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Processo n.º 95/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo a
apreciação das questões que, após convite formulado ao abrigo do artigo 75º-A
n.º 5 da referida LTC, assim identificou:
[...] Questões cuja apreciação de inconstitucionalidade se requer, e peças
processuais onde foram suscitadas:
13º
No requerimento que deu entrada no Tribunal de Contas, em 10 de Dezembro de
2007, o Recorrente fundamentou exaustivamente o seu pedido de apreciação de
inconstitucionalidades.
14º
No requerimento em apreço, são enunciadas as normas e princípios constitucionais
violados pelo Tribunal de Contas.
15º
No requerimento apresentado pelo Recorrente em 6 de Novembro de 2006, a arguir
nulidades e requerer a aclaração e reforma da decisão do Tribunal de Contas,
foram invocadas várias inconstitucionalidades.
16º
Nos artigos 49º a 88º, nomeadamente artigos 84º, 85º, 86º, 87º e 88º, entende o
Recorrente que a decisão do Tribunal de Contas faz uma errada interpretação do
Decreto Regulamentar nº 3/88, art. 6º nº 2, geradora de inconstitucionalidade
material.
17º
Com efeito, a decisão do Tribunal de Contas priva o Recorrente do direito a
receber despesas de representação próprias do seu estatuto de gestor público
hospitalar.
18º
Esta decisão viola o art. 13º da CRP, já que coloca o Recorrente em desigualdade
com todos aqueles que têm estatuto profissional idêntico ao seu.
19º
A violação deste princípio com os mesmos fundamentos é reafirmada no art. 18º do
requerimento de 30 de Janeiro de 2007, em resposta ao articulado do Ministério
Público, na sequência da arguição de nulidades.
20º
Por outro lado, ainda no requerimento referido, no art. 15º desta peça
processual, o Recorrente invoca a violação do art. 20º da CRP, já que o Tribunal
de Contas apreciou questões sem o exercício do contraditório, como se demonstra
nos arts. 27º a 48º do requerimento.
2. Posteriormente, A. interpôs um novo recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, com o seguinte âmbito:
Em requerimento de 14 de Janeiro de 2008 o ora Recorrente A. requereu a
prescrição do procedimento por responsabilidade financeira reintegratória,
prevista nos artigos 69º e 70º da Lei 98/97, de 26 de Agosto.
No ponto VII deste requerimento o Recorrente argumentou que a interpretação do
artigo 70º, no sentido de que lhe é aplicável o regime da interrupção da
prescrição previsto nos artigos 323º e 327º do Código Civil, violaria o
princípio constitucional da legalidade enunciado no nº 2 do artigo 266º da
C.R.P., bem como o princípio da garantia da defesa previsto no artigo 20º nº 4 e
5 da C.R.P.
O Acórdão nº 4 de 21 de Maio de 2008 e o Acórdão nº 6 de 15 de Julho de 2008
agora notificado, indeferiram a pretensão do Recorrente, não conhecendo por isso
da questão da prescrição, violando, assim, os princípios constitucionais
referidos.
Não se conformando com estes Acórdãos, vem ao abrigo do disposto no artigo 280º
nº 1 alínea b) e nº 2 alínea d) da Constituição da República Portuguesa e dos
artigos 70º nº 1 alínea b) e 75/A nº 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, interpor
recurso para o Tribunal Constitucional.
3. O relator decidiu, sumariamente, não tomar conhecimento dos recursos assim
interpostos; quanto ao primeiro, disse:
«[...] Já se disse que os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC têm carácter normativo, visando a apreciação da conformidade
constitucional e legal de normas jurídicas aplicadas, como razão de decidir, na
decisão recorrida, não competindo ao Tribunal Constitucional julgar as questões
concretas que são colocadas ao conhecimento dos tribunais comuns, e sindicar
directamente as suas decisões.
Também agora se deve começar por afastar a possibilidade de conhecer do recurso
disciplinado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC; ao recorrente
incumbiria identificar a norma que o tribunal aplicou com violação de lei com
valor reforçado, ou com violação de qualquer um dos diplomas referidos no
preceito, o que manifestamente não fez. Nem tal questão foi alguma vez suscitada
no processo, perante o Tribunal recorrido, tal como exige o n.º 2 do artigo 72º
da LTC.
Quanto ao recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, haverá
que notar que o acima transcrito requerimento revela que o recorrente não
equaciona, no presente recurso, uma verdadeira questão de inconstitucionalidade
normativa, pois ataca as decisões proferidas visando directamente a solução que
consagraram, designadamente por ter sido 'condenado a repor precisamente o
montante que legalmente lhe é devido', situação que determinaria a aplicação
inconstitucional do artigo 6º do Decreto Regulamentar n.º 3/88 de 22 de Janeiro.
Compreende-se, por isso, que o recorrente invoque, agora, que 'a decisão do
Tribunal de Contas priva o recorrente do direito a receber despesas de
representação próprias do seu estatuto de gestor público hospitalar', decisão
que viola o artigo 13º da Constituição, 'já que coloca o Recorrente em
desigualdade com todos aqueles que têm estatuto profissional idêntico ao seu.'
Ou seja: não é a norma aplicada que fere a Constituição, mas a solução ditada
ao abrigo da norma que seria inconstitucional. Pede-se, em suma, que o Tribunal
Constitucional rectifique a decisão decretada, o que no âmbito deste recurso é,
como se disse, inadmissível.
É, também, numa perspectiva de ataque directo à decisão adoptada – e não a
qualquer norma nela aplicada – que surge a invocação da violação do artigo 20º
da Constituição, alegadamente em virtude de o Tribunal recorrido haver apreciado
questões 'sem o exercício do contraditório'. É bem patente que a crítica se
dirige à actividade processual do Tribunal recorrido e às decisões que proferiu
'sem o exercício do contraditório'.
Não é, possível, portanto, conhecer destes recursos.[...]»
4. Quanto ao segundo, a decisão apresenta o seguinte teor:
Mas, também neste recurso o recorrente visa impugnar directamente a decisão
recorrida e não qualquer norma nela aplicada. Na verdade, ao imputar à invocada
omissão de pronúncia a violação da Constituição, o recorrente não está a visar
uma norma jurídica, mas a actividade processual do Tribunal recorrido. De
qualquer modo, a questão relacionada com a aplicação inconstitucional do artigo
70º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto ('inconstitucionalidade da interpretação do
artigo 70º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto, de forma diversa da que o
requerente preconiza'), suscitada numa perspectiva não normativa, nunca poderia
ser agora conhecida, pois é certo que, na decisão recorrida, o Tribunal de
Contas não aplicou esta norma; com efeito, considerando definitivamente julgada
a questão, aquele Tribunal entendeu não poder 'voltar a pronunciar-se sobre a
matéria em causa'.
Em suma, não é possível conhecer dos recursos interpostos pelo recorrente [...].
4. Inconformado, A. reclama no termos do artigo 78º-A n.º 3 da LTC, dizendo:
I. Breve síntese do processado:
1.
O ora Recorrente tem percorrido uma autêntica via crucis neste processo,
nomeadamente na sua tramitação originária, no Tribunal de Contas, onde começou
por ser julgado e absolvido.
2.
Seria fastidioso reproduzir neste articulado as variadíssimas vicissitudes
processuais, traduzidas na persistente omissão de apreciação do mérito das
questões jurídicas formuladas pelo ora Recorrente ao longo dos vários
articulados.
3.
Seria ainda, além do mais, totalmente inútil tal repetição, considerando que o
douto Tribunal tem acesso aos referidos articulados, que se encontram nos autos.
4.
Razão porque, dá o Recorrente por reproduzidos nesta sede, tais articulados, bem
como a argumentação neles oportunamente expendida.
5.
Ao longo das referidas peças processuais, foi o Recorrente suscitando várias
inconstitucionalidades, que justificaram o primeiro recurso para este douto
Tribunal, em 10/12/2007.
6.
Na sequência do aludido recurso, foi proferido no Tribunal Constitucional, o
despacho de aperfeiçoamento datado de 18/02/2008, ao qual o Recorrente deu
pronta resposta em articulado de 29/02/2008.
7.
Considerando que se verificava omissão de pronúncia por parte do Tribunal de
Contas, relativamente a um requerimento anterior onde se invocava a prescrição
do procedimento, foi proferido despacho por este douto Tribunal, que determinou
o reenvio dos autos ao Tribunal de Contas, para suprimento da referida omissão.
8.
O Tribunal de Contas, apesar do reenvio do processo para esse efeito, persistiu
na recusa de apreciação do mérito da questão que lhe fora colocada, após o que o
ora Recorrente interpôs novamente recurso para o Tribunal Constitucional, em
30/07/2008.
9.
Foi na sequência do referido recurso, que ocorreu a prolação da decisão sumária,
com a qual, salvo o devido respeito, o Recorrente não pode conformar-se,
deduzindo em consequência, a presente reclamação, ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro.
II. As inconstitucionalidades suscitadas:
10.
Refere-se na fundamentação da douta decisão sumária, objecto da presente
reclamação: «... o recorrente visa impugnar directamente a decisão recorrida e
não qualquer norma nela aplicada. Na verdade, ao imputar à invocada omissão de
pronúncia a violação da Constituição, o recorrente não está a visar uma norma
jurídica, mas a actividade processual do tribunal recorrido...».
11.
Ressalvando todo o respeito devido, não pode o Recorrente estar de acordo com a
douta argumentação expendida pelo Tribunal na decisão sumária em apreço.
1) Da inconstitucionalidade do artigo 70.º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto,
quando interpretado no sentido de ser aplicável o regime de interrupção da
prescrição previsto nos artigos 323.º e 327.º do CPC.
12.
Reformulada a questão posta ao douto Tribunal, nos termos, ora enunciados,
concluímos que, o que o Recorrente sempre visou nesta sede processual, não foi
atacar directamente a actividade processual do Tribunal de Contas, mas sim a
interpretação desconforme à Constituição e aos seus princípios, que o recorrente
oportunamente enumerou no seu requerimento, argumentação para a qual ora se
remete.
13.
Por outro lado, permite-se o Recorrente, sempre ressalvando todo o respeito
devido, discordar da afirmação contida na decisão sumária, de que o Tribunal de
Contas não terá aplicado a norma citada — artigo 70.º da Lei n.º 98/97 de 26 de
Agosto,
14.
Tal disposição legal foi efectivamente aplicada no acórdão n.º 2/06, a fls. 57 a
62.
15.
Reformulando assim a questão colocada em sede de reclamação para a conferência,
nos termos do já citado n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro, requer o recorrente que seja declarada a inconstitucionalidade do
artigo 70.º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto, quando interpretada no sentido de
ser aplicável o regime de interrupção da prescrição previsto nos artigos 323.º e
327.º do CPC.
2) Da inconstitucionalidade do artigo 684.º n.º 3 do CPC, quando interpretado no
sentido de permitir que o tribunal de recurso conheça de matérias não invocadas
pelo recorrente:
16.
Conforme se alegou em anteriores peças processuais, para as quais ora se remete,
o Tribunal de Contas, foi muito para além das conclusões expressas no
requerimento de interposição de recurso, formulado pelo Digno Procurador da
República.
17.
Tal questão foi exaustivamente suscitada pelo ora Recorrente, no requerimento de
6 de Novembro de 2006, nos artigos 29.º a 48.º e 132.º e seguintes.
18.
Considerando a oportuna invocação da inconstitucionalidade em apreço, com os
fundamentos já expendidos em anteriores articulados, deverá a conferência
declarar a inconstitucionalidade do artigo 684.º n.º 3 do CPC, quando
interpretado no sentido de permitir que o tribunal de recurso conheça de
matérias não invocadas pelo recorrente.
3) Da inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º
3/88 de 22 de Janeiro, quando interpretado no sentido de que os membros do CA,
não têm direito a despesas de representação, por manifesta violação do princípio
da igualdade.
19.º
No seu requerimento de 6 de Novembro de 2006, nomeadamente nos artigos 84.º a
89.º, preconizou o recorrente a inconstitucionalidade ora invocada, alegando em
síntese:
2.º
Foi condenado a repor precisamente o montante que legalmente lhe é devido, a
título de despesas de representação, na sua qualidade de membro do conselho de
administração.
21.º
E em situação alguma o Digno Recorrente questionou o direito do reclamante a
receber despesas de representação. Questionou sim o montante da sua remuneração.
Mas este foi confirmado na decisão da 1.ª Instância e também aceite, no acórdão
do Tribunal de Contas.
22.º
Ora, interpretando o referido Decreto Regulamentar, como o fez, na decisão em
que condenou o recorrente, o Tribunal de Contas violou o princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, já que da sua
decisão decorre como consequência directa e imediata, para o ora reclamante, a
privação de um direito que a lei confere a todos os que se encontram na sua
situação específica,
23.º
Em coerência com a argumentação ora expendida, invocando ainda os fundamentos
que já constam dos anteriores articulados, que se dão por reproduzidos nesta
sede, requer o recorrente, à douta conferência, que declare a
inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 3/88 de
22 de Janeiro, quando interpretado no sentido de que os membros do CA de que
fazia parte o Recorrente, não têm direito a despesas de representação, por
manifesta violação do princípio da igualdade.
5. O representante do Ministério Público neste Tribunal entende que a
reclamação é improcedente. Cumpre agora decidir.
6. É de notar que a reclamação verdadeiramente não ataca os fundamentos da
decisão sumária aqui reclamada, excepto num único ponto. Diz o reclamante: '13.
Por outro lado, permite-se o Recorrente [...] discordar da afirmação contida na
decisão sumária, de que o Tribunal de Contas não terá aplicado a norma citada —
artigo 70.º da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto. 14. Tal disposição legal foi
efectivamente aplicada no acórdão n.º 2/06, a fls. 57 a 62.'
Ora a verdade é que na parte em que a decisão sumária afirma: 'De qualquer modo,
a questão relacionada com a aplicação inconstitucional do artigo 70º da Lei n.º
98/97 de 26 de Agosto ('inconstitucionalidade da interpretação do artigo 70º da
Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto, de forma diversa da que o requerente preconiza'),
suscitada numa perspectiva não normativa, nunca poderia ser agora conhecida,
pois é certo que, na decisão recorrida, o Tribunal de Contas não aplicou esta
norma; com efeito, considerando definitivamente julgada a questão, aquele
Tribunal entendeu não poder 'voltar a pronunciar-se sobre a matéria em causa', a
decisão estava reportar-se ao recurso interposto pelo recorrente através do
requerimento de fls. 1048, que visava impugnar os Acórdãos n.ºs 4 de 21 de Maio
de 2008 e 6 de 15 de Julho de 2008, e não o Acórdão n.º 2/2006, como agora o
recorrente vem invocar. Na verdade, os arestos recorridos não aplicaram a dita
norma, conforme se observa na decisão ora reclamada, pois consideraram
definitivamente julgada a questão, não podendo 'voltar a pronunciar-se sobre a
matéria em causa'.
7. Quanto ao mais: ponderou-se, na decisão sumária reclamada – e este
entendimento é inteiramente de manter – que os recursos previstos na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da LTC têm carácter normativo, visando a apreciação da
conformidade constitucional e legal de normas jurídicas aplicadas, como razão de
decidir, na decisão recorrida, não competindo ao Tribunal Constitucional julgar
as questões concretas que são colocadas ao conhecimento dos tribunais comuns, e
sindicar directamente as suas decisões. Por outro lado, há que recordar que o
âmbito do recurso de inconstitucionalidade é definido pelo recorrente no
requerimento de interposição do recurso, pois é a análise dessa peça processual
que habilita o Tribunal a ajuizar da verificação dos seus pressupostos.
O reclamante pretende redefinir o âmbito dos seus recursos, ao dar uma nova
formulação às questões que anteriormente levantara, acentuando, inovadoramente,
o carácter normativo das correspondentes determinações jurídicas.
Mas, para além de tal não ser possível, nesta fase, a verdade é que, apesar
desta nova aparência, se mantêm as razões que levaram a decidir não conhecer dos
recursos: a matéria relativa ao artigo 70º da Lei 98/97 de 26 de Agosto escapa
ao conhecimento do Tribunal, conforme supra se deixou explicado; as demais,
porque através delas o recorrente visa directamente obter uma nova solução
jurisdicional, sem respeitar os limites de competência do Tribunal ao apreciar
este tipo de recursos, isto é, sem verdadeiramente questionar a conformidade
constitucional de norma jurídica aplicada nas decisões recorridas como razão de
decidir.
Em suma, improcede a reclamação.
8. Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a
decisão de não conhecer dos recursos interpostos. Custas pelo reclamante,
fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 12 de Novembro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão