2007. No limite, e explorando até ao fim este tópico argumentativo,
dir-se-ia que esta consideração abona a auto-suficiência aplicativa do regime do
artigo 26.º, n.º 12, com a consequente inexigibilidade da verificação dos
pressupostos gerais da edificabilidade.
Numa outra linha argumentativa, também de atribuição de relevo qualificante ao
fim da expropriação, poderá retirar-se deste uma “manifestação de uma objectiva
aptidão anterior de edificabilidade”. Assim discreteou, num caso em que os
terrenos expropriados se destinavam à construção de “áreas de serviço” numa
auto-estrada, o Acórdão n.º 276/2007.
Dir-se-á que, ao negar, em casos deste tipo, a aplicabilidade das regras de
cálculo atinentes aos “solos aptos para outros fins” o tribunal mais não faz do
que respeitar a exigência constitucional de uma “justa indemnização”. Implicando
esta o ressarcimento integral do prejuízo efectivamente sofrido pelo expropriado
com a expropriação, na medida do prejuízo deveriam ser contabilizadas as
expectativas de construção que a classificação administrativa afastara e que o
destino a dar aos terrenos expropriados vem confirmar serem objectivamente
fundadas.
Tratar-se-ia, pois, de atender à correcção actualizadora do interesse público
relacionado com os terrenos a expropriar, operado pela entidade expropriante. Se
a Administração considera que esse interesse, numa visão reportada ao presente,
se satisfaz melhor com uma afectação que implique edificação, então deixa de
justificar-se um cálculo indemnizatório que tem na sua base a falta de aptidão
edificativa.
10. Mas esta linha de orientação só tem sido seguida em casos com forte
dissemelhança ao dos autos, não encontrando qualquer justificação em
configurações como a presente.
Na verdade, ela só pode fazer sentido quando a finalidade tida em vista com a
expropriação, além de representar um corte com a utilização a que o terreno
estava afecto, implique efectiva aptidão edificativa. Não basta que o terreno
deixe de ter o destino anterior; é necessário que o expropriante lhe dê
utilização para construção. Só nesta hipótese, como se salientou no Acórdão n.º
20/2000, a não consideração do valor o terreno como “solo apto para construção é
“desmentida desde logo pela utilização visada com a expropriação”, quando esta
“visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava
subjacente à exclusão da classificação como “solo apto para construção” [e
recorde-se que, no citado acórdão, entendeu-se que assim não era, por a
expropriação visar a construção de uma via de comunicação, e não a edificação de
um prédio urbano].
Não é esse o caso presente. Em causa está, recorde-se, a expropriação de duas
parcelas situadas em “zona verde” para construção de um parque municipal, com
fins de lazer. Salta à vista a proximidade e continuidade funcional entre os
dois destinos, ambos integrados no círculo de fins que fazem parte da previsão
do artigo 26.º, n.º 12. A própria decisão recorrida reconhece, aliás, que não há
incompatibilidade entre a realização do interesse que levou à expropriação e a
classificação como “zona verde”, salientando que o novo fim é «consentâneo
portanto com essa mesma destinação dada nos planos de ordenamento de território
do Município de Estarreja no âmbito das suas competências nesta matéria». O novo
fim não contraria a classificação anterior, antes, de algum modo, a confirma,
não visando, de qualquer modo, a construção de prédio(s) urbano(s).
Como foi afirmado no Acórdão n.º 243/2001, a propósito da expropriação de um
terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, para construção de uma
auto-estrada:
«Ora, quando o terreno expropriado é afectado à construção de uma auto-estrada,
não pode falar-se em aptidão edificativa: o terreno não a tinha, porque estava
integrado na reserva Agrícola Nacional, e o destino que lhe é dado continua a
não revelar. E, por isso, não pode dizer-se que, num tal caso, haja injustiça ou
se viole a igualdade com o facto de, na indemnização a pagar ao expropriado, se
não entrar em linha de conta com a potencialidade edificativa do terreno: esta,
pura e simplesmente, não existia, nem decorre da expropriação».
Mutatis mutandis, e até por maioria de razão, estas considerações são
inteiramente cabidas em relação à situação em juízo.
Sendo assim, não pode valer aqui a ideia fundante de soluções que, de certa
forma, dão por assente a aptidão edificativa, apenas com base no destino
justificativo da expropriação.
11. Estando em causa a determinação, nos termos constitucionais, da “justa
indemnização”, o cálculo do seu montante deve obedecer ao princípio geral de
colocar o lesado na situação económica em que estaria se não se tivesse
verificado o evento que obriga à reparação. Tendo que sofrer o sacrifício da
ablação do seu direito, ao expropriado é garantido que na sua esfera ingressará
um valor pecuniário equivalente, de forma a repor a situação patrimonial
afectada por essa perda.
Para o apuramento do equivalente pecuniário do bem expropriado, há que atender
às utilidades que ele proporciona ou é capaz de proporcionar. Tratando-se de um
terreno, o seu valor depende decisivamente da existência ou não de aptidão
edificativa. Existindo essa aptidão, a expropriação representa a privação do
valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levada em conta no
cálculo indemnizatório.
O atendimento deste factor de avaliação levou o legislador a consagrar a
categoria dos “solos aptos para construção”, distinta da dos “solos aptos para
outros fins”. Estão normativamente fixados os elementos definidores daquela
categoria, cuja ocorrência condiciona a qualificação. Como subespécie dos “solos
aptos para construção” (cfr. o Acórdão n.º 469/2007), e integrada nas regras de
cálculo do valor desses solos, de acordo com a epígrafe do artigo, o n.º 12 do
artigo 26.º submete os solos classificados como zona verde, de lazer ou para
instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de
ordenamento de território eficaz a um específico critério de avaliação, sendo o
seu valor calculado «em função do valor médio das construções existentes ou que
seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada».
Neste quadro, poderia considerar-se que o princípio da “justa indemnização” é
razão bastante para que a aplicação desta norma não possa prescindir da
verificação dos elementos qualificantes, em geral, da categoria “solos aptos
para construção”, pois, de outro modo, atribui-se ao expropriado mais do que
aquilo que ele perde com a expropriação.
A não se entrar em linha de conta com a verificação desses elementos, tal
princípio seria afectado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório
incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efectivamente não
sofrida (ou não comprovadamente sofrida). Ainda que segundo uma forma de cálculo
menos favorável ao expropriado do que a aplicável aos terrenos com actual
capacidade edificativa (cfr. o Acórdão n.º 496/2007), a verdade é que a norma
valora uma expectativa de construção futura, expectativa que não pode deixar de
ser tida como infundada quando contrariada pelo condicionalismo legal. Na
definição da situação hipotética (a situação em que o expropriado estaria se não
fosse a expropriação), entraria um factor de valorização (a potencialidade
edificativa) que, de acordo com o quadro legal aplicável, não tem cabimento,
pelo que o expropriado não podia legitimamente contar com ele.
12. Pese embora a coerência intrínseca desta linha argumentativa, cremos que o
princípio da “justa indemnização”, por si só, não pode ser invocado para fundar
um juízo de não constitucionalidade da interpretação questionada.
De facto, esse princípio dá corpo a uma garantia constitucional integrada no
âmbito de protecção do direito de propriedade. É uma garantia sub-rogatória da
que tem por objecto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do
predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular
afectado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do
que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma
quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.
Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo
constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não
ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuir-lhe uma dupla natureza e
função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite
máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em
garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta
óptica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório,
superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.
No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do
direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser
privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido
tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia
imanente.
Como se afirma no Acórdão n.º 234/2007:
«Pode, desde logo, duvidar-se de que esta garantia proíba (…) que – considerando
o sacrifício imperativamente sofrido pelo expropriado – o Estado entenda
valorizar a parcela expropriada mesmo em montante considerado superior ao que
lhe poderia vir a ser atribuído pelo jogo do mercado».
13. Mas não pode olvidar-se, como o Tribunal tem repetidamente sustentado (cfr.,
por último, o Acórdão n.º 11/2008), que o cânone da justa indemnização está
indissoluvelmente ligado ao princípio da igualdade, em termos de implicação
recíproca.
Ora, impondo este princípio, nesta esfera aplicativa, o tratamento não
discriminatório, na distribuição dos encargos públicos, dos expropriados entre
si e em relação aos não expropriados, dele resulta inequivocamente que o quantum
indemnizatório não pode colocar certa categoria de expropriados em posição
desproporcionadamente vantajosa em face da que cabe aos proprietários cujos
terrenos, sob o ponto de vista normativamente relevante, se encontram em
idêntica situação. A desigualdade de tratamento, em qualquer dos dois sentidos,
só pode coonestar-se ali onde ela corresponda a uma diferença de situações, sob
a óptica do que interessa para a aplicação do regime aqui em questão: o
reconhecimento da aptidão edificativa, para efeitos indemnizatórios, em caso de
expropriação.
O apuramento de qualquer montante indemnizatório impõe uma operação
comparativa em que um dos termos é uma situação hipotética, uma vez que esse
montante nos é dado pela diferença entre a situação real e actual do lesado e
aquela em que ele estaria se não fossem as consequências danosas do evento
lesivo. E não é a natureza forçada da privação de propriedade que altera, deste
ponto de vista, os padrões valorativos da perda patrimonial sofrida pelo
expropriado.
É na selecção dos elementos que devem entrar na definição dessa situação
hipotética que importa estabelecer critérios de cuja aplicação saia
salvaguardado o princípio da igualdade.
Contra a utilização, como factor de comparação, dos valores que os não
expropriados obteriam no mercado, através da alienação dos seus terrenos, já se
sustentou que ela assenta «na comparação entre realidades intrinsecamente
distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no caso de
expropriação, e as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado»
(cfr. o citado voto de vencido ao Acórdão n.º 145/2005).
Mas a configuração específica da questão de constitucionalidade aqui em
apreciação permite fugir a esta dificuldade, pois nem sequer é imperioso fazer
apelo directo aos dados do mercado.
Na verdade, estando em causa apreciar, em função do princípio da igualdade, a
constitucionalidade da dispensa dos requisitos gerais de edificabilidade, para
aplicação da fórmula de cálculo constante do n.º2 do artigo 26.º, o decisivo é
comparar o tratamento a que estão sujeitos, em processo expropriativo, os
proprietários cujos terrenos, não satisfazendo esses requisitos e não se
integrando na previsão daquela norma, são tratados como “solos aptos para outros
fins”, com o tratamento dispensado aos proprietários de solos que, não
satisfazendo identicamente esses requisitos, foram, todavia, previamente
classificados por instrumento de gestão territorial.
Esta colocação da questão move-se exclusivamente dentro do universo normativo da
expropriação, já que os termos de comparação são interpretações de preceitos
legais e suas consequências aplicativas, sem jogar com conjecturas quanto ao
comportamento dos agentes no mercado: na interpretação questionada, a norma do
artigo 26.º, n.º2, tem eficácia a se stante, independentemente da verificação
cumulativa dos requisitos da edificabilidade, o que leva a que os proprietários
de solos sem aptidão de construção que caibam na sua previsão sejam indemnizados
em termos próximos dos aplicáveis aos proprietários de terrenos com aquela
aptidão; por confronto, a indemnização que cabe aos proprietários de terrenos
que comungam dessa falta de aptidão, mas sobre os quais não pesam as afectações
enunciadas naquela norma, mede-se pelas regras de cálculo aplicáveis aos “solos
aptos para outros fins”.
Resultaria desta interpretação uma desigualdade de tratamento de situações
idênticas, sob o ponto de vista da falta de aptidão edificativa, importando
apreciar se ela encontra fundamento adequado no elemento que as diferencia: a
vinculação, por plano urbanístico, a um determinado fim.
14. Nessa apreciação, é adequado entrarmos em linha de conta com a dinâmica
evolutiva que rodeia o preenchimento ou não das condições objectivas de
edificabilidade.
É neste cenário alargado que entra a necessária consideração de expectativas
razoáveis e fundadas de valorização fundiária e do impacto que sobre elas tem o
acto expropriativo.
Na verdade, a situação dos terrenos, em certo momento, não corresponde a um dado
fixo, insuperável, porque preso a características intrínsecas e imutáveis da sua
configuração material e da sua condição jurídica. Não há uma vocação inata para
a edificabilidade, assim como não há uma postergação irremovível dessa
potencialidade, na justa medida em que praticamente todas as condições
objectivas de que ela depende (com excepção da localização) são adquiríveis.
Até porque têm valor de mercado, não se exclui, in limine, que as expectativas
de alteração do estatuto do terreno em causa, no sentido da aquisição de aptidão
construtiva, sejam contabilizáveis como uma componente da perda sofrida pelo
expropriado. Só na medida que se atende a elas é dispensado um tratamento
igualitário a expropriados e não expropriados. Isto porque o acto expropriativo
fez malograr definitivamente o benefício que para o expropriado resultaria da
concretização futura dessas expectativas, que se mantêm realizáveis para os não
expropriados, com terrenos em idênticas condições.
Como bem salienta o voto de vencido ao Acórdão n.º 145/2005, já várias vezes
referido:
«Bem vistas as coisas ao atender-se, na procura de um valor justo para a
compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de expectativas
(que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado) estar-se-á
ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados».
Mas o ponto decisivo, no juízo a efectuar a este respeito, está no grau de
exigência na avaliação da consistência das expectativas invocadas pelo
expropriado. Constitui, na verdade, um dado adquirido que não é em abstracto,
mas em concreto e de acordo com a realidade existente, que deve ser valorada a
potencialidade para a edificação. Daí que haja que separar as expectativas de
alteração materialmente fundadas, assentes em elementos objectivamente geradores
de uma credível base de confiança, das vagas e remotas esperanças
imaterializadas em factores actualmente presenciáveis. De outro modo, cair-se-á
em conjecturas mais ou menos especulativas, sem suporte na realidade, com forte
risco de arbítrio.
Quando se trata de incorporar no presente, para efeitos indemnizatórios,
perspectivas de construção futura, é, pois, mister atender apenas a indícios
objectivos, já existentes, de uma previsível (de acordo com a experiência comum
dos processos de urbanização) evolução nesse sentido. De outro modo, estaríamos
a antecipar, dando-a como certa, no presente, a realização de uma expectativa
que nada permite afirmar, com um mínimo de segurança, se venha a verificar em
benefício dos não expropriados, conferindo assim ao expropriado uma vantagem
injustificada.
A precaução acima referida foi de há muito adoptada pela jurisprudência
constitucional e tem sido sistematicamente seguida, não se descortinando razão
válida para dela agora nos afastarmos.
De facto, já no Acórdão n.º 131/88, e em censura constitucional à norma do
artigo 30.º, n.º 1, do então vigente Código das Expropriações, de 1976, que não
permitia valorizar a potencial aptidão para a edificabilidade dos terrenos
situados fora dos aglomerados urbanos, este Tribunal realçou que essa aptidão
deveria ser considerada «como um dos factores de fixação valorativa, ao menos
naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou
efectiva potencialidade edificativa» [itálico nosso].
Reconhecendo que a aptidão para construção é um factor de valorização dos
terrenos que é de justiça contabilizar para efeitos indemnizatórios, este
critério logo traçou os pressupostos e limites a que deve obedecer o seu
acolhimento: só é de considerar a potencialidade edificativa evidenciada, no
presente, por elementos certos e objectivos indiciadores da sua previsível
concretização, num horizonte temporal próximo.
Esta ideia regulativa foi reconhecidamente consagrada no Código das
Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, ao criar a
categoria de “solo apto para construção”, e ao fixar os seus elementos de
identificação, no artigo 24.º, n.º 2, elementos agora constantes, com algumas
alterações, do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações em vigor,
aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
É este o insubstituível papel, dentro do sistema normativo das expropriações,
desta norma, ao apontar as condições em que é atendível, em geral, a capacidade
construtiva. Por razões de certeza e de segurança, o legislador optou
deliberadamente por uma enumeração taxativa dos elementos relevantes para
evidenciação dessa capacidade, não deixando espaço para uma apreciação livre,
por parte dos aplicadores, de verificação do padrão valorativo que está na sua
base. Mas, ao fazê-lo, não descurou a perspectiva evolucionista, reconhecendo
potencialidade edificativa também a terrenos que ainda não preenchem (ou não
preenchem em pleno) as condições materiais de construção, no que se refere a
acessibilidades e infra-estruturas (cfr. as alíneas b), c) e d) do n.º 2 do
artigo 25.º).
É certo que estas concretas exigências não correspondem a um imperativo
constitucional, em termos de se poder sustentar que são estas e não poderiam
deixar de o ser, por imposição dos princípios da justa indemnização e da
igualdade. A tradução legislativa destes parâmetros constitucionais poderia ter
seguido outras vias, de que resultasse o reconhecimento da aptidão edificativa
em termos mais ou menos alargados do que os vigentes, sem pôr em causa a estrita
observância daqueles parâmetros.
Mas, tendo estabelecido aquelas regras gerais, no legítimo exercício da sua
liberdade de conformação, o legislador não pode apartar-se delas em situações
particulares, em benefício de certa categoria de proprietários, sem fundamento
material adequado. Para que de uma tal diferenciação de tratamento não saia
lesado o imperativo de tratamento igualitário de todos os proprietários em
idêntica situação, teremos que visionar um distinguo entre as situações em
confronto comparativo, suficientemente expressivo para retirar carácter
arbitrário a essa diferenciação. De modo que a questão de constitucionalidade
posta pode ser precisada como a questão de saber se a afectação dos terrenos,
por instrumento de gestão territorial, a um fim contrário à construção
justifica, em caso de expropriação, a irrelevância dos elementos certificativos
de aptidão construtiva, para efeito da concessão de uma indemnização calculada
nos termos do artigo 26.º, n.º 12.
Ora, do ponto de vista que aqui preside à valoração, é manifesto que aquele
constrangimento administrativo é um factor adicional de afastamento da
potencialidade edificativa, pelo que não pode constituir, em si mesmo, um
fundamento razoável para o tratamento mais vantajoso concedido aos proprietários
desses terrenos.
Compreende-se bem que a lei, em caso de expropriação, não coloque esses
expropriados em situação significativamente pior do que a dos restantes, quando
a possibilidade de construir, existente nos termos gerais, por os terrenos
preencherem as respectivas condições, tenha sido retirada por instrumento de
gestão territorial que lhes fixara outro destino, tido por mais conveniente ao
interesse público. Se, com a expropriação, a afectação a esse fim deixa de
vigorar, desaparece o único fundamento da proibição de construir, pelo que se
justifica o afastamento do critério de cálculo indemnizatório aplicável aos
terrenos que não gozam de edificabilidade.
Mas essa mudança de destino, operada com a expropriação, já não justifica que
esses proprietários sejam colocados em melhor situação do que os restantes,
igualmente titulares de direitos de propriedade sobre terrenos que não
satisfazem os requisitos da aptidão construtiva. Nesse caso, não é a
classificação administrativa que lhes faz perder aquela aptidão, já que eles a
não possuíam, de acordo com os critérios legais aplicáveis. Sob o ponto de vista
da não edificabilidade, aquele acto não alterou o estatuto desses terrenos, pelo
que tal classificação prévia não pode servir de fundamento único para um
tratamento que valoriza a potencialidade construtiva.
Dir-se-á, em contrário, que, se não alterou a condição desses terrenos, essa
classificação pode ter paralisado um previsível processo de urbanização que, de
outro modo, e atendendo à proximidade de 300 m de terrenos aptos para
construção, se teria eventualmente verificado.
O argumento sobrepõe à situação real e actual dos terrenos expropriados, como
base de cálculo da perda sofrida pelo seu proprietário, uma situação ficcionada,
que não atende às características próprias desses terrenos, mas exclusivamente
às dos que se situam numa área próxima.
Ora, considerar — na interpretação da norma do artigo 26.º, n.º 12, que a
“isola” dos requisitos gerais de edificabilidade — a proximidade de terrenos com
potencialidade construtiva um elemento com eficácia qualificativa determinante e
auto-suficiente, sub-rogatório da presença daqueles requisitos, redundaria num
tratamento injustificadamente vantajoso dos proprietários de terrenos integrados
na previsão daquela norma.
De facto, a previsão constante do artigo 25.º, n.º 2, que também atende
directamente à localização – referimo-nos à al. b) – é bem mais exigente, pois,
não só demanda a integração “em núcleo urbano existente”, como não dispensa a
dotação de parte das infra-estruturas necessárias à construção, referidas na al.
a).
Salta à vista a falibilidade daquela conjectura, pois não são raros os casos em
que uma determinada parcela, pelas suas características intrínsecas, não
apresenta potencialidades de utilização coincidentes com as que ostentam outros
terrenos, situados na proximidade. Falibilidade que aumenta quando, como no caso
vertente, se comprovou que os terrenos expropriados se situam em leito de cheias
e que várias das parcelas situadas na zona envolvente, dentro da distância de
300m de área edificada, não gozam também de potencialidade edificativa.
Quando se trata de valorar expectativas, e para evitar suposições despidas do
grau mínimo de certeza predicativa, há que tomar em conta a situação realmente
existente, no momento da prática do acto expropriativo, em termos de averiguar
se nela estão presentes elementos objectivos certificadamente indiciadores de
uma mais-valia cuja perda deva ser indemnizada.
Não se justifica um olhar para o passado, numa operação reconstrutiva daquilo
que se teria verificado se não fosse a classificação administrativa, em termos
de levar à definição de uma situação hipotética que, sem ela, vigoraria no
presente. Para além de somar a uma inevitável conjectura (sobre o futuro) uma
outra conjectura (sobre o passado), facultando, em ambas as direcções, uma
apreciação incondicionada por factores de objectividade garantida, em
contraposição às limitações resultantes das exigências precisas contidas no
artigo 25.º, n.º 2, tal orientação redundaria, no fundo, em indemnizar
hipotéticas consequências lesivas da classificação administrativa —
consequências que, aliás, permaneceriam por reparar se não fosse a expropriação
(como permanecem, para os não expropriados, em idêntica situação), a menos que
tenha havido lugar à aplicação da indemnização prevista no artigo 143.º do
Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
Uma tal articulação dos dois actos – o de classificação administrativa e o de
expropriação — só se justifica em caso de manipulação abusiva dos critérios de
classificação, numa estratégia de pré-ordenado abaixamento, pela entidade
expropriante, dos custos da expropriação. Mas não foi, sequer, alegado que tal
se tenha passado no caso vertente, pelo que não há que considerar essa hipótese.
Pode concordar-se em que o objectivo de evitar essa manipulação não é a única
razão de ser do regime em apreciação, até porque a classificação como “zona
verde” (ou qualquer das outras constantes da previsão do n.º 12 do artigo 26.º)
não é, só por si, demonstrativa da ausência de aptidão construtiva. Esta pode
existir, nos termos gerais, e tal classificação ficar a dever-se à consideração
preferencial de um fim que exclua o aproveitamento urbanístico, de outro modo
possível.
Tendo isso em conta, corresponde a um imperativo de justiça, no momento em que,
com a expropriação para outro fim, fica sem efeito a adstrição resultante da
classificação administrativa, não considerar o terreno, sem mais, como inapto
para construção, por único efeito dessa classificação. Mas essa alteração
funcional só significa que deixou de ser forçosa a classificação como “solo apto
para outro fim”, não justificando a conclusão contrária de que o solo deve ser
tratado como “apto para construção” (ainda que com sujeição a um regime
específico), à margem, ou mesmo ao arrepio, da verificação de qualquer das
condições objectivas de edificabilidade.
O alcance aplicativo do regime do artigo 26.º, n.º 12, deve estender-se na
justa medida, até ao ponto em que tem cobertura na sua razão de ser. Sendo esta,
como cremos que é, a que acima apontámos, a aplicação daquela norma não pode
dar-se isolada e incondicionadamente, sem constatação da aptidão edificativa de
acordo com os requisitos gerais.
De outro modo, se considerássemos que, mais do que abrir a porta à averiguação
da presença dos requisitos de edificabilidade, a mudança de fins teria a
relevância positiva de dar por assente essa potencialidade, chegaríamos a uma
solução constitucionalmente inadmissível, porque redundaria num tratamento mais
vantajoso, sem fundamento razoável, do proprietário expropriado, em relação a
todos os restantes com terrenos que, não se incluindo na previsão do artigo
26.º, n.º 12, não satisfazem igualmente os requisitos do artigo 25.º, n.º 2.
Há a concluir, pois, que, por exigência defluente do princípio da igualdade, um
terreno, em caso de expropriação, só pode ser valorado, para efeitos
indemnizatórios, de acordo com a regra de cálculo do artigo 26.º, n.º 12, do
Código de Expropriações, se, concomitantemente, estiver verificado qualquer dos
requisitos de edificabilidade enunciados no n.º 2 do artigo 25.º
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º
da CRP), a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações (aprovado
pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), quando
interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão
edificativa do terreno expropriado não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código;
b) Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida
ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Custas pelos recorridos, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano (com declaração de voto que anexo)
Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos (com a declaração de voto junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Concordei com a decisão e acompanho a fundamentação do presente acórdão com
excepção da explicação dada para a possibilidade de afastamento do critério do
cálculo indemnizatório aplicável aos terrenos que não gozam de edificabilidade,
nas hipóteses em que se inserem em “zona verde” definida por plano director
municipal.
Na verdade, quando um determinado terreno classificado como inserido em “zona
verde” por plano director municipal, é expropriado pela Câmara Municipal para
nele ser construído um parque municipal, não cessa o constrangimento
administrativo que sobre ele existia, continuando a estar integrado em “zona
verde”, mas recaindo agora esse constrangimento sobre a entidade expropriante.
O afastamento do critério indemnizatório previsto para a indemnização pela
expropriação de solos para outros fins que não a construção, ditado pelo artigo
26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, tem antes como pressuposto o
estabelecimento duma presunção legal absoluta de que a sua classificação como
“zona verde” e posterior expropriação, objectivamente, se traduz numa
manipulação das regras urbanísticas por parte da administração que pode
determinar uma desvalorização injusta do terreno expropriado.
É o funcionamento justificado desta presunção que possibilita o afastamento do
critério do cálculo indemnizatório aplicável aos terrenos que não gozam de
edificabilidade, nas hipóteses em que se inserem em “zona verde” definida por
plano director municipal, e não uma inexistente cessação deste constrangimento
administrativo, resultante do acto expropriativo.
João Cura Mariano
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na interpretação que se me afigurou mais correcta do
acórdão recorrido, ele não teria adoptado o critério normativo, que lhe foi
imputado pela recorrente, no sentido de que o regime do n.º 12 do artigo 26.º do
Código das Expropriações de 1999 é aplicável mesmo que o terreno expropriado não
tenha as características enunciadas no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, o
que conduziria, a meu ver, a uma decisão de não conhecimento do objecto do
recurso, por falta de coincidência entre o critério normativo aplicado, como
ratio decidendi, no acórdão recorrido e o critério normativo cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada no presente recurso.
Na verdade, da matéria de facto assente como apurada
resulta que as parcelas expropriadas se localizam no perímetro urbano e na zona
central de Estarreja, onde existem vários edifícios habitacionais e comerciais e
diversos equipamentos públicos, distando cerca de 200 m da Câmara Municipal, e
que são próximas (uma a cerca de 50 m e a outra a cerca de 130 m) da Rua Jaime
Ferreira da Silva, que está pavimentada a betuminoso e possui redes públicas de
electricidade, de saneamento com ligação a ETAR e de águas pluviais. A meu ver,
o acórdão partiu do pressuposto de que as parcelas em causa reuniam os
requisitos objectivos do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações,
sublinhando que, por força da sua alínea b), não era exigível que possuíssem
todas as infra‑estruturas elencadas na alínea a), uma vez que se integram em
perímetro urbano existente. É neste contexto que se compreendem as seguintes
passagens da fundamentação do acórdão recorrido:
“Não constitui impedimento à avaliação das parcelas como área apta à
construção a localização interior de cada uma delas, porém a cerca de 50 m de
arruamento dotado de infra‑estruturas, desde logo pela própria definição de
aglomerado urbano dado pelo artigo 62.º do Decreto‑Lei n.º 794/76, de 5 de
Novembro, «... o núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente,
possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de
abastecimento domiciliário de água e drenagem de esgoto, sendo o seu perímetro
definido pelos postos distanciados 50 m das vias públicas onde terminam aquelas
infra‑estruturas urbanísticas».
Com efeito, o que releva não é ser o prédio contornado por via
pública, mas antes a localização dentro do perímetro urbano, ao qual se reporta
a existência das infra‑estruturas e não a cada terreno em concreto.”
Terá partido, assim, o acórdão recorrido do pressuposto
de que, no caso, se verificavam, a propósito das duas parcelas em causa, os
requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, para, de
seguida, desenvolver o seguinte raciocínio: 1.º) “A aptidão edificativa de um
prédio não resulta apenas e tão‑só de reunir as infra‑estruturas indicadas na
alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, ou parte delas e
situar‑se no perímetro urbano, pois que para além dessas circunstâncias deve
ainda estar prevista essa possibilidade nas leis ou regulamentos que a
disciplinem tal como acima ficou indicado, o que não acontece no caso vertente
quanto às duas parcelas que, vimos já, situam‑se em zona verde e foram
destinadas à construção de um parque municipal”; 2.º) por isto, “as duas
parcelas expropriadas devem ser caracterizadas como solos aptos a outros fins,
sem que isso acarrete de imediato que a respectiva indemnização tenha de ser
calculada com o pressuposto dessa classificação, perante o disposto no artigo
26.º, n.º 12, do Código das Expropriações”, uma vez que “foram adquiridas [pelos
expropriados] antes de destinadas a área verde pelo respectivo Plano Director
Municipal e Plano de Urbanização de Estarreja”. Em súmula, o acórdão recorrido
partiu do pressuposto de que, no caso, as parcelas tinham objectiva capacidade
edificativa, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º, perderam essa
capacidade, após a sua aquisição pelos expropriados, por força da sua
classificação, por instrumento de gestão territorial, como zona verde, pelo que
passaram a ser qualificáveis como “solos para outros fins”; porém, a
indemnização devida não deve ser calculada nos termos do artigo 27.º, mas antes
nos termos do n.º 12 do artigo 26.º, todos do Código das Expropriações de 1999.
É neste contexto que, quando o acórdão de 7 de Janeiro
de 2008, que indeferiu pedido de aclaração do acórdão de 5 de Novembro de 2007,
refere que cada uma das parcelas deve ser considerada “como solo apto para
outros fins por não terem capacidade edificativa em concreto por via da
destinação a área verde” (sublinhado acrescentado), não se deve extrair desta
afirmação a conclusão de que o Tribunal da Relação do Porto reconheceu que as
parcelas não dispunham dos requisitos do artigo 25.º, n.º 2, do dito Código, mas
tão‑só que deixaram de ter capacidade edificativa por força da destinação a área
verde.
Afigurando‑se ser o apontado o sentido mais natural do
acórdão recorrido, daí decorreria, como inicialmente referi, o não conhecimento
do objecto do recurso, por tal acórdão não ter aplicado, como ratio decidendi,
o critério normativo, arguido de inconstitucional pela recorrente, segundo o
qual o regime do n.º 12 do artigo 26.º é aplicável ao cálculo da indemnização
por expropriação de terrenos que não possuíam nenhum dos requisitos do n.º 2 do
artigo 25.º, mas que foram classificados como zona verde por plano municipal de
ordenamento do território entrado em vigor em data posterior à sua aquisição
pelos expropriados.
Acabei, porém, por admitir que, não sendo totalmente
inequívoca a interpretação a dar ao acórdão recorrido, face a essa situação de
dúvida o Tribunal Constitucional conhecesse do objecto do recurso, apreciando a
constitucionalidade do critério normativo identificado pela recorrente, sendo
certo, no entanto, que a reformulação do acórdão recorrido não tem um sentido
pré‑determinado. Caberá ao Tribunal da Relação, nessa reformulação, clarificar
se entende, ou não, que as parcelas em causa possuem os requisitos do n.º 2 do
artigo 25.º do Código das Expropriações, decorrendo obviamente de uma resposta
positiva a essa indagação a conclusão – que ninguém contestará, nem sequer a
própria expropriante – da inexistência de qualquer inconstitucionalidade na
aplicação do regime do n.º 12 do artigo 26.º do mesmo Código. Só se
efectivamente se apurar que as parcelas em causa eram de todo desprovidas das
infra‑estruturas referidas no n.º 2 do artigo 25.º (requisitos que nada têm a
ver com a alegada especial dificuldade ou onerosidade com a construção no local,
aspecto que apenas relevaria para a determinação do valor da indemnização nos
termos do n.º 8 do artigo 26.º), é que ganhará relevância o juízo de
inconstitucionalidade constante do precedente acórdão, juízo do qual me
dissocio, pelas razões constantes dos Acórdãos n.ºs 234/2007 e 239/2007, que
subscrevi.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à decisão de inconstitucionalidade pelas razões
constantes dos acórdãos nºs. 234/2007 e 239/2007, desta 2ª Secção, que
subscrevi, e da declaração de voto que apuz ao acórdão nº 145/2005, da 1ª
Secção.
Rui Manuel Moura Ramos