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Processo n.º 792/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
Notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 16 e seguintes) que
lhe negou a revista que interpusera, veio A., Lda. requerer a respectiva
aclaração, nos seguintes termos (cfr. requerimento de fls. 35 e seguintes):
“I.
1. Em final de 3.2.1., considerou-se dever ser apreciada a omissão de pronúncia
invocada pela Recorrente.
2. Em 3.2.2., concluiu-se que a única questão de mérito sob a qual deveria ser
equacionada aquela questão deveria ser a matéria relacionada com os
despedimentos e a ilicitude destes.
3. Em 3.2.3., sistematizando a matéria de facto que a Recorrente pretende
deveria ser submetida a julgamento, considera-se que (parte) da factualidade
invocada a esse propósito pela Recorrente se relaciona com o pretenso abandono,
por parte das recorridas, dos seus postos de trabalho.
4. Sob a alínea H-) da elencagem dos factos provados, consta que «...as AA foram
“despedidas verbalmente” pelo sócio da Ré, Prof. B.».
5. Em 3.3.1. do douto Acórdão, considera-se aquela expressão «notoriamente
conclusiva».
6. Na realidade, assim é, porquanto nenhuns factos existem nos Autos e nenhuns
factos se provaram que permitam aquela conclusão.
7. Assim, e nessa parte, perante a impugnação do despedimento — em que relevam
os factos alegados pela Recorrente no sentido do abandono do trabalhos pelas
Recorridas, esta matéria releva perante a inexistência de quaisquer factos em
que se tenha traduzido ou materializado o “despedimento verbal”,
8. Pelo que, no entender da Recorrente, e salvo sempre o devido e maior respeito
pela opinião contrária, se afigura contraditório e ambíguo: por um lado, a
desconsideração de factos demonstrativos do abandono do trabalho por parte das
Recorridas; por outro lado, a assunção expressa de que a matéria elencada em H-)
é notoriamente conclusiva, conjugada com a absoluta inexistência de quaisquer
factos que possam sustentar tal conclusão, sendo esta a obscuridade/ambiguidade
que a Recorrente pretende ver esclarecida.
II.
9. Por outro lado, perante aquele entendimento expresso de que a referida
expressão é notoriamente conclusiva e na ausência de quaisquer factos concretos
que legitimem tal conclusão, podia ou devia este Venerando Tribunal ordenar a
ampliação da matéria de facto, no uso dos poderes que oficiosamente lhe competem
nessa matéria?
10. Uma vez que se trata de uma insuficiência de facto ostensiva, aquela
prerrogativa ou atribuição deste Venerando Tribunal é uma mera faculdade, ou
deve ser obrigatoriamente exercida?
11. É esta outra questão que a Recorrente pretende ver esclarecida, pois, no seu
modesto entender, sem tal esclarecimento o douto Acórdão proferido afigura-se em
importante medida pela omissão do exercício daqueles poderes. […]”.
A pretensão da reclamante foi indeferida, por acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de fls. 39 e seguintes, pelos seguintes fundamentos:
“[…]
2-2
[…]
Nos termos do artigo 729º, n.º 3, do C.P.C., o Supremo deve ordenar o retorno
dos autos ao tribunal recorrido quando entenda que a decisão de facto pode e
deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de
mérito, ou que ocorrem contradições nessa decisão que inviabilizam a
decisão jurídica do pleito .
[…]
[…] os poderes conferidos pelo inciso em análise são oficiosos e [do seu]
exercício o Supremo não se pode demitir.
2-3
[…]
– não se vislumbra a menor contradição entre a afirmação produzida no Acórdão (o
carácter notoriamente conclusivo da expressão “as AA foram despedidas
verbalmente”) e a desconsideração da factualidade aduzida pela Ré (factos
demonstrativos do pretenso abandono, pelas Autoras, dos seus postos de
trabalho);
- em lógica decorrência do que se deixou exarado, logo se alcançam os motivos
por que se não justificava a pretendida ampliação: havia já a certeza de que as
Autoras tinham sido despedidas verbalmente pelo Prof. B., restando apurar a
falada vinculação da Ré, motivo por que os mencionados abandonos deixavam de
relevar para esse efeito, interessando apenas ao pedido reconvencional,
descartado na pronúncia da revista
3-
Em face do exposto, e por se entender que o Acórdão não padece dos vícios que
lhe são assacados, indefere-se a pretensão da reclamante”.
A., Lda. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes
termos (cfr. requerimento de fls. 43):
“[…] notificada do douto Acórdão de aclaração proferido nestes Autos, que
integra o douto Acórdão anteriormente proferido que negou a Revista, por
entender, salvo sempre o devido respeito, que o mesmo, com a douta aclaração
referida, viola o disposto nos Artºs 20º, nº 1 e 202º, nº 2, da CRP, na
interpretação que é feita do disposto nos Artºs 668º, nº 1, c) e d) e 729º, nº
3, do CPC, inconstitucionalidade que agora se invoca e não antes, por não ter
sido explicitada a questão, vem, respeitosamente, daquele Acórdão requerer a
interposição de Recurso para o venerando Tribunal Constitucional.
[…]”.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, pelos seguintes fundamentos
(cfr. despacho de fls. 44):
“Salvo melhor opinião, não se vislumbra que a pretensa violação dos artºs 20º,
nº 1 e 202º, nº2 da CRP, ora invocada, seja consequência da fundamentação
lavrada na aclaração de fls. 885 e segs.
Tal aclaração limitou-se a reafirmar aquilo que - a nosso ver, de modo claro –
decorria já do precedente Acórdão.
Deste modo, e porque as inconstitucionalidades em apreço não foram oportunamente
arguidas nos autos, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional –
art. 72º, nº 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
[…]”.
Deste despacho reclamou A., Lda. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo do
seguinte modo (cfr. reclamação de fls. 45 e seguintes):
I — As questões suscitadas no requerimento de aclaração do douto Acórdão que
negou a Revista são questões novas, no âmbito de competência de conhecimento do
Tribunal a quo;
II — Com o douto entendimento explicitado no douto Acórdão de aclaração, ocorreu
(e só então) a possibilidade de a Reclamante invocar a sua
inconstitucionalidade, não podendo tê-lo feito anteriormente,
III — Tendo-o feito (bem como a interposição do recurso) durante o processo e em
momento em que o Tribunal a quo mantém competência para sobre elas se
pronunciar.
IV — Salvo sempre o devido respeito pela opinião contrária, o douto Despacho ora
sob reclamação violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do Artº. 70.° da LTC.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou-se sobre a reclamação nos seguintes termos (cfr. fls. 51 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – e para além de a entidade reclamante não ter especificado
minimamente, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na presente
reclamação, qual a interpretação normativa dos preceitos legais indicados que
pretendia questionar, o que priva o recurso de objecto idóneo – verifica-se que
não suscitou, perante o Supremo, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, o que naturalmente preclude o recurso tipificado na al. b) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82”.
Cumpre apreciar.
2. Fundamentação
Resulta da reclamação do despacho de não admissão do recurso de
constitucionalidade – tal como, aliás, já se inferia do próprio requerimento de
interposição do recurso - que o acórdão do qual se pretende recorrer é o acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de aclaração formulado
pela reclamante: ou seja, o acórdão de fls. 39 e seguintes, acima parcialmente
transcrito.
Resulta também dessa reclamação que o recurso de constitucionalidade que se
pretende interpor é o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, isto é, o recurso de decisão judicial que tenha
aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o
processo.
Ora, como nos termos do artigo 666º do Código de Processo Civil (aplicável ao
recurso de constitucionalidade, por força do artigo 69º da Lei do Tribunal
Constitucional) a regra é a de que, uma vez proferida a sentença ou o acórdão,
se extingue o poder jurisdicional do juiz, o recurso de constitucionalidade que
se pretenda interpor ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional deve, em princípio, ser interposto do acórdão que tenha
decidido a causa principal, e o interessado que pretenda interpô-lo deve, também
em princípio, suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de decidida a
causa principal (quanto a este último aspecto, veja-se o disposto no artigo 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Dito de outro modo: o acórdão que rectifique erros materiais, supra nulidades ou
esclareça dúvidas existentes na sentença (e, bem assim, o acórdão que os
rejeite) não conhece da matéria de fundo, apenas podendo aplicar normas ou
interpretações normativas aptas a resolver questões de erros materiais,
nulidades ou dúvidas da sentença, pelo que só pode dele recorrer-se para o
Tribunal Constitucional quando a inconstitucionalidade invocada se prenda com
uma destas questões.
Sucede que, no presente caso, a reclamante, para além de não identificar a
interpretação normativa que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, não
esclarece minimamente por que motivo tal interpretação foi aplicada pela
primeira vez no acórdão que decidiu o pedido de aclaração, a ponto de o acórdão
recorrido dever ser este acórdão e não o que decidiu a causa principal, e a
ponto de a questão de inconstitucionalidade não poder ter sido suscitada antes
da prolação do acórdão recorrido (e do acórdão que decidiu a causa principal).
Assim sendo, conclui-se que, para além de não poder conhecer-se do objecto do
presente recurso de constitucionalidade, por, não estando minimamente
delimitado, não revestir idoneidade para ser apreciado (cfr. o artigo 193º, n.º
2, alínea a), do Código de Processo Civil) – como, de resto, sustenta o
Ministério Público -, não pode também dele conhecer-se por o reclamante não
demonstrar a verificação de dois dos pressupostos processuais do presente
recurso (a saber, a aplicação, na decisão recorrida, da norma que submete à
apreciação do Tribunal Constitucional, e o cumprimento – ou a dispensa do
cumprimento - do ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade).
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação,
mantendo-se o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Novembro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão