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Processo n.º 554/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A., Lda., e
recorrida a Fazenda Pública, o relator proferiu decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«[…] 3. A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do
artigo 131.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT),
quando interpretada no sentido de «sem que tenha existido qualquer acto de
autoliquidação praticado pela contribuinte/aqui recorrente se imponha à mesma,
como condição de vir a impugnar judicialmente, a apresentação prévia de
reclamação graciosa necessária».
Verifica-se, contudo, que a decisão recorrida não aplicou tal norma com essa
interpretação, o que, só por si, obsta ao conhecimento do objecto do recurso,
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
É o que resulta evidente da leitura do acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 06.05.2008, nomeadamente, na seguinte passagem:
«(…) a ora recorrente veio reagir através da presente impugnação judicial quanto
às dívidas exequendas relativas ao IVA dos quatro trimestres do ano de 2001 (…)
resultantes das autoliquidações das declarações de substituição e periódica cuja
soma de imposto a favor do Estado perfaz aquele total (…).
A AT limitou-se a exigir ao sujeito passivo o imposto contido em declarações
periódicas remetidas em seu nome e que nas mesmas declarações se encontra
apurado, mas que oportunamente com elas, não foi remetido o competente meio de
pagamento (…).
E assim sendo como é, tal imposto não pode deixar de ter a natureza de imposto
autoliquidado, bem ou mal não interessa neste momento, mas para cuja impugnação
judicial era necessário, primeiro, deduzir a reclamação graciosa contra tal acto
assacando-lhe qualquer vício invalidante (…)».
Tendo a decisão recorrida considerado que as quantias exequendas, objecto da
impugnação judicial, resultavam de actos de autoliquidação, relativos ao IVA do
ano de 2001, forçoso é concluir que nela não se acolheu a interpretação que a
recorrente reputa inconstitucional.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso. […]»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, formulando as seguintes conclusões:
«a) Entendeu-se na decisão sumária que não deveria tomar-se conhecimento do
recurso porquanto o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não havia
aplicado o artigo 131°, n.º 1 do CPPT com a interpretação de que “sem que tenha
existido qualquer acto de autoliquidação praticado pelo contribuinte se imponha
a este a apresentação prévia de reclamação graciosa necessária.”, daí se
concluindo não estarem preenchidos os pressupostos de apreciação da
inconstitucionalidade interpretativa suscitada pela ora reclamante.
b) Do acórdão do TCA Sul resulta expressamente, a fls. 5 que:
«E assim sendo como é, tal imposto não pode deixar de ter a natureza de imposto
autoliquidado (1), bem ou mal não interessa neste momento, mas para cuja
impugnação judicial era necessário, primeiro, deduzir a reclamação graciosa
contra tal acto assacando-lhe qualquer vício invalidante (art.° 70.º n. °1 do
CPPT), nos termos do n.º 1 do citado art.° 131.° do CPPT, desta forma faltando à
dedução da presente impugnação o preenchimento desse pressuposto ou condição de
impugnabilidade, não se podendo conhecer do seu mérito, a qual assim não pode
deixar de ser rejeitada ou de improceder, como bem se decidiu na sentença
recorrida.»
c) Ou seja, o aresto do TCA Sul fez uma interpretação e aplicação daquele artigo
131.°, n.° 1 do CPPT e dai ter declarado como não procedente o recurso
apresentado pela aqui
d) Não fora a aplicação e interpretação feita daquele normativo por parte do
tribunal recorrido e o recurso apresentado teria de proceder, ou seja, a única
razão que obstou à apreciação de mentis da impugnação na 1.ª instância, em
decisão depois confirmada pelo TCA Sul, foi única e exclusivamente a
interpretação do artigo 131.° do CPPT.
e) E que isto assim é resulta ainda de dois elementos adicionais, a saber:
I) O primeiro é que na decisão sumária omite-se na transcrição que se faz do
acórdão do TCA Sul, colocando um neutros (…), um seu trecho absolutamente
fundamental e do qual resulta a sobredita interpretação e aplicação feita e tal
trecho é precisamente o já supra citado pelo que se torna notória, com tal
omissão, a fragilidade da decisão sumária tomada, Isto uma vez que a mesma se
afasta da apreciação do aresto do TCA em toda a sua plenitude quando só essa
apreciação plena poderia legitimar uma decisão sumária conscienciosa.
II) O segundo é que certamente não se terá reparado que o acórdão recorrido tem
um voto de vencido do Desembargador ASCENSÃO LOPES no qual o mesmo afirma que
não podia subscrever a decisão porquanto:
«Deveria ter-se diligenciado pela realização de diligências conducentes a
apurar, sem margem para dúvidas, se as declarações de IVA em causa foram
assinadas pelo contabilista da impugnante devidamente autorizado e credenciado
para o efeito pela própria impugnante.»
f) Com meridiana clareza resulta daquele voto aposto no acórdão que sem tais
diligências não se poderia aplicar com carácter de automaticidade e de forma
acrítica a simples regra de que por não ter havido reclamação prévia a aqui
reclamante se encontrava impedida de deduzir impugnação judicial.
g) A decisão sumária tomada pelo Sr. Relator foi feita nos termos do artigo 78.°
- A, n.° 1 da Lei n.° 28/82, de 15.11 e vislumbrando-se que os motivos que
levaram à decisão sumária não são de molde a poderem sustentar a mesma entende a
reclamante que tal decisão faz uma interpretação e aplicação do normativo atrás
referido materialmente inconstitucional porque violadora do acesso ao direito e
aos tribunais assim como a um processo justo e equitativo.
h) A decisão sumária interpreta e aplica o artigo 78.° - A, n.° 1 da Lei n.°
28/82, de 15.11 de forma materialmente inconstitucional por violação do artigo
20.°, n.°s 1 e 4 da CRP.
i) E nem se diga ex adverso que uma decisão tomada no Tribunal Constitucional
(sumária ainda para mais) não pode fazer uma interpretação materialmente
inconstitucional de qualquer preceito de lei ordinária uma vez que o pode; Isto
porquanto apesar de ser certo que é a este Alto Tribunal que compete aquilatar
das conformidades interpretativas da lei por parte dos demais tribunais com a
Lei Fundamental o que também não deixa de ser uma realidade indesmentível é que
aquele não se encontra imune a poder lavrar em interpretações, também elas,
desconformes com a Constituição da República Portuguesa.
j) Ora é isso mesmo que in casu a reclamante entende que ocorre a vingar a tese
vertida na decisão sumária e de que aqui se reclama.»
3. A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária pronunciou-se no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, por se ter entendido que o acórdão recorrido não aplicou a norma do
artigo 131.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com
a interpretação cuja constitucionalidade se pretende questionar.
A reclamação ora apresentada em nada abala esta conclusão.
Antes de tudo, não tem qualquer fundamento a afirmação feita de que «na decisão
sumária omite-se na transcrição que se faz do acórdão do TCA Sul, colocando uns
neutros (…), um seu trecho absolutamente fundamental».
O passo transcrito, na decisão sumária, da sentença recorrida é o bastante para
documentar as razões que levaram àquela decisão.
Sustentava a reclamante que não tinha havido autoliquidação do IVA, por as
respectivas declarações não se encontrarem assinadas por um legal representante
seu. O Tribunal Central Administrativo Sul, pelo contrário partiu do princípio
que “tal imposto não pode deixar de ter a natureza de imposto autoliquidado”.
Atenta essa natureza, aplicou o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, no sentido da
necessidade de prévia dedução de reclamação graciosa, como condição da
impugnação judicial.
Ora, na resposta ao convite de aperfeiçoamento, questiona-se a
constitucionalidade daquele preceito legal na interpretação de que «sem que
tenha existido qualquer acto de autoliquidação praticado pelo contribuinte se
imponha a este, como condição de vir a impugnar judicialmente, a apresentação
prévia de reclamação graciosa necessária».
Precisamente para comprovar não ter sido essa a interpretação perfilhada pelo
tribunal recorrido, transcreveu-se a afirmação de que «tal imposto não pode
deixar de ter a natureza de imposto autoliquidado, bem ou mal não interessa
neste momento, mas para cuja impugnação judicial era necessário, primeiro,
deduzir a reclamação graciosa contra tal acto assacando-lhe qualquer vício
invalidante». Não estava em causa a aplicação do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT,
expressamente referido no trecho omitido; o que estava em causa era a sua não
aplicação com a dimensão normativa reputada de inconstitucional.
Como ressalta da parte transcrita na decisão sumária, bem como do texto integral
do acórdão constante dos autos, é evidente que o acórdão recorrido não entendeu
que não tenha existido qualquer acto de autoliquidação praticado pelo
contribuinte. Foi esta disparidade entre a interpretação questionada e a que
serviu de ratio decidendi que deu fundamento à decisão sumária ora reclamada.
Por outro lado, é totalmente descabida a invocação do voto de vencido constante
do acórdão recorrido, pois a interpretação que importa apurar, como ratio
decidendi da decisão, é a que obteve vencimento.
Termos em que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos