Imprimir acórdão
Processo n.º 736/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., Lda. deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação
judicial contra a liquidação de sisa, juros e coima que lhe foi notificada por
aviso de 19 de Fevereiro de 2004 do Serviço de Finanças da Amadora. O pedido
improcedeu por sentença de 15 de Setembro de 2005.
A recorrente impugnou a sentença, de facto e de direito, em recurso dirigido à
secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.
Todavia, por acórdão de 28 de Março de 2006, este último Tribunal decidiu não
conhecer do objecto do recurso.
A., Lda. pretendeu, então, interpor recurso por oposição de acórdãos, “para o
pleno da secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo”,
não sem antes reclamar, pedindo a reforma da decisão e invocando a sua nulidade.
Por acórdão de 4 de Julho de 2006, o Tribunal indeferiu o pedido de reforma e a
arguição da nulidade.
Depois disso, o Relator, por despacho proferido em 13 de Março de 2007, admitiu
liminarmente o recurso por oposição de acórdãos; mas, apresentada a alegação da
recorrente, o mesmo Relator decidiu, por despacho de 15 de Maio de 2007,
declarar findo esse recurso, ao abrigo do disposto no artigo 284.º n.º 5 CPPT,
pois julgou não verificada a invocada oposição de julgados.
Contra o despacho reclamou para a conferência a impugnante A., Lda..
Por acórdão de 11 de Julho de 2007 a conferência do 2.º Juízo da 2.ª Secção do
Tribunal Central Administrativo Sul indeferiu a reclamação.
Contra este acórdão reclamou novamente a impugnante. Invocou, para além do mais,
que “a atribuição no artigo 284.º n.º 5 do CPPT da competência ao relator do
Tribunal Central Administrativo Sul para o julgamento da questão preliminar do
seguimento do recurso, retirando-a ao plenário da secção do contencioso
tributário, é organicamente inconstitucional”, por violação da autorização
legislativa concedida pela Lei n.º 87.º-B/98 e do disposto no artigo 165.º n.º 1
alínea p) da Constituição; suscitou ainda questões relacionadas com a
desconformidade constitucional substantiva de normas pretensamente aplicadas na
decisão reclamada.
Por despacho de 25 de Outubro de 2007 o Relator decidiu não conhecer da
reclamação, com fundamento de nela se suscitarem questões ou já definitivamente
decididas, ou novas, quando se mostrava já esgotado o poder jurisdicional do
tribunal para as apreciar.
2. Notificada deste despacho, A., Lda. recorreu para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro (LTC), nos termos seguintes:
«[...]
– o recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tendo as questões de
constitucionalidade sido suscitadas ao longo do processo, e reiteradas na
suscitação da nulidade do acórdão da conferência, que se anexa, tal como deu
entrada nesse Tribunal, em 27 de Julho de 2007; (doc. 1)
– nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, tal recurso só pode ser interposto de
decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever, ou por se
terem esgotado os que ao caso cabiam. Ora, pelo despacho de V. Exa de 25 de
Outubro de 2007, cuja notificação foi expedida por correio em 29 do mesmo mês,
foi recusado o conhecimento ao requerimento anexo, em que o recorrente suscita a
nulidade do acórdão da conferência e, subsidiariamente, pedia a sua reforma, o
que implica o esgotamento dos recursos ao dispor desta para impugnar aquela
decisão.
– o presente recurso de constitucionalidade está em tempo, porque o prazo para
recorrer para o Tribunal Constitucional quando um recurso ordinário não seja
admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, se conta do momento em
que se torna definitiva a decisão que não admite recurso (artigo 75.º, n.º 2, da
Lei n.º 28/82, de 18 de Novembro);
– a recorrente tem legitimidade e interesse na decisão das questões de
constitucionalidade que ora retoma, porque da procedência delas resultará a
obrigação para o Tribunal recorrido decidir sobre o mérito da questão, coisa que
até agora sempre foi sonegado à recorrente;
– a recorrente pretende ver apreciada a conformidade constitucional das normas:
a) do artigo 284/5 do CPPT, porquanto, como se escreveu no requerimento anexo,
“A atribuição da competência ao relator no Tribunal Central Administrativo do
Sul para o julgamento da questão preliminar do seguimento do recurso,
retirando-a, ao plenário da secção do contencioso tributário, é organicamente
inconstitucional”; isto porque, como nessa altura se escreveu, “o legislador do
CPPT não podia modificar a competência do STA, uma vez que a opção legislativa
ao abrigo do qual foi aprovado — art. 51/1/6 da lei 82.ºB/98 não prevê o
possibilidade de alteração da competência dos Tribunais, que como se sabe é
matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República.”
b) dos artigos 704/1, 3/ e 690/4 do CPC – aplicáveis por força do disposto no
artigo 2/e do CPPT – todas intencionadas a dar expressão ao princípio do
contraditório e do processo equitativo, este consagrado no artigo 20/4 da CRP,
mas que, na interpretação que lhes foi dada pela decisão recorrida, ao
permitirem uma decisão surpresa – mais a mais uma decisão surpresa de que se
recusou liminarmente a apreciação da nulidade suscitada e até a reforma
solicitada – ganharam um sentido desconforme com as exigências da Lei
Fundamental, como se invocou logo na primeira oportunidade que se teve de reagir
a tal decisão, e consta do requerimento de suscitação de nulidade anexo, tal
como entregue nesse Venerando Tribunal em 27 de Julho de 2007, e cujos termos
aqui se dão por reproduzidos;
c) do art. 124 do CPPT, “À luz do princípio constitucional de garantia aos
administrados da tutela jurisdicional efectiva – art. 268/4 da CRP”, na medida
em que, como então se referiu, “o Tribunal Central Administrativo do Sul estava
obrigado no aplicação do art. 124 do CPPT, a apreciar prioritariamente os vícios
invocados/alegados que conduziriam a inexistência ou nulidade do acto de
liquidação, pelo que o entendimento que dele fez torno esse art. 124
constitucionalmente desconforme”;
Nestes termos, requer a V. Excia. que se digne admitir o presente recurso e o
faça subir com o efeito próprio, que é suspensivo, seguindo-se os termos legais.
»
3. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido, por despacho que não vincula o
Tribunal Constitucional – artigo 76º n.º 3 da LTC. E a verdade é que a pretensão
da recorrente foi objecto de decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com o seguinte fundamento:
«[...] O recurso previsto no artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro tem pressupostos específicos, exigindo-se que a questão de
inconstitucionalidade haja sido oportunamente suscitada no tribunal recorrido,
por forma a “este estar obrigado a dela conhecer” – n.º 2 do artigo 72.º da
citada LTC.
Ora, as questões que a recorrente quer ver apreciadas no presente recurso só
foram suscitadas na reclamação que o Tribunal Central Administrativo Sul não
conheceu, por a considerar irregularmente apresentada. Isto é: as questões não
foram adequadamente suscitadas no tribunal recorrido, conforme exige o aludido
artigo 72.º n.º 2 da LTC.
Com este fundamento e nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de
justiça em 7 UC.»
4. Notificada, a recorrente reclama para a Conferência, nos seguintes termos:
A., Lda., recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a
douta decisão sumária que lhe foi notificada com data de 10 de Outubro de 2008,
vem dela interpor reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo
7º-A da Lei do Tribunal Constitucional o que faz nos seguintes termos:
A) No Requerimento de interposição do recurso para esse Venerando Tribunal (que
a decisão sumária transcreveu) a recorrente suscitou as questões de
constitucionalidade que, ao longo do processo, foi em momentos diversos,
suscitando e que entendeu poderem ser objecto de análise por parte do Tribunal
Constitucional (razão pela qual omitiu referência às questões de
constitucionalidade suscitadas na Conclusão 2 das alegações que dirigiu ao
Tribunal Central Administrativo Sul em 23 de Novembro de 2005, bem como as que
assomaram no ponto 38, alínea c) do recurso que interpôs para o Pleno da Secção
do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 19 de Abril de
2006, por, em ambos os casos, não ter identificado a norma que imputava a
inconstitucionalidade, bem assim como omitiu referência a outras questões de
constitucionalidade suscitadas ao longo do processo, justamente por ter
ponderado que em relação a elas o Tribunal Constitucional não poderia conhecer).
Sobre o infundado do juízo excessivamente sumário com que o Tribunal
Constitucional recebeu esta selecção da recorrente se dirá infra (B).
Por ora, limita-se a recorrente a reclamar que a conferência prevista no n.º 3
do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional distinga, quanto à verificação
dos pressupostos do seu conhecimento, as diferentes questões de
constitucionalidade que porfiou para levar a esse Alto Tribunal e, pelo menos em
relação a algumas delas, mande prosseguir o recurso.
E isto porque (seguindo a ordem inversa pela qual foram apresentadas no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade):
a) a questão da inconstitucionalidade do artigo 224º do CPPT foi inicialmente
formulada nas alegações apresentadas em 27 de Março de 2007 [conclusões P) e Q)]
e retomada no requerimento de reforma do despacho do Exmo. Senhor Desembargador
Relator apresentado no Tribunal Central Administrativo Sul em 4 de Junho de
2007, e não apenas na suscitação da nulidade do acórdão da conferência, em 27 de
Junho de 2007, ao contrário do que a decisão sumária refere;
b) a questão de inconstitucionalidade dos artigos 704.º, n.ºs 1 e 3 e 690.º, n.º
4 do Código de Processo Civil foi, de facto, apenas suscitada no requerimento de
suscitação de nulidade do acórdão da conferência, e não chegou a ser apreciada
pela conferência da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central
Administrativo Sul. Porém, no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade invocou-se que o não cumprimento do ónus de suscitação
atempada dessa questão não impedia o seu conhecimento por parte do Tribunal
Constitucional, pois não tivera a recorrente, antes de tal recusa, oportunidade
para pôr em causa a conformidade constitucional da interpretação que era, assim,
dada a tais normas. Ora, tratando-se de uma das excepções à regra da necessária
suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, de
forma a poder dele colher uma decisão sobre tal questão, sempre o Tribunal
Constitucional teria de se pronunciar sobre a verificação, ou não, de tal
excepção.
c) a questão da inconstitucionalidade (orgânica) do artigo 284º n.º 5 do CPPT,
porém, não podia deixar de ser conhecida. É que, como se escreveu no Acórdão n.º
3/83 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10 vol., 1983, pp. 245-258) o acórdão
que fundou a jurisprudência constante sobre o que significa “suscitar as
questões de constitucionalidade durante o processo” – “não é só para rectificar
erros materiais ou suprir nulidades que o juiz poderá ser chamado a
pronunciar-se após ter proferido a decisão final, insusceptível de recurso
ordinário. Poderá requerer-se-lhe que julgue o tribunal incompetente (...)” É
esse, aliás, o regime expressamente previsto na Lei, por força do disposto no
n.º 1 do artigo 102º do Código de Processo Civil:
“A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes (...) em qualquer estado
do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida
sobre o fundo da causa.”
Ora, ao suscitar perante o próprio Tribunal Central Administrativo Sul a questão
da inconstitucionalidade — em verdade, da absoluta incompetência — da norma que
atribui (à margem das regras constitucionais, por falta de autorização
legislativa) competência ao relator desse tribunal para o julgamento preliminar
do seguimento do recurso, retirando-a ao Plenário da Secção do Contencioso
Tributário, a recorrente preencheu, inequivocamente, os requisitos para que essa
questão fosse apreciada, não só pelo Tribunal Constitucional, como até pelo
próprio Tribunal Central Administrativo Sul.
O que, naturalmente, contava explicar nas alegações de recurso (e não imaginou
tivesse de instruir o requerimento de interposição deste).
B) Ainda que como referido nalguma jurisprudência constitucional na intervenção
da conferência esteja menos um pedido de reanálise da decisão do Exmo.
Conselheiro Relator do que a autónoma verificação dos pressupostos do recurso
que se pretendeu interpor, não se quer deixar passar a oportunidade de
evidenciar os lapsos manifestos em que a decisão sumária incorreu ao tratar a
complexidade das questões suscitadas pelo ora reclamante em 8 (oito!) linhas.
Não com o intuito de evidenciar as falhas de fundamentação da decisão sumária
elas serão até indiferentes se a conferência determinar o prosseguimento do
recurso (e a alteração da condenação em custas) — mas como forma de prevenir que
a conferência siga o mesmo percurso de (in)fundamentação. O que se pretende é
ter oportunidade de alegar perante esse Alto Tribunal em relação a todas ou
alguma(s) das questões de constitucionalidade que lhe foram colocadas.
Entende a recorrente que deveria poder fazê-lo, porquanto:
a) Escreveu-se na decisão sumária que “as questões que a recorrente quer ver
apreciadas no presente recurso só foram suscitadas na reclamação que o Tribunal
Central Administrativo Sul não conheceu, por a considerar irregularmente
apresentada.”
Como já se referiu, não é assim.
Logo, só por lapso manifesto se pode escrever, para fundar uma decisão sumária
de não conhecimento (rectius: como única razão para fundar tal decisão) algo que
o mero compulsar do processo desmente.
Acresce que há ainda um segundo lapso manifesto, que segue imediatamente o passo
acima transcrito:
b) Escreveu-se na decisão sumária que, como o Tribunal Central Administrativo
Sul considerou que as questões (de inconstitucionalidade) foram só suscitadas na
reclamação considerada “irregularmente apresentada”, “as questões não foram
adequadamente suscitadas no tribunal recorrido conforme exige o aludido artigo
72.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional.”
Ou seja: o que na decisão sumária se enuncia é um mero juízo de facto. Como o
tribunal recorrido considerou que as questões de constitucionalidade tinham sido
suscitadas em reclamação “irregularmente apresentada”, o Tribunal Constitucional
recusou, liminarmente, delas conhecer.
Com todo o respeito, dessa opinião do tribunal recorrido já a recorrente se
inteirara.
O que a recorrente esperava era um juízo autónomo do Tribunal Constitucional
sobre as diversas questões de constitucionalidades que, ao longo do processo,
foi defrontando e que, após adequado crivo, entendeu estarem em condições de
serem apreciadas por esse Tribunal. Não era certamente para que, ainda que por
via de decisão sumária, esse Venerando Tribunal remetesse, e por grosso, para a
anterior decisão do tribunal recorrido. Aliás, segundo essa lógica, nem faria
sentido prever a lei (e a Constituição) recursos de constitucionalidade (ou
quaisquer outros): se os tribunais superiores podem decidir dizendo que a
questão já foi decidida e apenas porque já foi decidida, para que servem os
tribunais superiores?
A recorrente, uma empresa que porfia por criar riqueza, tem boas razões para se
queixar da obstinação da Administração Fiscal, que a torna devedora do montante
de sisa apenas porque, em vez de ter realizado uma movimentação fictícia do
prédio rústico entre sociedades irmãs (até adrede constituídas), requereu a
prorrogação do prazo de três anos de isenção de sisa para efeitos do artigo
13º-A do CIMSISSD (como consta dos factos provados na decisão do Tribunal
Central Administrativo Sul de 7 de Setembro de 2007) e por boas razões: esteve
impedida de fruir da sua posse, havendo pois justo impedimento. Mas tem também
razões para se queixar do modo como as diversos tribunais, chamados a aferir do
mal fundado dessa dívida e da literalista interpretação da 1ei, acabaram sempre
por se escusar a uma decisão sobre o mérito das suas razões, invocando quase
sempre o anteriormente decidido porque assim tinha sido decidido quando o que se
pede (o que se exige) aos tribunais, não é que se deixem condicionar por uma
decisão da instância anterior, é que apreciem e decidam por si. (E, se acaso
decidirem no mesmo sentido, que o façam por razões materiais, e não por mera
invocação do “precedente”: note-se, aliás, que a “simples remissão” que o artigo
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional consente nas decisões sumárias é, como
não podia deixar de ser, “para anterior jurisprudência do Tribunal”. Dele
próprio, entenda-se, não do recorrido).
Isto dito, que implica um óbvio lapso — ou um lapso manifesto, ou um erro grave
— na construção da decisão sumária, retome-se então, em jeito de conclusão, o
que se invocou:
C) Conclusões:
i) Em anexo ao requerimento de recurso ia – desnecessariamente, até – a peça
processual em que, por último, se tinham apresentado as três questões de
constitucionalidade que, no recurso, se pedia ao Tribunal Constitucional que
apreciasse:
– uma (a questão da inconstitucionalidade do artigo 124º do CPPT) citada em
anterior fase processual;
– outra (a questão de inconstitucionalidade dos artigos 794º, n.ºs 1 e 3 e 690.º
n.º 4 do Código de Processo Civil) só então suscitada porque não houvera antes
oportunidade, nem razão, para a suscitar – ligada que estava à imprevista
tramitação ocorrida na última intervenção jurisdicional a que reagia;
– e outra (a questão da inconstitucionalidade (orgânica) do artigo 284º n.º 5 do
CPPT) que o foi nessa altura, mas em relação à qual o poder jurisdicional do
tribunal ora recorrido ainda se não esgotara.
ii) Por razões diferentes, cada uma delas tinha pretensão de ser apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
iii) Salvo o devido respeito, a decisão sumária andou duplamente mal:
– usou o mesmo fundamento para o indeferimento do recurso relativo às três
(diferentes, nos seus pressupostos) questões de constitucionalidade;
– usou como argumento um juízo de facto: o de que esse fora o juízo do tribunal
recorrido.
Pede-se, portanto, à conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, que
altere a decisão sumária proferida nos autos mande seguir o recurso,
determinando a produção de alegações
E pede-se, ainda, a
D) Reforma a decisão quanto a custas
Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 669º do Código de Processo Civil,
é possível pedir a reforma da decisão quanto a custas.
Visando estas, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 9º do específico diploma
das custas no Tribunal Constitucional (o Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de
Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de Junho) manter conexão
com a complexidade da actividade jurisdicional desenvolvida, afigura-se
absolutamente desproporcionada a imposição de uma taxa (uma taxa, note-se) de
7UC - ou seja, praticamente uma UC por linha de fundamentação! (Que, ainda para
mais, nem o chega a ser: 4 linhas referem-se ao enquadramento legal, outras 4 ao
que o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu. Sobre o que o Tribunal
Constitucional tem a dizer sobre o preenchimento dos requisitos de conhecimento
de cada um dos três blocos normativos suspeitos de inconstitucionalidade, a
decisão sumária nada diz: decide, em linha e meia, não conhecer (e, em outra
linha, condenar em 7UC!).
Nem se diga que a condenação em custas “está em linha” com o praticado em outras
decisões sumárias: há decisões sumárias e decisões sumárias. O único termo de
comparação admissível será o de outras decisões sumárias com a mesma extensão de
fundamentação e nenhuma razão autónoma do Tribunal Constitucional (vale, pois,
para as decisões sumárias que, como esta, concluam, que as questões de
constitucionalidade não foram “adequadamente suscitadas no tribunal recorrido”
porque... este assim o entendeu!).
Como não há outras razões (“natureza do processo”, “relevância dos interesses em
causa”, “actividade contumaz” necessariamente na justiça constitucional) para as
custas em 70% do seu valor máximo (n.º 2 do artigo 6º do mesmo diploma)
solicita-se a reponderação da condenação em custas, até porque é por causa das
supra mencionadas insuficiências da decisão sumária que resulta a necessidade de
voltar a suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional.
5. O representante da Fazenda Pública respondeu.
Cumpre decidir.
6. São três as questões que a recorrente, ora reclamante, pretende ver
apreciadas no recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, e que a decisão sumária ora em
reclamação recusou conhecer. A primeira, diz respeito à alegada
inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 284º n.º 5 do CPPT, porquanto
“a atribuição da competência ao relator no Tribunal Central Administrativo do
Sul para o julgamento da questão preliminar do seguimento do recurso,
retirando-a ao plenário da secção do contencioso tributário, é organicamente
inconstitucional”.
A mera enunciação da questão revela que a matéria se reporta ao já referido
despacho de 15 de Maio de 2007, proferido pelo Relator. É, assim, patente que a
adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade orgânica do preceito que
habilitou o Relator a proferir o aludido despacho, em termos de o tribunal comum
'estar obrigado a dela conhecer' (artigo 72º n.º 2 da LTC), deveria ter ocorrido
na reclamação que a ora reclamante formulou contra tal despacho; mas não o fez,
só vindo a levantar a questão na reclamação apresentada contra o acórdão que o
Tribunal Central Administrativo Sul proferiu sobre tal pedido; ora, conforme se
diz na decisão sumária, esse não era já o momento oportuno para suscitar a
questão.
É que, estritamente para efeito da suscitação de inconstitucionalidade
normativa, exige o já mencionado artigo 72º n.º 2 da LTC que a questão seja
levantada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', devendo
interpretar-se tal requisito no sentido de a questão relativa à
inconstitucionalidade da norma dever ser levantada em momento anterior à
aplicação dessa norma pelo tribunal recorrido, quando, como era manifestamente o
caso, a ora reclamante teve plena oportunidade de o fazer e ainda que, por
hipótese, se tratasse de matéria que o Tribunal recorrido pudesse conhecer a
todo o tempo. Na verdade, as duas questões não se confundem: a primeira,
respeita à possibilidade de o tribunal comum conhecer substancialmente de uma
determinada matéria; a outra, diz respeito a um específico requisito de
interposição do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Exigindo o n.º 2 do artigo 72º da LTC que a questão haja sido previamente
submetida ao julgamento do tribunal comum, o não cumprimento deste ónus – quando
o recorrente teve plena oportunidade de o fazer – impede que o tribunal
recorrido conheça da questão e determina inelutavelmente que se julgue não
preenchido o correspondente requisito.
7. A segunda questão de inconstitucionalidade normativa diz respeito às normas
'dos artigos 704/1, 3/ e 690/4 do CPC – aplicáveis por força do disposto no
artigo 2/e do CPPT – todas intencionadas a dar expressão ao princípio do
contraditório e do processo equitativo, este consagrado no artigo 20/4 da CRP,
mas que, na interpretação que lhes foi dada pela decisão recorrida, ao
permitirem uma decisão surpresa – mais a mais uma decisão surpresa de que se
recusou liminarmente a apreciação da nulidade suscitada e até a reforma
solicitada – ganharam um sentido desconforme com as exigências da Lei
Fundamental, como se invocou logo na primeira oportunidade que se teve de reagir
a tal decisão, e consta do requerimento de suscitação de nulidade'.
Admite a ora reclamante que apenas suscitou a questão no requerimento 'de
suscitação de nulidade do acórdão da conferência', e que a mesma não chegou a
ser conhecida no Tribunal Central Administrativo Sul. No entanto, sustenta que o
não cumprimento do ónus de suscitação atempada não deve impedir o seu
conhecimento no Tribunal Constitucional, 'pois não tivera a recorrente, antes de
tal recusa, oportunidade para pôr em causa a conformidade constitucional da
interpretação que era, assim, dada a tais normas'.
Ora, é patente que o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul aqui
recorrido não aplicou estas normas; na verdade, a matéria apresenta-se ligada a
um anterior aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul – que decidiu não
conhecer do recurso jurisdicional para ele interposto –, decisão que, no
entender da ora reclamante, deveria ter sido antecedida de uma prévia
notificação da intenção do tribunal de não conhecer do objecto do recurso então
interposto. É, por isso, bem certo que a questão não foi adequadamente levantada
perante o tribunal recorrido, pois podia (e devia) ter sido suscitada antes de
proferido o acórdão ora recorrido. Ou seja: ao contrário do que afirma, a ora
reclamante teve plena oportunidade para suscitar adequadamente a questão no
Tribunal recorrido. Não o fez, contudo, o que impede que se dê por verificado o
requisito, tal como consta da decisão em crise.
8. Finalmente, quanto à norma da alínea c) do artigo 124 do CPPT, ‘À luz do
princípio constitucional de garantia aos administrados da tutela jurisdicional
efectiva – art. 268/4 da CRP”, na medida em que, como então se referiu, “o
Tribunal Central Administrativo do Sul estava obrigado no aplicação do art. 124
do CPPT, a apreciar prioritariamente os vícios invocados/alegados que
conduziriam a inexistência ou nulidade do acto de liquidação, pelo que o
entendimento que dele fez torna esse art. 124 constitucionalmente desconforme”,
cumpre começar por reter que o acórdão recorrido não fez aplicação desta norma,
nem tratou da matéria a que se reporta a sua invocação. Com efeito, a questão
que lhe está subjacente reporta-se ao vício de que enfermaria uma anterior
decisão do mesmo Tribunal Central Administrativo do Sul, ao não conhecer do
recurso jurisdicional para ele interposto da decisão do Tribunal Administrativo
e Fiscal de Sintra. Formalmente, nada impedia a ora reclamante de ter suscitado
a questão na reclamação formulada antes de ter sido proferido o acórdão
recorrido; todavia, tal não aconteceu. O que, antes desse acórdão, a ora
reclamante invocou foi o dever do tribunal de acatar um pretenso princípio
pro-actione, alegação que manifestamente não representa a suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
Retira-se do exposto que a questão, suscitada que foi apenas na aludida
reclamação, não pode considerar-se adequadamente suscitada perante o tribunal
recorrido, conforme impõe o aludido artigo 72º n.º 2 da LTC.
É, por isso, improcedente a reclamação.
9. Contesta ainda a ora reclamante a sua condenação em custas, por entender que
o seu montante é exageradamente elevado. Mas também não tem razão; o valor
fixado para a correspondente taxa de justiça está dentro dos valores previstos
no n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98 de 7 de Outubro para decisões
similares e está de acordo com a prática do Tribunal. Indefere-se, por isso, o
requerido.
10. Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo nos
precisos termos a decisão de não conhecimento do recurso interposto. Custas pela
ora reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 12 de Novembro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão