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Processo 365/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos em que é recorrente A. e recorrido o IFADAP – Instituto
de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, I.P., foi
interposto recurso de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 25
de Outubro de 2007 (fls. 922 a 930) para que seja apreciada:
a) “a inconstitucionalidade material e orgânica da
norma do n.º 3 do art. 8.º do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro,
interpretada no sentido de que atribui competência ao foro cível da Comarca de
Lisboa, para conhecer das acções de execução instauradas pelo IFADAP, ora
Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP, I.P.), em virtude do
incumprimento pelos particulares contraentes das obrigações para eles
decorrentes dos (actos e) contratos de atribuição das ajudas previstas naquele
diploma” (fls. 1021 e 1022);
b) “a inconstitucionalidade da interpretação do art.
8.º, n.º 2, do D.L. n.º 31/94, de 5 de Fevereiro, no sentido de o título
executivo nela previsto, designadamente, a certidão de dívida extraída pelo
IFADP, dispensar os requisitos de natureza substancial como os consagrados no
artigo 46º, al. d), do CPC, e que determinam os limites da acção executiva”
(fls. 1023);
c) “a inconstitucionalidade do artigo 8.º [do]
Decreto-Lei n.º 31/94, de 5 de Fevereiro, do ponto de vista formal, por o
supracitado [] diploma dispor sobre matérias da área de atribuições e
competência do Ministério da Justiça, que era, atento o conteúdo das normas dos
n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º, competente em relação à matéria – organização e
competências dos tribunais, e título executivo – e o diploma não ter sido
assinado pelo Ministro da Justiça, como impõe o n.º 3, do artigo 101.º, da
Constituição da República” (fls. 1023).
2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais
constam as seguintes conclusões:
«a) No presente recurso, requer-se a declaração da “inconstitucionalidade
formal, orgânica e material e das normas dos nºs 1 e 3 do artigo 8. ° do
Decreto-Lei n.º 31/94, de 5 de Fevereiro, com fundamento, respectivamente, na
violação do n.º 3, do artigo 201°, n.º 3, do n.º 3 do artigo 212.° e da alínea
p), do n.º 1 do artigo 165.°, todos da Constituição”, segundo as qual «para as
execuções instauradas pelo IFADAP é sempre competente o foro cível da comarca de
Lisboa» — normas ao abrigo da qual o Supremo Tribunal de Justiça se considerou
competente em razão da matéria para decidir enquanto instância de recurso a
presente causa.
b) Quanto à alegada inconstitucionalidade formal, afigura-se evidente que o
artigo 8°, n°1, do DL n.º 31/94, de 5 de Fevereiro, interpretado no sentido de
conferir às certidões emitidas pelo IFADAP o carácter de título executivo fiscal
e, ainda, o facto de a norma do n.º, 3 do mesmo a artigo, interferir na
organização e competências dos tribunais, é formalmente inconstitucional por
violação do disposto no artigo 201. °, nº 3, da Constituição da República, uma
vez que o diploma legal em que está inserido não contem a assinatura do Ministro
da Justiça, que era, atento o conteúdo das normas dos nºs 1 e 3, do artigo 8.°,
competente em relação à matéria.
c) No que respeita à qualificação da relação jurídica controvertida, afigura-se
evidente que se está perante um típico contrato administrativo no domínio da
chamada administração prestativa ou constitutiva, ou de subvenção, atendendo aos
factores de administratividade que nele se podem surpreender;
d) Designadamente, estão presentes os «poderes exorbitantes do direito privado
cláusulas exorbitantes que «correspondem à previsão de momentos de autoridade» e
que são «insusceptíveis de constar num contrato de direito privado», como é o
caso da previsão, no n.º 1 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 31/94, da prática
pela Administração de um verdadeiro acto administrativo na execução contratual e
das demais cláusulas exorbitantes que constam do próprio contrato, que atribuem
ao IFADAP poderes de modificação e rescisão unilateral;
e) Com efeito, o facto de o n.º 1, do artigo 8. ° atribuir o carácter de título
executivo às certidões de dívida emitidas pelo organismo pagador permite
concluir que o acto que impõe o pagamento das respectivas obrigações pecuniárias
é um acto administrativo;
f) A disposição do n.º 3, do artigo 8.°, do DL n.° 31/94, dispõe sobre a matéria
de repartição de competências entre os tribunais cíveis e os tribunais
administrativos e fiscais, ao determinar que o julgamento das acções executivas
relativas aos contratos de ajuda celebrados pelo IFADAP com particulares e aos
actos de execução dos mesmos contratos, designadamente dos actos sanção por
incumprimento do contrato, é da competência foro cível da Comarca de Lisboa;
g) Nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165. ° da Constituição, é da
competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo,
legislar sobre a «organização e competência dos tribunais e do Ministério
Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não
jurisdicionais de composição de conflitos»;
h) A norma do n.º 3 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 31/94, ao retirar da
jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir determinadas
questões que à partida lhe estão cometidas, atribuindo-as aos tribunais cíveis,
emana do Governo, sem a devida lei de autorização legislativa;
i) Nesta medida, ao versar sem a necessária habilitação sobre matérias
constitucionalmente reservadas à Assembleia da República, a norma do n.º 3 do
artigo 8. ° do Decreto-Lei n.º 31/94, viola claramente a reserva relativa da
Assembleia da República, pelo que enferma do vício de inconstitucionalidade
orgânica, por violação do disposto na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.° da
Constituição.”
j) Quanto à inconstitucionalidade material, o R. alegou no STJ que artigo 8. °,
n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/94, de 5 de Fevereiro padece ainda do vício de
inconstitucionalidade material, quando interpretado no sentido de o título
executivo nele previsto, designadamente a certidão de dívida extraída pelo
IFADAP, dispensar os requisitos de natureza substancial como os consagrados no
artigo 46.°, alínea d), do Código de Processo Civil, e que determinam «os
limites da acção executiva:
k) Isto é, a extensão e o conteúdo da obrigação do devedor e consequentemente
até onde pode ir a acção do credor», designadamente a razão da dívida ou as
respectivas origens, requisito este cuja existência e preenchimento se torna
necessário para o cabal exercício do direito de defesa do executado — sendo por
isso inconstitucional o entendimento que considere desnecessária a sua previsão
legal, por violação do artigo 20. ° da Constituição (complementado pela norma
materialmente constitucional do artigo 2.° do Código de Processo Civil).
l) Consequentemente, verificam-se as assinaladas inconstitucionalidades.»
3. O recorrido apresentou as seguintes conclusões nas suas contra-alegações:
«O recurso interposto assenta na invocação da inconstitucionalidade formal,
orgânica e material das normas dos nºs 1 e 3 do art. 8° do Dec. Lei n° 31/94 de
5 de Fevereiro, como fundamento da incompetência do tribunal cível para a
execução embargada.
Ora não é possível esquecer a situação processual que impede a apreciação de tal
questão ao nível do Tribunal Constitucional.
Efectivamente, o recorrente levantou na sua petição de embargos a questão da
inconstitucionalidade orgânica e material do art. 8°, nºs 1 e 3 do Dec. Lei n°
31/94, de 5 de Fevereiro, questão que foi conhecida, no sentido da sua
improcedência pelo despacho de fls. 203 e segs., com a consequente definição da
competência do tribunal
Mas o recorrente não interpôs recurso deste despacho nem por qualquer outra
forma contra ele reagiu, pelo que o mesmo transitou em julgado, passando a
constituir caso julgado formal (CPCIV/510°, 1,a) e3),
De modo que, não tendo sido levado à apreciação do Tribunal recorrido (Relação
de Lisboa) e constituindo questão definitivamente decidida no âmbito deste
processo, não poderia ser de novo controvertida, fosse com o intuito da sua
apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, como a recorrente tentou, sem
êxito, dado que o Supremo Tribunal de Justiça, se recusou a conhecer de tal
questão:
“(…)
Nos embargos, o recorrente suscitou esta questão.
O tribunal da 1ª instância, por despacho de fls. 203 e segs., transitado em
julgado, pronunciou-se sobre a mesma.
Formou-se, por isso caso julgado formal, pelo que a mesma não poderá ser
reapreciada.
Quer dizer, pois, que, havendo recurso ordinário da decisão da 1ª instância que
apreciou a constitucionalidade orgânica e material daquelas normas, a recorrente
não interpôs recurso de tal decisão, deixando-se transitar.
A inconstitucionalidade formal só foi arguida perante o STJ, que, em despacho de
aclaração, adiantou que não considerava ser exigida a intervenção do Ministro da
Justiça nos termos da Lei Orgânica do Governo de então. Em qualquer caso, ainda
que fundada numa modalidade de inconstitucionalidade antes não invocada, a
questão colocada era a mesma, ou seja a de incompetência do tribunal, questão
esta já decidida com trânsito em julgado.
Diga-se, cautelarmente, que não se afigura haver qualquer das
inconstitucionalidades invocadas.
Quanto à inconstitucionalidade formal, observa-se que a criação de um título
executivo especial, ao abrigo de uma norma de direito processual estabelecida no
ordenamento jurídico, é matéria que interessa à actividade do departamento em
que se inclua a tutela dos interesses visados por aquela criação, não se
descortinando o que isso possa interessar à actuação do Ministério da Justiça.
Por seu lado, a definição de competência dos tribunais de Lisboa para a execução
de tais títulos constituía mera afirmação tautológica, uma vez que a competência
para a execução de tais títulos (reembolso ao IFADAP, sedeado em Lisboa, de
ajudas pagas, na sequência de rescisão ou modificação contratual) sempre seria
de Lisboa, atento o disposto no art. 94º, nº 1 do CPCIV. Nada inovando
relativamente à competência dos tribunais judiciais, também não se vê onde
encontrar matéria que exigisse a intervenção do Ministro da Justiça. Enfim, como
se refere no despacho de aclaração do STJ, nem sequer é dado que tais matérias,
mesmo fora dos contornos anteriormente referidos, exigissem, no âmbito da
regulação de aspectos específicos da agricultura e pescas e face à estruturação
do XII Governo Constitucional, a intervenção do ministro da Justiça.
Quanto à inconstitucionalidade orgânica, é sabido que matéria da competência
material dos tribunais constituía, ao tempo da publicação do Dec. Lei nº 31/94,
como actualmente, reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República — cfr. art. 168°, n°1, al. q) da versão decorrente da Lei
Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro e art. 165°, nº 1, al. p) da versão
vigente. A competência atribuída aos tribunais tributários de 1ª instância para
a cobrança coerciva de dívidas a pessoas de direito público estava dependente da
existência de uma lei que tal previsse, salvo quanto à cobrança das custas e
multas aplicadas pelos tribunais administrativos e fiscais. — cfr. art. 62º,
n°1, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (redacção à data
do Dec. Lei n° 31/94) e art. 144.° do Código de Processo das Contribuições e
Impostos (vigente à data do mesmo diploma legal). Não existindo tal normativo, a
cobrança coerciva desses créditos era da competência dos tribunais judiciais. —
cfr. Lei n.° 38/87, de 23 de Dezembro — Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, na
versão então vigente, art. 14°. De resto, os tribunais administrativos não
estavam então dotados pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de
competência para a execução dos créditos titulados pelos títulos em causa
(certidões de dívida emitidas pelo IFADAP), mesmo que decorrente de contratos
administrativos. De modo que a norma em consideração limitou-se, quanto à
atribuição de competência aos tribunais judiciais, a reafirmar uma regra que já
constava do ordenamento jurídico vigente à data do Decreto-Lei n.º 31/94, pelo
que nada de inovatório comportou
Quanto à inconstitucionalidade material, o Tribunal Constitucional já se
pronunciou em diversos acórdãos no sentido de não existir reserva absoluta e
esgotante de matérias substancialmente administrativas aos tribunais
administrativos, não sendo proibida constitucionalmente uma atribuição pontual e
justificada a outros tribunais da competência para conhecer de questões
substancialmente administrativas. Visão contrária comportaria, de resto, a
inconstitucionalização de leis importantes e de práticas de longa tradição,
designadamente em matéria de política judiciária, contra-ordenações e
expropriações por utilidade pública.»
4. Perante a invocação de fundamento que obsta ao conhecimento do
objecto do recurso – neste caso, a alegada falta de suscitação processualmente
adequada da questão de inconstitucionalidade normativa, a Relatora proferiu
despacho (fls. 1072) para que o recorrente se pronunciasse sobre tal questão. Em
resposta a tal convite, o recorrente alegou o seguinte:
“A — A QUESTÃO DE TEMPESTIVIDADE DAS INVOCADAS INCONSTITUCIONALIDADE[S] DO
ARTIGO 8º, DO DECRETO-LEI Nº 31/94, DE 5 DE FEVEREIRO
1. A entidade recorrida não tem razão, pois as inconstitucionalidades
orgânicas, formal e material, das normas do nºs 1 e 3 do artigo 8º do DL nº
31/94, imputadas aos nºs 1 e 3, do artigo 8º, do Decreto-lei n.º 31/94, de 5 de
Fevereiro, incluindo a inconstitucionalidade da falta de assinatura no diploma
do Senhor Ministro da Justiça, foram alegadas nos artigos 15° a 37° e levadas às
conclusões 4ª a 8ª, do Recurso Jurisdicional interposto para o Supremo Tribunal
de Justiça.
Ora, o Tribunal Constitucional desde sempre tem entendido que a questão de
constitucionalidade apenas não é suscitada em tempo, quando só é invocada pela
primeira vez, no Requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional [Acórdão do Tribunal Constitucional nº 98-125-1, de 05-02-98.
publicado no DR nº 102, II Série de 04-05-98, pp. 5949, e no Boletim do M.J.
39];
Igualmente tem entendido esse Venerando Tribunal que a questão de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade apenas se não considera suscitada
durante o processo, quando é invocada somente no requerimento de aclaração, na
arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de
constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., 11
Série, de 20 de Junho de 1995).
E vai o Tribunal Constitucional mais além, entende que a questão da
constitucionalidade é suscitada em tempo se referida nas alegações para o
Supremo Tribunal de Justiça, apesar de não constar das respectivas conclusões.
[Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 92-041-1, 28-01-92]
No mesmo sentido, tem-se pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, como
decorre do Acórdão de 24.01,95, Recurso n’ 34.482, onde considera que “as
questões de constitucionalidade são, não só do conhecimento oficioso, como podem
ainda ser arguidas em qualquer altura do processo até à decisão final, pela
simples razão de que os tribunais não podem, nos termos do art. 207°
(actualmente 204°) da CRP nos feitos submetidos a julgamento, “aplicar normas
que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados”.
Por outro lado, a questão da natureza oficiosa do conhecimento da
inconstitucionalidade, não só prevalece perante o argumento da “questão nova”,
como igualmente se faz valer perante o da limitação do objecto do recurso pelo
teor das conclusões das alegações, baseado no artigo 690°, n.º 1, do Código de
Processo Civil, nomeadamente porque, em processo constitucional, basta que a
decisão do tribunal aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo. - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-95,
Processo n.º 013073.
Assim, tivesse ou não sido alegada no Tribunal de primeira instância, nunca se
forma caso julgado material, enquanto o processo estiver pendente e for
susceptível de reapreciação jurisdicional, por se tratar de uma questão cujo
conhecimento oficioso incumbe aos tribunais de todas as ordens, (efectuar o
controlo acerca da constitucionalidade material concreta de determinada norma),
por força e em conformidade com o disposto no art. artigo 204, ° da
Constituição, ao estabelecer que «nos feitos submetidos a julgamento não podem
os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os
princípios nela consignados» (cf. ainda nº 3 do artigo 4º do ETAF).
Fica assim claro que o facto de o recorrente invocar essas
inconstitucionalidades, no STJ “apenas significa que se não conforma com o
decidido no acórdão recorrido por entender que o mesmo sofre de ilegalidade na
medida em que deveria ter considerado inaplicável, à concreta situação em
apreço” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-95, Processo nº
013073]
Relevando ainda que a apreciação da inconstitucionalidade da norma ou da sua
aplicação é questão do conhecimento oficioso de qualquer Tribunal -
Constituição, artigo 207.° - pelo que os interessados podem invocá-la em
qualquer via de recurso ordinário que a decisão consinta. [Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 92-041-1, 28-01-92]
Assim, falha qualquer razão à entidade recorrida quando pretende fazer crer que
a questão das inconstitucionalidades alegadas transitou em julgado
B — A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DL 31/94, POR FALTA DE ASSINATURA DO
SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA
2. Fica mal à entidade recorrida pretender que o recorrente apenas tenha
alegado a questão da inconstitucionalidade formal por falta da assinatura do
Ministro da Justiça no pedido de aclaração do acórdão recorrido.
Com efeito, e como supra se referiu, esta inconstitucionalidade foi alegada,
designadamente, no artigo 36°. da petição do recurso jurisdicional interposto no
STJ, e foi, igualmente, levada às conclusões - vide conclusão 6ª, onde se
escreve: “Além disso, as normas do artigo 8º, do DL nº 31/94, de 5 de Fevereiro,
interpretada no sentido conferir às tais certidões o carácter de titulo
executivo fiscal e interferir na organização e competências dos tribunais, são
ainda formalmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 201º, nº
3, da Constituição da República, por o diploma, em questão. não conter a
assinatura do Ministro do Justiça, que era, alento o conteúdo das normas dos nºs
1 e 3, do artigo 8º, competente em relação à matéria.
Esta inconstitucionalidade foi, assim, suscitada durante o processo, e
apresentada à decisão do tribunal recorrido, a tempo e em termos de este a poder
decidir. Além disso, é questão do conhecimento oficioso de qualquer Tribunal -
Constituição, artigo 207.° - pelo que os interessados podem invoca-la em
qualquer via de recurso ordinário que a decisão consinta.
[vide, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 92-041-1, 28-01 -92]
O recorrido revela, no mínimo, falta de atenção na leitura das peças
processuais!
Concorre que, a questão da natureza oficiosa do conhecimento da
inconstitucionalidade, não só prevalece perante o argumento da “questão nova”,
como igualmente se faz valer perante o da limitação do objecto do recurso, pelo
teor das conclusões das alegações, baseado no artigo 690°, n.º 1, do Código de
Processo Civil.
Nomeadamente porque, em processo constitucional, basta que a decisão do tribunal
aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
[Cfr. acs. do TCA, de 8/4/2003. recurso nº 144/03; de 29/4/2003, recurso nº
146/03; e de 18/5/2004, recurso nº 01205/03] - e, na doutrina, cite-se, por
exemplo, a posição do Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional,
Torno TI. pág. 441, Lisboa, bem como o Cons. Jorge de Sousa (Código de
Procedimento e de Processo Tributário - Anotado, Vislis, 2ª edição,
págs.884/887).” (fls. 1074 a 1076)
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. A título prévio, importa notar que, apesar de ter interposto
recurso, simultaneamente, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º
da LTC, o recorrente, depois de notificado para alegar por despacho que frisava
a possibilidade de não conhecimento quanto ao recurso relativo à alínea g),
viria a desistir do recurso interposto ao abrigo desta mesma alínea (fls. 1053),
pelo que, face à desistência manifestada pelo recorrente, não conhecerá este
Tribunal do recurso inicialmente interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC.
6. Assim, importa começar por analisar a tramitação processual dos autos com o
objectivo de averiguar a eventual impossibilidade de conhecimento do objecto do
recurso, conforme pretendido pelo recorrido.
Com efeito, a inconstitucionalidade orgânica e material dos n.ºs 1 e 3 do artigo
8º do Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de Fevereiro, foi logo suscitada, pelo ora
recorrente, em sede de embargos de executado (fls. 6 e 7), em favor da
pretendida incompetência do tribunal judicial de 1ª instância. Contudo, em sede
de despacho saneador (fls. 203 e 204), viria a julgar-se improcedente a excepção
de incompetência e, concomitantemente, a alegada inconstitucionalidade da norma
que fixava a competência jurisdicional.
Ora, após notificação do despacho saneador, o ora recorrente apenas apresentou
requerimento instrutório (fls. 217), não tendo recorrido daquele despacho,
designadamente, quanto à decisão relativa à fixação de competência das varas
cíveis de Lisboa. Com efeito, a própria decisão do tribunal judicial de primeira
instância tão pouco aprecia a questão de inconstitucionalidade e a consequente
questão relativa à incompetência do tribunal (fls. 549 a 569), na medida em que
essas matérias já tinham sido alvo de decisão pelo despacho saneador.
De seguida, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, o
recorrente abandona a tese da inconstitucionalidade material e orgânica daquelas
normas (fls. 589 a 649), apenas tendo vindo a recuperá-la nas suas alegações
para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 796 a 800). Nessas mesmas alegações de
recurso, o ora recorrente coloca, assim, três questões de inconstitucionalidade,
a saber: i) a alegada inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do n.º 3
do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 31/94; ii) a alegada inconstitucionalidade
material e orgânica do n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 31/94, “quando
interpretado no sentido de o título executivo nele previsto, designadamente a
certidão de dívida extraída pelo IFADAP, dispensar os requisitos de natureza
substancial consagrados no artigo 46.º, alínea d) do Código de Processo Civil”
(fls. 799 e 800); iii) e, pela primeira vez nos autos, a alegada
inconstitucionalidade formal das normas extraídas dos nºs 1 e 3 do Decreto-Lei
n.º 31/94.
Tendo sido alegado pelo recorrido a impossibilidade de apreciação do recurso
quanto à questão da inconstitucionalidade das normas extraídas dos nºs 1 e 3 do
artigo 8º do Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de Fevereiro (fls. 903), o Supremo
Tribunal de Justiça viria a decidir-se pela impossibilidade de conhecimento da
questão, na medida em que aquela já teria transitado em julgado (fls. 928 e
929).
7. Antes de mais, verifica-se que o recorrente nunca suscitou qualquer
inconstitucionalidade normativa relativamente à norma extraída do n.º 2 do
artigo 8º do Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de Fevereiro. Ainda que a segunda
questão de inconstitucionalidade normativa colocada no requerimento de
interposição de recurso (fls. 1022 e 1023) diga respeito à controvertida
possibilidade de dispensa dos requisitos de natureza substancial previstos na
alínea d) do artigo 46º do CPC, certo é que o ora recorrente apenas suscitou tal
inconstitucionalidade relativamente à norma extraída do n.º 1 do artigo 8º do
referido diploma legal, mas nunca quanto à norma extraída do n.º 2 do mesmo
artigo 8º – norma que o recorrente pretende agora que venha a ser apreciada por
este Tribunal. Assim, torna-se forçoso concluir que o recorrente nunca suscitou
qualquer questão de inconstitucionalidade a propósito do n.º 2 do artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de Fevereiro, pelo que, desde logo, não seria
legalmente possível conhecer do objecto do presente recurso quanto a esta parte,
por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
8. Mas, independentemente da questão de saber se o recorrente suscitou, ou não,
de modo processualmente adequado, as demais questões de inconstitucionalidade
normativa que pretende ver agora apreciadas por este Tribunal, a verdade é que a
decisão recorrida não aplicou nenhuma das interpretações normativas invocadas
relativamente aos nºs 1 e 3 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de
Fevereiro, como sua “ratio decidendi”. Pelo contrário, da leitura da decisão
recorrida (fls. 928 e 929) resulta evidente que aquela nem sequer apreciou a
questão da inconstitucionalidade das normas extraídas dos nºs 1 e 3 do artigo 8º
do Decreto-Lei n.º 31/94, de 05 de Fevereiro, na medida em que considerou já se
encontrar formado caso julgado sobre a questão da incompetência do tribunal.
Ora, este Tribunal não dispõe de poderes para se pronunciar sobre a determinação
do Direito infra-constitucional aplicado pelos tribunais recorridos. Nestes
autos, resulta evidente que – bem ou mal – a decisão recorrida entendeu que
estaria formado caso julgado sobre a questão da incompetência do tribunal. Daqui
decorre que a decisão recorrida não aplicou efectivamente qualquer das
interpretações normativas reputadas de inconstitucionais por parte do
recorrente, pelo que, por força do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal não pode
conhecer do objecto do presente recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão