Imprimir acórdão
Processo n.º 680/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., inconformado com a decisão sumária proferida neste Tribunal em 25 de
Setembro de 2008, pela qual se determinou o não conhecimento do recurso, vem
agora interpor reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo
78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Disse, no que ora importa:
“1 O recurso interposto tem por objecto a apreciação da inconstitucionalidade
material das normas dos artigos 315° e 1346° do Código Civil, na interpretação
que deles faz o tribunal para fixar a actividade do estabelecimento comercial,
por violarem o princípio da separação de poderes e da proporcionalidade e
adequação e o disposto nos artigos 18°, 61°, 62° e 114°, n° 1, 266° da
Constituição, que suscitou na 12.ª conclusão das alegações de revista
apresentadas junto do Supremo tribunal de Justiça.
2. A questão fundamental é saber se pode o tribunal judicial definir
concretamente a actividade a desenvolver, tal como o fizeram as instâncias
recorridas ou se tal competência é das autoridades administrativas, com eventual
recurso aos meios contenciosos previstos nas leis de procedimento e processos
administrativos.
3. Sobre esta questão concretamente suscitada, não se pronuncia a decisão
sumária proferida e ora reclamada, que nem sequer menciona, em sede de
fundamentação, a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada (não se
refere à 12a conclusão das alegações de revista, mas apenas às 10.ª e 13.ª
conclusões, que não foram invocadas no requerimento de interposição de recurso).
4. A referência à interpretação que daquelas normas (artigos 315° e 1346° do
Código Civil) fazem as decisões recorridas pretende apenas não afirmar a
inconstitucionalidade em sede de aplicação geral.
5. A questão que se coloca é não pode o tribunal judicial definir o tipo de
actividade a exercer, mas apenas e tão só determinar as medidas necessárias para
que o direito à saúde e bem-estar de terceiros possa ser garantido, sob pena de
o tribunal judicial usurpar competência que é das autoridades administrativas
responsáveis pelo licenciamento.
6. Entende-se, pois, sempre com o maior respeito pela posição contrária, que o
recurso de inconstitucionalidade, terá necessariamente consequências no caso
concreto, pois limitará os efeitos e alcance da decisão judicial desfavorável
aos recorrentes.”
2. A fundamentação constante da decisão reclamada tem o seguinte teor:
“4. É de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, pelo facto de não se encontrarem preenchidos alguns pressupostos
essenciais ao conhecimento do recurso.
Como resulta do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, constitui
requisito essencial do recurso de constitucionalidade ali previsto a suscitação,
durante o processo, de questão de constitucionalidade normativa, não cabendo ao
Tribunal Constitucional apreciar a conformidade da decisão recorrida nem, de
qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por outros tribunais.
5. No caso dos autos, o Recorrente apenas não concorda com a decisão do Supremo
Tribunal de Justiça, não tendo suscitado, durante o processo, qualquer questão
de constitucionalidade normativa. Com efeito, o Recorrente limitou-se a, em sede
de alegações de revista, imputar o desvalor ao aresto então impugnado, como se
pode aferir pelas seguintes transcrições: ‘10ª O acórdão recorrido viola o
princípio da proporcionalidade e adequação. (…) 13ª Violou, assim, a douta
sentença recorrida o disposto nos artigos […] 18º, 61º e 62º da CRP, assim como
os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e separação de poderes
previstos na Constituição.’
Quando questiona a conformidade constitucional de determinada interpretação
realizada pelas instâncias de um ou mais preceitos legais, impõe-se ao
recorrente constitucional, de forma a cumprir o ónus da suscitação da questão de
constitucionalidade em moldes processualmente adequados (artigo 72.º, n.º 2, da
Lei do Tribunal Constitucional), que indique qual a dimensão normativa que,
tendo efectivamente sido aplicada na decisão a quo, se encontrará ferida de
inconstitucionalidade. Como se escreveu no Acórdão n.º 7/2008 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), ‘não constitui modo adequado de identificação da
interpretação normativa que se reputa inconstitucional o uso de expressões como
‘na interpretação feita pela decisão recorrida’, ou similares, pois tal
implicaria que o Tribunal Constitucional se iria substituir aos recorrentes na
identificação do objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade (…)’.
6. Acrescente-se, ainda assim, que, mesmo que tal não sucedesse, sempre
prevaleceria o não conhecimento do presente recurso. Com efeito, o controlo
concreto da constitucionalidade supõe que a pronúncia do Tribunal Constitucional
tem a virtualidade de produzir um reflexo útil nos autos. Tal não se verifica no
caso em apreço na medida em que, nos termos do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, mesmo que se entendesse que as actividades em questão se enquadravam no
conceito de ‘comércio’, fornecendo o título constitutivo da propriedade
horizontal habilitação para o seu exercício, sempre o Recorrente estaria
impedido de exercer tal actividade na medida em que tal direito deveria ceder
perante o direito dos autores à saúde e ao descanso (cfr. fls. 499). O que
significa que as suas pretensões improcederiam de qualquer modo.
Em face do exposto, por falta de pressupostos, não se pode conhecer do objecto
do presente recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento.
Vejamos o que escreveu o Reclamante na 12.ª conclusão das alegações de recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à qual vem agora
invocar omissão de pronúncia na decisão sumária em crise: “os artigos 315º e
1346º do Código Civil, na interpretação que deles faz o tribunal para fixar a
actividade e o horário do estabelecimento comercial, são materialmente
inconstitucionais por violarem o princípio da separação de poderes e da
proporcionalidade e adequação e o disposto nos artigos 18º, 61º, 62º e 114º, nº
1, 266º da Constituição.”
Uma leitura atenta da decisão proferida permite facilmente concluir que não só
não foi olvidada a dita conclusão (apesar de não expressamente citada ou
transcrita, como aconteceu, a título exemplificativo, com outras), como a mesma
foi devidamente ponderada, subsistindo a já conhecida impossibilidade de
conhecimento do recurso. É que nessa conclusão, como em outras, o Reclamante não
especificou, como devia se não lhe queria depois ver ser imputada tal omissão, a
dimensão normativa que, reputa(va) de inconstitucional. E, como então se disse,
e agora se repete, “não constitui modo adequado de identificação da
interpretação normativa que se reputa inconstitucional o uso de expressões como
‘na interpretação feita pela decisão recorrida’, ou similares, pois tal
implicaria que o Tribunal Constitucional se iria substituir aos recorrentes na
identificação do objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade (…)” (Acórdão n.º 7/2008, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
E, volta-se também a repetir, ainda que se desse por verificado o pressuposto de
suscitação da questão de constitucionalidade normativa, pelo recorrente
constitucional, durante o processo, em moldes processualmente adequados, ainda
assim persistiria a imposição do não conhecimento do recurso. É que, como
resulta do aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de forma aliás bastante clara,
mesmo que se entendesse que o título constitutivo da fracção autónoma em causa
permitia o exercício das actividades causadoras de ruído e perturbação para os
proprietários confinantes (não podendo estes, portanto, oporem-se aquelas com
base no artigo 1345.º, in fine, do Código Civil), sempre aquelas teriam de ser
proibidas por, face ao conflito de direitos existente, se entender que
prevaleceriam os direitos de personalidade destes últimos ao descanso e à saúde.
E é por esta razão que é forçoso concluir que o recurso de constitucionalidade
tentado interpor jamais lograria preencher este último requisito imprescindível
ao seu conhecimento – a utilidade de uma pronúncia sobre o respectivo objecto,
dado que dos dois fundamentos autónomos utilizados pelo acórdão recorrido para
fazer improceder a pretensão do ora reclamante, este apenas questionou um deles.
Assim sendo, resta concluir pela improcedência da Reclamação.
III – Decisão
6. Nestes termos, acordam em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a reclamação deduzida.
Custas pelo Reclamante no montante de 20 (vinte) UC.
Lisboa, 13 de Novembro de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos