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Processo n.º 46/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. e Mulher reclamam da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu
o seu requerimento de recurso para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo
76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional. Vejamos os termos da Reclamação:
“Os ora reclamantes nas suas alegações de recurso de Revista interposto
oportunamente para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitaram a
inconstitucionalidade da douta decisão proferida em apelação pelo Tribunal da
Relação do Porto por violação de caso julgado formado anteriormente noutro
processo com o mesmo objecto e pedido dos presentes autos.
Na mesma peça processual, os reclamantes suscitaram a violação dos Princípios
Constitucionais da Confiança e da Segurança Jurídica decorrentes do Estado de
Direito consagrado no artigo 2° e por violação do disposto no art° 282°, n° 3 da
C.R.P.
Sucede que o douto Acórdão proferido em Revista pelo Supremo Tribunal de Justiça
é omisso em relação à invocação por parte dos reclamantes de que deveria ter
sido verificada a autoridade de caso julgado, nos termos dos art°s. 671°, n° 1 e
675° do C.P.C.
E ao omitir a pronúncia acerca destas normas legais, entendem os reclamantes que
o Supremo Tribunal de Justiça recusou a aplicação destas normas, o que gera
necessariamente a inconstitucionalidade da douta decisão, por omissão.
Pelo que deveria ter sido atendida a interposição do Recurso apresentado para
este Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos invocados no
requerimento dos reclamantes.
De qualquer das formas, a douta decisão que não admitiu o recurso interposto, e
da qual ora se reclama, é também ela ilegal por incompetência material, visto
que os fundamentos da não admissão não são enquadráveis no disposto no n° 2 do
art° 76° da Lei 28/82 de 15/11.”
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
invocada pelos recorrentes para fundamentar o recurso para o Tribunal
Constitucional, que cabe recurso das decisões dos tribunais ‘que recusem a
aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade’.
Este tribunal não recusou a aplicação de qualquer norma, muito menos com
fundamento em inconstitucionalidade. Por isso, não se admite o recurso.”
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dispõe o
seguinte:
“A. e esposa B., Recorrentes nos autos à margem referenciados, tendo suscitado a
inconstitucionalidade por violação de caso julgado no articulado de alegações do
recurso de Revista e não se conformando com o douto Acórdão proferido, dele vêm
interpor RECURSO para o Tribunal Constitucional, com fundamento no disposto no
artigo 70° n° 1 al. a), da Lei n° 28/82 de 15/11, por violação dos princípios
constitucionais da confiança e da segurança jurídica, decorrentes do estado de
direito consagrado no artigo 2° e por violação do disposto no 282° n° 3 da CRP,
a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.”
2. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal
pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, dizendo: “(…) por ser
evidente que a situação relatada – pretensa ‘omissão de pronúncia’ acerca de
certas questões processuais colocadas pelo recorrente – só por lapso manifesto
deste poder ser enquadrada no conceito de ‘recusa de aplicação’ de uma norma
com fundamento na respectiva inconstitucionalidade.”
Notificados desse parecer, os Reclamantes nada disseram.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, tendo
o recurso sido interposto com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da
Lei do Tribunal Constitucional, não se verificam preenchidos nos autos os
requisitos processuais de que depende a admissão e conhecimento do mesmo.
O recurso de constitucionalidade previsto na citada alínea a) pressupõe que
tenha ocorrido, nos autos, a recusa de aplicação de norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade e que tal norma constitua o fundamento, quer dizer, a
ratio decidendi da pronúncia a quo.
Os Reclamantes sustentam que, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça não
se pronunciou sobre a questão do caso julgado – suscitada nas alegações de
revista – tal configura uma recusa (implícita) de aplicação das normas, assim
saindo inquinada tal decisão judicial por inconstitucionalidade por omissão.
Ora, a norma ao abrigo da qual os Reclamantes tentaram interpor o recurso de
constitucionalidade visa as situações em que houve recusa de aplicação de
normas, pelo tribunal a quo, sendo essa recusa fundada em inconstitucionalidade
das mesmas. Não estão abrangidos os casos de alegada recusa implícita de
aplicação de normas que redunde em inconstitucionalidade da decisão até porque o
recurso de constitucionalidade, no sistema português, é exclusivamente
normativo, não contemplando, portanto, o controlo das próprias decisões
judiciais com fundamento em desconformidade com as normas e princípios da Lei
Fundamental (cfr. artigos 280.º, da Constituição e artigo 70.º, n.º 1, da Lei
Fundamental).
Assim se conclui pela manifesta improcedência da reclamação apresentada.
III – Decisão
4. Nestes termos, acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC.
Lisboa, 11 de Março de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos