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Processo n.º 859/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., notificado do despacho do Conselheiro
Vice‑Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 15 de Outubro de 2008,
que – por entender que o recurso se reportava à decisão judicial recorrida “e
não a qualquer norma em que a mesma decisão se tenha baseado” – não admitiu
recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra
o despacho da mesma entidade, de 26 de Setembro de 2008, que indeferira
reclamação contra despacho de não admissão de recurso penal para o STJ,
apresentou reclamação daquele despacho, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da
LTC, com os seguintes fundamentos:
“Em face da prolação do douto acórdão proferido pelo Venerando
Tribunal da Relação de Lisboa, o aí recorrente interpôs, em tempo, recurso para
o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (fls. 661 a 692).
Por douto despacho de fls. …, entendeu o Excelentíssimo Juiz
Desembargador Relator não admitir o recurso, por entender que «a decisão de
fls. 634 a 655 é irrecorrível».
Assim, o aqui reclamante apresentou reclamação do douto despacho de
não admissão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que doutamente
entendeu indeferir a reclamação deduzida e manter o despacho de não admissão de
recurso, não conhecendo das inconstitucionalidades aí invocadas.
Do despacho de não admissão de recurso, o aqui reclamante interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, que não veio a ser admitido por se
entender que «o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só
pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1
do artigo 280.º da CRP».
Assim, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça: «não se admite pois o
recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que se reporta à decisão que
indeferiu a reclamação de fls. 124 e segs. e não a qualquer norma em que a mesma
se tenha baseado».
Com devido respeito, que é sempre muito, entendemos que o recurso
interposto para o Tribunal Constitucional deveria ser admitido, pois a decisão
sobre a qual o mesmo recai é, no nosso modesto entender, recorrível, uma vez que
se trata da aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante
o processo, designadamente na reclamação deduzida do despacho de não admissão
proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Inconstitucionalidades
não conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Daí que no requerimento de recurso interposto se refira
expressamente que o objecto do recurso interposto se cinge à violação dos
princípios constitucionais decorrentes do artigo 13.º, artigo 20.º, n.º 2,
artigo 32.º, n.º 1 e n.º 9, da CRP em face da aplicação, que se faz no douto
despacho, do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
Ora, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, o recorrente indicou a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo
do qual interpunha recurso, bem como indicou os princípios constitucionais que
considerava violados pelo douto despacho de não admissão de recurso.
Salvo o devido respeito, que é sempre muito, parece‑nos que deverá
ser admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional nos termos e
pelos fundamentos acima expostos, em virtude de processualmente estar conforme
aos requisitos e pressupostos exigidos.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto
suprimento de Vossa Excelência, deve a presente reclamação ser recebida e
deferida a pretensão na mesma ínsita, tal significando a admissão do recurso
interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A..”
O representante do Ministério Público neste Tribunal
emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o
reclamante – nem no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, nem sequer no âmbito da presente reclamação – tratou de
definir e delimitar o objecto normativo de tal recurso, delineando
adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Tal situação processual implica a carência de objecto idóneo quanto
à fiscalização da constitucionalidade pretendida pelo reclamante, o que
naturalmente dita a rejeição desta reclamação.”
Por despacho do relator, foi determinada a notificação
ao reclamante do referido parecer, e ainda para se pronunciar, querendo, sobre
a possibilidade de a inadmissibilidade do recurso se fundamentar no facto de
não ter sido arguida a inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada no
despacho recorrido como ratio decidendi: a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo
400.º do Código de Processo Penal (CPP), na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29
de Agosto, que declara não admissível recurso de acórdãos proferidos, em
recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade.
Pelo reclamante não foi apresentada qualquer resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. No sistema português de fiscalização de
constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional
cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões
de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a
interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com
clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa
inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas
directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente
caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos
de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o
processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2
do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Acresce que, quando o recorrente questiona a
conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar
essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito,
o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.”
3.1. No presente caso, na reclamação endereçada ao
Presidente do STJ, ao abrigo do artigo 405.º, n.º 1, do CPP, contra o despacho
do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu
recurso interposto para o STJ, aduziu o ora reclamante:
“Em face da prolação do douto acórdão proferido pelo Venerando
Tribunal da Relação de Lisboa, o aí recorrente interpôs, em tempo, recurso para
o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (fls. 661 a 692).
Por douto despacho de fls. …, entendeu o Excelentíssimo Juiz
Desembargador Relator não admitir o recurso, por entender que «a decisão de
fls. 634 a 655 é irrecorrível».
Assim, entendeu o Excelentíssimo Juiz Desembargador, ao abrigo do
disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1 alínea b), e 432.º, todos do CPP, não
admitir o recurso interposto pelo recorrente.
Ora, é precisamente deste douto despacho, na medida em que considera
a decisão irrecorrível, que aqui se reclama.
Com devido respeito, que é sempre muito, entendemos que o recurso
interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa,
confirmativo da decisão de 1.ª Instância, deveria ser admitido, pois a decisão
sobre a qual o mesmo recai é, no nosso modesto entender, recorrível.
Entende o aqui reclamante que os fundamentos apontados no despacho
ora reclamado não podem vingar.
Sustenta o douto despacho ora em crise que o recurso não é admitido
ao abrigo do disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º
1, alínea b), do CPP.
Ora, decorre dos apontados normativos legais, e para o que aqui
importa, que é permitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos
acórdãos proferidos pelas Relações cuja irrecorribilidade não esteja elencada no
artigo 400.º do CPP.
No entendimento explanado no despacho de não admissão, entende‑se
que tal irrecorribilidade decorre da alínea b) do [n.º 1 do] artigo 400.º do
CPP. Sendo que não nos parece enquadrável o caso em apreço ao estatuído
na alínea b) do aludido preceito legal, pois aí trata‑se de decisões proferidas
no exercício de poderes discricionários conferidos ao tribunal, tendo em vista a
livre escolha quer da oportunidade quer da solução a dar ao caso concreto.
O que não é o caso vertente.
Parece‑nos que, quando se refere alínea b) do n.º 1 do artigo 400.º
do CPP, se pretenderia referir a alínea f), que considera irrecorríveis os
acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que confirmem a decisão de 1.ª
instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
Admitindo‑se que o recurso não foi admitido com base no preceituado
na alínea f) do artigo 400.º do CPP (pois não se poderá conceber que a
irrecorribilidade nos presentes autos decorra da alínea b)), não poderemos
sufragar tal entendimento.
A alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP tem a redacção
introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. Pretendeu o legislador, com a
redacção contemplada na Lei n.º 48/2007, resolver uma querela jurisprudencial
que se manteve quanto à redacção anterior, qual era a de saber se o limite
determinante da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça era
estabelecido pela pena aplicável ao crime ou pena efectivamente aplicada.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, entendíamos que
para se aferir da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
se deveria atender à pena abstractamente aplicável ao crime e não à pena
efectivamente aplicada.
Contrariamente a este entendimento, a Lei n.º 48/2007 veio a alterar
a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, consagrando a solução da pena
efectivamente aplicada, restringindo, e muito, a cognição, em sede de recurso do
Supremo Tribunal de Justiça.
Todavia, esta redacção contemplada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de
Agosto, não se poderá aplicar aos presentes autos.
E isto porque os presentes autos são anteriores à alteração
legislativa e como tal a lei processual penal não se aplica aos processos
anteriormente iniciados, quando da sua aplicabilidade imediata resulte
limitação do direito de defesa do arguido.
Na verdade, a nova redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do
CPP, ao aplicar‑se aos presentes autos, resulta numa clara limitação ao direito
de defesa do arguido A..
Decorre do artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da Republica
Portuguesa que a todos é garantido o acesso aos tribunais para defesa dos seus
direitos. Para tanto, a nossa lei fundamental prevê a existência de tribunais de
recurso (artigo 215.º, n.ºs 2 e 3, da CRP). Pelo que, em processo penal, o
princípio constitucional das garantias de defesa contempla a faculdade do
arguido recorrer de sentenças condenatórias.
O princípio das garantias de defesa, emergente do preceituado no
artigo 32.º, n.º 1, da CRP, tem o sentido de que o processo penal deve ser um
processo justo e leal, ficando, por isso, proibidas restrições à possibilidade
de defesa.
Ora, a anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do
CPP conferia ao arguido o direito a recorrer do acórdão condenatório proferido
pela Relação de Lisboa que confirmou a decisão de 1.ª Instância, uma vez que
estamos perante um concurso de ilícitos criminais e a pena abstractamente
aplicável é superior a 8 anos.
Pelo que entendemos que, ao aplicar‑se o previsto no actual artigo
400.º, n.º 1 alínea f), do CPP in casu consubstancia uma inconstitucionalidade
material.
Efectivamente, a possibilidade de recurso não pode ficar dependente
da medida da pena aplicada pelo tribunal recorrido.
Salvo o devido respeito, parece‑nos que a possibilidade de recorrer,
a competência do STJ e a alçada deve, tão‑só, depender da medida da pena
abstracta a aplicar e não da pena concreta aplicada.
Atrevemo‑nos a dizer que a decisão contemplada no sistema processual
penal viola manifestamente o princípio da igualdade e da não discriminação
elencado no artigo 13.º da CRP.
O principio elencado na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP
determina que a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se
afere, não quanto à gravidade do crime em si e dos factos abstractos dos quais o
arguido é acusado, mas sim quanto à concreta interpretação e aplicação da lei
feita pelos tribunais recorridos, que deste modo podem determinar se a sua
decisão será ou não recorrível.
Parece‑nos que este regime viola os direitos de defesa do arguido e
que é face a determinados crimes em abstracto, é imperativa a garantia de três
graus de jurisdição. Esta garantia impõe‑se pela gravidade do crime em abstracto
e da moldura penal abstractamente aplicável e não pode ficar dependente da
aplicação do direito feita nos tribunais recorridos.
Se o artigo 32.º, n.º 1, da CRP confere a todos os cidadãos
garantias de defesa, incluindo o recurso, não pode tal garantia de defesa ser
limitada pela decisão recorrida. De facto, para estarmos perante uma garantia
temos que ter em conta a medida abstracta da pena e não a pena concreta
aplicável.
Em suma, a actual versão do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), viola o
n.º 1 do artigo 32.º da CRP, n.ºs 1 e 9, inconstitucionalidade que aqui
expressamente se invoca.
Em face dos fundamentos indicados supra, entendemos que o douto
despacho reclamado, ao não admitir o recurso, por considerar a decisão
irrecorrível, é inconstitucional porque viola os direitos fundamentais de
defesa do arguido A.. Isto se, conforme acima se referiu, o douto despacho
assenta a irrecorribilidade na alínea f) do [n.º 1 do] artigo 400.º do CPP.
Para o caso de tal irrecorribilidade ser sustentada na alínea b) do
[n.º 1 do] artigo 400.º, conforme nos parece transparecer do despacho,
entendemos que não estamos perante qualquer poder discricionário dos
[tribunais].
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto
suprimento de Vossa Excelência, deve a presente reclamação ser recebida e
deferida a pretensão na mesma ínsita, tal significando a admissão do recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido A..”
3.2. A reclamação foi indeferida por despacho do
Vice‑Presidente do STJ, de 26 de Setembro de 2008, com a seguinte fundamentação:
“I. O arguido A. recorreu para este Supremo Tribunal do acórdão da
Relação de Lisboa, confirmativo da decisão da 1.ª instância, que, na parte
relevante, o condenara pela prática de dois crimes, um de falsificação, previsto
e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, do Código Penal, na pena de
1 ano e 6 meses de prisão, e outro de burla qualificada, previsto e punido
pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena
de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas e daquelas em
que foi condenado no processo n.º 2219/04.6TALRS, da 2.ª Vara Mista de Loures,
nos termos do disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, foi o arguido
condenado na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual
período, acompanhada de regime de prova.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator esse recurso não foi
admitido, nos termos dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1,
alínea b), do CPP.
Desse despacho reclama o recorrente, sustentando, além do mais, que
lhe parece que o despacho reclamado quando se refere à alínea b) do n.º 1 do
artigo 400.º do CPP se pretendia referir à alínea f), conferindo‑lhe a redacção
anterior desta alínea o direito de recorrer, tendo em conta que os presentes
autos são anteriores à alteração legislativa e como tal esta não se aplica aos
processos anteriormente iniciados quando da sua aplicabilidade imediata resulte
limitação do direito de defesa do arguido. Refere ainda que a aplicação da
actual redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), viola o artigo 32.º, n.ºs 1 e
9, da CRP.
A assistente B., L.da, pugna pelo improvimento da reclamação.
II. Cumpre apreciar e decidir.
O referido acórdão foi proferido em 23 de Abril de 2008 e a decisão
da 1.ª instância em 21 de Dezembro de 2007; logo, ambas as decisões foram
proferidas na vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que alterou o
Código de Processo Penal.
Assim, atentas as datas em que foram proferidas aquelas decisões, e
uma vez que para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artigo 5.º,
n.º 2, alínea a), do CPP, o regime aplicável deve ser o que vigorava na data em
que pela primeira vez se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos
do exercício do direito ao recurso, não há que considerar qualquer questão no
âmbito da sucessão de regimes.
Ora, não sendo já hipótese de sucessão de leis, deve ser aplicável o
artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP na redacção introduzida pela Lei n.º
48/2007, de 29 de Agosto, que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da
liberdade».
Independentemente de uma série de questões de ordem lógica e
sistémica que a disposição suscita, que seriamente dificultam a interpretação,
no caso, o acórdão questionado, no que aqui interessa, manteve a decisão da 1.ª
instância que condenara o arguido pela prática de dois crimes, um de
falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea e), e 3, do
Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e outro de burla
qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2,
alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo
jurídico desta penas e daquelas em que foi condenado no processo n.º
2219/04.6TALRS, da 2.ª Vara Mista de Loures, nos termos do disposto nos artigos
77.º e 78.º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos de
prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de
prova.
Assim sendo, uma pena de prisão suspensa na sua execução não pode
ser entendida como privativa da liberdade. Daí a irrecorribilidade da decisão,
nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
Nestes termos, tendo em conta que a irrecorribilidade das decisões
judiciais, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, depende apenas da
verificação de uma das situações nele contempladas, fica prejudicado o
conhecimento da admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea f) do referido
artigo.
Por último, uma vez que a norma que serviu de ratio decidendi para
não admitir o recurso para o STJ foi a do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do
CPP, como atrás se disse, não vamos conhecer da inconstitucionalidade imputada à
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por irrelevar o seu conhecimento, uma
vez que não exerceu qualquer influência nesta decisão.”
3.3. O reclamante interpôs recurso desta decisão para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
referindo no requerimento de interposição de recurso que:
“O objecto do recurso ora interposto é invocar a violação dos
princípios constitucionais decorrentes do artigo 13.º, artigo 20.º, n.º 2, e
artigo 32.º, n.ºs 1 e 9, da Constituição da Republica Portuguesa, cuja
inconstitucionalidade foi suficientemente invocada na reclamação do despacho de
não admissão de recurso.”
3.4. O recurso de constitucionalidade não foi admitido
pelo despacho, ora reclamado, do Vice‑Presidente do STJ, do seguinte teor:
“O recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só pode incidir
sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1 do artigo
280.º da CRP.
Não se admite, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional, que se reporta à
decisão que indeferiu a reclamação de fls. 124 e seguintes e não a qualquer
norma em que a mesma decisão se tenha baseado.”
4. Como resulta do precedente relatório, o recurso que
se pretendeu interpor para o Tribunal Constitucional era claramente
inadmissível, pela razão apontada no despacho reclamado: o reclamante jamais
suscitou, em termos processualmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, não apontando a qualquer norma de direito
ordinário (ou interpretação normativa, devidamente identificada) a violação de
normas ou princípios constitucionais. O que o reclamante questionou, na
reclamação endereçada ao Presidente do STJ, foi a correcção, face ao direito
ordinário, da decisão de não admissão de recurso penal, imputando a esta decisão
judicial, em si mesma considerada, a violação da Constituição. Aliás, nem
sequer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional o reclamante logrou identificar qualquer norma ou interpretação
normativa que considerasse desrespeitadora da Constituição.
A este fundamento acresce (sendo sabido que, face ao
disposto no n.º 4 do artigo 77.º da LTC, na apreciação de reclamações de
despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade, o Tribunal
Constitucional pode fundar a decisão de não admissão em causas diversas das
invocadas no despacho reclamado) que a norma efectivamente aplicada, como ratio
decidendi, no despacho de que se pretendeu interpor recurso, foi a da alínea e)
do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, que declara
inadmissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que
apliquem pena não privativa da liberdade, referindo‑se expressamente nesse
despacho que, por isso, se considerava prejudicada a apreciação da
aplicabilidade da alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito (que, segundo o
reclamante, fora aquela em que efectivamente se baseara o despacho reclamado do
Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa). Ora, na presente
reclamação (independentemente da questão de saber se esta constituiria ainda
momento adequado para definir o objecto do recurso), o reclamante continua a
referir como norma aplicada, agora no despacho do Vice‑Presidente do STJ, a da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, o que manifestamente não corresponde
à realidade. Assim, também por esta razão – não aplicação pela decisão
recorrida da norma identificada na presente reclamação – o presente recurso
surge como inadmissível.
5. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos